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Manobra de recrutamento alveolar e suporte ventilatório perioperatório em pacientes obesos submetidos à cirurgia abdominal

Resumos

O desenvolvimento da cirurgia abdominal proporcionou uma alternativa terapêutica para obesos mórbidos; entretanto, os pacientes submetidos a esse procedimento frequentemente apresentam complicações pulmonares pós-operatórias. Uma possível alternativa para a redução dessas complicações é a utilização da manobra de recrutamento alveolar e/ou estratégias ventilatórias perioperatórias, com foco na redução das complicações pulmonares pós-operatórias. Nesta revisão, são descritos os benefícios de estratégias ventilatórias perioperatórias, assim como a realização de manobra de recrutamento alveolar em pacientes obesos submetidos a cirurgia abdominal.

Respiração artificial; Obesidade/cirurgia; Período pós-operatório; Complicações pós-operatórias; Alvéolos pulmonares/fisiopatologia; Mecânica respiratória; Anestesia


The development of abdominal surgery represents an alternative therapy for the morbidly obese; however, patients undergoing this surgical procedure often experience postoperative pulmonary complications. The use of alveolar recruitment maneuvers and/or perioperative ventilatory strategies is a possible alternative to reduce these complications, focusing on the reduction of postoperative pulmonary complications. In this review, the benefits of perioperative ventilatory strategies and the implementation of alveolar recruitment maneuvers in obese patients undergoing abdominal surgery are described.

Respiration, artificial; Obesity/surgery; Postoperative period; Postoperative complications; Pulmonary alveoli/physiopathology; Respiratory mechanics; Anesthesia


INTRODUÇÃO

A obesidade mórbida é considerada uma epidemia de proporção mundial. A origem desse problema é multifatorial e inclui fatores biológicos, relacionados ao sedentarismo e a padrões alimentares inadequados, associados, por sua vez, a fatores psicossociais, estes relacionados ao estilo de vida adotado pela população.(11. Salome CM, King GG, Berend N. Physiology of obesity and effects on lung function. J Appl Physiol. 2010;108(1):206-11.) Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, 15% da população é obesa, entretanto, a taxa de sobrepeso chega a 48% da população.(22. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 424, de 19 de março de 2013. Redefine as diretrizes para a organização da prevenção e do tratamento do sobrepeso e obesidade como linha de cuidado prioritária da Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas. Disponível em: http: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis../gm/2013/prt0424_19_03_2013.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
,33. Costa AC, Ivo ML, Cantero WB, Tognini JR. Obesidade em pacientes candidatos a cirurgia bariátrica. Acta Paul Enferm. 2009;22(1):55-9.)

Uma alternativa para o tratamento de pacientes obesos mórbidos é a cirurgia bariátrica. No entanto, esse procedimento frequentemente apresenta complicações pulmonares pós-operatórias. As complicações, nesse período, estão associadas a uma diversidade de fatores, como a posição supina, a paralisia muscular e o pneumoperitônio, o que resulta na redução da capacidade residual funcional (CRF) e no aumento do volume de fechamento das vias aéreas, ocasionando, assim, atelectasias.(44. Melo SM, Vasconcelos FA, Melo VA, Santos FA, Menezes-Filho RS, Melo BS. Cirurgia bariátrica: existe necessidade de internação em unidade de terapia intensiva? Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(2):162-8.,55. Davis G, Patel JA, Gagne DJ. Pulmonary considerations in obesity and the bariatric surgery patient. Med Clin North Am. 2007;91(3):433-42, xi. )

As complicações pulmonares perioperatórias são causas significantes de morbimortalidade,(66. Nguyen NT, Wolf BM. The physiologic effects of pneumoperitoneum in the morbidly obese. Ann Surg. 2005;241(2):219-26.) podendo persistirem por até 2 semanas, aumentando então a incidência de complicações pulmonares, como retenção de gás carbônico (CO2), atelectasia e infiltrado broncopulmonar.(77. Sanches GD, Gazoni FM, Konishi RK, Guimarães HP, Vendrame LS, Lopes RD. Cuidados intensivos para pacientes em pós-operatório de cirurgia bariátrica. Rev Bras Ter Intensiva. 2007;19(2):205-9.)

