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Desigualdades na terapia intensiva no Rio de Janeiro: efeitos da distribuição espacial dos serviços de saúde na infecção respiratória aguda grave

RESUMO

Objetivo:

Analisar a distribuição das unidades de terapia intensiva para adultos, segundo a região geográfica e o setor sanitário no Rio de Janeiro, e investigar a mortalidade por infecção respiratória aguda grave no setor público e sua associação com a capacidade de terapia intensiva no setor público.

Métodos:

Avaliamos a variação da disponibilidade de terapia intensiva e a mortalidade por infecção respiratória aguda grave no setor público em diferentes áreas da cidade em 2014. Utilizamos as bases de dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do Sistema de Informações sobre Mortalidade e do Sistema de Informações Hospitalares do SUS.

Resultados:

Foi ampla a variação na disponibilidade de leitos em unidades de terapia intensiva per capita (desde 4,0 leitos de terapia intensiva por 100 mil habitantes em hospitais públicos na zona oeste até 133,6 leitos em unidades de terapia intensiva por 100 mil habitantes nos hospitais privados na zona central) na cidade do Rio de Janeiro. O setor privado respondeu pelo suprimento de quase 75% dos leitos em unidades de terapia intensiva. Uma análise espacial com base em mapas mostrou falta de leitos em unidades de terapia intensiva em vastas extensões territoriais nas regiões menos desenvolvidas da cidade. Houve correlação inversa (r = -0,829; IC95% -0,946 - -0,675) entre a quantidade de leitos públicos em unidade de terapia intensiva per capita em diferentes áreas de planejamento em saúde na cidade e a mortalidade por infecção respiratória aguda grave em hospitais públicos.

Conclusão:

Nossos resultados mostram disponibilidade desproporcional de leitos em unidades de terapia intensiva na cidade do Rio de Janeiro e a necessidade de uma distribuição racional da terapia intensiva.

Descritores:
Unidades de terapia intensiva/organização & administração; Qualidade da assistência à saúde; Infecções respiratórias; Disparidades nos níveis de saúde

ABSTRACT

Objective:

To analyze the distribution of adult intensive care units according to geographic region and health sector in Rio de Janeiro and to investigate severe acute respiratory infection mortality in the public sector and its association with critical care capacity in the public sector.

Methods:

We evaluated the variation in intensive care availability and severe acute respiratory infection mortality in the public sector across different areas of the city in 2014. We utilized databases from the National Registry of Health Establishments, the Brazilian Institute of Geography and Statistics, the National Mortality Information System and the Hospital Admission Information System.

Results:

There is a wide range of intensive care unit beds per capita (from 4.0 intensive care unit beds per 100,000 people in public hospitals in the West Zone to 133.6 intensive care unit beds per 100,000 people in private hospitals in the Center Zone) in the city of Rio de Janeiro. The private sector accounts for almost 75% of the intensive care unit bed supply. The more developed areas of the city concentrate most of the intensive care unit services. Map-based spatial analysis shows a lack of intensive care unit beds in vast territorial extensions in the less developed regions of the city. There is an inverse correlation (r = -0.829; 95%CI -0.946 to -0.675) between public intensive care unit beds per capita in different health planning areas of the city and severe acute respiratory infection mortality in public hospitals.

Conclusion:

Our results show a disproportionate intensive care unit bed provision across the city of Rio de Janeiro and the need for a rational distribution of intensive care.

Keywords:
Intensive care units/organization & administration; Quality of health care; Respiratory tract infections; Health status disparities

