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Terapia nutricional enteral associada à pré, pró e simbióticos e colonização do trato gastrintestinal e vias aéreas inferiores de pacientes ventilados mecanicamente

Resumos

OBJETIVOS: A sepse é a principal causa de morte nas unidades de terapia intensiva. Recentemente, têm sido pesquisadas novas formas de prevenção e tratamento de infecção nosocomial, tais como o uso de pré e pró e simbióticos, devido as suas propriedades imunomoduladoras. O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da administração de pré, pro e simbióticos sobre a colonização de trato gastrintestinal e vias aéreas inferiores e sobre a incidência de infecções nosocomiais, particularmente pneumonia associada à ventilação mecânica. MÉTODOS: Pacientes em ventilação mecânica, internados na unidade de terapia intensiva do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho entre novembro de 2004 e agosto de 2006, foram aleatorizados em quatro grupos: controle (n = 16), prebiótico (n = 10), probiótico (n = 12) e simbiótico (n = 11). O tratamento foi administrado por 14 dias. Foram avaliados: a) colonização do trato gastrintestinal e traquéia; b) incidência de infecções nosocomiais, principalmente pneumonia associada a ventilação mecânica; c) tempo de terapia antibiótica, ventilação mecânica, internação e letalidade na terapia intensiva e hospitalar; d) incidência de disfunções orgânicas. RESULTADOS: Foram avaliados 49 pacientes. A letalidade na terapia intensiva foi de 34%, intra-hospitalar de 53% e a mediana do APACHE II de 20 (13 - 25). Os grupos foram comparáveis na admissão. Houve aumento não significativo da proporção de enterobactérias em relação à de não fermentadores no sétimo dia na secreção traqueal nos grupos pré e probiótico e diminuição não-significativa do número de amostras no estômago nos grupos pré, pró e simbiótico no sétimo dia. Não houve diferença na incidência de pneumonia associada a ventilação mecânica, infecção nosocomial ou nos demais parâmetros. CONCLUSÕES: O uso de pré, pró e simbióticos não foi eficaz na prevenção de infecções nosocomiais, porém houve uma tendência de redução da colonização da secreção traqueal por bactérias não fermentadoras.

Terapia nutricional; Nutrição enteral; Trato gastrointestinal; Pneumonia associada à ventilação mecânica; Probióticos


OBJECTIVES: Sepsis is the main cause of death in the intensive care unit. New preventive measures for nosocomial infections have been researched, such as pre, pro and symbiotic usage, due to its immunoregulatory properties. The objective was to evaluate the effect of administration of pre, pro and symbiotic on gastrointestinal and inferior airway colonization and on nosocomial infections, particularly ventilator-associated pneumonia. METHODS: Patients who were admitted to the intensive care unit at Hospital Universitário Clementino Fraga Filho between November 2004 and September 2006 and mechanically ventilated were randomized in one of four groups: control (n = 16), prebiotic (n = 10), probiotic (n = 12) or symbiotic (n = 11). Treatment was administered for fourteen days. Outcomes measured were: a) Colonization of the gastrointestinal tract and trachea; b) incidence of nosocomial infections, particularly ventilator associated pneumonia; c) duration of mechanical ventilation, length of stay in the intensive care unit, duration of hospitalization, mortality rates, and d) development of organ dysfunction. RESULTS: Forty-nine patients were evaluated. intensive care unit's mortality was 34% and in-hospital mortality was 53%, APACHE II median was 20 (13 -25). The groups were matched at admission. There was no difference between the groups in relation to the incidence of ventilator associated pneumonia or nosocomial infection. There was a non-significant increase in the proportion of enterobacteria in the trachea at the seventh day in the pre and probiotic groups compared to control. There was a non-significant decrease in the number of bacteria found in the stomach in the pre, pro and symbiotic group at day 7. No significant difference, in regards to the remaining measured parameters, could be found. CONCLUSIONS: Probiotic therapy was not efficient in the prevention of nosocomial infection but there was a tendency to reduction in tracheal colonization by non-fermenting bacteria.