Algumas estratégias ventilatórias têm sido propostas e utilizadas para melhorar a troca gasosa durante a anestesia e no período pós-operatório imediato da cirurgia bariátrica. Dentre elas, está a manobra de recrutamento alveolar (MRA),(88. Remístico PP, Araújo S, Figueiredo LC, Aquim EE, Gomes LM, Sombrio ML, et al. Impacto da manobra de recrutamento alveolar no pós-operatório de cirurgia bariátrica videolaparoscópica. Rev Bras Anestesiol. 2011;61(2):163-76.) a qual é utilizada em ventilação mecânica (VM), na qual a aplicação de altos níveis de pressão inspiratória resulta na expansão dos alvéolos colapsados para aumentar a pressão arterial de oxigênio (PaO2). A estratégia tem como objetivo melhorar as trocas gasosas, proporcionando uma ventilação mais homogênea do parênquima pulmonar.(99. Costa DC, Rocha E, Ribeiro TF. Associação de manobras de recrutamento alveolar e posição prona na síndrome do desconforto respiratório agudo. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(2)197-203.

10. Gonçalves LO, Cicarelli DD. Manobra de recrutamento alveolar em anestesia: como, quando e por que utilizá-la. Rev Bras Anestesiol. 2005;55(6):631-8.
-1111. Meade MO, Cook DJ, Guyatt GH, Slutsky AS, Arabi YM, Cooper DJ, Davies AR, Hand LE, Zhou Q, Thabane L, Austin P, Lapinsky S, Baxter A, Russell J, Skrobik Y, Ronco JJ, Stewart TE; Lung Open Ventilation Study Investigators. Ventilation strategy using low tidal volumes, recruitment maneuvers, and high positive end-expiratory pressure for acute lung injury and acute respiratory distress syndrome: a randomized controlled trial. JAMA. 2008;299(6):637-45.) A resposta, após a utilização da MRA, varia de acordo com a natureza, fase e/ou a extensão das alterações pulmonares.(1212. Crotti S, Mascheroni D, Caironi P, Pelosi P, Ronzoni G, Mondino M, et al. Recruitment and derecruitment during acute respiratory failure: a clinical study. Am J Respir Crit Care Med. 2001;164(1):131-40.)

A MRA mais comumente descrita na literatura é a insuflação sustentada, com aumento rápido da pressão a 40cmH2O aplicada por um período de 60 segundos.(1313. Grasso S, Mascia L, Del Turco M, Malacarne P, Giunta F, Brochard L, et al. Effects of recruiting maneuvers in patients with acute respiratory distress syndrome ventilated with protective ventilatory strategy. Anesthesiology. 2002;96(4):795-802.) Diversos tipos de manobras de recrutamento são descritos na literatura, como: (1) manobra de recrutamento prolongada com baixa pressão e elevação da pressão positiva expiratória final (PEEP) a 15cmH2O associada a pausas expiratórias de 7 segundos, 2 vezes por minutos, durante 15 minutos;(1414. Meade MO, Cook DJ, Griffith LE, Hand LE, Lapinsky SE, Stewart TE, et al. A study of the physiologic responses to a lung recruitment maneuver in acute lung injury and acute respiratory distress syndrome. Respir Care. 2008;53(11):1441-9.) (2) aumento incremental da PEEP limitando a pressão inspiratória máxima;(1515. Borges JB, Okamoto VN, Matos GF, Caramez MP, Arantes PR, Barros F, et al. Reversibility of lung collapse and hypoxemia in early acute respiratory distress syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2006;174(3):268-78.) (3) ventilação com pressão controlada constante com escalonamento da PEEP.(1616. Lim CM, Jung H, Koh Y, Lee JS, Shim TS, Lee SD, et al. Effect of alveolar recruitment maneuver in early acute respiratory distress syndrome according to antiderecruitment strategy, etiological category of diffuse lung injury, and body position of the patient. Crit. Care Med. 2003;31(2):411-8.) Porém, independentemente do mecanismo, as MRAs aumentam a oxigenação, promovendo melhora da mecânica ventilatória e reparação de danos no epitélio pulmonar.(1717. Pelosi P, Gama de Abreu M, Rocco PR. New and conventional strategies for lung recruitment in acute respiratory distress syndrome. Critical Care. 2010;14(2):210. Review. ,1818. Sarmento GJ. Fisioterapia respiratória no paciente crítico: rotinas clínicas. 2a ed. rev. ampl. São Paulo: Manole; 2007.)

