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Anestesia tópica em recém nascidos prematuros: uma reflexão acerca da subutilização deste recurso na prática clínica

Resumos

Recém nascidos prematuros são submetidos a muitos procedimentos invasivos dolorosos durante o período de internação, necessários à manutenção da estabilidade clínica. Uma boa opção a ser considerada no tratamento de intervenções que causam dor de intensidade leve a moderada é a anestesia tópica, que tem como vantagem a ausência de efeitos sistêmicos. No Brasil o medicamento tópico disponível e mais utilizado para essa situação é a mistura eutética de lidocaína e prilocaína (EMLA®). Sua eficácia para o tratamento da dor durante procedimentos cutâneos é bem estabelecida em crianças e adultos. A utilização em neonatos tem sido investigada pela comunidade científica também em decorrência do risco aumentado para desenvolvimento de metemoglobinemia. Os procedimentos mais realizados em recém-nascidos nos quais a anestesia tópica poderia ser indicada como terapia principal são: punção venosa e arterial, punção de calcanhar, punção lombar e a instalação de cateter percutâneo. Os estudos realizados até então tem levado a diferentes conclusões, dependendo principalmente do procedimento a ser realizado e em função de metodologias muito diversificadas. A alternativa de uma avaliação direta da experiência dolorosa poderia minimizar o viés metodológico permitindo uma avaliação mais precisa da eficácia da anestesia tópica assim como comparar os métodos indiretos utilizados até então.

Anestesia local; Dor; Recém nascido; Prematuro; Anesthesia; Pain; Infant; Infant


Premature neonates are customarily submitted to invasive painful procedures during their stay in NICUs that are necessary to maintain their clinically stability. Topical anesthesia is a good option to be considered in the treatment of interventions that lead to mild to moderate pain and has the advantage of no systemic effects. In Brazil the most known topical anesthetic available for use is the eutectic mixture of local anesthetics (EMLA® cream). Its efficacy in the treatment of cutaneous painful procedures is well established for children and adults. Its utilization in neonates has been investigated also due to the risk to develop methemoglobinemia. The procedures in which topical anesthesia would be well indicated are those related to mild to moderate pain like: arterial and venous punction, hell lance puncture, lumbar puncture and percutaneous central catheter installation. The studies in the literature have so far lead to different conclusions, mainly depending on the type of the procedure and also due to the use of very different methodologies. The possibility of a direct pain evaluation may decrease the methodological bias leading to a more accurate evaluation of the efficacy of the topical anesthesia and also allowing comparisons among the indirect pain measures used so far.


ARTIGO DE REVISÃO

Anestesia tópica em recém nascidos prematuros: uma reflexão acerca da subutilização deste recurso na prática clínica

Juliana de Oliveira MarcattoI; Eduardo Carlos TavaresII; Yerkes Pereira e SilvaIII

IEnfermeira, Aluna do Curso de Pós-graduação (Mestrado) em Ciências da Saúde com área de concentração em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIDoutor, Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIIDoutor, Orientador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Juliana de Oliveira Marcatto Rua Guilherme de Almeida, nº 435 – apt. 102 - Bairro Santo Antônio CEP: 30350-230 - Belo Horizonte (MG), Brasil. Fone: (31) 8686-0470 E-mail: julianamarcatto@uol.com.br

RESUMO

Recém nascidos prematuros são submetidos a muitos procedimentos invasivos dolorosos durante o período de internação, necessários à manutenção da estabilidade clínica. Uma boa opção a ser considerada no tratamento de intervenções que causam dor de intensidade leve a moderada é a anestesia tópica, que tem como vantagem a ausência de efeitos sistêmicos. No Brasil o medicamento tópico disponível e mais utilizado para essa situação é a mistura eutética de lidocaína e prilocaína (EMLA®). Sua eficácia para o tratamento da dor durante procedimentos cutâneos é bem estabelecida em crianças e adultos. A utilização em neonatos tem sido investigada pela comunidade científica também em decorrência do risco aumentado para desenvolvimento de metemoglobinemia. Os procedimentos mais realizados em recém-nascidos nos quais a anestesia tópica poderia ser indicada como terapia principal são: punção venosa e arterial, punção de calcanhar, punção lombar e a instalação de cateter percutâneo. Os estudos realizados até então tem levado a diferentes conclusões, dependendo principalmente do procedimento a ser realizado e em função de metodologias muito diversificadas. A alternativa de uma avaliação direta da experiência dolorosa poderia minimizar o viés metodológico permitindo uma avaliação mais precisa da eficácia da anestesia tópica assim como comparar os métodos indiretos utilizados até então.