Nutritional therapy; Enteral nutrition; Gastrointestinal tract; Pneumonia, ventilator-associated; Probiotics


ARTIGO ORIGINAL

Terapia nutricional enteral associada à pré, pró e simbióticos e colonização do trato gastrintestinal e vias aéreas inferiores de pacientes ventilados mecanicamente

Cássia Righy ShinotsukaI; Marta Ribeiro AlexandreII; Cid Marcos Nascimento DavidIII

IMestre, Médica da Unidade Neurointensiva do Hospital Copa D'Or, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIMédica da Unidade Clínica do Hospital Copa D'Or, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIIDoutor, Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e Médico do Centro de Terapia Intensiva do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - UFRJ, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cássia Righy Shinotsuka R. Figueiredo Magalhães, 875 Copacabana 22031-010 Rio de Janeiro (RJ), Brasil Fone (21) 2545-3412 E-mail: cassiarighy@gmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: A sepse é a principal causa de morte nas unidades de terapia intensiva. Recentemente, têm sido pesquisadas novas formas de prevenção e tratamento de infecção nosocomial, tais como o uso de pré e pró e simbióticos, devido as suas propriedades imunomoduladoras. O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da administração de pré, pro e simbióticos sobre a colonização de trato gastrintestinal e vias aéreas inferiores e sobre a incidência de infecções nosocomiais, particularmente pneumonia associada à ventilação mecânica.

MÉTODOS: Pacientes em ventilação mecânica, internados na unidade de terapia intensiva do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho entre novembro de 2004 e agosto de 2006, foram aleatorizados em quatro grupos: controle (n = 16), prebiótico (n = 10), probiótico (n = 12) e simbiótico (n = 11). O tratamento foi administrado por 14 dias. Foram avaliados: a) colonização do trato gastrintestinal e traquéia; b) incidência de infecções nosocomiais, principalmente pneumonia associada a ventilação mecânica; c) tempo de terapia antibiótica, ventilação mecânica, internação e letalidade na terapia intensiva e hospitalar; d) incidência de disfunções orgânicas.

RESULTADOS: Foram avaliados 49 pacientes. A letalidade na terapia intensiva foi de 34%, intra-hospitalar de 53% e a mediana do APACHE II de 20 (13 - 25). Os grupos foram comparáveis na admissão. Houve aumento não significativo da proporção de enterobactérias em relação à de não fermentadores no sétimo dia na secreção traqueal nos grupos pré e probiótico e diminuição não-significativa do número de amostras no estômago nos grupos pré, pró e simbiótico no sétimo dia. Não houve diferença na incidência de pneumonia associada a ventilação mecânica, infecção nosocomial ou nos demais parâmetros.

CONCLUSÕES: O uso de pré, pró e simbióticos não foi eficaz na prevenção de infecções nosocomiais, porém houve uma tendência de redução da colonização da secreção traqueal por bactérias não fermentadoras.

Descritores: Terapia nutricional; Nutrição enteral; Trato gastrointestinal/metabolismo; Pneumonia associada à ventilação mecânica; Probióticos/uso terapêutico

INTRODUÇÃO

A sepse e as suas complicações são as principais causas de morte nas unidades de terapia intensiva (UTI). Ela é considerada uma entidade de extrema gravidade e de alto custo (5 a 16,7 bilhões de dólares ao ano nos Estados Unidos da América - EUA).1 O aumento de casos de sepse levou, ao longo dos anos, ao aumento do consumo de antibióticos e, como conseqüência, à emergência de cepas bacterianas multi-resistentes.2 Recentemente têm sido pesquisadas novas formas de prevenção de infecção nosocomial e tratamento antimicrobiano, como alternativa ao uso de antibióticos, tais como: descontaminação seletiva do trato gastrintestinal3 e o uso de pré, pró e simbióticos.

Os probióticos têm sido estudados em grande número de situações: no tratamento da diarréia aguda infecciosa na infância4, na prevenção da recorrência da doença de Crohn5 e na prevenção e tratamento da diarréia associada ao uso de antibióticos.6. Entretanto, em pacientes internados em UTI, o maior valor do uso dos probióticos parece residir na sua possível capacidade de substituir a microbiota patogênica por bactérias comensais7 e na sua interação com o sistema imunológico.8

Vários estudos foram realizados em pacientes gravemente enfermos, com resultados conflitantes.9-12 Diversas têm sido as explicações para a diferença encontrada entre os resultados - desde a seleção dos pacientes, (com resultados positivos nos pacientes cirúrgicos), o momento de início da administração dos probióticos até o tipo de probiótico utilizado. Devido a tais incertezas, o uso dos probióticos no tratamento intensivo vem sendo objeto de questionamento enquanto se aguardam ensaios clínicos aleatórios.13

O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da administração de pré, pró e simbióticos na colonização gastrintestinal e vias aéreas inferiores de pacientes graves em ventilação mecânica e na incidência de infecções nosocomiais.