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o setor de saúde brasileiro passou por profundas modificações. Vacinação e cuidados pré-natais universais foram virtualmente obtidos nas décadas recentes. Contudo, a eficiência do sistema e a qualidade dos cuidados entre os diferentes estratos sociais ainda são um desafio.(11 Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97.)Nos últimos anos, o país tem investido em políticas públicas para mitigar as desigualdades,(22 Viacava F. Acesso e uso de serviços de saúde pelos brasileiros. RADIS. 10;(96):12-9.,33 Victora CG, Barreto ML, do Carmo Leal M, Monteiro CA, Schmidt MI, Paim J, Bastos FI, Almeida C, Bahia L, Travassos C, Reichenheim M, Barros FC; Lancet Brazil Series Working Group. Health conditions and health-policy innovations in Brazil: the way forward. Lancet. 2011;377(9782):2042-53.) mas essas estratégias são frequentemente insuficientes, em razão do crescimento da demanda de serviços de saúde, sendo constantemente desafiadas pela instabilidade econômica.(44 Macinko J, Harris MJ. Brazil's family health strategy--delivering community-based primary care in a universal health system. N Engl J Med. 2015;372(23):2177-81.,55 Osorio RG, Servo LM, Piola SF. [Unmet health care needs in Brazil: an investigation about the reasons for not seeking health care]. Cienc Saude Colet. 2011;16(9):3741-54. Portuguese.)Tais políticas têm se focalizado no modelo de Atenção Primária à Saúde.(22 Viacava F. Acesso e uso de serviços de saúde pelos brasileiros. RADIS. 10;(96):12-9.) Em contraste, as disparidades continuam substanciais em termos de Atenção Terciária, na qual se realizam procedimentos dispendiosos, que incluem cirurgias complexas e hospitalizações em unidades de terapia intensiva (UTI).(66 Souza Júnior PR, Szwarcwald CL, Barbosa Júnior A, Carvalho MF, Castilho EA. Infecção pelo HIV durante a gestação: estudo-Sentinela Parturiente, Brasil, 2002. Rev Saúde Pública. 2004;38(6):764-72.,77 Travassos C, Viacava F. Acesso e uso de serviços de saúde em idosos residentes em áreas rurais, Brasil, 1998 e 2003. Cad Saúde Pública. 2007;23(10):2490-502.)Diversos estudos demonstram como as desigualdades sociais impactam na prevalência e na distribuição dos fatores de risco à saúde.(88 Malta DC, Campos MO, Oliveira MM, Iser BP, Bernal RT, Claro RM, et al. Prevalência de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis em adultos residentes em capitais brasileiras, 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(3):373-87.

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-1010 de Azevedo Barros MB, Lima MG, Medina LP, Szwarcwald CL, Malta DC. Social inequalities in health behaviors among Brazilian adults: National Health Survey, 2013. Int J Equity Health. 2016;15(1):148.)As condições socioeconômicas definem o perfil sanitário da população, seu estilo de vida e comportamento,(1111 Aldabe B, Anderson R, Lyly-Yrjänäinen M, Parent-Thirion A, Vermeylen G, Kelleher CC, et al. Contribution of material, occupational, and psychosocial factors in the explanation of social inequalities in health in 28 countries in Europe. J Epidemiol Community Health. 2011;65(12):1123-31.

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-1919 Landmann-Szwarcwald C, Macinko J. A panorama of health inequalities in Brazil. Int J Equity Health. 2016;15(1):174.) levando a uma carga extra ao sistema de saúde. Embora países ricos tenham suas desigualdades socioeconômicas com repercussões epidemiológicas,(2020 Cavallieri F, Vial A. Favelas na cidade do Rio de Janeiro: o quadro populacional com base no Censo 2010. Coleç Estud Cariocas. 2012;(20120501).,2121 Hiyoshi A, Fukuda Y, Shipley MJ, Brunner EJ. Inequalities in self-rated health in Japan 1986-2007 according to household income and a novel occupational classification: national sampling survey series. J Epidemiol Community Health. 2013;67(11):960-5.) há um déficit substancialmente maior no Brasil, em razão da maior população de pessoas vivendo em condições econômicas desfavoráveis.(2222 da Silva ZP, Ribeiro MC, Barata RB, de Almeida MF. [Socio-demographic profile and utilization patterns of the public healthcare system (SUS), 2003- 2008]. Cienc Saude Coletiva. 2011;16(9):3807-16. Portuguese.)

A cidade do Rio de Janeiro é uma das maiores da América do Sul, com população próxima a 6,5 milhões de pessoas. A cidade é geograficamente dividida em quatro zonas: sul, centro, norte e oeste. Dentre as quatro áreas, a zona sul é a que tem melhores indicadores socioeconômicos. As quatro zonas apresentam, em maior ou menor grau, disparidades com relação à distribuição de renda entre os segmentos da população.(2323 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidades. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro [Internet]. [citado 2016 Jul 13]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/rio-de-janeiro/panorama
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/ri...
) Aglomerados subnormais (favelas) podem ser observadas em todo o território da cidade.(2424 Abreu MA. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO; 1987.) A cobertura da Atenção Primária aumentou de 3,5%, no final do século passado, para 40%, em 2013.(2525 Soranz D, Pinto LF, Penna GO. Eixos e a Reforma dos Cuidados em Atenção Primária em Saúde (RCAPS) na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Colet. 2016;21(5):1327-38.) A Atenção Terciária na cidade, entretanto, não acompanhou a expansão da Atenção Primária.