Descritores: Anestesia local; Dor; Recém nascido; Prematuro

INTRODUÇÃO

Recém nascidos prematuros são expostos a uma série de intervenções dolorosas, especialmente na primeira semana de vida. A imaturidade respiratória, neurológica e imunológica determina a necessidade de tais intervenções, indispensáveis à manutenção da vida destes pacientes. Estimativas sugerem que um recém nascido prematuro seja exposto a cerca de dois a 14 procedimentos dolorosos por dia nas duas primeiras semanas de vida e que, de maneira acumulativa, durante o período de internação, as exposições possam chegar a mais de 100 até o momento da alta hospitalar.(1)

O recém nascido é capaz de sentir dor, uma vez que as vias neuroanatômicas e neuroendócrinas necessárias à transmissão do estímulo nociceptivo estão completamente desenvolvidas por volta da trigésima semana de idade gestacional.(2) O grande desafio atualmente é elaborar estratégias de prevenção e tratamento voltadas para procedimentos que geram dor considerada de intensidade leve e moderada, uma vez que procedimentos que geram dor intensa são tratados com mais freqüência. Tais procedimentos representam quantitativamente a maior parte das intervenções e existe uma tendência de subestimar a dor por eles causada, resultando em abordagem terapêutica inadequada. A dor não tratada pode afetar a estabilidade fisiológica e as adaptações comportamentais da criança gerando distúrbios emocionais e de aprendizado por alterar a arquitetura cerebral final do recém-nascido que se encontra na fase sinaptogênica.(3,4) Tais adversidades poderiam ser evitadas se fossem elaborados protocolos de avaliação e tratamento adequados a cada nível de intervenção.

Dentre os procedimentos mais comuns aos quais os recém nascidos prematuros são submetidos estão as punções: venosa, arterial, lombar e do calcanhar. As medidas de controle da dor durante tais procedimentos variam desde adaptações ambientais (diminuição de luminosidade e ruídos), posicionamento de conforto, utilização de solução oral de glicose e do próprio leite materno associado ou não a pacificadores (chupetas), até o tratamento medicamentoso com analgesia tópica e sistêmica. Em relação à glicose oral, Stevens et al.(5) concluíram que: sua administração é eficaz no controle da dor e deve acontecer dois minutos antes da intervenção, sendo os efeitos adversos discretos e limitados basicamente a quedas discretas de saturação não demandando maiores intervenções. Em relação à amamentação e ao leite materno, Shah et al.(6) concluíram que ambos podem ser utilizados no controle da dor e que foram estratégias eficazes. A administração do leite materno teve resultados similares à administração de glicose/sacarose.

O objetivo principal desse artigo é revisar e discutir o emprego da analgesia tópica como recurso terapêutico principal ou adjuvante no controle da dor leve a moderada especificamente em recém-nascidos prematuros.

Considerações gerais acerca da anestesia tópica

A anestesia tópica é utilizada na prevenção e tratamento da dor aguda, sendo sua principal vantagem a obtenção de analgesia local sem efeitos sistêmicos.(7) Os anestésicos tópicos impedem a transmissão dos impulsos nervosos, promovendo analgesia cutânea pela atuação nas terminações nervosas livres na derme. Atuam bloqueando a condução do impulso nervoso pela inibição do influxo de sódio, o que resulta em aumento do limiar para a excitação do nervo até que ocorra a perda da capacidade de gerar um potencial de ação.(8) A anestesia tópica pode ser dividida em duas categorias: física e química.(9) Entre os métodos físicos estão a iontoforese e a fonoforese que são usados para aumentar a absorção dos agentes anestésicos. A crioterapia também pode ser incluída entre os métodos físicos, porém, o mecanismo de transferência do frio através da mucosa e seu efeito no nervo são discutíveis.(10)

Com relação aos métodos químicos pode-se citar: 1) métodos convencionais, como formação de solução salina aquosa, a dissolução em um solvente orgânico, e a síntese de uma emulsão óleo em água 2) desenvolvimento de uma mistura eutética 3) incorporação do agente anestésico em path ou método de peeling e 4) envolvimento do anestésico em uma membrana lipossomal.(9)

A camada córnea é a principal barreira para a distribuição do anestésico tópico aplicado sobre a pele íntegra.(11) A pele absorve preferencialmente moléculas solúveis em lipídios em base aquosa, porque a camada de queratina também é composta por água.(8,12,13)

Há na pele dois modos de absorção: cutâneo e percutâneo.(14) A absorção cutânea se refere à penetração da droga entre as várias camadas, enquanto que a percutânea é a passagem através da pele e então para o interior dos vasos. O ideal é que o anestésico local penetre eficazmente na camada córnea e atue nas terminações nervosas sem difundir-se para a circulação sangüínea.(15)

Uma das maiores limitações à utilização da anestesia tópica é a necessidade de aguardar um tempo de contato do anestésico local com a pele para que ocorra a absorção, o que permite a utilização desta estratégia apenas em procedimentos eletivos. Em situações de urgência, outras estratégias terapêuticas precisam ser consideradas.

