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Tratamento bem-sucedido da síndrome cardiopulmonar por hantavírus com uso de hemofiltração de alto volume

RESUMO

A síndrome cardiopulmonar por hantavírus tem elevada taxa de mortalidade. Sugere-se que uma conexão precoce com oxigenação por membrana extracorpórea melhore os resultados. Relatamos o caso de uma paciente que apresentou síndrome cardiopulmonar por hantavírus e choque refratário, que preenchia os critérios para oxigenação por membrana extracorpórea e que teve resposta satisfatória com uso de hemofiltração contínua de alto volume. A implantação de hemofiltração contínua de alto volume, juntamente da ventilação protetora, reverteu o choque dentro de poucas horas e pode ter levado à recuperação. Em pacientes com síndrome cardiopulmonar por hantavírus, um curso rápido de hemofiltração contínua de alto volume pode ajudar a diferenciar pacientes que podem ser tratados com cuidados convencionais da unidade de terapia intensiva dos que necessitarão de terapias mais complexas, como oxigenação por membrana extracorpórea.

Descritores:
Sepse; Síndrome pulmonar por hantavírus/terapia; Hemofiltração/uso terapêutico; Relatos de casos

ABSTRACT

Hantavirus cardiopulmonary syndrome has a high mortality rate, and early connection to extracorporeal membrane oxygenation has been suggested to improve outcomes. We report the case of a patient with demonstrated Hantavirus cardiopulmonary syndrome and refractory shock who fulfilled the criteria for extracorporeal membrane oxygenation and responded successfully to high volume continuous hemofiltration. The implementation of high volume continuous hemofiltration along with protective ventilation reversed the shock within a few hours and may have prompted recovery. In patients with Hantavirus cardiopulmonary syndrome, a short course of high volume continuous hemofiltration may help differentiate patients who can be treated with conventional intensive care unit management from those who will require more complex therapies, such as extracorporeal membrane oxygenation.

Keywords:
Sepsis; Hantavirus pulmonary syndrome/therapy; Hemofiltration/therapeutic use; Case reports

INTRODUÇÃO

A síndrome cardiopulmonar por hantavírus (SCPH), também conhecida como síndrome pulmonar por hantavirose (SPH), tem uma taxa geral de mortalidade de 35%.(11 Vial PA, Valdivieso F, Ferres M, Riquelme R, Rioseco ML, Calvo M, Castillo C, Díaz R, Scholz L, Cuiza A, Belmar E, Hernandez C, Martinez J, Lee SJ, Mertz GJ; Hantavirus Study Group in Chile. High-dose intravenous methylprednisolone for hantavirus cardiopulmonary syndrome in Chile: a double-blind, randomized controlled clinical trial. Clin Infect Dis. 2013;57(7):943-51.) Não existe qualquer fármaco antiviral, vacina ou agente imunoterapêutico específico para a SCPH, e seu tratamento é principalmente de suporte e sintomático.(22 Jonsson CB, Hooper J, Mertz G. Treatment of hantavirus pulmonary syndrome. Antiviral Res. 2008;78(1):162-9. Review.) A ribavirina, um agente antiviral, não proporcionou qualquer benefício significante nos desfechos clínicos quando utilizada para tratar pacientes durante a fase cardiopulmonar da doença.(33 Mertz GJ, Miedzinski L, Goade D, Pavia AT, Hjelle B, Hansbarger CO, Levy H, Koster FT, Baum K, Lindemulder A, Wang W, Riser L, Fernandez H, Whitley RJ; Collaborative Antiviral Study Group. Placebo-controlled, double-blind trial of intravenous ribavirin for the treatment of hantavirus cardiopulmonary syndrome in North America. Clin Infect Dis. 2004;39(9):1307-13.) Um recente estudo clínico com doses elevadas de metilprednisolona (16mg/kg/dia) em pacientes com SCPH confirmada ou suspeita, em uma tentativa de modular a resposta imune responsável pelo desfecho catastrófico, não conseguiu mostrar qualquer benefício clínico significante.(11 Vial PA, Valdivieso F, Ferres M, Riquelme R, Rioseco ML, Calvo M, Castillo C, Díaz R, Scholz L, Cuiza A, Belmar E, Hernandez C, Martinez J, Lee SJ, Mertz GJ; Hantavirus Study Group in Chile. High-dose intravenous methylprednisolone for hantavirus cardiopulmonary syndrome in Chile: a double-blind, randomized controlled clinical trial. Clin Infect Dis. 2013;57(7):943-51.)

