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A comunicação dos doentes mecanicamente ventilados em unidades de cuidados intensivos

RESUMO

Objetivo:

Traduzir e adaptar cultural e linguisticamente o instrumento Ease of Communication Scale e determinar o nível de dificuldades de comunicação dos doentes submetidos à ventilação mecânica com entubação orotraqueal, relacionando-o a variáveis clínicas e sociodemográficas.

Métodos:

Este estudo teve três fases: (1) adaptação cultural e linguística da Ease of Communication Scale; (2) avaliação preliminar de suas propriedades psicométricas; e (3) pesquisa observacional, descritivo-correlacional e transversal, realizada entre março e agosto de 2015, com base nas respostas à Ease of Communication Scale - após a extubação, de 31 doentes adultos, extubados e clinicamente estáveis, admitidos em cinco unidades de cuidados intensivos portuguesas, e em suas variáveis clínicas e sociodemográficas.

Resultados:

A análise dos peritos revelou elevada concordância em relação ao conteúdo (100%) e à pertinência (75%). O pré-teste obteve elevada aceitabilidade ao nível do preenchimento e da sua utilidade. A Ease of Communication Scale apresentou excelente consistência interna (alfa de Cronbach de 0,951). A análise fatorial explicou cerca de 81% da variância total com duas componentes da escala. Em média, os doentes consideraram as experiências de comunicação, durante a entubação, "muito difíceis" (2,99). Não existiu relação estatisticamente significativa entre as dificuldades de comunicação reportadas e as variáveis sociodemográficas e clínicas estudadas, com exceção da variável clínica "número de horas após a extubação" (p < 0,05).

Conclusão:

Realizou-se a tradução e a adaptação para o português europeu do primeiro instrumento de avaliação das dificuldades de comunicação dos doentes mecanicamente ventilados nas unidades de cuidados intensivos. A validação preliminar da escala sugeriu elevada fiabilidade. Os doentes submetidos à ventilação mecânica consideraram que as experiências de comunicação durante a entubação foram "muito difíceis" e estas dificuldades de comunicação pareceram existir independentemente da presença de outras variáveis clínicas e/ou sociodemográficas.

Descritores:
Comunicação; Comunicação não verbal; Barreiras de comunicação; Terapia da fala; Ventilação mecânica; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective:

The aim of this study was to translate and culturally and linguistically adapt the Ease of Communication Scale and to assess the level of communication difficulties for patients undergoing mechanical ventilation with orotracheal intubation, relating these difficulties to clinical and sociodemographic variables.

Methods:

This study had three stages: (1) cultural and linguistic adaptation of the Ease of Communication Scale; (2) preliminary assessment of its psychometric properties; and (3) observational, descriptive-correlational and cross-sectional study, conducted from March to August 2015, based on the Ease of Communication Scale - after extubation answers and clinical and sociodemographic variables of 31 adult patients who were extubated, clinically stable and admitted to five Portuguese intensive care units.

Results:

Expert analysis showed high agreement on content (100%) and relevance (75%). The pretest scores showed a high acceptability regarding the completion of the instrument and its usefulness. The Ease of Communication Scale showed excellent internal consistency (0.951 Cronbach's alpha). The factor analysis explained approximately 81% of the total variance with two scale components. On average, the patients considered the communication experiences during intubation to be "quite hard" (2.99). No significant correlation was observed between the communication difficulties reported and the studied sociodemographic and clinical variables, except for the clinical variable "number of hours after extubation" (p < 0.05).

Conclusion:

This study translated and adapted the first assessment instrument of communication difficulties for mechanically ventilated patients in intensive care units into European Portuguese. The preliminary scale validation suggested high reliability. Patients undergoing mechanical ventilation reported that communication during intubation was "quite hard", and these communication difficulties apparently existed regardless of the presence of other clinical and/or sociodemographic variables.

Keywords:
Communication; Nonverbal communication; Communication barriers; Speech-language pathology; Mechanical ventilation; Intensive care units

INTRODUÇÃO

A ventilação mecânica, com entubação orotraqueal, impede o doente de comunicar oralmente, assumindo-se, por isso, como uma das situações que torna os doentes mais vulneráveis durante um internamento numa unidade de cuidados intensivos (UCI).(11 Hess DR, Kacmarek RM. Essentials of mechanical ventilation. 3rd ed. Boston:. McGraw-Hill; 2014.,22 Grossbach I, Stranberg S, Chlan L. Promoting effective communication for patients receiving mechanical ventilation. Crit Care Nurse. 2011;31(3):46-60.) Nos últimos anos, foram criadas diretrizes indicativas de que, sempre que a situação clínica do doente permitir, a ventilação mecânica deve ser realizada com baixos níveis sedação,(33 Samuelson K, Lundberg D, Fridlund B. Memory in relation to depth of sedation in adult mechanically ventilated intensive care patients. Intensive Care Med. 2006;32(5):660-7.

4 Strøm T, Martinussen T, Toft P. A protocol of no sedation for critically ill patients receiving mechanical ventilation: a randomised trial. Lancet. 2010;375(9713):475-80.