Existem poucos estudos relacionando a utilização de MRA a estratégias ventilatórias que visem ao desrecrutamento alveolar em pacientes obesos submetidos à cirurgia abdominal, o que dificulta a decisão baseada na evidência. O objetivo deste trabalho foi apresentar uma revisão da literatura sobre a utilização da MRA e as estratégias ventilatórias perioperatórias que visem ao desrecrutamento em obesos submetidos à cirurgia bariátrica em relação ao aprimoramento da troca gasosa, da mecânica respiratória e da redução das complicações pulmonares pós-operatórias.

MÉTODOS

Trata-se de uma revisão realizada nas bases de dados LILACS, MedLine e PubMed. O período considerado compreendeu desde o ano de 2007 até 2013. Foram utilizados os termos como "obese patients", "laparoscopic bariatric surgery", "bariatric surgery", "perioperative period", "recruitment maneuver" e "alveolar recruitment". Os estudos selecionados abordavam o tema "cirurgia abdominal em pacientes obesos", suas complicações pulmonares e a efetividade da MRA, além de estratégias ventilatórias perioperatórias.

RESULTADOS

Foram identificados 39 artigos nesta revisão. Após a análise deles, 15 estudos abordavam o tema recrutamento alveolar, estratégias ventilatórias e cirurgia abdominal em pacientes obesos. Os artigos selecionados estão apresentados no quadro 1. O tamanho amostral variou entre 30 e 66 sujeitos, de ambos os gêneros, com média de idade variando entre 32 e 43 anos, submetidos à cirurgia abdominal, estratégias ventilatórias perioperatórias e manobras de recrutamento alveolar.

Quadro 1
Estudos clínicos analisando recrutamento alveolar e suporte ventilatório peroperatório

DISCUSSÃO

A obesidade pode acarretar prejuízos na função pulmonar em virtude dos efeitos na mecânica ventilatória, resistência aérea, volumes pulmonares e nos músculos respiratórios, sendo apontada como fator de risco independente para complicações pulmonares pós-operatórias.(1919. Parameswaran K, Todd DC, Soth M. Altered respiratory physiology in obesity. Can Respir J. 2006;13(4):203-10.)

Durante a anestesia geral, bem como durante o período pós-operatório imediato, os pacientes obesos são mais suscetíveis a desenvolver complicações pulmonares pós-operatórias, como atelectasias, e apresentam um reestabelecimento lento da função pulmonar, quando comparado a indivíduos não obesos.(2020. Talab HF, Zabani IA, Abdelrahman HS, Bukhari WL, Mamoun I, Ashour MA, et al. Intraoperative ventilatory strategies for prevention of pulmonary atelectasis in obese patients undergoing laparoscopic bariatric surgery. Anesth Analg. 2009;109(5):1511-6.) Por isso, a prevenção de atelectasias é de extrema importância nessa população, uma vez que elas afetam a mecânica respiratória, o volume de fechamento das vias aéreas e a redução no índice de oxigenação (PaO2/FiO2).(2020. Talab HF, Zabani IA, Abdelrahman HS, Bukhari WL, Mamoun I, Ashour MA, et al. Intraoperative ventilatory strategies for prevention of pulmonary atelectasis in obese patients undergoing laparoscopic bariatric surgery. Anesth Analg. 2009;109(5):1511-6.)