Existe uma variação global em termos da capacidade de fornecimento de cuidados intensivos, com discrepâncias substanciais mesmo entre países desenvolvidos.(2626 Fowler RA, Abdelmalik P, Wood G, Foster D, Gibney N, Bandrauk N, Turgeon AF, Lamontagne F, Kumar A, Zarychanski R, Green R, Bagshaw SM, Stelfox HT, Foster R, Dodek P, Shaw S, Granton J, Lawless B, Hill A, Rose L, Adhikari NK, Scales DC, Cook DJ, Marshall JC, Martin C, Jouvet P; Canadian Critical Care Trials Group; Canadian ICU Capacity Group. Critical care capacity in Canada: results of a national cross-sectional study. Crit Care. 2015;19:133.)Como os serviços de terapia intensiva representam um dos componentes mais dispendiosos da Atenção Terciária, estes devem ser distribuídos de forma racional, para manter um equilíbrio adequado, evitando discrepâncias com a potencial perda de recursos preciosos (no caso de uma disponibilidade excessiva) ou contribuir para aumento da carga de doença (em caso de capacidade insuficiente).(2727 Gooch RA, Kahn JM. ICU bed supply, utilization, and health care spending: an example of demand elasticity. JAMA. 2014;311(6):567-8.)

Considerando tais questões de saúde pública e tendo em mente propostas futuras, conduzimos o presente estudo com o objetivo de analisar a distribuição espacial dos leitos em UTIs para adultos, segundo as regiões geográficas na cidade do Rio de Janeiro e os setores de saúde (público e privado), com utilização de indicadores e mapas ajustados pelo tamanho da população. Finalmente, analisamos a mortalidade por infecções respiratórias agudas graves (IRAG) no setor público e sua associação com a capacidade de cuidados intensivos no setor público.

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) sob número 30865214.6.0000.5262. As UTIs e respectivas instituições estudadas não tiveram sua identificação revelada durante o estudo.

Utilizamos as bases de dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), que está disponível em http://cnes.datasus.gov.br/, com acesso em julho de 2015 para identificação de todos os leitos em UTIs para adultos em hospitais gerais existentes na cidade do Rio de Janeiro de 2014.

Definição de unidade de terapia intensiva

Utilizamos os padrões mínimos exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para definição de uma UTI: existência de monitoramento contínuo e presença de equipamentos de suporte à vida; e presença contínua de enfermagem e especialistas médicos.(2828 Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução no 7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências. Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, Seção I, 25 fev. 2010.)Como esta pesquisa tinha como alvo avaliar a capacidade de terapia intensiva para doenças respiratórias agudas graves, excluímos os leitos de UTI neonatal, assim como os leitos de UTI localizados em hospitais especializados, inclusive unidades de oncologia, cuidados crônicos, queimados, cardiologia, ortopedia e cirurgia plástica. Excluímos também os leitos de terapia intensiva localizados em hospitais com acesso restrito a populações específicas, isto é, hospitais militares e penitenciários. Assim, analisamos apenas hospitais gerais voltados a cuidados agudos nos setores público e privado da cidade do Rio de Janeiro.

Separação das unidades de terapia intensiva por tamanho e área administrativa

Após a identificação dos hospitais, estes foram classificados segundo a esfera administrativa geral da unidade (privada ou pública) e específica (se pública: federal estadual ou municipal). Classificamos também os hospitais segundo seu tamanho. Para esta finalidade, utilizamos as definições do Ministério da Saúde: hospitais grandes os com 151 a 500 leitos, médios os com 51 a 150 leitos e hospitais pequenos aqueles com até 50 leitos.(2929 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde. Divisão Nacional de Organização de Serviços de Saúde. Terminologia básica em saúde. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde; 1983. (Série B: Textos básicos de saúde, n. 4).)

Indicadores populacionais para leitos de terapia intensiva

Realizamos projeções populacionais em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As diferentes populações foram agrupadas segundo bairros, regiões geográficas e áreas de planejamento em saúde (AP), de acordo com a definição do Departamento de Saúde do Rio de Janeiro.

Para a construção dos indicadores populacionais, utilizamos o coeficiente de leitos por 100 mil habitantes: número de leitos em UTI para adultos dividido pelo número de habitantes no bairro com idade acima de 17 anos vezes 100 mil (população adulta). Adotamos esta fórmula para cada unidade de análise (por exemplo, esfera administrativa, região, tamanho do hospital etc.).

Distribuição espacial e construção dos mapas

Utilizamos a base de dados cartográfica do IBGE para construção dos mapas (disponível em http://mapas.ibge.gov.br/pt/bases-e-referenciales/bases-cartograficas/malhas-digitais, acesso em julho de 2015).

