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Influência da presença de profissionais em odontologia e protocolos para assistência à saúde bucal na equipe de enfermagem da unidade de terapia intensiva. Estudo de levantamento

INTRODUÇÃO

Os pacientes admitidos às unidades de terapia intensiva (UTI) frequentemente não contam com assistência à saúde bucal,(11 Lambert ML, Palomar M, Agodi A, Hiesmayr M, Lepape A, Ingenbleek A, et al. Prevention of ventilator-associated pneumonia in intensive care units: an international online survey. Antimicrob Resist Infect Ccontrol. 2013;2(1):9.

2 Binkley C, Furr LA, Carrico R, McCurren C. Survey of oral care practices in US intensive care units. Am J Infect Control. 2004;32(3):161-9.
-33 Morais TM, Silva A, Avi AL, Souza PH, Knobel E, Camargo LF. [Importance of dental work in patients under intensive care unit]. Rev Bras Ter Intensiva. 2006;18(4):412-7. Portuguese.) o que provoca um incremento direto nos problemas de saúde bucal relacionados com morbidade e mortalidade mais elevadas. Uma má saúde bucal pode levar a problemas clínicos, como a disseminação local de infecções, infecções do trato respiratório, maiores custos da admissão à UTI, maior utilização de medicamentos como antibióticos, o que favorece o estabelecimento de resistência bacteriana e infecções oportunistas.(33 Morais TM, Silva A, Avi AL, Souza PH, Knobel E, Camargo LF. [Importance of dental work in patients under intensive care unit]. Rev Bras Ter Intensiva. 2006;18(4):412-7. Portuguese.

4 Bansal M, Khatri M, Taneja V. Potential role of periodontal infection in respiratory diseases - a review. J Med Life. 2013;6(3):244-8.

5 Scannapieco FA. Role of oral bacteria in respiratory infection. J Periodontol. 1999;70(7):793-802.

6 Azarpazhooh A, Leake JL. Systematic review of the association between respiratory diseases and oral health. J Periodontol. 2006;77(9):1465-82.

7 Gomes-Filho IS, Passos JS, Seixas da Cruz S. Respiratory disease and the role of oral bacteria. J Oral Microbiol. 2010;2.
-88 Kiyoshi-Teo H, Blegen M. Influence of Institutional Guidelines on Oral Hygiene Practices in Intensive Care Units. Am J Crit Care. 2015;24(4):309-18.)

Considerando o valor da saúde bucal na prevenção de complicações para pacientes de UTI, é importante implantar, nestas unidades, protocolos de saúde bucal. Este estudo teve como objetivo avaliar a influência da utilização de protocolos de saúde bucal, a ação rotineira de profissionais em odontologia, e o conhecimento de saúde bucal por parte da equipe da UTI, assim como os métodos utilizados para proporcionar este tipo de cuidado aos pacientes de UTI. Testamos a hipótese de que a utilização de protocolos de saúde bucal e o treinamento afetam de forma positiva as práticas de cuidados de saúde bucal na UTI.

MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Passo Fundo, sob número 1.879.807, e conduzido em conformidade com os padrões éticos estabelecidos pela Declaração de Helsinque. Este estudo transversal descritivo de levantamento utilizou um questionário autoadministrado que foi aplicado a 231 membros da equipe de nove UTI de três hospitais localizados na Região Sul do Brasil. Uma UTI pertencia a um hospital privado, uma a um hospital filantrópico e sete pertenciam a hospitais públicos. O estudo foi realizado entre março e agosto de 2015.

O questionário autoadministrado teve como objetivo obter respostas fechadas com a utilização de uma escala de Likert de cinco níveis e demarcação de frequência de procedimentos de cuidado bucal. A equipe de enfermagem da UTI (enfermeiros e técnicos) recebeu um questionário adaptado ao idioma desenvolvido com base na publicação de Binkley et al.,(22 Binkley C, Furr LA, Carrico R, McCurren C. Survey of oral care practices in US intensive care units. Am J Infect Control. 2004;32(3):161-9.) e com foco na percepção dos profissionais em relação à importância da odontologia na UTI, práticas de higiene bucal, treinamento da equipe, protocolos de saúde bucal e presença rotineira de profissionais em odontologia na UTI.

Os dados foram submetidos a uma análise estatística descritiva com utilização do Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 20 (IBM). Utilizou-se análise descritiva de frequência para descrever os dados quantitativos e qualitativos, e o teste de correlação de Spearman para analisar as questões pertinentes à escala de Likert de cinco níveis. Utilizou-se nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Dentre os 231 participantes, 182 eram técnicos em enfermagem e 49 enfermeiros. A tabela 1 resume as características da população do estudo.

Tabela 1
Características dos participantes do estudo (equipe da unidade de terapia intensiva)

Em sua maioria (99,6%), os participantes concordaram com a importância dos cuidados bucais para pacientes em UTI, e 88,3% da equipe concordou que os problemas de saúde bucal são comuns na terapia intensiva.