Os pacientes com SCPH e choque refratário têm uma taxa de mortalidade particularmente alta, tendo sido sugerido que a utilização precoce de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) melhora os resultados.(44 Crowley MR, Katz RW, Kessler R, Simpson SQ, Levy H, Hallin GW, et al. Successful treatment of adults with severe Hantavirus pulmonary syndrome with extracorporeal membrane oxygenation. Crit Care Med. 1998;26(2):409-14.,55 Wernly JA, Dietl CA, Tabe CE, Pett SB, Crandall C, Milligan K, et al. Extracorporeal membrane oxygenation support improves survival of patients with Hantavirus cardiopulmonary syndrome refractory to medical treatment. Eur J Cardiothorac Surg. 2011;40(6):1334-40.) No entanto, apesar de uma sobrevivência geral de 66%, é frequente com uso de ECMO a ocorrência de complicações da canulação percutânea e de sangramentos. Também não foi desenvolvido qualquer estudo prospectivo para comparar a ECMO com uma abordagem mais conservadora, que incorpore avanços recentes na terapia intensiva.(66 Moreno MS, Castelão RC, Braga RT, Lobo SM. [Hantavirus pulmonary syndrome with multiple organ dysfunctions: case report]. Rev Bras Ter Intensiva. 2007;19(4):494-8. Portuguese.) Frequentemente, como parte de nosso protocolo para tratamento de pacientes com choque séptico, utilizamos, em nossa instituição, a hemofiltração contínua de alto volume (HFAV), que pode desempenhar um papel na diminuição da mortalidade em pacientes com choque séptico refratário.(77 Cornejo R, Downey P, Castro R, Romero C, Regueira T, Vega J, et al. High-volume hemofiltration as salvage therapy in severe hyperdynamic septic shock. Intensive Care Med. 2006;32(5):713-22.

8 Castro R, Regueira T, Aguirre ML, Llanos OP, Bruhn A, Bugedo G, et al. An evidence-based resuscitation algorithm applied from the emergency room to the ICU improves survival of severe septic shock. Minerva Anestesiol. 2008;74(6):223-31.
-99 Ruiz C, Hernandez G, Godoy C, Downey P, Andresen M, Bruhn A. Sublingual microcirculatory changes during high-volume hemofiltration in hyperdynamic septic shock patients. Crit Care. 2010;14(5):R170.)

Relatamos o caso de uma paciente com SCPH comprovada e choque refratário que foi tratada com sucesso com uso de HFAV e plasma hiperimune contra hantavírus, sendo este último parte de um protocolo nacional de tratamento compassivo.(1010 Vial PA, Valdivieso F, Calvo M, Rioseco ML, Riquelme R, Araneda A, Tomicic V, Graf J, Paredes L, Florenzano M, Bidart T, Cuiza A, Marco C, Hjelle B, Ye C, Hanfelt-Goade D, Vial C, Rivera JC, Delgado I, Mertz GJ; Hantavirus Study Group in Chile. A non-randomized multicentre trial of human immune plasma for treatment of hantavirus cardiopulmonary syndrome caused by Andes virus. Antivir Ther. 2015;20(4):377-86.) Um curto período de HFAV pode ajudar a diferenciar pacientes a serem tratados com as medidas convencionais de uma unidade de terapia intensiva (UTI) daqueles que necessitam de ECMO.

RELATO DE CASO

Paciente de 30 anos de idade, sexo feminino, admitida ao nosso pronto-socorro em fevereiro de 2013 com histórico de 6 dias com mal-estar e cefaleia, seguidos de febre. Três dias antes da admissão, ela foi atendida em outro hospital, de onde foi dispensada com prescrição de levofloxacino por suspeita de sinusite. Quando os sintomas pioraram e ela desenvolveu dispneia progressiva, a paciente compareceu ao nosso pronto-socorro.