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http://www.ics.ac.uk/EasysiteWeb/getreso...
) de modo a reduzir a ocorrência de outras complicações, como quadros de delírio e/ou compromisso cognitivo e emocional do doente.(33 Samuelson K, Lundberg D, Fridlund B. Memory in relation to depth of sedation in adult mechanically ventilated intensive care patients. Intensive Care Med. 2006;32(5):660-7.,66 Intensive Care Society [Internet]. Intensive Care Society Review of Best Practice for Analgesia and Sedation in the Critical Care; 2014 [consultado em: 2015, 2 abril]. Available in: http://www.ics.ac.uk/EasysiteWeb/getresource.axd?AssetID=2362.
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-88 Costa JB, Marcon SS, Macedo CR, Jorge AC, Duarte PA. Sedation and memories of patients subjected to mechanical ventilation in an intensive care unit. Rev Bras Ter Intensiva. 2014;26(2):122-9.)

Adicionalmente, as dificuldades de comunicação fazem com que, muitas vezes, os doentes vejam anulada a expressão de suas opiniões e, consequentemente, que sejam tomadas decisões sobre o tratamento médico sem seu conhecimento.(99 Patak L, Wilson-Stronks A, Costello J, Kleinpell RM, Henneman EA, Person C, et al. Improving patient-provider communication: a call to action. J Nurs Adm. 2009;39(9):372-6.,1010 Karlsson V, Bergbom I, Forsberg A. The lived experiences of adult intensive care patients who were conscious during mechanical ventilation: a phenomenological-hermeneutic study. Intensive Crit Care Nurs. 2012;28(1):6-15.) Acordar entubado e ventilado em uma UCI foi descrito por algumas pessoas como assustador, e o facto de não conseguirem comunicar com sucesso os fez sentir "presos num corpo disfuncional", pois, segundo seus relatos, eles conseguiam entender tudo o que lhes era dito, mas não tinham disponível qualquer ajuda à comunicação, para conseguirem responder de forma eficaz.(1111 Tembo AC, Higgins I, Parker V. The experience of communication difficulties in critically ill patients in and beyond intensive care: Findings from a larger phenomenological study. Intensive Crit Care Nurs. 2015;31(33):171-8.) Essas dificuldades de comunicação são também vivenciadas pela família que, por não conseguirem descodificar o que seu familiar deseja comunicar, vivenciam sentimentos de impotência e frustração, que são particularmente agravados quando o doente morre sem ter a oportunidade de se comunicar verbalmente.(1212 Karlsson V, Forsberg A, Bergbom I. Relatives' experiences of visiting a conscious, mechanically ventilated patient--a hermeneutic study. Intensive Crit Care Nurs. 2010;26(2):91-100.,1313 Happ MB, Tuite P, Dobbin K, DiVirgilio-Thomas D, Kitutu J. Communication ability, method, and content among nonspeaking nonsurviving patients treated with mechanical ventilation in the intensive care unit. Am J Crit Care. 2004;13(3):210-8.) Por outro lado, também os profissionais de saúde afirmam sentirem-se desconfortáveis quando tentam se comunicar com os doentes com entubação orotraqueal,(1414 Magnus VS, Turkington L. Communication interaction in ICU--Patient and staff experiences and perceptions. Intensive Crit Care Nurs. 2006;22(3):167-80.) limitando-se, por tal motivo, a comunicarem por meio de interações breves e associadas aos procedimentos clínicos.(1515 Happ MB, Garrett K, Thomas DD, Tate J, George E, Houze M, et al. Nurse-patient communication interactions in the intensive care unit. Am J Crit Care. 2011;20(2):e28-40.) Adicionalmente, reconhece-se que as dificuldades de comunicação vivenciadas pelos doentes mecanicamente ventilados se encontram associadas ao aumento de emoções negativas e dos níveis de frustração.(1414 Magnus VS, Turkington L. Communication interaction in ICU--Patient and staff experiences and perceptions. Intensive Crit Care Nurs. 2006;22(3):167-80.,1616 Guttormson JL, Bremer KL, Jones RM. "Not being able to talk was horrid": A descriptive, correlational study of communication during mechanical ventilation. Intensive Crit Care Nurs. 2015;31(3):179-86.

17 Patak L, Gawlinski A, Fung NI, Doering L, Berg J. Patients' reports of health care practitioner interventions that are related to communication during mechanical ventilation. Heart Lung. 2004;33(5):308-20.

18 Menzel LK. Factors related to the emotional responses of intubated patients to being unable to speak. Heart Lung. 1998;27(4):245-52.
-1919 Hafsteindóttir TB. Patient's experiences of communication during the respirator treatment period. Intensive Crit Care Nurs. 1996;12(5):261-71.)