O arquivo shapefile do estado do Rio de Janeiro foi manipulado utilizando os programas ArcGIS, versão 10.2.2 (ERSI, Redlands, CA), e Terraview, versão 4.2.2 (São José dos Campos, SP: INPE) para criação de mapas temáticos que indicavam o coeficiente de leitos de UTI por bairro na cidade do Rio de Janeiro e diagramas de Voronoi para unidades públicas e privadas.

Os diagramas de Voronoi foram utilizados como instrumentos para definição das áreas de cobertura das unidades hospitalares.(3030 Rezende FA, Almeida RM, Nobre FF. [Voronois diagram for defining catchment areas for public hospitals in the Municipality of Rio de Janeiro]. Cad Saude Publica. 2000;16(2):467-75. Portuguese.) Dado um número de pontos em um dado plano, um diagrama de Voronoi divide esse plano segundo a “regra do vizinho mais próximo”. Isto é, cada ponto é associado com a região do plano que é mais próxima a ele. Os limites dos polígonos construídos por meio dos pontos são equidistantes de seus respectivos pontos geradores.(3131 Aurenhammer F. Voronoi diagrams--A survey of a fundamental geometric data structure. ACM Comput Surv. 1991;23(3):345-405.)A área de cobertura de um ponto (um centroide), isto é, de uma unidade hospitalar, pode ser estimada por meio de diagramas de Voronoi. Para a geração dos centroides, cada hospital de atendimento a casos agudos foi georreferenciado por meio de endereços no CNES e pelo Google Earth (Google Inc., Mountain View, CA). As coordenadas geográficas do centroide para cada unidade hospitalar foram exportadas para o programa ArcGIS, versão 10.2.2 (ERSI, Redlands, CA), para a geração dos diagramas de Voronoi.

Análise estatística da associação da capacidade de terapia intensiva com mortalidade hospitalar por infecções respiratórias agudas graves em diferentes áreas de planejamento em saúde

A Secretaria Municipal de Saúde subdivide o Rio de Janeiro em dez AP. A AP 1 concentra as maiores instalações de saúde pública da cidade. A AP 2.1 tem o maior Índice de Desenvolvimento Humano da cidade. A AP 2.2 tem um perfil muito próximo ao encontrado na AP 2.1. As AP 3.1, 3.2 e 3.3 juntas são as áreas mais populosas da cidade do Rio de Janeiro; metade das ocupações irregulares se encontra nessa região (37,9%). A AP 4 é a segunda maior área, com 294km2. As AP 5.1, 5.2 e 5.3 constituem a segunda área mais populosa da cidade e são um recente vetor de expansão urbana para populações de baixa e média renda.(3232 Brasil. Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. PMS 2014 - 2017. [Internet]. 2013 [cited 2016 Oct 21]. Available from: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/3700816/4128745/PMS_20142017.pdf
http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/...
)

Coletamos todas as Autorizações de Internação Hospitalar (com diagnóstico de admissão de infecção respiratória aguda do trato superior, influenza e pneumonia, outras infecções agudas do trato respiratório baixo, outras doenças respiratórias do trato superior, doenças necróticas e supurativas das vias aéreas inferiores em pessoas acima de 17 anos de idade) emitidas por hospitais públicos em cada uma das AP. A base de dados de autorizações de internação no Rio de Janeiro só está disponível para hospitais públicos (disponível em http://tabnet.rio.rj.gov.br/) para o ano de 2014. Não existe uma base de dados comparável para hospitais privados do Rio de Janeiro. Assim, a mortalidade no setor privado não pôde ser avaliada no presente estudo.

Analisamos a proporção de óbitos hospitalares em hospitais públicos para esses grupos de doenças, segundo as diferentes AP da cidade, gerando diferentes taxas de mortalidade hospitalar por IRAG. A disponibilidade de leitos em UTI para adultos per capita em cada AP foi correlacionada com a mortalidade hospitalar por IRAG com uso do coeficiente de correlação de Pearson. A gestão de dados e as análises estatísticas foram conduzidas utilizando os programas Excel 2013 (Microsoft, Redmond, WA) e IBM Statistical Package for Social Science (SPSS) for Windows, versão 21.0 (Armonk, NY: IBM). Os testes foram conduzidos mantendo nível de significância de 5%. Realizamos a mesma análise descrita para IRAG em outra condição crítica (cardiopatia isquêmica) como parâmetro de comparação, com o fim de avaliar a robustez de nossas avaliações.