Quando da admissão, apresentava grave dispneia e taquicardia. Os resultados laboratoriais indicavam nível de lactato de 4,2mmol/L, proteína C-reativa de 7,7mg/dL (valor normal inferior a 0,5), contagem de plaquetas de 34.000/mm3, hematócrito de 47,9% e desidrogenase láctica de 406U/L. A radiografia do tórax evidenciou infiltrados peri-hilares difusos bilateralmente (Figura 1). Os exames de troponina T e creatinoquinase fração MB (CK-MB) estavam dentro dos limites da normalidade. Um esfregaço de sangue revelou neutrofilia e linfocitose, incluindo linfócitos com fenômenos morfológicos imunoblásticos. Como ela tinha recentemente viajado a uma região com elevada prevalência de hantavírus, foi ordenado, na admissão, um teste rápido, que resultou positivo.

Figura 1
Radiografias do tórax A) na admissão, B) no primeiro dia e C) no sexto dia revelando infiltrados bilaterais que sugerem síndrome da angústia respiratória aguda.

Após ressuscitação inicial com solução salina normal, a paciente foi transferida para a UTI. Subsequentemente, devido a má oxigenação e a alterações graves na perfusão clínica, a paciente foi intubada, sendo iniciada ventilação protetora, segundo nosso protocolo.

A despeito da administração de hidrocortisona 100mg e da agressiva expansão volumétrica com solução salina normal e albumina, dentro de poucas horas a paciente passou a necessitar de elevadas doses de norepinefrina (0,7µg/kg/minuto). A perfusão periférica também se encontrava gravemente alterada (níveis de lactato de 5,9mmol/L). Um exame ecocardiográfico revelou função ventricular esquerda deprimida, com estimativa da fração de ejeção (Simpson) de 40% na presença de taquicardia grave (Tabela 1). Um cateter na artéria pulmonar revelou índice cardíaco de 2,8L/min/m2 e volume sistólico de 17,5mL/min/m2, confirmando o diagnóstico de síndrome cardiopulmonar secundária à infecção por hantavírus.

Tabela 1
Evolução temporal das variáveis hemodinâmicas, clínicas e laboratoriais imediatamente antes e após iniciar hemofiltração de alto volume

Nessa ocasião, a proporção entre a pressão parcial de oxigênio e a fração inspirada de oxigênio (PaO2:FiO2) era de aproximadamente 200. Entretanto, em razão da grave disfunção cardíaca e da elevada necessidade de norepinefrina, decidimos fazer uma tentativa de 6 horas com HFAF antes de decidir iniciar o uso de ECMO.

Foi inserido, pela veia femoral direita, um cateter 13,5 de duplo-lúmen, sendo iniciada HFAV a 100mL/kg/hora. Três horas após iniciar HFAV, os níveis de norepinefrina foram reduzidos pela metade, com melhora significativa da perfusão clínica. Nessa ocasião a paciente recebeu plasma hiperimune contra hantavírus (5.000U/kg) em um protocolo nacional de uso compassivo.(1010 Vial PA, Valdivieso F, Calvo M, Rioseco ML, Riquelme R, Araneda A, Tomicic V, Graf J, Paredes L, Florenzano M, Bidart T, Cuiza A, Marco C, Hjelle B, Ye C, Hanfelt-Goade D, Vial C, Rivera JC, Delgado I, Mertz GJ; Hantavirus Study Group in Chile. A non-randomized multicentre trial of human immune plasma for treatment of hantavirus cardiopulmonary syndrome caused by Andes virus. Antivir Ther. 2015;20(4):377-86.) Os níveis de lactato caíram de 5,9 para 2,5mmol/L 12 horas após o início da HFAV e se normalizaram alguns dias depois. Dois dias mais tarde, a repetição da ecocardiografia revelou melhora da fração de ejeção para 65% e aumento do volume sistólico para 35mL/min/m2.

A paciente continuou a melhorar clinicamente, embora tenha desenvolvido delirium hiperativo, adequadamente controlado com uso de quetiapina e dexmedetomidina. A paciente foi extubada 10 dias após a admissão.