Nas duas últimas décadas, muitas marcas de anestésicos locais têm sido desenvolvidas para aplicação em pele íntegra: mistura eutética de anestésico local-lidocína/prilocaína (EMLA®, Astra-zeneca), tetracaína gel 4% (Ametop®, Smith & Nephew) e o creme de lidocaína lipossômica 4% (LMX4®, Dermomax Ferndale labs). Vários trabalhos no exterior têm utilizado o Ametop® como analgésico tópico em recém nascidos prematuros estabelecendo comparações entre esse e o EMLA®.(7,16,17) No Brasil, os medicamentos tópicos disponíveis são o EMLA® e mais recentemente o Dermomax® que tem como vantagem um menor tempo necessário de contato da droga com a pele, além de não demandar oclusão do local após aplicação.(18) Entretanto, o anestésico tópico mais utilizado na prática clínica e mais investigado pela comunidade científica é a mistura eutética de lidocaína e prilocaína, EMLA®.(17)

Utilização e efeitos adversos do EMLA® para controle da dor em recém nascidos prematuros

O EMLA® é uma mistura eutética de anestésico local a 5% (lidocaína 2,5% e prilocaína 2,5%) comercializado na forma de creme, que tem seu uso recomendado para tratamento da dor em crianças acima de três meses de idade e adultos. A dose usualmente utilizada é de um a dois gramas aplicados na pele íntegra que, em seguida, é ocluída com fita hipoalergênica indicada pelo fabricante.(17)

A eficácia do EMLA® durante procedimentos cutâneos é bem estabelecida em crianças e adultos e os efeitos colaterais se limitam a reações locais na pele (dermatites de contato) e ao efeito vasoconstritor local(17) o que poderia dificultar uma punção venosa. Contudo, em neonatos, a eficácia tem sido testada e os estudos levam a diferentes conclusões.(19-21) Além disso, a possibilidade de efeitos colaterais neste grupo etário é maior em decorrência do risco aumentado da ocorrência de metemoglobinemia (MetHba).(17)

A prilocaína possui um metabólito tóxico, a o-toluidina, que pode levar à metemoglobinemia pela a oxidação direta da hemoglobina. Três fatores podem aumentar o risco de metemoglobinemia em neonatos: (1) baixos níveis de Met-Hb reductase,(22) enzima responsável por reduzir a oxidação da Met-Hb; (2) maior absorção devido à imaturidade da pele, especialmente na primeira semana de vida e (3) a maior superfície corporal exposta ao creme.(23) Alguns medicamentos podem atuar como indutores de metemoglobinemia quando associados ao EMLA® por acelerarem a oxidação da hemoglobina. Os principais medicamentos considerados indutores e que não devem ser administrados em concomitância com o anestésico local são: sulfonamidas, acetominofeno, nitroprussiato de sódio, ácido valpróico e fenitoína.(24)

A metemoglobinemia é uma síndrome clínica causada pelo aumento da concentração de metemoglobina na corrente sanguínea.(25) A principal característica da metemoglobinemia é cianose central sem queda de saturação (uma vez que o sensor não detecta a partícula que satura a hemoglobina), podendo levar à diminuição da oferta de oxigênio aos tecidos por estar a hemoglobina saturada pelo metabólito tóxico o-toluidina.(26,27) Pode ser congênita ou adquirida sendo que os casos adquiridos são mais freqüentes que os congênitos.(28,29) A causa mais comum de metemoglobinemia congênita é a deficiência da enzima citocromo B5-redutase (CB5R), herdada de forma autossômica recessiva.(30) Níveis de metemoglobina inferiores a 3% são considerados normais. De 3 a 15% freqüentemente nenhuma manifestações clínica está presente e, quando ocorre, é notada apenas uma coloração acinzentada da pele. Quando os níveis séricos ultrapassam 15%, manifestações sistêmicas são detectadas tais como, dispnéia, acidose metabólica, arritmias cardíacas, convulsões e depressão do sistema nervoso central.(24) Geralmente o quadro clínico é leve e o tratamento consiste na remoção do agente indutor, administração de oxigênio em alto fluxo e monitorização dos níveis séricos. A metemoglobina retorna aos níveis normais dentro de 36 horas.(31)