Utilizamos AP como unidade em análise de regressão para maiores informações sobre a separação. As AP correspondem a regiões territoriais (demográficas) menores com informações que permitiram a correlação entre o número de leitos em UTI e mortalidade por IRAG. Os dados obtidos são apresentados em tabelas e gráficos.

RESULTADOS

Médias, proporções e coeficientes

Em 2014, a cidade do Rio de Janeiro tinha 13.013 leitos para hospitalização de adultos, distribuídos em 87 instalações, com proporção de 264 leitos de hospitalização por 100 mil habitantes, já que a população foi estimada em 4.917.518 habitantes. O número de leitos ativos de UTI disponíveis para a população adulta foi de 1.896 (14,6%), com proporção de 1 leito de UTI para cada 5,9 leitos hospitalares. A distribuição dos leitos de UTI e a proporção de leitos de UTI para leitos gerais, segundo a região, domínio administrativo (público ou privado) e tamanho da unidade, são apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Distribuição de leitos de terapia intensiva, segundo leitos hospitalares convencionais, em hospitais que prestam cuidados agudos na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em 2014

A maior concentração de leitos convencionais e de UTI se localizou nos hospitais privados de tamanho médio/grande (74%). Em sua maioria, os hospitais privados com leitos de UTI eram de tamanho médio e pequeno, enquanto, em relação aos hospitais públicos, isto se deu principalmente em grandes hospitais. Em todas as regiões da cidade, a maior parte dos leitos de UTI pertencia ao setor privado (65% para 82%). A proporção de leitos de UTI para leitos convencionais foi mais alta no setor privado. Observou-se a mesma tendência em todas as regiões da cidade (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição dos leitos em unidade de terapia intensiva, segundo a região e o tamanho da unidade, nos setores privado e público, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em 2014

O número de leitos de terapia intensiva para adultos (públicos e privados) na cidade do Rio de Janeiro foi de 38,6 leitos por 100 mil habitantes (Tabela 3). A zona sul (região da cidade com o maior poder aquisitivo) apresentou coeficiente de leitos de UTI per capita de 63,9/100 mil habitantes, mais alto que nas zonas oeste e norte (respectivamente 23,3/100 mil habitantes e 35,7/100 mil habitantes), com menor poder aquisitivo. A proporção de leitos de UTI disponíveis para o setor público foi muito menor.

Tabela 3
Coeficientes de leitos convencionais e intensivos para pacientes adultos per capita (hospitais que atendem casos agudos) em diferentes regiões da cidade do Rio de Janeiro (RJ), de 2014

Distribuição espacial e diagramas de Voronoi

Os diagramas de Voronoi (Figura 1) mostram as desigualdades na distribuição de leitos de UTI nos diferentes distritos da cidade. Os polígonos maiores representam áreas com baixa cobertura, enquanto os menores representam áreas com melhor cobertura. A maior parte dos distritos da cidade apresenta baixa cobertura de leitos de UTI, seja no setor público ou no privado. A análise das áreas de cobertura pelos diagramas de Voronoi revelou que as zonas oeste e norte foram as regiões críticas, que apresentaram a maior parte dos distritos com baixa cobertura, enquanto a zona sul apresentou o maior número de polígonos pequenos, demonstrando melhor cobertura, tanto para o setor privado quanto para púbico.

Figura 1
Distritos da cidade, zonas e polígonos de Voronoi.

A1 - setor privado; A2 - setor público; B - setores privado e público. Linhas grossas - polígonos de Voronoi; linhas finas - distritos da cidade; pontos - centroides.


Leitos de terapia intensiva no setor público e mortalidade por infecção respiratória aguda grave nas diferentes áreas de planejamento em saúde

As regiões geográficas (centro, sul, norte e oeste) constituíram forma conveniente de avaliar a cidade em sua divisão histórica. Entretanto, cada uma das zonas se fez muito ampla e cobriu uma grande área, agregando trechos da cidade que eram profundamente diferentes em termos socioeconômicos. Assim, o uso de áreas menores, como as AP, aumentou a sensibilidade da análise.