A ecocardiografia realizada no 14º dia revelou função sistólica normal, sem evidências de hipertensão pulmonar ou alargamento de câmaras cardíacas. No 16º dia após sua admissão, a paciente recebeu alta da UTI e teve alta hospitalar alguns dias depois. Passados 2 anos, a paciente tinha vida normal.

DISCUSSÃO

Descrevemos o caso de uma paciente com SCPH que se apresentou ao pronto-socorro com insuficiência respiratória e grave disfunção cardiovascular, preenchendo os critérios tradicionais para uso de ECMO. A implantação de HFAV pode ter ajudado a reverter o choque dentro de algumas horas e, juntamente do tratamento crítico convencional, levado à sua recuperação.(66 Moreno MS, Castelão RC, Braga RT, Lobo SM. [Hantavirus pulmonary syndrome with multiple organ dysfunctions: case report]. Rev Bras Ter Intensiva. 2007;19(4):494-8. Portuguese.

7 Cornejo R, Downey P, Castro R, Romero C, Regueira T, Vega J, et al. High-volume hemofiltration as salvage therapy in severe hyperdynamic septic shock. Intensive Care Med. 2006;32(5):713-22.
-88 Castro R, Regueira T, Aguirre ML, Llanos OP, Bruhn A, Bugedo G, et al. An evidence-based resuscitation algorithm applied from the emergency room to the ICU improves survival of severe septic shock. Minerva Anestesiol. 2008;74(6):223-31.,1111 Amato MB, Carvalho CR, Vieira S, Isola A, Rotman V, Moock M, et al. [Mechanical ventilation in the acute lung injury/acute respiratory distress syndrome]. Rev Bras Ter Intensiva. 2007;19(3):374-83. Portuguese.,1212 Bugedo G, Bruhn A, Regueira T, Romero C, Retamal J, Hernández G. Positive end-expiratory pressure increases strain in patients with ALI/ARDS. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):43-51.)

A SCPH tem elevada mortalidade. O tratamento é principalmente de suporte e sintomático. Foi sugerido que o uso precoce de ECMO melhora os resultados em pacientes com SCPH e choque refratário.(55 Wernly JA, Dietl CA, Tabe CE, Pett SB, Crandall C, Milligan K, et al. Extracorporeal membrane oxygenation support improves survival of patients with Hantavirus cardiopulmonary syndrome refractory to medical treatment. Eur J Cardiothorac Surg. 2011;40(6):1334-40.) Em 1998, Crowley et al. identificaram diversos critérios para não sobrevivência, dentre os quais choque refratário, lactato acima de 4,0mmol/L, hipóxia grave (proporção PaO2:FiO2 inferior a 60) e parada cardíaca.(44 Crowley MR, Katz RW, Kessler R, Simpson SQ, Levy H, Hallin GW, et al. Successful treatment of adults with severe Hantavirus pulmonary syndrome with extracorporeal membrane oxygenation. Crit Care Med. 1998;26(2):409-14.) Mais recentemente, Wernly et al. relataram sobrevivência geral de 66,6% em 51 pacientes tratados com suporte de ECMO. Os pacientes, que tinham pelo menos um critério prévio para não sobreviver, tiveram quadro clínico típico coerente com SCPH e índice cardíaco que caiu rapidamente para menos de 2,0L/min/m2, a despeito de suporte inotrópico máximo.(55 Wernly JA, Dietl CA, Tabe CE, Pett SB, Crandall C, Milligan K, et al. Extracorporeal membrane oxygenation support improves survival of patients with Hantavirus cardiopulmonary syndrome refractory to medical treatment. Eur J Cardiothorac Surg. 2011;40(6):1334-40.) Contudo, até aqui não houve um estudo prospectivo que comparasse o uso de ECMO com uma abordagem mais conservadora, que, por sua vez, incorporasse avanços recentes em terapia intensiva, inclusive ventilação protetora e HFAV.(77 Cornejo R, Downey P, Castro R, Romero C, Regueira T, Vega J, et al. High-volume hemofiltration as salvage therapy in severe hyperdynamic septic shock. Intensive Care Med. 2006;32(5):713-22.,88 Castro R, Regueira T, Aguirre ML, Llanos OP, Bruhn A, Bugedo G, et al. An evidence-based resuscitation algorithm applied from the emergency room to the ICU improves survival of severe septic shock. Minerva Anestesiol. 2008;74(6):223-31.,1111 Amato MB, Carvalho CR, Vieira S, Isola A, Rotman V, Moock M, et al. [Mechanical ventilation in the acute lung injury/acute respiratory distress syndrome]. Rev Bras Ter Intensiva. 2007;19(3):374-83. Portuguese.,1212 Bugedo G, Bruhn A, Regueira T, Romero C, Retamal J, Hernández G. Positive end-expiratory pressure increases strain in patients with ALI/ARDS. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):43-51.) Mais ainda, a ECMO se associa a complicações derivadas da canulação vascular, sangramento frequente e custos elevados.(55 Wernly JA, Dietl CA, Tabe CE, Pett SB, Crandall C, Milligan K, et al. Extracorporeal membrane oxygenation support improves survival of patients with Hantavirus cardiopulmonary syndrome refractory to medical treatment. Eur J Cardiothorac Surg. 2011;40(6):1334-40.)