Recentemente, o Royal College of Speech & Language Therapist(2020 Royal College of Speech & Language Therapists. [Internet] Position paper: speech and language therapy in adult critical care; 2014 [consultado em: 2015, 10 fevereiro]. Disponível em: http://www.rcslt.org/members/publications/publications2/criticalcare_positionpaper_060114
http://www.rcslt.org/members/publication...
) publicou um documento com as orientações baseadas nas evidências mais recentes, descrevendo que o terapeuta da fala/fonoaudiólogo deve fazer parte dos recursos humanos disponíveis em uma UCI, desempenhando funções nas áreas da deglutição e das alterações da comunicação. Uma investigação recente,(2121 Happ MB, Seaman JB, Nilsen ML, Sciulli A, Tate JA, Saul M, et al. The number of mechanically ventilated ICU patients meeting communication criteria. Heart Lung. 2015;44(1):45-9.) verificou a proporção de doentes mecanicamente ventilados na UCI que beneficiariam de sistemas de comunicação aumentativa e de consultoria por parte do terapeuta da fala/fonoaudiólogo e concluiu que cerca de 53,9% da amostra (N = 1.440) reunia as condições ótimas para tais intervenções.

O instrumento Ease of Communication Scale (ECS) é utilizado em diversos estudos para a medição das dificuldades de comunicação dos doentes entubados, podendo ser aplicada durante a entubação ou após a extubação.(1515 Happ MB, Garrett K, Thomas DD, Tate J, George E, Houze M, et al. Nurse-patient communication interactions in the intensive care unit. Am J Crit Care. 2011;20(2):e28-40.,1818 Menzel LK. Factors related to the emotional responses of intubated patients to being unable to speak. Heart Lung. 1998;27(4):245-52.,2222 Menzel LK. A comparison of patients' communication-related responses during intubation and after extubation. Heart Lung. 1997;26(5):363-71.

23 Khalaila R, Zbidat W, Anwar K, Bayya A, Linton DM, Sviri S. Communication difficulties and psychoemotional distress in patients receiving mechanical ventilation. Am J Crit Care. 2011;20(6):470-9.
-2424 Liu JJ, Chou FH, Yeh SH. Basic needs and their predictors for intubated patients in surgical intensive care units. Heart Lung. 2009;38(3):208-16.)

As dificuldades de comunicação vividas pelos doentes mecanicamente ventilados são uma problemática atual e que pode ser atenuada utilizando-se programas de suporte à comunicação desenvolvidos por equipes multidisciplinares.(2525 Sizemore JT. Augmentative and Alternative Communication in the Intensive Care Unit [Master's Thesis] [Internet]. Eastern Kentucky University; 2014 [consultado em: 2015, maio 23]. Available in: http://encompass.eku.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1217&context=etd
http://encompass.eku.edu/cgi/viewcontent...

26 Happ MB, Garrett KL, Tate JA, DiVirgilio D, Houze MP, Demirci JR, et al. Effect of a multi-level intervention on nurse-patient communication in the intensive care unit: results of the SPEACS trial. Heart Lung. 2014;43(2):89-98.

27 Happ MB, Sereika S, Garrett K, Tate J. Use of the quasi-experimental sequential cohort design in the Study of Patient-Nurse Effectiveness with Assisted Communication Strategies (SPEACS). Contemp Clin Trials. 2008;29(5):801-8.
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Em Portugal, os estudos dedicados a esta temática são ainda muito pouco representativos. Adicionalmente, existe também uma lacuna na avaliação das dificuldades de comunicação desses doentes, não havendo um instrumento específico para tal contexto traduzido e adaptado linguisticamente para a população portuguesa.

O presente estudo teve como objetivos: (1) tradução e adaptação cultural e linguística do instrumento de avaliação ECS;(1818 Menzel LK. Factors related to the emotional responses of intubated patients to being unable to speak. Heart Lung. 1998;27(4):245-52.) (2) extração preliminar das propriedades psicométricas da ECS - após a extubação;(1818 Menzel LK. Factors related to the emotional responses of intubated patients to being unable to speak. Heart Lung. 1998;27(4):245-52.) e (3) análise do nível de dificuldades de comunicação vivenciadas pelos doentes que estiveram mecanicamente ventilados com entubação orotraqueal, em unidades de cuidados intensivos portuguesas, relacionando-as com variáveis sociodemográficas (sexo, idade e escolaridade) e clínicas (níveis de sedação, número de horas de entubação, número de horas após a extubação e motivo da entubação).

MÉTODOS

Este estudo foi composto por três fases: a primeira fase foi dedicada à adaptação cultural e linguística (tradução e retroversão) da ECS e à posterior validação de seu conteúdo por um painel de peritos, constituição do pré-teste e revisão final do instrumento; a segunda fase realizou a avaliação preliminar das propriedades psicométricas da ECS - após a extubação; e a terceira fase foi dedicada à pesquisa observacional, descritivo-correlacional, transversal, sendo considerada variável dependente o nível das dificuldades de comunicação vivenciadas pelos participantes (segundo a ECS - após a extubação) e, como variáveis independentes: níveis de sedação, número de horas da entubação, número de horas após a extubação, motivo da entubação, idade, escolaridade e sexo dos participantes.

O processo de tradução e adaptação cultural e linguística da ECS foi realizado segundo os pressupostos teóricos recomendados(2929 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91.) e que incluem a realização de cinco fases distintas, a saber: traduções do instrumento, obtenção da versão de consenso entre as duas traduções, retroversões da versão de consenso, revisão pelo painel de peritos e aplicação do instrumento no pré-teste.

O pré-teste da ECS foi realizado com um grupo de três doentes. A escala foi aplicada a cada doente durante a ventilação mecânica com entubação orotraqueal e após a extubação.