A obesidade mórbida pode promover uma síndrome restritiva pela acumulação de gordura torácica e abdominal, diminuindo os volumes pulmonares, o volume de reserva expiratório e a CRF, devido à redução da parede torácica, à complacência pulmonar e à maior resistência respiratória. Desse modo, há o aparecimento de anomalias na ventilação/perfusão, condicionando hipoxemia de repouso e de decúbito dorsal, provavelmente devido ao fechamento de pequenas vias aéreas observado neste tipo de paciente.(2121. Guimarães C, Martins MV, Moutinho dos Santos J. Função pulmonar em doentes obesos submetidos a cirurgia bariátrica. Rev Port Pneumol. 2012;18(3):115-9.)

Tendo em vista tais fatores, diferentes estratégias ventilatórias têm sido investigadas com o objetivo de melhorar a função respiratória em pacientes obesos anestesiados. O mecanismo da MRA consiste basicamente em insuflações pulmonares sustentadas e utilização de PEEP, e tem sido sugerido a fim de melhorar a oxigenação posterior ao procedimento anestésico em pacientes obesos.(2121. Guimarães C, Martins MV, Moutinho dos Santos J. Função pulmonar em doentes obesos submetidos a cirurgia bariátrica. Rev Port Pneumol. 2012;18(3):115-9.,2222. Reinius H, Jonsson L, Gustafsson S, Sundbom M, Duvernoy O, Pelosi P, et al. Prevention of atelectasis in morbidly obese patients during general anesthesia and paralysis: a computerized tomography study. Anesthesiology. 2009;111(5):979-87.)

No estudo realizado por Talab et al.,(2020. Talab HF, Zabani IA, Abdelrahman HS, Bukhari WL, Mamoun I, Ashour MA, et al. Intraoperative ventilatory strategies for prevention of pulmonary atelectasis in obese patients undergoing laparoscopic bariatric surgery. Anesth Analg. 2009;109(5):1511-6.) avaliaram-se três diferentes valores de PEEP (0, 5 e 10cmH2O) após a realização da MRA (PEEP 40, mantida por 7 a 8 segundos) a fim de verificar qual a estratégia era mais segura e eficaz na prevenção de atelectasia em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Foi evidenciado que os pacientes do grupo que realizou MRA e manteve a PEEP de 10cmH2O após a manobra obtiveram melhor índice de oxigenação nos períodos intraoperatório e pós-operatório, bem como índice de atelectasia e complicações pulmonares menores, quando comparado aos demais grupos. Já o estudo realizado por Reinius et al.(2222. Reinius H, Jonsson L, Gustafsson S, Sundbom M, Duvernoy O, Pelosi P, et al. Prevention of atelectasis in morbidly obese patients during general anesthesia and paralysis: a computerized tomography study. Anesthesiology. 2009;111(5):979-87.) considerou três diferentes estratégias ventilatórias com o objetivo de analisar os efeitos da mesma em pacientes anestesiados submetidos à cirurgia bariátrica, verificando qual é mais eficaz na redução de atelectasias. Os pacientes foram divididos em ventilação convencional (PEEP 10cmH2O) e naqueles que realizaram MRA (PEEP de 55cmH2O durante 10 segundos) seguida de PEEP zero (ZEEP) e PEEP 10cmH2O, respectivamente. Corroborando o estabelecido por Talab et al.,(2020. Talab HF, Zabani IA, Abdelrahman HS, Bukhari WL, Mamoun I, Ashour MA, et al. Intraoperative ventilatory strategies for prevention of pulmonary atelectasis in obese patients undergoing laparoscopic bariatric surgery. Anesth Analg. 2009;109(5):1511-6.) foi observado que a MRA, seguida por PEEP 10cmH2O, reduz atelectasias e aprimora a oxigenação em pacientes obesos, evidenciando, assim, que a manutenção de PEEP ótima, após a manobra, aprimora seus benefícios.