Os sintomas e gravidades da SCPH são principalmente devidos a aumento da permeabilidade capilar, após ativação de resposta imune inata e adaptativa, e não do dano celular induzido diretamente pelo vírus. Este é provavelmente o aspecto fisiológico mais importante responsável pelo maciço extravasamento de plasma para os alvéolos, resultando em edema pulmonar na infecção pelo vírus Andes (ANDV). Em estudos experimentais e em alguns observacionais, foi demonstrado que a HFAV remove o excesso de mediadores inflamatórios e melhora a função cardiopulmonar no choque séptico refratário.(77 Cornejo R, Downey P, Castro R, Romero C, Regueira T, Vega J, et al. High-volume hemofiltration as salvage therapy in severe hyperdynamic septic shock. Intensive Care Med. 2006;32(5):713-22.,1313 Honore PM, Jamez J, Wauthier M, Lee PA, Dugernier T, Pirenne B, et al. Prospective evaluation of short-term, high-volume isovolemic hemofiltration on the hemodynamic course and outcome in patients with intractable circulatory failure resulting from septic shock. Crit Care Med. 2000;28(11):3581-7.) No entanto, um grande estudo clínico randomizado de 140 pacientes críticos com choque séptico e lesão renal aguda não mostrou benefícios da HFAV na melhora do perfil hemodinâmico nem da função dos órgãos em uma dose de 70mL/kg/hora em comparação a 35mL/kg/hora.(1414 Joannes-Boyau O, Honoré PM, Perez P, Bagshaw SM, Grand H, Canivet JL, et al. High-volume versus standard-volume haemofiltration for septic shock patients with acute kidney injury (IVOIRE study): a multicentre randomized controlled trial. Intensive Care Med. 2013;39(9):1535-46.)

Na vigência da SCPH, Seitsonen et al. relataram dois casos causados por infecção pelo vírus Puumala que se resolveram rapidamente após início de tratamento com corticosteroides em combinação com hemofiltração venovenosa contínua.(1515 Seitsonen E, Hynninen M, Kolho E, Kallio-Kokko H, Pettilä V. Corticosteroids combined with continuous veno-venous hemodiafiltration for treatment of hantavirus pulmonary syndrome caused by Puumala virus infection. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2006;25(4):261-6.) Como se demonstrou que o uso de esteroides não proporciona benefício clínico significante em muitos pacientes,(11 Vial PA, Valdivieso F, Ferres M, Riquelme R, Rioseco ML, Calvo M, Castillo C, Díaz R, Scholz L, Cuiza A, Belmar E, Hernandez C, Martinez J, Lee SJ, Mertz GJ; Hantavirus Study Group in Chile. High-dose intravenous methylprednisolone for hantavirus cardiopulmonary syndrome in Chile: a double-blind, randomized controlled clinical trial. Clin Infect Dis. 2013;57(7):943-51.) estes casos reforçam o potencial papel que a HFAV pode desempenhar como forma alternativa de modular a resposta inflamatória no choque refratário no contexto da SCPH antes de se utilizar a ECMO.