Os dados foram recolhidos entre março e agosto de 2015, em cinco unidades de cuidados intensivos polivalentes portuguesas, especificamente no Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, EPE; no Hospital de Vila Franca de Xira, no Hospital do Espírito Santo de Évora, EPE; na Unidade Local de Saúde de Castelo Branco, EPE; e no Hospital Beatriz Ângelo, após a aprovação dos cinco conselhos de administração e comissões de ética para a saúde.

A amostra em estudo foi constituída por conveniência, do tipo não probabilística e levou em consideração os seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos; ter estado mecanicamente ventilado com entubação orotraqueal, com sedação de nível 1 ou 2, segundo a Escala de Sedação de Ramsay, durante, pelo menos, 6 horas; estar extubado, consciente e orientado; estar clinicamente estável; e ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de exclusão foram os seguintes: antecedentes clínicos de doenças psiquiátricas e/ou neurológicas; alterações sensoriais graves (como cegueira ou surdez grave); analfabetismo; não ser fluente na língua portuguesa; e período de extubação superior a 72 horas.

A amostra do estudo foi composta por 31 doentes internados na UCI, maioritariamente indivíduos do sexo masculino (64,5%; n = 20). Foram excluídos dois participantes que, apesar de, na primeira triagem clínica, terem cumprido os critérios de inclusão e exclusão, no momento da recolha de dados foram reveladas dificuldades mnésicas. A média das idades dos participantes foi de 63,4 anos, com idades que variaram entre os 34 e os 83 anos. Cerca de 90% dos participantes tinham nacionalidade portuguesa (n = 28), mas foram também incluídos dois participantes guineenses e um belga, fluentes na língua portuguesa. A escolaridade dos participantes variou entre os 2 e os 16 anos de escolaridade, com uma média de 6,2 anos de escolaridade.

Para a recolha de dados, foram utilizados a ECS - após a extubação, e um formulário de dados clínicos e sociodemográficos no qual foram sintetizados todos os dados clínicos, bem como as variáveis sociodemográficas consultadas juntos do médico ou enfermeiro responsável pelo doente. Todos os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A análise da validade e do conteúdo da escala, após sua tradução e retroversão, teve como critério de base uma taxa de concordância entre o painel de peritos igual ou superior a dois terços.(2929 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91.) O mesmo critério de concordância foi também aplicado aos participantes que realizaram o pré-teste. A análise de dados recolhidos foi realizada por meio de análise estatística e inferencial com o Statistics Package for Social Sciences (SPSS), versão 22.0, IBM, 2013.

Todos os testes estatísticos efetuados consideraram um nível de significância estatística de 5% (valor de p < 0,05).

Na análise inferencial, removeu-se o único participante cuja o motivo de entubação estava associado a "outras causas", de forma a não comprometer a validade interna e externa das conclusões inferenciais.

RESULTADOS

A tradução e a adaptação cultural do instrumento obtiveram consenso entre os peritos em relação à sua pertinência e ao seu conteúdo. A aplicabilidade da versão portuguesa da ECS foi sustentada pelos participantes, que realizaram o pré-teste e completaram a escala, e por não terem existidos dados omissos. Ainda em relação ao pré-teste da escala, verificou-se que a aplicação da ECS - durante a entubação obteve um resultado médio de 2,7 e, quando aplicada aos mesmos doentes após a extubação, a pontuação média total da prova mostrou-se ligeiramente superior, com uma média de 2,93 pontos.

A recolha da amostra, junto dos 31 participantes, ocorreu, em média, 30 horas após a extubação, com variação entre as 2 horas e as 69 horas após a extubação.

Em relação às variáveis clínicas dos participantes, os motivos de entubação mais prevalentes na amostra foram as complicações pós-cirúrgicas (n = 17; 54,8%), seguindo-se das patologias respiratórias agudas (n = 10; 32,3%) e das crônicas (n = 3; 9,7%). Foi ainda admitido um participante cuja entubação se deu por choque anafilático (n = 1; 3,2%).

Cerca de 90,4% da amostra em estudo vivenciou o período de entubação consciente, com sedação nível 2 (n = 14; 45,2%) ou nível 1 e 2 (n = 14; 45,2%), segundo a Escala de Sedação de Ramsay. Em média, os participantes do estudo mantiveram-se ventilados e entubados com níveis de sedação 1, 2 ou em ambos os níveis durante cerca de 35 horas.

A análise de componentes foi realizada após se ter obtido um valor de 0,893 no teste Kaiser-Meyer-Olkin. O teste de esfericidade de Bartlett obteve ovalor de 279.299 (p < 0,001). A análise fatorial inicial foi realizada em todos os itens individuais do instrumento, por meio do método de extração dos fatores e do scree test, obtendo-se dois componentes com valores próprios superiores a 1, os quais representaram mais de 80% da variância dos dados iniciais. Com o objetivo de identificar o que mais contribuiu para cada componente obtido, adotou-se a análise de componente principal. Essa análise permitiu confirmar os dados obtidos na análise fatorial inicial, tendo-se identificado um primeiro componente com peso elevado de todas as variáveis, exceto o item 8 ("Em geral, quão difícil foi, para si, expressar os seus pensamentos?"). No entanto, o referido item possuía um elevado peso no segundo componente.