MÉTODOS

O estudo foi projetado de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde) e foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF).

Através de um estudo prospectivo, controlado, aleatório e aberto foram avaliados 50 pacientes consecutivos em ventilação mecânica internados na UTI do HUCFF, alocados aleatoriamente em quatro grupos através de uma tabela. O protocolo de estudo encontra-se descrito na figura 1.


Grupo 1 - Controle: administração de dieta normocalórica (1 kcal/mL), polimérica, isoosmolar (315 mOsm/kg) e com 40 g/L de proteína em sistema aberto através de cateter nasoentérico localizado em posição gástrica;

Grupo 2 - Prebiótico: administração da dieta controle adicionada a polissacarídeo de soja (14 g/L);

Grupo 3 - Probiótico: administração da dieta controle adicionada ao probiótico lactobacillus johnsonii La1 na dose de 109 UFC duas vezes ao dia;

Grupo 4 - Simbiótico: administração da dieta controle adicionada a polissacarídeo de soja e ao probiótico nas doses já mencionadas.

Os frascos contendo lactobacilos eram armazenados na geladeira localizada na UTI por período não superior a um mês, conforme especificado no prazo de validade impresso na embalagem. Os frascos foram retirados no momento da administração e seu conteúdo aspirado em uma seringa de 10 mL, em seguida administrado ao paciente através do cateter nasoentérico.

Os critérios de inclusão foram: uso de nutrição enteral; estar em ventilação mecânica; idade > 18 anos; aceitação de participação no estudo pelo familiar.

Os critérios de exclusão foram: uso no último mês de fibras ou probióticos; presença de imunossupressão clinicamente significativa (transplante de órgãos, quimioterapia, neoplasia hematológica ativa, uso nos últimos três meses de corticosteróide em dose maior ou equivalente a 1 mg/kg de prednisona, síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), uso de imunossupressores) e gravidez.

Os critérios de término foram: impossibilidade do uso do trato gastrintestinal (definida como uso de nutrição enteral sem alcançar 50% do valor energético total (VET) ou uso de nutrição parenteral); alta da UTI, óbito; saída de ventilação mecânica.

Como desfecho primário, foi avaliada a colonização por bactérias aeróbias patogênicas do trato gastrintestinal e traquéia na admissão, 7º e 14º dias de estudo. Para tanto, foram coletadas culturas qualitativas para análise de bactérias aeróbias e anaeróbias facultativas de secreção traqueal, secreção gástrica e swab retal na admissão do estudo, no 7º e 14º dias. As amostras de culturas foram coletadas após a interrupção matinal da dieta por cerca de três horas para procedimentos de enfermagem de acordo com a rotina do serviço. Entretanto, não foi possível a coleta de amostras para análise microbiológica de todos os pacientes em todos os momentos do estudo por diversos motivos, a saber: saída do estudo por alta, óbito ou saída de ventilação mecânica, impossibilidade de nutrição enteral, ausência de secreção gástrica ou traqueal em quantidade apropriada para cultura, entre outros.

Como desfechos secundários, avaliou-se a incidência de infecções nosocomiais até 30 dias após a admissão no estudo, bem como o número de dias com antibioticoterapia, número de dias em ventilação mecânica, tempo de internação na UTI e hospitalar, além de alta do UTI e hospitalar. Além disso, foi analisada a evolução da disfunção orgânica nos primeiros 14 dias da admissão do estudo através da aplicação do escore Sequential Organ Failure Assessement (SOFA) e a análise do delta SOFA nas primeiras 48 e 72 horas de admissão no estudo.

