Acessibilidade / Reportar erro

Para: Comportamento dos achados de ultrassonografia pulmonar durante tentativa de respiração espontânea

Ao Editor

O presente século trouxe ao campo da terapia intensiva um "novo" participante. A ultrassonografia deixa os setores de radiologia para adentrar, renovada, a unidade de terapia intensiva. Com foco no paciente de terapia intensiva e tendo como examinador o intensivista, o ultrassom estabeleceu um novo paradigma na medicina. Em razão de sua crescente relevância, em 2009,(11 Mayo PH, Beaulieu Y, Doelken P, Feller-Kopman D, Harrod C, Kaplan A, et al. American College of Chest Physicians/La Société de Réanimation de Langue Française statement on competence in critical care ultrasonography. Chest. 2009;135(4):1050-60.) o American College of Chest Physicians e a Société de Réanimation de Langue Française publicaram uma declaração de competência para estabelecer os padrões mínimos para obter capacitação por aprendizado de quatro principais abordagens por ultrassom: torácica, cardíaca, vascular e abdominal. Desde então, o uso do ultrassom não mais é uma opção, mas obrigatório para os intensivistas. No entanto, além de seu promissor potencial, muito ainda permanece por ser conhecido.

Lemos com muita atenção o importante artigo de Antonio et al.(22 Antonio AC, Teixeira C, Castro PS, Savi A, Maccari JG, Oliveira RP, et al. Behavior of lung ultrasound findings during spontaneous breathing trial. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(3):279-86.) a respeito de como esta consideração amplia o espectro de conhecimento, ao focalizar-se no uso de ultrassonografia pulmonar nas tentativas de respiração espontânea (TRE) durante o desmame de ventilação mecânica. Foram inscritos e submetidos a uma ultrassonografia pulmonar 57 pacientes, antes e após a TRE. Na conclusão, os autores observaram perda de aeração pulmonar durante a TRE em pacientes que tiveram falha do desmame.

Há, contudo, duas coisas a considerar.

Primeiramente, as linhas B(33 Lichtenstein D. Diagnostic échographique de l'œdème pulmonaire. Rev Im Med. 1994;6:561-2.) nem sempre são patológicas quando observadas abaixo de três por campo, entre duas costelas no espaço de Merlin, especialmente quando localizadas no ponto PLAPS (abordagem pulmonar inferior e posterior). Lung rockets, constituídos de mais de duas linhas B, são sempre relacionados à incompatibilidade do parênquima em razão de síndrome intersticial. Observam-se lung rockets em associação com ou sem deslizamento pulmonar, que definem dois padrões ultrassonográficos: B (com presença de deslizamento) e B' (com ausência de deslizamento). Ambos estão relacionados à síndrome intersticial, porém, no caso do padrão B, trata-se de transudato, portanto, cardiogênico, enquanto o padrão B' é exsudativo e, deste modo, geralmente relacionado à pneumonia. Estas são duas condições clínicas com abordagem terapêutica específica e, logicamente, sujeitas a diferentes considerações durante o desmame de ventilação mecânica.

Em segundo lugar, os lung rockets demonstraram sensibilidade de 97% e especificidade de 95% na detecção de edema pulmonar agudo; além disto, como descrito no artigo mencionado, o padrão B é uma medida validade do Extra Vascular Lung Water Index (ELWI).(33 Lichtenstein D. Diagnostic échographique de l'œdème pulmonaire. Rev Im Med. 1994;6:561-2.,44 Enghard P, Rademacher S, Nee J, Hasper D, Engert U, Jörres A, et al. Simplified lung ultrasound protocol shows excellent prediction of extravascular lung water in ventilated intensive care patients. Crit Care. 2015;19:36.) Em resumo, este padrão é uma ferramenta confiável para identificar o edema pulmonar cardiogênico. Já foram identificados diferentes padrões B, com base no número de lung rockets identificados por campo, os quais incluem rockets septais (3 - 4), rockets em vidro (mais de 5) e a variante de Birolleau (linhas B contínuas intermediadas por espaço anecoico). Cada um destes padrões se traduz como edema pulmonar, porém com grau crescente de gravidade e, mais uma vez, diferentes condições com fenômenos específicos a se ter em mente durante o tratamento ou desmame. Para não prejudicar a simplicidade do exame de ultrassonografia pulmonar, os autores sugerem não documentar alguns aspectos ultrassonográficos adicionais referentes a coração, veias, ou derrame pleural. Não concordamos, pois estes aspectos podem ter sérias implicações no desfecho do paciente - especificamente a avaliação da disfunção cardíaca diastólica. Quando o médico é devidamente treinado, pode realizar a medida com precisão, sem consumo exagerado de tempo.

Finalmente, não concordamos com o posicionamento dos autores quanto à realização de exame em quatro regiões. Atualmente não existe um padrão-ouro para ultrassonografia pulmonar, porém o Blue Protocol(55 Lichtenstein DA, Mezière GA. Relevance of lung ultrasound in the diagnosis of acute respiratory failure: the BLUE protocol. Chest. 2008;134(1):117-25.) não apenas é validado para insuficiência respiratória aguda como também tem notáveis valores de sensibilidade e especificidade. O Blue Protocol baseia-se no exame de seis regiões.(66 Lichtenstein DA, Mezière GA. The BLUE-points: three standardized points used in the BLUE-protocol for ultrasound assessment of the lung in acute respiratory failure. Crit Ultrasound J. 2011;3(2):109-10.)

Há necessidade de mais trabalhos de investigação para que se chegue à compreensão de todo o potencial da ultrassonografia pulmonar.

Jacobo Bacariza Blanco
Unidade de Terapia Intensiva, Hospital Garcia De Orta EPE - Almada, Portugal.
Antonio M. Esquinas
Unidade de Terapia Intensiva, Hospital Meseguer - Murcia, Espanha.

AGRADECIMENTO

Ao Dr. Daniel Lichtenstein, que nos treinou no Cercle des Echographistes d'Urgence et de Réanimation Francophones (CEURF) e gentilmente revisou o presente trabalho.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Mayo PH, Beaulieu Y, Doelken P, Feller-Kopman D, Harrod C, Kaplan A, et al. American College of Chest Physicians/La Société de Réanimation de Langue Française statement on competence in critical care ultrasonography. Chest. 2009;135(4):1050-60.
  • 2
    Antonio AC, Teixeira C, Castro PS, Savi A, Maccari JG, Oliveira RP, et al. Behavior of lung ultrasound findings during spontaneous breathing trial. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(3):279-86.
  • 3
    Lichtenstein D. Diagnostic échographique de l'œdème pulmonaire. Rev Im Med. 1994;6:561-2.
  • 4
    Enghard P, Rademacher S, Nee J, Hasper D, Engert U, Jörres A, et al. Simplified lung ultrasound protocol shows excellent prediction of extravascular lung water in ventilated intensive care patients. Crit Care. 2015;19:36.
  • 5
    Lichtenstein DA, Mezière GA. Relevance of lung ultrasound in the diagnosis of acute respiratory failure: the BLUE protocol. Chest. 2008;134(1):117-25.
  • 6
    Lichtenstein DA, Mezière GA. The BLUE-points: three standardized points used in the BLUE-protocol for ultrasound assessment of the lung in acute respiratory failure. Crit Ultrasound J. 2011;3(2):109-10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2018
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br