Quando comparada a realização ou não da MRA, sendo ambos os grupos ventilados posteriormente com PEEP 8cmH2O durante o procedimento cirúrgico, observou-se que adição da MRA, seguida de ventilação com PEEP 8cmH2O, aprimora a PaO2 no período intraoperatório em pacientes obesos mórbidos durante a cirurgia bariátrica aberta.(2323. Chalhoub V, Yazigi A, Sleilaty G, Haddad F, Noun R, Madi-Jebara S, et al. Effect of vital capacity manoeuvres on arterial oxygenation in morbidly obese patients undergoing open bariatric surgery. Eur J Anaesthesiol. 2007;24(3):283-8.) Entretanto, quando o objetivo é aprimorar a PaO2 e a complacência pulmonar durante o procedimento cirúrgico e manutenção dos mesmos no período pós-operatório, Almarakbi et al.(2424. Almarakbi WA, Fawzi HM, Alhashemi JA. Effects of four intraoperative ventilatory strategies on respiratory compliance and gas exchange during laparoscopic gastric banding in obese patients. Br J Anaesth. 2009;102(6):862-8.) demonstraram que a MRA repetida a cada 10 minutos (40cmH2O durante 15 segundos), seguida de PEEP 10cmH2O durante todo procedimento cirúrgico, resultou no aumento da complacência e de PaO2, e na redução da PaCO2. Além disso, os efeitos benéficos sobre a oxigenação perduraram durante o período de recuperação.

Outro fator importante relacionado a MRA é a realização gradativa ou súbita da mesma. Essa relação foi explorada no estudo de Souza et al.,(2525. Souza AP, Buschpigel M, Mathias LA, Malheiros CA, Alves VL. Análise dos efeitos da manobra de recrutamento alveolar na oxigenação sanguínea durante procedimento bariátrico. Rev Bras Anestesiol. 2009;59(2):177-86.) que evidenciou que a técnica de MRA com aumento súbito da PEEP para 30cmH2O demonstrou a melhor resposta da relação PaO2/FiO2 quando comparada ao aumento gradativo da PEEP. Já Futier et al. compararam um estratégia ventilatória associada a utilização de MRA em indivíduos saudáveis e obesos submetidos à cirurgia abdominal. Os pacientes de ambos os grupos foram intubados e ventilados a volume controlado de 8mL/kg e PEEP igual a zero. O protocolo ventilatório utilizava FiO2 de 0,5%; após, era realizado o pneumoperitônio; na sequência, a PEEP era elevada a 10cmH2O, por 10 minutos e, posteriormente, aplicava-se a MRA com PEEP de 40cmH2O por 40 segundos, seguida por PEEP 10cmH2O. Os autores evidenciaram melhora na mecânica respiratória, assim como na oxigenação em ambos os grupos, demonstrando que a utilização de tal protocolo pode evitar os efeitos deletérios do pneumoperitônio.(2626. Futier E, Constantin JM, Pelosi P, Chanques G, Kwiatkoskwi F, Jaber S, et al. Intraoperative recruitment maneuver reverses detrimental pneumoperitoneum-induced respiratory effects in healthy weight and obese patients undergoing laparoscopy. Anesthesiology. 2010;113(6):1310-9)