Foram coletadas informações sobre a freqüência de infecções nosocomiais desenvolvidas na UTI até um mês após a admissão no estudo e seus patógenos causadores, além de informações sobre o uso (tipo, tempo e quantidade) de antibioticoterapia. Todos os pacientes foram avaliados de acordo com a sua gravidade através do escore Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II)14 e Simplified Acute Physiology Score II (SAPS II)15 na internação e através da aplicação do escore SOFA no 1º, 2º, 3º, 7º, 10º e 14º dias de internação. As comorbidades foram avaliadas através da aplicação do índice de Charlson. As infecções foram determinadas de acordo com as definições do International SepsisForum16, exceto a sinusite nosocomial.

Todos os pacientes encontravam-se em uso de bloqueador de receptor H2 ou bloqueador de bomba de prótons durante todo o tempo do estudo.

O cálculo do tamanho da amostra foi realizado baseando-se em estudo prévio em pacientes graves.12 Foi estimado que se necessitava de 32 pacientes em cada grupo para detectar diminuição de 85% para 50% na colonização gástrica com nível significativo de 5% e poder de 80%. Para tanto foi usado o software estatístico Epiinfo® versão 3.4.1.

Os dados foram armazenados em planilha eletrônica (Microsoft Excel®) e analisados posteriormente com o pacote estatístico SPSS 13.0 (SPSS Inc.). Os dados foram apresentados como mediana e intervalo interquartil. As variáveis categóricas foram analisadas através de tabelas cruzadas com teste estatístico do qui-quadrado (com correção de continuidade de Yates quando indicado) ou teste exato de Fisher. O teste de Mann-Whitney rank sum foi utilizado para comparação de duas variáveis categóricas e contínuas não-paramétricas e o de Kruskall-Wallis, para três ou mais variáveis. Adotou-se um valor de p < 0,05 para significado estatístico.

RESULTADOS

O estudo não alcançou o planejamento amostral esperado de 128 pacientes por baixa taxa de inclusão. Entre novembro de 2004 e agosto de 2006, 50 pacientes foram incluídos no estudo. Um paciente do grupo simbiótico foi excluído devido a retirada do consentimento, tendo sido, então, analisados 49 pacientes. A distribuição entre os 4 grupos foi de 16 pacientes no grupo controle (Grupo 1), 10 no prebiótico (Grupo 2), 12 no probiótico (Grupo 3) e 11 no simbiótico (Grupo 4). A mediana da idade foi de 59 anos (4671). A distribuição por gênero foi de 31 (63,3%) homens. O escore APACHE II foi de 20 (13 - 25) pontos, do SAPS II foi de 36 (27 - 54) pontos, do SOFA no primeiro dia (D1) foi de 5 (2 - 8), no segundo dia (D2) foi de 4 (3 - 7) e no terceiro dia (D3), 4 (2 - 7). Não houve diferença entre os grupos com relação às características de admissão. Não houve diferença entre os grupos com relação à mensuração do delta SOFA do dia 1 para o dia 2 e do dia 1 para o dia 3.

A mediana do índice de Charlson foi de 3 (1 - 5), não havendo diferença entre os grupos. A principal causa de admissão foi clínica (37 pacientes -75%), seguida pelas cirurgias de emergência (7 pacientes- 14%) e, finalmente, pelas cirurgias eletivas (5 pacientes-10%). O principal sistema atribuído à internação foi o neurológico (19 pacientes-38%), seguido pelo respiratório (12 pacientes-24%) e, finalmente, pelo cardiovascular (9 pacientes- 18%). Os dados demográficos podem ser visualizados na tabela 1.

Não houve diferença entre os grupos com relação à proporção de enterobactérias e bactérias nãofermentadoras nas amostras coletadas de swab retal, secreção gástrica e secreção traqueal na admissão, 7º e 14º dias. Há uma prevalência de enterobactérias nas amostras coletadas de swab retal e secreção gástrica que não se altera com o passar do tempo, enquanto a proporção de enterobactérias e bactérias não-fermentadoras são equilibradas nas amostras de secreção traqueal. A distribuição das amostras microbiológicas na admissão, 7º e 14º dias, podem ser vista na tabela 2. Houve um aumento não significativo da proporção de enterobactérias em relação a de não fermentadores no 7º dia na secreção traqueal nos grupos pré e probiótico. Houve também diminuição não-significativa do isolamento bacteriano e, como conseqüência, aumento proporcional do isolamento de amostras sem crescimento na secreção gástrica no 7º dia nos grupos pré, pró e simbiótico quando comparado ao grupo controle.