Em relação à higiene bucal, 32% da equipe respondeu que é uma tarefa desagradável para desempenhar em pacientes de UTI, e 69,3% relataram ter dificuldades para realizar a tarefa. Ainda, 22,1% referiram não receber treinamento apropriado para realizar higiene bucal dos pacientes da UTI. Mais frequentemente (87%), os materiais e instrumentos se encontravam disponíveis para a tarefa, e apenas 19,5% da equipe declarou que não existia tempo suficiente para realizar higiene bucal nos pacientes de UTI.

Cerca de um quarto (27,7%) da equipe não concordou com a existência de um protocolo adequado de higiene bucal para pacientes de UTI, e quando ocorreu um problema bucal, apenas 65,4% da equipe sabia como proceder. Finalmente, 52,8% da equipe relatou a ausência de um profissional em odontologia (dentista) para avaliação de questões pertinentes à saúde bucal dos pacientes na UTI.

O uso de materiais de higiene pela equipe da UTI variou. A maioria dos participantes (74,1%) nunca utilizou swabs de espuma. Enxaguantes bucais eram utilizados comum e frequentemente para higiene bucal dos pacientes de UTI. Encontrou-se grande variabilidade quanto ao uso de escova dental e dentifrícios. A tabela 2 resume a frequência de uso dos instrumentos e materiais para higiene bucal.

Tabela 2
Frequência de uso de materiais e instrumentos para higiene bucal

Os profissionais que achavam a higiene bucal uma tarefa desagradável tenderam a considerar esta tarefa difícil, com uma correlação moderada (rs = 0,42, p < 0,001). A ausência de um protocolo adequado de saúde bucal pareceu ter correlação muito fraca (rs = 0,13, p < 0,05) com os profissionais que perceberam a higiene bucal como uma tarefa difícil. A indisponibilidade de materiais e a falta de tempo suficiente também aumentaram a dificuldade para a higiene bucal (r = 0,18, p < 0,05; e r = 0,25, p < 0,001, respectivamente).

A ausência de um protocolo adequado para a assistência bucal e a falta de programas de treinamento tiveram correlação moderada com a incapacidade da equipe para solucionar problemas relativos à saúde bucal (r = 0,47, p < 0,001; e r = 0,43, p < 0,001, respectivamente). A presença de um profissional em odontologia, responsável pela avaliação das questões de saúde bucal dos pacientes na UTI, correlacionou-se de forma fraca com o treinamento da equipe (r = 0,32, p < 0,001), assegurar a adesão a protocolos de saúde bucal (r = 0,31, p < 0,001) e o aumento do conhecimento da equipe em relação aos problemas orais (r = 0,25, p < 0,001).

DISCUSSÃO

Os questionários são uma forma importante para avaliação de hábitos e procedimentos, e para quantificar as necessidades e expectativas da equipe da UTI. Binkley et al. avaliaram os cuidados à saúde bucal proporcionados nas UTI dos Estados Unidos com a utilização de um método de levantamento. Os autores identificaram que os métodos de cuidados bucais não eram uniformes e sugeriram a utilização de protocolos com base em evidência, para melhorar a qualidade dos cuidados e proporcionar cuidados à saúde bucal mais coerentes.(22 Binkley C, Furr LA, Carrico R, McCurren C. Survey of oral care practices in US intensive care units. Am J Infect Control. 2004;32(3):161-9.) Outro estudo avaliou, com utilização de questionários, o conhecimento da enfermagem, suas atitudes e práticas em relação à higiene bucal em hospitais, e sugere maior prática da enfermagem com algum tipo de cuidado à saúde bucal, embora estes não sejam padronizados entre as diferentes instituições;(99 Gibney J, Wright C, Sharma A, Naganathan V. Nurses' knowledge, attitudes, and current practice of daily oral hygiene care to patients on acute aged care wards in two Australian hospitals. Spec Care Dentist.2015;35(6):285-93.) isto concorda com nossos resultados. O método de implantação dos protocolos também desempenha um papel na prática; recomenda-se que a participação ativa da equipe de enfermagem resulta em melhor adesão ao protocolo.(88 Kiyoshi-Teo H, Blegen M. Influence of Institutional Guidelines on Oral Hygiene Practices in Intensive Care Units. Am J Crit Care. 2015;24(4):309-18.) Sem treinamento, acesso adequado a materiais e motivação, a qualidade dos cuidados à saúde bucal na UTI fica comprometida.(22 Binkley C, Furr LA, Carrico R, McCurren C. Survey of oral care practices in US intensive care units. Am J Infect Control. 2004;32(3):161-9.,88 Kiyoshi-Teo H, Blegen M. Influence of Institutional Guidelines on Oral Hygiene Practices in Intensive Care Units. Am J Crit Care. 2015;24(4):309-18.

9 Gibney J, Wright C, Sharma A, Naganathan V. Nurses' knowledge, attitudes, and current practice of daily oral hygiene care to patients on acute aged care wards in two Australian hospitals. Spec Care Dentist.2015;35(6):285-93.

10 Chan EY, Hui-Ling Ng I. Oral care practices among critical care nurses in Singapore: a questionnaire survey. Appl Nurs Res. 2012;25(3):197-204.