A tabela 4 apresenta o número de admissões hospitalares em razão de doenças respiratórias em adultos nos hospitais públicos, os óbitos hospitalares em razão dessas causas e o coeficiente do setor público de terapia intensiva nas diferentes AP da cidade do Rio de Janeiro de 2014. A base de dados de admissões só estava disponível para o setor público. Assim, com o presente delineamento de estudo, não pudemos estimar a mortalidade para os hospitais privados. Foi ampla a variação nos leitos de UTI per capita nas diferentes AP da cidade (Figura 2). Pudemos observar forte correlação inversa (r = -0,829; intervalo de confiança de 95% - IC95% -0,946 - -0,675) entre leitos de UTI per capita e mortalidade hospitalar por doença infecciosa aguda nas diferentes AP (Figura 3). Ficou evidente que, exceto para as primeiras quatro AP, todas as demais tinham taxas de leitos para terapia intensiva abaixo de 6,0 leitos/100 mil habitantes. Semelhantemente, encontramos correlação inversa (r = - 0,635; IC95% -0,860 - -0,003) entre leitos de UTI per capita e mortalidade hospitalar por cardiopatia isquêmica.

Tabela 4
Admissões de pacientes adultos por doença infecciosa respiratória em hospitais públicos, mortalidade em hospitais públicos por doença infecciosa respiratória e leitos em unidades de terapia intensiva públicos per capita em diferentes áreas de planejamento na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em 2014
Figura 2
Áreas de planejamento sanitário da cidade e leitos em unidades de terapia intensiva per capita nas diferentes áreas de planejamento.

AP - área de planejamento em saúde; UTI - unidade de terapia intensiva.


Figura 3
Correlação entre leitos em unidades de terapia intensiva per capita e mortalidade hospitalar em serviços públicos por infecção respiratória aguda grave em diferentes áreas de planejamento em saúde.

IRAG - infecção respiratória aguda grave; AP - áreas de planejamento em saúde; UTI - unidade de terapia intensiva.


DISCUSSÃO

Nossos resultados mostram uma distribuição desigual de leitos de UTI na cidade do Rio de Janeiro, com cobertura mais baixa nas áreas menos privilegiadas da cidade. Outros autores utilizaram sistemas de informação geográfica para identificar deficiências de leitos na zona oeste da cidade.(3333 Freitas CF, Osorio-de-Castro CG, Shoaf KI, Silva RS, Miranda ES. Preparedness for the Rio 2016 Olympic Games: hospital treatment capacity in georeferenced areas. Cad Saude Publica. 2016;32(7). pii: S0102-311X2016000705010.) Identificamos esta distribuição claramente demonstrada nos diagramas de Voronoi. O setor privado responde por quase 75% dos leitos de UTI disponíveis na cidade. Além disto, encontramos correlação inversa (r = -0,829; IC95% -0,946 - -0,675) entre leitos públicos de UTI per capita nas diferentes AP da cidade e a mortalidade hospitalar por IRAG nos hospitais públicos.

A desigualdade na distribuição de leitos de UTI pode ser vista como indicador da desigualdade de acesso, prejudicando a capacidade do sistema para resolver várias doenças, e ter um impacto substancial na mortalidade precoce. Importantes variações geográficas nos serviços de saúde podem ter efeito na piora das condições sanitárias das populações subjacentes. Estudos demonstram que disparidades na provisão de serviços têm impacto no ônus das doenças e mortalidade, especialmente nos grupos economicamente desfavorecidos, com correlação inversa entre saúde e desigualdade. Alguns estudos demonstraram taxas mais altas de mortalidade infantil e geral, assim como expectativas de vida mais baixas em áreas com grande concentração de populações pobres.(1515 Stringhini S, Sabia S, Shipley M, Brunner E, Nabi H, Kivimaki M, et al. Association of socioeconomic position with health behaviors and mortality. JAMA. 2010;303(12):1159-66.,1717 Mújica OJ, Vázquez E, Duarte EC, Cortez-Escalante JJ, Molina J, Barbosa da Silva Júnior J. Socioeconomic inequalities and mortality trends in BRICS, 1990-2010. Bull World Health Organ. 2014;92(6):405-12.,1818 Alves CG, de Morais Neto OL. Trends in premature mortality due to chronic non-communicable diseases in Brazilian federal units. Cienc Saude Colet. 2015;20(3):641-54.,3434 Szwarcwald CL, Bastos FI, Esteves MA, de Andrade CL, Paez MS, Medici EV, et al. [Income inequality and health: the case of Rio de Janeiro]. Cad Saude Publica. 1999;15(1):15-28. Portuguese.)