Nas situações em que haja manifestações clínicas significativas (tontura, cefaléia, ansiedade, dispnéia, manifestações de baixo débito cardíaco, sonolência e crise convulsiva) deve-se utilizar o azul-de-metileno como antídoto específico.(32) Uma revisão sistemática da literatura acerca do uso do EMLA® no tratamento da dor aguda em neonatos demonstrou que o risco de metemoglobinemia é baixo após administração única do creme.(17) Em recém nascidos a termo, a dose utilizada foi de 0,5 a 2g e em recém nascidos prematuros variou de 0,5 a 1,25g.(17) De acordo com os autores, os dados para a segurança do uso do EMLA® em aplicações repetidas em neonatos prematuros são insuficientes, mas, a aplicação de dose única se mostrou segura em recém nascidos com idade gestacional superior a 26 semanas.(17) A concentração de prilocaína encontrada após o uso do EMLA® é consideravelmente mais baixa que a dose tóxica considerada de 5mg/dl.(33)

Procedimentos nos quais a analgesia tópica com o EMLA® pode ser utilizada

Dentre os principais procedimentos realizados em recém-nascidos com indicação de anestesia tópica estão: punção venosa e arterial, punção de calcanhar, punção lombar e a instalação de cateter percutâneo. No tratamento de procedimentos que causam dor intensa, a analgesia tópica pode ainda ser utilizada como terapia adjuvante. O EMLA® também tem sido estudado para controle da dor em neonatos durante a circuncisão, demonstrando ser efetivo na redução das alterações fisiológicas e comportamentais. Porém, nesse caso, outras formas mais efetivas de analgesia devem ser consideradas como bloqueio do nervo dorsal peniano.(34,35) No Brasil este procedimento é relativamente pouco executado.

Os quadros 1 e 2 descrevem os ensaios clínicos que utilizaram EMLA® em recém nascidos durante os procedimentos mais comuns que cursam com dor leve a moderada.



COMENTÁRIOS

Punção venosa

– Lindh V, Wiklund U, Hakansson S. (2000)(20): foram analisadas alterações da frequência cardíaca, da variabilidade espectral da frequência cardía ca e da incidência de choro durante a punção venosa. Os resultados demonstraram aumento da freqüência cardíaca no grupo controle, não havendo diferença entre os grupos na incidência do choro. O tempo de choro não foi avaliado. A conclusão foi de que o EMLA® diminui a resposta ao estresse causado pela punção venosa.

– Acharya AB, Bustani PC, Phillips JD, et al. (1998)(21): os resultados não demonstraram significância estatística em nenhuma das variáveis analisadas entre o grupo tratado e o grupo controle.

– Abad F, Diaz-Gómez NM, Domenech E, et al. (2001)(36): a glicose a 24% foi mais efetiva no controle da dor quando comparada com o EMLA®.

– Gradin M, Eriksson M, Holmqvist G, et al. (2002)(37): a pontuação a partir da escala PIPP (Premature Infant Pain Profile) foi menor no grupo que recebeu glicose quando comparado ao EMLA® bem como a duração do choro. A freqüência cardíaca não foi diferente entre os grupos.

– Larsson BA, Tannfeldt G, Langercrantz H, et al. (1998)(19): o grupo tratado com EMLA® teve redução estatisticamente significativa da dor durante a punção venosa e não foram observadas complicações.

A literatura aponta para a efetividade do EMLA® no controle da dor durante a punção venosa e sua eficácia parece ser menor quando comparado à glicose. Porém, as diferenças nas metodologias aplicadas especialmente em relação aos parâmetros aferidos e escalas utilizadas na avaliação tornam esses resultados inconclusivos.

Inserção de cateter percutâneo

- Garcia OC, Reichberg S, Braion LP, et al. (1997)(38): a freqüência cardíaca foi atenuada no grupo tratado com EMLA® (p < 0,05). A freqüência respiratória foi atenuada apenas durante a punção. A pressão arterial e a saturação de oxigênio não tiveram alterações significativas entre os grupos. Os valores de freqüência cardíaca, respiratória, pressão arterial e saturação de oxigênio não foram descritos no estudo

Apenas um estudo analisou a utilização do EMLA® durante a inserção de cateter percutâneo e usou como variáveis de análise apenas parâmetros fisiológicos, os quais sofrem interferência de uma série de fatores que não foram considerados, tais como o fenômeno de acomodação, a idade dos recém nascidos e o tempo de internação.