11 Jordan A, Badovinac A, Spalj S, Par M, Slaj M, Plancak D. Factors influencing intensive care nurses' knowledge and attitudes regarding ventilator-associated pneumonia and oral care practice in intubated patients in Croatia. Am J Infect Control. 2014;42(10):1115-7.
-1212 Alotaibi AK, Alshayiqi M, Ramalingam S. Does the presence of oral care guidelines affect oral care delivery by intensive care unit nurses? A survey of Saudi intensive care unit nurses. Am J Infect Control. 2014;42(8):921-2.)

A presença de um profissional da odontologia ajuda a manter a adesão aos protocolos de saúde bucal, além de apoiar e dar assistência à equipe para enfrentar as eventuais dificuldades durante os cuidados ao paciente. É também importante salientar a associação entre treinamento adequado da equipe e a presença de um profissional em odontologia na rotina da UTI. Tais resultados são consonantes com outros estudos.(1111 Jordan A, Badovinac A, Spalj S, Par M, Slaj M, Plancak D. Factors influencing intensive care nurses' knowledge and attitudes regarding ventilator-associated pneumonia and oral care practice in intubated patients in Croatia. Am J Infect Control. 2014;42(10):1115-7.

12 Alotaibi AK, Alshayiqi M, Ramalingam S. Does the presence of oral care guidelines affect oral care delivery by intensive care unit nurses? A survey of Saudi intensive care unit nurses. Am J Infect Control. 2014;42(8):921-2.
-1313 Gmür C, Irani S, Attin T, Menghini G, Schmidlin PR. Survey on oral hygiene measures for intubated patients in Swiss intensive care units. Schweiz Monatsschr Zahnmed. 2013;123(5):394-409.)

Identificamos grande variabilidade do uso de materiais de higiene bucal, mesmo entre os profissionais de uma única UTI. Isto enfatiza a ausência de protocolos, ou a falta de adesão aos protocolos presentes. Utilizam-se frequentemente enxaguantes bucais, provavelmente em razão das orientações de diversas diretrizes para prevenção de pneumonia associada ao ventilador (PAV).(11 Lambert ML, Palomar M, Agodi A, Hiesmayr M, Lepape A, Ingenbleek A, et al. Prevention of ventilator-associated pneumonia in intensive care units: an international online survey. Antimicrob Resist Infect Ccontrol. 2013;2(1):9.,1313 Gmür C, Irani S, Attin T, Menghini G, Schmidlin PR. Survey on oral hygiene measures for intubated patients in Swiss intensive care units. Schweiz Monatsschr Zahnmed. 2013;123(5):394-409.

14 Rello J, Afonso E, Lisboa T, Ricart M, Balsera B, Rovira A, Valles J, Diaz E; FADO Project Investigators. A care bundle approach for prevention of ventilator-associated pneumonia. Clin Microbiol Infect. 2013;19(4):363-9.
-1515 Saddki N, Mohamad Sani FE, Tin-Oo MM. Oral care for intubated patients: a survey of intensive care unit nurses. Nurs Crit Care. 2017;22(2):89-98.) A grande variabilidade no uso de escova dental e dentifrícios concorda com estudos prévios.(22 Binkley C, Furr LA, Carrico R, McCurren C. Survey of oral care practices in US intensive care units. Am J Infect Control. 2004;32(3):161-9.,1010 Chan EY, Hui-Ling Ng I. Oral care practices among critical care nurses in Singapore: a questionnaire survey. Appl Nurs Res. 2012;25(3):197-204.,1212 Alotaibi AK, Alshayiqi M, Ramalingam S. Does the presence of oral care guidelines affect oral care delivery by intensive care unit nurses? A survey of Saudi intensive care unit nurses. Am J Infect Control. 2014;42(8):921-2.)

CONCLUSÕES

A saúde bucal e seus cuidados contribuem para a saúde geral dos pacientes da unidade de terapia intensiva, porém a equipe da unidade de terapia intensiva frequentemente acha complicado proporcionar este tipo de cuidados, principalmente por conta da ausência de treinamento e de protocolos adequados. A falta de um protocolo de cuidados à saúde bucal bem estabelecido e de programas de treinamento leva a equipe de enfermagem à incapacidade para enfrentar os problemas de saúde bucal. A presença de um profissional em odontologia (cirurgião-dentista) para avaliar as questões de saúde bucal nos pacientes da unidade de terapia intensiva poderia minimizar tais problemas.

O presente estudo sugere que a presença de um dentista na rotina da unidade de terapia intensiva e a implantação de protocolos institucionais com adequado treinamento da equipe podem influenciar positivamente em sua atitude e levar a uma prática mais coerente de cuidados bucais na unidade de terapia intensiva.

  • Editor responsável: Thiago Costa Lisboa

REFERÊNCIAS

  • 1
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    Gomes-Filho IS, Passos JS, Seixas da Cruz S. Respiratory disease and the role of oral bacteria. J Oral Microbiol. 2010;2.
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  • 15
    Saddki N, Mohamad Sani FE, Tin-Oo MM. Oral care for intubated patients: a survey of intensive care unit nurses. Nurs Crit Care. 2017;22(2):89-98.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2017
  • Aceito
    27 Abr 2017
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