O instrumento ECS - após a extubação obteve excelente consistência interna total (alfa de Cronbach de 0,951). A correlação entre cada item e o total foi considerada elevada (r > 0,7), variando entre 0,77 e 0,91 para todos os itens, com exceção do item 8, com correlação de 0,44. Porém, não se verificou a influência desse item na consistência interna do instrumento, uma vez que, mesmo que removido, o valor de alfa de Cronbach se manteve superior a 0,9.

O resultado médio das respostas dos participantes à ECS - após a extubação foi de 2,99 (desvio padrão de 0,815 e mediana de 3,20), com valor mínimo de 1,5 e máximo de 4.

A figura 1 representa a distribuição gráfica das respostas dos participantes a cada uma das questões da ECS - após a extubação.

Figura 1
Distribuição das respostas dos participantes a cada uma das questões da Ease of Communication Scale - após a extubação.

Houve um número reduzido de participantes que considerou as experiências de comunicação durante a entubação como "pouco difíceis" ou "difíceis", contrastando com um número elevado de participantes que considerou as experiências de comunicação durante a entubação como "muito difíceis" ou "extremamente difíceis". O nível "pouco difícil" foi assinalado em 26 respostas, o nível "difícil" obteve 64 respostas, o nível "muito difícil" foi indicado pela amostra em 101 respostas, e o nível "extremamente difícil" foi assinalado 118 vezes pelos participantes em estudo.

As análises conjuntas, dos níveis "muito difícil" e "extremamente difícil", permitiram verificar que 74,2% dos participantes relataram ter sido "muito difícil" ou "extremamente difícil" "comunicar sem ser capaz de falar", e 77,4% consideraram ter sido "muito difícil" ou "extremamente difícil" "fazerem-se entender sem ser capaz de falar". Em relação aos parceiros de comunicação, uma porcentagem próxima dos 70% dos participantes considerou que foi "muito difícil" ou "extremamente difícil" comunicar com os médicos (71%) e enfermeiros (70,9%), seguindo-se a comunicação com a família e os amigos (67,8%). Quando analisada isoladamente, a comunicação com a família foi, entre os três itens, aquele que obteve uma maior porcentagem de respostas do tipo "extremamente difícil" (45,2%).

Relativamente ao sexo, o resultado médio da ECS - após a extubação dos participantes do sexo feminino (n = 11) foi de 2,99 com intervalo de confiança de 95% (IC95%) de 2,54 - 3,41, enquanto nos participantes do sexo masculino (n = 19) foi ligeiramente superior, apresentando uma pontuação média de 3, com IC95% de 2,55 - 3,44.

Em relação aos motivos de entubação, os participantes com patologias respiratórias crônicas (n = 3) apresentaram resultado médio na ECS - após a extubação de 3,27, com IC95% de 2,64 - 3,89, seguindo-se dos participantes com patologias respiratórias agudas, com pontuação média na ECS - após a extubação de 3,02, IC95% de 2,53 - 3,51, e dos indivíduos entubados por motivo de complicações pós-cirúrgicas, com um resultado médio na ECS de 3,01 e IC95% de 2,51 - 3,51.

Em relação aos níveis de sedação, os participantes com valores de sedação de níveis 1 e 2 (n = 14) apresentaram resultado médio na ECS - após a extubação de 3,15, com IC95% de 2,66 - 3,64, seguindo-se dos participantes com sedação de nível 1 (n = 3) com pontuação média na ECS de 3,10, com IC95% de 1,79 - 4,51, e os participantes com sedação de nível 2 (n = 13), com média de 2,90 e IC95% de 2,39 - 3,43.

Não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre sexo (p = 0,611), motivo de entubação (p = 0,651) e níveis de sedação (p = 0,635) dos participantes e o resultado médio da ECS (Tabela 1).

Tabela 1
Resultados das correlações entre o resultado médio e as variáveis categóricas

Relativamente às variáveis numéricas, houve correlação estatisticamente significativa entre o resultado médio e o número de horas após a extubação. A correlação verificada foi considerada positiva fraca (r = 0,360; p = 0,049) e sugeriu que o aumento do número de horas após extubação conduziu ao aumento da pontuação média da dificuldade de comunicação reportada pelo doente (Tabela 2).

Tabela 2
Resultados das correlações entre o resultado médio da escala e as variáveis numéricas

DISCUSSÃO

A versão portuguesa da ECS obteve elevada equivalência em termos linguísticos e conceituais quando comparada com sua versão original. O instrumento foi considerado pertinente, adequado e houve concordância global ao nível de seu conteúdo.