Nossa paciente cumpria os critérios para ECMO devido à presença de choque refratário, apesar de uso de dose elevada de norepinefrina, hiperlactatemia e hipoperfusão tissular. Entretanto, a hipoxemia era moderada, e o perfil hemodinâmico se parecia com o do choque séptico grave. Assim, com base em nossa ampla experiência com HFAV, decidimos iniciar tratamento com esta.(77 Cornejo R, Downey P, Castro R, Romero C, Regueira T, Vega J, et al. High-volume hemofiltration as salvage therapy in severe hyperdynamic septic shock. Intensive Care Med. 2006;32(5):713-22.

8 Castro R, Regueira T, Aguirre ML, Llanos OP, Bruhn A, Bugedo G, et al. An evidence-based resuscitation algorithm applied from the emergency room to the ICU improves survival of severe septic shock. Minerva Anestesiol. 2008;74(6):223-31.
-99 Ruiz C, Hernandez G, Godoy C, Downey P, Andresen M, Bruhn A. Sublingual microcirculatory changes during high-volume hemofiltration in hyperdynamic septic shock patients. Crit Care. 2010;14(5):R170.,1616 Rimmelé T, Kellum JA. High-volume hemofiltration in the intensive care unit: a blood purification therapy. Anesthesiology. 2012;116(6):1377-87.) A dramática queda nas necessidades de norepinefrina pouco após a HFAV sugere que este tratamento possa ter desempenhado um papel importante na melhora das condições da paciente. No entanto, ainda não é claro se isso se deveu à remoção de mediadores inflamatórios, à diminuição da febre ou à normalização do pH. Se a paciente não tivesse respondido bem ao tratamento com HFAV ou tivesse hipoxemia refratária, a ECMO teria sido imediatamente iniciada.

Igualmente, não podemos excluir o papel do plasma hiperimune contra hantavírus na reversão do choque. Porém, a evolução temporal não sugere isto, já que a paciente já se encontrava em uso de HFAV e obtendo melhoras quando o plasma hiperimune foi administrado. Foi demonstrado que o uso de anticorpos neutralizantes produzidos por uma vacina DNA protege contra infecção letal por ANDV em hamsters sírios, um modelo de infecção por ANDV em animais.(1717 Hooper JW, Ferro AM, Wahl-Jensen V. Immune serum produced by DNA vaccination protects hamsters against lethal respiratory challenge with Andes virus. J Virol. 2008;82(3):1332-8.) Foi realizado, no Chile, um estudo piloto não randomizado em pacientes com infecção por ANDV. Os resultados foram promissores, com redução da mortalidade de 32% para 14% nos centros que não tomaram parte do estudo.(1010 Vial PA, Valdivieso F, Calvo M, Rioseco ML, Riquelme R, Araneda A, Tomicic V, Graf J, Paredes L, Florenzano M, Bidart T, Cuiza A, Marco C, Hjelle B, Ye C, Hanfelt-Goade D, Vial C, Rivera JC, Delgado I, Mertz GJ; Hantavirus Study Group in Chile. A non-randomized multicentre trial of human immune plasma for treatment of hantavirus cardiopulmonary syndrome caused by Andes virus. Antivir Ther. 2015;20(4):377-86.) É, contudo, necessário realizar futuros estudos para dar suporte a uma recomendação definitiva quanto ao uso de plasma hiperimune.

CONCLUSÃO

Descrevemos uma paciente com síndrome cardiopulmonar por hantavírus, que se apresentou com insuficiência respiratória e grave disfunção cardiovascular. Apesar de cumprir os critérios tradicionais para uso de oxigenação por membrana extracorpórea, a implantação do uso de hemofiltração contínua de alto volume associou-se com rápida reversão do choque e pode ter levado à recuperação. Em pacientes com síndrome cardiopulmonar por hantavírus e disfunção cardiovascular, sugerimos uma tentativa de 6 a 12 horas com hemofiltração contínua de alto volume, antes de se prosseguir para uma abordagem mais agressiva, como oxigenação por membrana extracorpórea. No entanto, são necessários mais estudos clínicos para dar suporte a uma recomendação definitiva quanto ao uso de hemofiltração contínua de alto volume nestes pacientes.

  • Editor responsável: Thiago Costa Lisboa

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2015
  • Aceito
    09 Dez 2015
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