A utilização da MRA durante e/ou após a realização da cirurgia bariátrica demonstrou-se benéfica em diversos estudos. A manutenção de seus efeitos, entretanto, depende da repetição; logo seria necessário aumentar a frequência de realização da manobra. Baseado nesse fato, Ahmed et al. objetivaram avaliar o efeito da repetição da MRA em relação à oxigenação e à redução de atelectasias. Para tal, foram alocados, de forma randômica, 60 pacientes em 3 grupos: ventilação convencional, MRA única (40cmH2O durante 7 segundos) e MRA repetida a cada 30 minutos, sendo todos os grupos com PEEP fixada em 10cmH2O. Ficou evidente que a MRA repetida, além de aprimorar a troca gasosa e mecânica respiratória, mantém seus efeitos benéficos no período pós-operatório.(2727. Ahmed WG, Abu-Elnasr NE, Ghoneim SH. The effects of single vs. repeated vital capacity maneuver on arterial oxygenation and compliance in obese patients presenting for laparoscopic bariatric surgery. Ain Shams J Anesthesiol. 2012;5(1):121-32.)

A otimização da PEEP pode ser um fator importante durante o período perioperatório. Isso fica claro no estudo realizado por Weingarten et al.,(2828. Weingarten TN, Whalen FX, Warner DO, Gajic O, Schears GJ, Snider MR, et al. Comparison of two ventilatory strategies in elderly patients undergoing major abdominal surgery. Br J Anaeth. 2010;104(1):16-22.) o qual testou a hipótese de que a otimização da PEEP melhora a oxigenação em pacientes acima de 65 anos submetidos a cirurgia laparoscópica abdominal. Estes pesquisadores compararam um grupo que realizou essa estratégia a um grupo controle, que recebeu ventilação convencional. No grupo controle, foi ajustada a ventilação com volume corrente de 10mL/kg, e ZEEP. No grupo submetido a essa estratégia, foi ajustado um volume corrente de 6mL/kg e PEEP 4cmH2O, sendo a PEEP ajustada em três etapas: primeiro foi aumentado de 4cmH2O para 10cmH2O durante três ciclos respiratórios; após, foi utilizada PEEP de 15cmH2O também durante três ciclos; e, por último, dez ciclos com PEEP de 20cmH2O. Após a realização dessa manobra, manteve-se PEEP em 12cmH2O até o término do procedimento cirúrgico. Os autores evidenciaram que essa opção ventilatória é tolerada pelos pacientes submetidos à cirurgia abdominal e que ela resulta no aprimoramento da oxigenação arterial. Corroborando esse achado, Hemmes et al. compararam a ventilação convencional com PEEP 2cmH2O a de um grupo que iniciava a ventilação com PEEP de 10cmH2O, sendo esta elevada de 4 em 4cmH2O até 30cmH2O e mantida durante três ciclos respiratórios; após retornava a 10cmH2O. Os autores demonstraram que houve melhora da oxigenação e mecânica respiratória a curto prazo nesses pacientes.(2929. Hemmes SN, Severgnini P, Jaber S, Canet J, Wrigge H, Hiesmayr M et al. Rationale and study design of PROVHILO - a worldwide multicenter randomized controlled trial on protective ventilation during general anesthesia for open abdominal surgery. Trials. 2011;6(12):111-21.)

A MRA, durante o procedimento cirúrgico, pode resultar em efeitos a curto prazo. Testando essa hipótese, Ahmed et al. realizaram estudo com três grupo de pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica, comparando um grupo ventilado convencionalmente a um que realizou MRA com PEEP 40cmH2O e um terceiro grupo que realizou a mesma manobra, sendo esta foi repetida aos 30 e 90 minutos de cirurgia; ambos os grupos utilizaram PEEP de 10cmH2O até o final do procedimento. Os autores demonstraram que a MRA aprimorou a troca gasosa, porém, a repetição manteve a troca gasosa adequada e, ainda, resultou em melhor complacência.(2727. Ahmed WG, Abu-Elnasr NE, Ghoneim SH. The effects of single vs. repeated vital capacity maneuver on arterial oxygenation and compliance in obese patients presenting for laparoscopic bariatric surgery. Ain Shams J Anesthesiol. 2012;5(1):121-32.)