Não houve diferença entre os grupos em relação ao número de infecções nosocomiais (37 episódios) e ao número de pneumonias associadas à ventilação mecânica (PAVM) (20 episódios), bem como ao tempo de antibioticoterapia (mediana de 8 dias (0-11)). As principais causas de complicações infecciosas foram PAVM (20 pacientes- 35%), infecção associada ao cateter (7 pacientes- 13%), sinusite nosocomial (4 pacientes-7%) e bacteremia primária (4 pacientes-7%). Não houve alteração entre os grupos com relação ao número de bacteremias.

O tempo de internação na UTI foi de 24 dias (11 a 35) e de internação hospitalar, de 41 dias (28 a 60). O tempo de ventilação mecânica foi de 20 dias (10 - 31). Não houve diferença entre os grupos com relação a esses parâmetros. A letalidade dentro da UTI foi de 34% e intra-hospitalar foi de 53%.

Não houve nenhum efeito adverso relacionado ao uso do Lactobacillus johnsonii ou episódio infeccioso/bacteremia provocado por esse agente.

DISCUSSÃO

O presente estudo mostrou diminuição não-significativa do isolamento bacteriano do conteúdo gástrico em sete dias e um aumento não significativo da proporção de enterobactérias em relação a de não fermentadores no 7º dia na secreção traqueal. Alguns fatores podem ter contribuído para esse achado. Uma limitação do estudo foi o fato de não ter sido alcançado o planejamento amostral de 32 pacientes em cada grupo, o que compromete as conclusões alcançadas pelo trabalho. Dessa forma, este estudo não teve poder para alcançar as conclusões a que se propunha, podendo apenas apontar determinadas tendências que podem ou não ser confirmadas em estudos prospectivos de maior porte.

Outra questão parece ser a da sobrevivência dos lactobacilos no trato gastrintestinal. A maioria dos probióticos comercializados não parece ser capaz de sobreviver às variações de pH e osmolaridade em número suficiente a fim de repovoar o lúmen do trato digestivo. Miettinen et al. mostraram que, quando várias cepas de lactobacilos foram administradas por via oral na concentração de 109 ufc/mL, apenas a cepa de L plantarum foi recuperada na ileostomia dos pacientes estudados em concentração superior a 107 ufc/mL, embora os lactobacilos não-viáveis conservassem sua capacidade de estimular o sistema imune.17

Tradicionalmente, a microbiota do trato gastrintestinal tem sido analisada através da utilização de métodos de cultura. Entretanto, sabe-se que grande parte da microbiota do trato gastrintestinal é de difícil cultivo devido ao desconhecimento de seus fatores de crescimento, estado fisiológico e interação com outros componentes da microbiota. Estudos prévios sugerem que 60% a 80% da microbiota do trato gastrintestinal ainda não foram identificadas18, tendo a maioria desses estudos utilizados técnicas moleculares para detecção, identificação e classificação das bactérias baseadas na seqüência de nucleotídeos da subunidade 16S do rRNA.19 O presente estudo apresentou limitação no método no sentido de não ter utilizado métodos moleculares para a caracterização das populações microbianas no interior do trato digestivo, bem como para assegurar a presença e viabilidade dos lactobacilos administrados aos pacientes. Entretanto, já foi descrita a viabilidade e a aderência ao epitélio intestinal do Lactobacillus johnsonii La1 em voluntários saudáveis, o que, teoricamente, capacitaria o seu uso como probiótico.20 Não existe, até o presente momento, a mesma descrição em pacientes graves.

Outra questão a ser levantada é a capacidade dos probióticos de repovoar o trato gastrintestinal na presença de antibioticoterapia sistêmica. Os dados levantados na literatura são conflitantes. Sullivan et al. estudaram 24 voluntários saudáveis que fizeram uso de clindamicina por 7 dias e foram aleatoriamente alocados para receber um composto de L acidophilus NCFB 1748, B lactis Bb 12 e L paracasei paracasei F19 (Arla Foods, Estocolmo, Suécia) na dose de 108 ufc/mL durante 14 dias. Esses pesquisadores encontraram uma manutenção do número de bacteróides no grupo probiótico, enquanto esse número diminuiu no grupo que recebeu placebo21, o que foi contradito por outros autores.22 Manley et al. em estudo recente, mostraram a erradicação do enterococo resistente à vancomicina do swab retal de pacientes internados com a ingestão de L. rhamnosus GG 7, mesmo em pacientes utilizando antibioticoterapia sistêmica.