Apesar do objetivo principal do estudo não contemplar a análise das respostas dos doentes à ECS, durante e após a extubação, foi interessante verificar que, mesmo com uma amostra reduzida, os resultados do pré-teste demonstraram que, em ambos os momentos da avaliação, os doentes reportaram um nível semelhante de dificuldades de comunicação, tendo existido apenas uma variação de cerca de 0,23 entre os resultados médios das escalas, em ambos os momentos da avaliação. Esses dados podem ser importantes indicadores preliminares da estabilidade do instrumento. Por outro lado, os resultados encontrados foram ao encontro dos reportados por Menzel(2222 Menzel LK. A comparison of patients' communication-related responses during intubation and after extubation. Heart Lung. 1997;26(5):363-71.) que, em seu estudo, não encontrou diferenças estatisticamente significativas entre as respostas dos doentes durante a entubação e após a extubação.

Na validação preliminar da ECS - após a extubação, verificou-se excelente consistência interna, sendo a fiabilidade obtida semelhante à de outros estudos realizados.(1818 Menzel LK. Factors related to the emotional responses of intubated patients to being unable to speak. Heart Lung. 1998;27(4):245-52.,2323 Khalaila R, Zbidat W, Anwar K, Bayya A, Linton DM, Sviri S. Communication difficulties and psychoemotional distress in patients receiving mechanical ventilation. Am J Crit Care. 2011;20(6):470-9.,2424 Liu JJ, Chou FH, Yeh SH. Basic needs and their predictors for intubated patients in surgical intensive care units. Heart Lung. 2009;38(3):208-16.) A análise fatorial e dos componentes da escala foi realizada e encontraram-se dois componentes responsáveis pela variabilidade total dos dados.

A pontuação média das respostas dos participantes à ECS - após a extubação foi de 2,99, o que revela que, em média, os participantes consideraram as experiências de comunicação enquanto entubados como "muito difíceis". Esses resultados médios, ainda que substancialmente superiores, aproximam-se dos resultados encontrados por Khalaila et al.,(2323 Khalaila R, Zbidat W, Anwar K, Bayya A, Linton DM, Sviri S. Communication difficulties and psychoemotional distress in patients receiving mechanical ventilation. Am J Crit Care. 2011;20(6):470-9.) Menzel(1818 Menzel LK. Factors related to the emotional responses of intubated patients to being unable to speak. Heart Lung. 1998;27(4):245-52.) e Liu et al.,(2424 Liu JJ, Chou FH, Yeh SH. Basic needs and their predictors for intubated patients in surgical intensive care units. Heart Lung. 2009;38(3):208-16.) onde os participantes descreveram níveis moderados de dificuldades de comunicação. O facto de o nível de dificuldades de comunicação ter sido superior no presente estudo pode estar relacionado com o facto da amostra contemplada ser inferior à incluída nos estudos anteriormente citados.

Os resultados das respostas dos participantes a cada uma das perguntas da escala demonstraram que uma porcentagem superior a 74% considerou que tanto a experiência de "comunicar sem ser capaz de falar" como a de "se fazer entender sem ser capaz de falar" foram "muito difíceis" (29%) ou "extremamente difíceis" (45,2% e 48,4%, respectivamente). Quando analisados separadamente, é possível verificar que estes dois itens (perguntas 1 e 10) não foram reconhecidos por nenhum participante como "pouco difícil", contrastando com os mais de 45% da amostra que assinalaram a resposta em ambas as perguntas como "extremamente difícil". Estes resultados vão ao encontro de alguns estudos qualitativos nos quais os participantes consideraram a experiência de comunicar ventilado e o insucesso inerente a essas tentativas como uma situação muito difícil, perturbadora, frustrante e geradora de sentimentos de insegurança.(1010 Karlsson V, Bergbom I, Forsberg A. The lived experiences of adult intensive care patients who were conscious during mechanical ventilation: a phenomenological-hermeneutic study. Intensive Crit Care Nurs. 2012;28(1):6-15.,1616 Guttormson JL, Bremer KL, Jones RM. "Not being able to talk was horrid": A descriptive, correlational study of communication during mechanical ventilation. Intensive Crit Care Nurs. 2015;31(3):179-86.,1717 Patak L, Gawlinski A, Fung NI, Doering L, Berg J. Patients' reports of health care practitioner interventions that are related to communication during mechanical ventilation. Heart Lung. 2004;33(5):308-20.,1919 Hafsteindóttir TB. Patient's experiences of communication during the respirator treatment period. Intensive Crit Care Nurs. 1996;12(5):261-71.,3030 Engström Å, Nyström N, Sundelin G, Rattray J. People's experiences of being mechanically ventilated in an ICU: a qualitative study. Intensive Crit Care Nurs. 2012;29(2):88-95.) Comunicar e ver essa comunicação bem-sucedida são fatores cruciais para qualquer doente que, quando internado na UCI, além dos cuidados fisiopatológicos, precisa também que a comunicação seja efetiva e adaptada às suas condições individuais. Neste sentido, é fundamental que essas dificuldades sejam alvo de intervenção especializada, diminuído seu impacto negativo.