Existem discrepâncias na literatura com relação ao número ideal de leitos de UTI para diferentes populações. Há uma ampla variação entre os países e mesmo entre regiões de um mesmo país. O número de leitos de UTI varia segundo fatores como ônus da doença e tipo de cobertura do sistema.(2626 Fowler RA, Abdelmalik P, Wood G, Foster D, Gibney N, Bandrauk N, Turgeon AF, Lamontagne F, Kumar A, Zarychanski R, Green R, Bagshaw SM, Stelfox HT, Foster R, Dodek P, Shaw S, Granton J, Lawless B, Hill A, Rose L, Adhikari NK, Scales DC, Cook DJ, Marshall JC, Martin C, Jouvet P; Canadian Critical Care Trials Group; Canadian ICU Capacity Group. Critical care capacity in Canada: results of a national cross-sectional study. Crit Care. 2015;19:133.,3535 Murthy S, Wunsch H. Clinical review: International comparisons in critical care - lessons learned. Crit Care. 2012;16(2):218.

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-3838 Vukoja M, Riviello E, Gavrilovic S, Adhikari NK, Kashyap R, Bhagwanjee S, Gajic O, Kilickaya O; CERTAIN Investigators. A survey on critical care resources and practices in low- and middle-income countries. Glob Heart. 2014;9(3):337-42.e1-5.) Mesmo em países desenvolvidos ocorre uma diferença de 8 vezes na disponibilidade de leitos, variando entre 3 e 25 leitos de UTI por 100 mil habitantes.(3939 Wunsch H, Angus DC, Harrison DA, Collange O, Fowler R, Hoste EA, et al. Variation in critical care services across North America and Western Europe. Crit Care Med. 2008;36(10):2787-93, e1-9.) Na Europa, Paris tem 8,38 leitos de UTI por 100 mil habitantes; na América do Norte, Boston tem 18,85 leitos de UTI por 100 mil habitantes; Liaocheng, na China, tem 2,8 leitos de UTI por 100 mil habitantes.(4040 Austin S, Murthy S, Wunsch H, Adhikari NK, Karir V, Rowan K, Jacob ST, Salluh J, Bozza FA, Du B, An Y, Lee B, Wu F, Nguyen YL, Oppong C, Venkataraman R, Velayutham V, Dueñas C, Angus DC; International Forum of Acute Care Trialists. Access to urban acute care services in high- vs. middle-income countries: an analysis of seven cities. Intensive Care Med. 2014;40(3):342-52.)Em nosso estudo, encontramos 38,6 leitos de UTI por 100 mil habitantes do Rio de Janeiro, que é uma capacidade elevada em comparação a muitas cidades do mundo desenvolvido.

Identificamos tendência à criação de instituições privadas e à expansão dos leitos de UTI nesses estabelecimentos. Embora a proporção de leitos convencionais seja similar entre os setores público e privado, os leitos de UTI estão presentes em uma proporção maior no setor privado (74%), com proporção entre leitos de UTI e convencionais que é 3 vezes mais alta no setor privado (20 no setor privado e 8 no setor público). Quase três quartos da capacidade de terapia intensiva para adultos no Rio de Janeiro se encontram no setor privado. Outros autores descreveram desigualdades na distribuição de leitos para UTI neonatal no estado, com deficiência de leitos no setor público, excesso de leitos no setor privado e grandes concentrações na área metropolitana do estado.(4141 Barbosa AP, Cunha AJ. Neonatal and pediatric intensive care in Rio de Janeiro State, Brazil: an analysis of bed distribution, 1997 and 2007. Cad Saúde Pública. 2011;27 Suppl 2:S263-71.) Achados similares foram observados em outros países de média renda, incluindo a África do Sul, onde 75% dos leitos de terapia intensiva estão disponíveis no setor privado, embora os coeficientes de terapia intensiva de 2,4 e 7,2 leitos de UTI por 100 mil habitantes (respectivamente nos setores público e privado) sejam significantemente mais baixos do que os encontrados no Brasil.(4242 Naidoo K, Singh J, Lalloo U. A critical analysis of ICU/HC beds in South Africa: 2008-2009. S Afr Med J. 2013;103(10):751-3.)

Foi indicado que as hospitalizações no Brasil se associam com cobertura por planos privados de saúde, caracterizando um uso excessivo dos seguros de saúde. Essa tendência se encontra em acentuado contraste com o reduzido acesso a procedimentos com necessidade de internação nos segmentos mais pobres da sociedade, que não dispõem desse tipo de cobertura.(4343 Mullachery P, Silver D, Macinko J. Changes in health care inequity in Brazil between 2008 and 2013. Int J Equity Health. 2016;15(1):140.) Cremos que há uma tendência similar no sistema de admissões à UTI. O custo para o sistema se torna ainda mais inequívoco quando se considera que uma parte dos pacientes de UTI poderiam não necessitar deste tipo de cuidados. Os dispêndios com o setor privado para indivíduos podem comprometer parte significante da poupança, já que muitos dos pagamentos do governo ao setor privado (que arrenda parte dos leitos de UTI para o setor público a custos elevados) podem deteriorar as finanças públicas.