Cabe ressaltar que as diferentes espécies de probióticos apresentam propriedades diferentes em relação a sua viabilidade no trato gastrintestinal, interação com a microbiota, fermentação de fibras e efeito imunomodulador. A viabilidade do L plantarum e do L johnsonii La1 já foi discutida previamente. Müller et al. estudaram 712 cepas de lactobacilos e concluíram que apenas 4 eram capazes de fermentar a fibra da inulina: L plantarum (várias cepas), L. paracasei paracasei, L. brevis e Pediococcus pentosaceus.23 Vários estudos mostraram que o L johnsonii La1 possui atividade antibacteriana24 e imunomoduladora25 em voluntários saudáveis, entretanto seu papel no paciente grave não é bem definido.

Entretanto, as ações dos probióticos não se limitam à substituição da microbiota patogênica. Mesmo sem alteração significativa na colonização do trato gastrintestinal, o uso dos probióticos exerce funções imunorreguladoras10 que, em última análise, podem levar a prevenção de infecções nosocomiais no paciente grave.26 Todavia, outros estudos não foram capazes de mostrar diferença com relação à infecção nosocomial ou ao tempo de antibioticoterapia.10 Estudo recente realizado em população pediátrica criticamente enferma não apenas não mostrou diferença com relação ao número de infecções como evidenciou um aumento não significativo da incidência das mesmas no grupo que fez uso de probióticos.27 Uma das possíveis explicações para essa divergência se deve ao fato de que a maior parte dos estudos positivos, ou seja, que mostraram benefício, foram realizados em pacientes em pós-operatório de cirurgias de grande porte12, enquanto os estudos negativos foram realizados em pacientes clínicos.10 Nos pacientes cirúrgicos, o momento da lesão e, portanto, do melhor momento para a terapia imunomoduladora é bem conhecido, enquanto o mesmo não se dá com os pacientes clínicos. Essa dicotomização já foi observada em outros estudos em pacientes críticos como, por exemplo, com relação ao controle glicêmico em pacientes clínicos e cirúrgicos.28,29

Existe grande controvérsia na literatura sobre a capacidade dos probióticos comumente comercializados em substituir a microbiota patogênica dos pacientes graves e atuar de forma positiva na prevenção de infecções e disfunção múltipla orgânica. Os resultados deste estudo sugerem diminuição da colonização das vias aéreas inferiores por bactérias não-fermentadoras, o que poderia levar a redução de infecções nosocomiais. Para tanto, sugere-se a ampliação do estudo com a análise da microbiota através de técnicas de biologia molecular para diagnóstico e com número maior de pacientes.

CONCLUSÃO

Em pacientes graves submetidos à ventilação mecânica, a administração de pré, pró e simbióticos não se mostrou eficaz em reduzir a incidência de infecções nosocomiais, PAVM, tempo de internação na UTI ou hospitalar ou mortalidade. Entretanto, nossos dados apontam para uma tendência na redução bacteriana no estômago e na proporção de não fermentadores na secreção traqueal nos pacientes que usaram simbióticos. A substituição da microbiota pode se mostrar benéfica na prevenção de infecções nosocomiais. Para tanto, serão necessários novos ensaios clínicos que ajudem a definir o papel da terapia probiótica na prevenção e tratamento das infecções nosocomiais.

AGRADECIMENTOS

À toda equipe de enfermagem, fisioterapia e nutrição do Centro de Terapia Intensiva do HUCFF pelo apoio dado à realização do trabalho. Ao Dr. André Miguel Japiassú, pelo estímulo, incentivo e auxílio na revisão do artigo.

Submetido em 15 de maio de 2008

Aceito em 5 de julho de 2008

Recebido da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      05 Jul 2008
    • Recebido
      15 Maio 2008
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