Relativamente aos parceiros de comunicação, verificou-se que os participantes exprimiram sentir mais dificuldades de comunicação (porcentagem conjunta das respostas de nível "muito difícil" e "extremamente difícil") com os médicos e com os enfermeiros do que com a família e amigos. Esses dados são corroborados pelo estudo de Engström et al.,(3030 Engström Å, Nyström N, Sundelin G, Rattray J. People's experiences of being mechanically ventilated in an ICU: a qualitative study. Intensive Crit Care Nurs. 2012;29(2):88-95.,3131 Engström Å, Söderberg S. Receiving power through confirmation: the meaning of close relatives for people who have been critically ill. J Adv Nurs. 2007;59(6):569-76.) no qual os participantes relataram ter sido mais fácil a comunicação com a família do que com os profissionais da UCI. Contudo, analisando as respostas separadamente, verificou-se que a comunicação com a família e com os amigos foi mais vezes considerada "extremamente difícil" pela amostra (45,2%). Apesar de poderem parecer contraditórios, esses resultados podem estar relacionados, por um lado, com um maior número de assuntos que os doentes querem ver abordados com a família e a sua complexidade e, por outro lado, pela influência dos fatores emocionais, pois, em uma situação de enorme fragilidade, o encontro com a família ou os amigos pode fazer com que haja maior suscetibilidade emocional e, consequentemente, uma influência negativa nas interações comunicativas. O facto de a comunicação com o enfermeiro ter sido a pergunta da escala que, quando comparada com os outros dois parceiros de comunicação, obteve um menor número de respostas "extremamente difícil" (29%) pode se dever ao facto deste ser o profissional que está mais disponível às interações comunicativas com os doentes, como reportado num estudo(1515 Happ MB, Garrett K, Thomas DD, Tate J, George E, Houze M, et al. Nurse-patient communication interactions in the intensive care unit. Am J Crit Care. 2011;20(2):e28-40.) em que se verificou que a comunicação com o doente era frequentemente (86,2%) iniciada pelos enfermeiros. Ainda assim, no presente estudo, cerca de 41,9% dos participantes consideraram a comunicação com esse profissional "muito difícil", corroborando com um estudo(1515 Happ MB, Garrett K, Thomas DD, Tate J, George E, Houze M, et al. Nurse-patient communication interactions in the intensive care unit. Am J Crit Care. 2011;20(2):e28-40.) que reportou que 40% dos doentes relataram dificuldades na interação com os enfermeiros, sobretudo quando a comunicação se referia à transmissão de dores (37,7%). Realça-se que, também essa proporção se encontra próxima da encontrada na presente investigação, na qual a comunicação de necessidades físicas (aspiração, mudança de posição e dores) foi considerada, por 38,7% da amostra, uma tarefa "extremamente difícil".

Relativamente à análise das variáveis sociodemográficas dos participantes, verificou-se que as dificuldades de comunicação ocorreram independentemente do sexo e da idade dos indivíduos, o que vai ao encontro do referido por Menzel.(2222 Menzel LK. A comparison of patients' communication-related responses during intubation and after extubation. Heart Lung. 1997;26(5):363-71.) Em relação à escolaridade, no presente estudo, não se verificou relação estatisticamente significativa entre o nível de dificuldades de comunicação vivenciadas e a escolaridade dos participantes. Estes resultados divergem dos de Liu et al.,(2424 Liu JJ, Chou FH, Yeh SH. Basic needs and their predictors for intubated patients in surgical intensive care units. Heart Lung. 2009;38(3):208-16.) cujos participantes com níveis de escolaridade mais baixos demonstraram mais dificuldades de comunicação. No presente estudo, essas diferenças podem ser justificadas pelo facto de terem sido admitidos doentes com menor variação ao nível da escolaridade, sendo esta tendencialmente baixa, quando comparado com o nível de escolaridade dos participantes incluídos no estudo de Liu et al.,(2424 Liu JJ, Chou FH, Yeh SH. Basic needs and their predictors for intubated patients in surgical intensive care units. Heart Lung. 2009;38(3):208-16.) no qual 33 dos 80 participantes tinham o Ensino Médio ou Superior.

Em relação às variáveis clínicas dos participantes, não existiu influência do número de horas em que os doentes permanecem entubados e nem do motivo da entubação dos doentes no nível de dificuldades de comunicação reportadas, o que é similar aos resultados de Menzel.(2222 Menzel LK. A comparison of patients' communication-related responses during intubation and after extubation. Heart Lung. 1997;26(5):363-71.) Todavia, os resultados do presente estudo apontam para a influência do número de horas após a extubação nos níveis de dificuldades de comunicação reportados, ou seja, à medida que o tempo após a extubação progride, os doentes tendem a sinalizar mais as dificuldades de comunicação vivenciadas. Esses dados são corroborados por Zetterlund et al.,(3232 Zetterlund P, Plos K, Bergbom I, Ringdal M. Memories from intensive care unit persist for several years-A longitudinal prospective multi-centre study. Intensive Crit Care Nurs. 2011;28(3):159-67.) que, em sua investigação transversal, verificaram que os doentes mantêm as suas memórias sobre o período da ventilação mecânica estáveis, mesmo 5 anos após a primeira entrevista. Os mesmos autores reportaram também um aumento significativo de sentimentos de ansiedade e sintomatologia depressiva em relação à experiência da entubação. A verificação destes resultados deve ser contemplada em estudos com amostra superior, sendo importante referir que os presentes resultados apontam para a pertinência de incluir, em estudos futuros, participantes cujo tempo após a extubação seja superior a 72 horas e verificar a influência dessa variável, uma vez que a atual tendência de estudos nacionais e internacionais é incluir doentes dentro deste período de tempo.