Encontramos forte correlação inversa entre leitos de UTI per capita e mortalidade por doença respiratória no setor público. Além disso, como medida de comparação, analisamos a taxa de mortalidade nas diferentes AP para outra doença crítica (cardiopatia isquêmica). Observamos, no setor público, tendência similar para essa condição, entretanto, a correlação não necessariamente implica nexo causal. Nossos achados não sugerem que a baixa cobertura de UTIs seja responsável por mortalidade mais elevada no setor público em diferentes AP (isto pode ser devido a outras variáveis, como o ônus da doença em diferentes populações); eles simplesmente mostram a necessidade de que se investigue melhor o assunto.

Outra limitação deste estudo se refere especificamente ao fato de que cada distrito, AP, ou região não constitui área socioeconômica homogênea, principalmente em razão das ocupações irregulares.

Assumimos que a população residente utiliza os serviços mais próximos, o que pode não corresponder à realidade. Isto pode também influenciar na cobertura por leitos de UTI, que pode não corresponder aos serviços utilizados pela população em uma dada região. Não dispomos dos dados referentes ao local de residência para pacientes que morreram nos hospitais. A complexidade do acesso à saúde no Rio de Janeiro e sua geografia peculiar não nos permitem estabelecer diagramas diferentes dos diagramas de Voronoi. Entretanto, em uma cidade com 6,5 milhões de habitantes e 1.200km2, assumimos uma tendência de que a população busque os serviços mais próximos. Assim, a incapacidade de analisar o fluxo de pacientes entre as diferentes áreas da cidade é outro ponto fraco de nosso estudo. Em nossa análise, não consideramos a diversidade dentro das áreas estudadas ou o real acesso da população aos serviços de saúde. Um autor apontou um importante fluxo de crianças da zona oeste para o centro.(4444 Campos TP, Carvalho MS, Barcellos CC. Mortalidade infantil no Rio de Janeiro, Brasil: áreas de risco e trajetória dos pacientes até os serviços de saúde. Rev Panam Salud Publica. 2000;8(3):164-71.) Contudo, ainda há dúvida sobre a desigualdade geográfica na disponibilidade de leitos de UTI ser um fenômeno claro, sendo necessários estudos mais específicos, especialmente os delineados para demonstrar os efeitos dessas desigualdades na saúde.

A ausência de dados a respeito da mortalidade em hospitais privados é outra limitação que enfraquece nossos resultados. Os formulários de Autorização para Internação Hospitalar são obrigatórios no setor púbico. Estes formulários detêm informações referentes à prevalência da doença, mortalidade, e outros indicadores que, por sua vez, alimentam uma base de dados nacional. A falta de dados comparáveis no setor privado torna qualquer comparação entre os sistemas uma tarefa difícil. Uma base de dados obrigatória para o setor privado permitiria estas análises, contribuindo para um planejamento racional do sistema de saúde.

Modificações demográficas e epidemiológicas, assim como aumentos na longevidade da população, devem alterar o perfil de morbidade e mortalidade, e envolver a necessidade de reforçar os cuidados terciários. Devemos ser cuidadosos para não incorporar formas veladas de discriminação que considerem as necessidades das populações menos favorecidas apenas em termos de Atenção Primária.

Além da necessidade de ampliar a cobertura universal para setores da sociedade menos privilegiados social e economicamente, é necessária uma nova proposta para a organização dos cuidados críticos no Rio de Janeiro. O planejamento de regiões com referências hierárquicas poderia simplificar o acesso de pacientes que necessitam de terapia intensiva. Entretanto, falta uma base empírica para a implantação destas regiões de referência. Assim, necessitamos de dados referentes ao fluxo de pacientes, a limites geográficos significantes e à observação dos efeitos da capacidade de terapia intensiva, levando em consideração a carga de doença para a população.

CONCLUSÃO

Nosso estudo demonstrou a distribuição dos leitos de terapia intensiva na cidade do Rio de Janeiro, com variabilidade substancial na capacidade de terapia intensiva entre as diferentes áreas da cidade. Foi baixa a cobertura de leitos em unidades de terapia intensiva nas áreas menos privilegiadas da cidade. Estes resultados salientam a necessidade de aumentar a conscientização dos gestores de saúde pública, para ajustar, de forma coerente, o fornecimento de recursos de Atenção Terciária à saúde.

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Editado por

Editor responsável: Jorge Ibrain Figueira Salluh

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2019
  • Aceito
    07 Out 2019
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