Um dos fatores que pode estar relacionado à redução do efeito da MRA é o desrecrutamento pulmonar. Foi com este intuito que Futier et al.(3030. Futier E, Constantin JM, Pelosi P, Chanques G, Massone A, Petit A, et al. Noninvasive ventilation and alveolar recruitment maneuver improve respiratory function during and after intubation of morbidly obese patients. Anesthesiology. 2011;114(6):1354-63.) e El-Sayed et al.(3131. El-Sayed KM, Tawfeek MM. Perioperative ventilatory strategies for improving arterial oxygenation and respiratory mechanics in morbidly obese patients undergoing laparoscopic bariatric surgery. Egypt J Anaesth. 2012;28(1):9-15.) verificaram, em seus estudos, se o uso da ventilação mecânica não invasiva (VNI) após extubação em pacientes obesos, que haviam recebido a MRA, seria eficaz na manutenção da oxigenação. Evidenciou-se, em ambos estudos, que a utilização de VNI após a extubação, nessa população de pacientes, melhorou a oxigenação e a complacência pulmonar, e preveniu o desrecrutamento alveolar. Outra possível alternativa, a fim de modificar os desfechos após extubação, seria a realização da MRA antes desse procedimento. Foi com esse objetivo que Cakmakkaya et al. testaram a hipótese de que a MRA aplicada antes da extubação poderia melhorar a complacência pulmonar. Foi aplicada a MRA com PEEP 40cmH2O durante 10 segundos em pacientes que realizaram cirurgia abdominal aberta. Os autores demonstraram que houve uma melhora na complacência pulmonar desses pacientes.(3232. Cakmakkaya OS , Kaya G, Altintas F, Hayirlioglu M, Ekici B. Restoration of pulmonary compliance after laparoscopic surgery using a simple alveolar recruitment maneuver. J Clin Anesth. 2009;21(6):422-6.)

Clinicamente, os estudos demonstram que as estratégias ventilatórias perioperatórias e a MRA apresentam-se como boa alternativa no aprimoramento da mecânica ventilatória e na troca gasosa em pacientes. No entanto, ficou evidente a necessidade de adequação da PEEP após a utilização destas. A maioria dos estudos demonstrou que a PEEP 10cmH2O é uma boa alternativa para manutenção dos efeitos alcançados com a MRA e, ainda, que a utilização de ventilação não invasiva pode ser uma alternativa pós-extubação para esses pacientes.

Os estudos utilizados na presente revisão sugerem que a MRA é uma técnica e eficaz quando realizada para a prevenção de complicações pulmonares em pacientes obesos submetidos à cirurgia abdominal, estando associada a uma melhor oxigenação e mecânica respiratória, e à redução das complicações pulmonares no período pós-operatório de pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica. Entretanto, os estudos atuais tem grande heterogeneidade, o que compromete a análise dos resultados e a realização de meta-análise dos mesmos. A ausência de estudos randomizados e controlados com tamanho amostral adequado aumenta o risco de viés, como por exemplo, ocultação da alocação, viés de detecção, de atrito, de seleção de resultados e limita significativamente os resultados aqui apresentados e são insuficientes para analisar desfechos clínicos como tempo de internação e mortalidade. Além disso, alguns fatores relacionados a MRA ainda precisam ser melhor explorados, como, por exemplo: (1) os valores de PEEP utilizados; (2) qual a PEEP ideal após a MRA; (3) tempo de MRA a fim de evitar o desrecrutamento; (4) o número alvo de repetições da MRA; (4) a segurança da manobra em termos de desfechos clínicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vários trabalhos abordam o efeito da manobra de recrutamento alveolar e as estratégias ventilatórias que visam evitar o desrecrutamento durante o processo anestésico em pacientes obesos submetidos à cirurgia abdominal. A manobra de recrutamento alveolar parece ser uma estratégia viável para prevenção de complicações pulmonares, como atelectasias, assim como para o aprimoramento da troca gasosa e da mecânica respiratória.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2013
  • Aceito
    12 Dez 2013
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