Em relação aos níveis de sedação, preconiza-se que os doentes mecanicamente ventilados, com um nível de sedação mais baixo, tendem a ter mais memórias das dificuldades que sentiram enquanto entubados.(33 Samuelson K, Lundberg D, Fridlund B. Memory in relation to depth of sedation in adult mechanically ventilated intensive care patients. Intensive Care Med. 2006;32(5):660-7.,3333 Samuelson KA, Lundberg D, Fridlund B. Stressful experiences in relation to depth of sedation in mechanically ventilated patients. Nurs Crit Care. 2007;12(2):93-104.) No presente estudo, não foi possível verificar essa tendência, não existindo diferenças significativas entre o nível de sedação dos doentes e de dificuldades que eles vivenciaram. Estes resultados podem ser justificados pelo fato de os níveis de sedação incluídos serem os dois níveis mais baixos da escala de sedação utilizada no estudo e, por outro lado, porque grande parte da amostra (40,2%) tinha estado, nas últimas 48 horas de entubação (referencial de tempo ao qual a escala é dirigida), com níveis de sedação de 1 e 2.

A principal limitação do estudo residiu no tamanho da amostra obtida, que se desejaria ser substancialmente superior. No entanto, devido à especificidade dos indivíduos incluídos, ao seu contexto clínico, aos critérios de inclusão e de exclusão, e às dificuldades de acesso aos serviços de UCI, considerou-se que a amostra incluída exibiu, ainda assim, uma importante representatividade para os objetivos propostos, tendo sido alcançados resultados estimulantes e que vão ao encontro de outros estudos realizados com amostras superiores.

Apesar da versão portuguesa da ECS ter obtido elevada aceitabilidade linguística e cultural e, por meio da análise preliminar de sua consistência interna, ter sido verificado que o instrumento tem excelente fiabilidade, considera-se que novos estudos devem ser realizados para aprimorar sua precisão. Futuramente, é desejável que se verifique a fiabilidade por meio da concordância interobservadores, bem como a análise de sua estabilidade temporal aplicando-se o teste-resteste, pois é essencial que o resultado obtido da aplicação da escala seja o mesmo quando avaliado por profissionais diferentes e em momentos variados. No presente estudo, essas verificações não foram feitas, pela dificuldade de envolver outros profissionais no contexto de UCI e pelo reduzido período de tempo em que os doentes permaneceram internados na UCI após a extubação.

Perante o reconhecimento das dificuldades de comunicação dos doentes, neste contexto específico, seria também pertinente a adoção de um protocolo de intervenção que contemplasse a intervenção do terapeuta da fala/fonoaudiólogo para uma maior consciencialização das técnicas e dos diferentes modos de comunicação. Da mesma forma, seria também digno de investigação que, após a aplicação do protocolo de comunicação em contexto de UCI, fosse possível reavaliar as dificuldades de comunicação dos doentes com a ECS, no sentido de se perceber se a aplicação do mesmo teve um impacto positivo na comunicação dos doentes com os respetivos parceiros de comunicação.

CONCLUSÃO

A versão portuguesa da Ease of Communication Scale apresentou bons valores psicométricos e pode ser um instrumento útil para a avaliação das dificuldades de comunicação dos doentes mecanicamente ventilados nas unidades de cuidados intensivos. Considerando a escassez de estudos portugueses nessa área, acredita-se que a tradução e o contributo para a validação da escala Ease of Communication Scale representam um importante avanço na exploração das dificuldades de comunicação dos doentes mecanicamente ventilados nas unidades de cuidados intensivos portuguesas.

As experiências de comunicação, que ocorreram enquanto os doentes estavam mecanicamente ventilados, foram consideradas "muito difíceis", tendendo para uma relação positiva entre a percepção do nível das dificuldades de comunicação e o número de horas após a extubação. Tais dificuldades ocorreram independentemente da existência de outras variáveis clínicas e/ou sociodemográficas.

As dificuldades consideradas como "extremamente difícil" pela maior parte da amostra foram "fazer-se entender sem ser capaz de falar" e "comunicar sem ser capaz de falar". Estas foram também as únicas duas perguntas da escala que nenhum participante classificou como "pouco difícil".

Este tema deve ainda ser alvo de futuras investigações e, sempre que possível, tais dificuldades de comunicação devem beneficiar da intervenção especializada de um terapeuta da fala. É também desejável um aumento da consciencialização por parte de todos os profissionais de saúde que lidam diretamente com as dificuldades de comunicação destes doentes, de modo a que a prestação de cuidados se torne cada vez mais individualizada e ajustada, garantindo a verdadeira autonomia, valorização e inclusão da pessoa hospitalizada.

  • Editor responsável: Pedro Póvoa

AGRADECIMENTOS

Um especial agradecimento à Professora Luísa Taveira pelo seu incentivo, apoio e pela partilha de conhecimentos. Agradecemos também à Professora Doutora Linda Menzel por toda a sua colaboração e pela cedência da autorização de tradução e adaptação cultural da Ease of Communication Scale.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Dez 2015
  • Aceito
    29 Abr 2016
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