Punção arterial

– Gourrier E, Karoub P, El Hanache A, et al. (1995)(39): a média no escore comportamental de dor foi menor no grupo tratado com EMLA®. Da mesma forma a média da freqüência cardíaca foi menor no grupo tratado com EMLA®. A punção arterial, quando analisada de maneira comparativa com a punção venosa, parece ser mais dolorosa. O EMLA® parece ser mais eficaz no tratamento da dor durante punção venosa que durante punção arterial.

Quanto à punção arterial, não existem dados na literatura suficientes para indicar ou não a utilização do EMLA® durante este procedimento. Sabe-se que as artérias são estruturas inervadas e que a punção arterial é um procedimento que gera dor moderada. O uso do EMLA® parece ser promissor na abordagem da dor frente a esse procedimento.

Punção lombar

– Enad D, Salvador A, Brodsky NL, et al. (1995)(40): o EMLA® não foi efetivo no tratamento da dor durante a punção lombar. A escala utilizada e os valores observados não foram descritos no estudo.

– Kaur G, Gupta P e Kumar A. (2003)(41): o EMLA® foi eficaz na redução da dor no momento da inserção da agulha na região lombar.

Os resultados da analgesia durante a punção lombar necessitam de mais investigação e tem demonstrado resultados diferenciados possivelmente em decorrência das diferentes metodologias utilizadas nos estudos.

Punção de calcanhar

– Larsson BA, Jylli L, Langercratz H, Olsson GL. (1995)(42): a duração do choro não apresentou diferença significativa entre o grupo que recebeu EMLA® e o grupo controle.

– Ramaioli F, Amici De D, Guzinska K, et al. (1993)(43): não foram identificadas diferenças significantes entre os grupos para nenhuma variável analisada.

– Mcintosh N, van Vem L, Brameyer H. (1994)(44): este estudo sugere que o EMLA® não diminui a dor durante a punção de calcanhar.

– Stevens B, Johnston C, Taddio A, et al. (1999)(45): não foi observada nenhuma diferença entre os grupos tratamento e controle durante a punção de calcanhar.

Todos os estudos apontaram para a ineficácia da utilização do EMLA® durante a punção de calcanhar mesmo com a utilização de metodologias diferenciadas. Possivelmente diferenças de textura da pele e de fluxo sanguíneo local determinem esta diferença de resultados quando comparados a aplicação do EMLA® em outros tecidos do corpo.

Nenhum dos trabalhos evidenciou o desenvolvimento de metemoglobinemia em recém-nascidos prematuros com o uso do EMLA® em dose única. Os dados da literatura apesar de encorajadores são ainda insuficientes para determinar com certeza a segurança de administrações repetidas do EMLA®.(17)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A analgesia tópica tem sido estudada como um recurso terapêutico importante no controle da dor especialmente durante procedimentos que geram dor leve e moderada. Os efeitos adversos dos opióides muitas vezes limitam sua indicação em tais procedimentos(17,46) e a dor causada por estas intervenções tende a ser tratada de maneira ineficaz. Intervenções não medicamentosas de controle da experiência dolorosa no período neonatal também tem sido estudas, com ênfase na utilização da solução oral adocicada e leite materno, cujos efeitos tem sido comprovados durante vários tipos de procedimentos, exceto punção de calcanhar.(5,6,47)

No Brasil, o anestésico tópico mais testado pela comunidade científica para uso em recém nascidos é o EMLA®. Os estudos realizados até então tem levado a diferentes conclusões, dependendo principalmente do procedimento realizado.(36-45) Estas diferenças se devem também à aplicação de metodologias muito diversificadas, com amostras pequenas, falhas na especificação da idade gestacional, dados imprecisos em relação à dosagem utilizada e a área de cobertura do creme, aplicação de escalas e variáveis diferentes no momento da avaliação, diferentes tempos de exposição ao creme com variações de 30 a 120 minutos, diferentes características da pele e diferenças do fluxo sanguíneo local.(17,48) Por estes motivos, mais estudos são necessários para que seja possível recomendar de maneira mais abrangente a analgesia tópica como estratégia terapêutica durante as intervenções dolorosas mais realizadas na população neonatal.

Na prática clínica, o que se observa é que a analgesia tópica apesar de segura, quanto ao risco de metemoglobinemia, é ainda um recurso pouco utilizado, o que pode ser atribuído à dificuldade na elaboração de protocolos de avaliação da dor integrados aos protocolos de tratamento. Uma vez que a dor não é diagnosticada adequadamente, não é possível tratá-la corretamente. Nesse sentido, a possibilidade de implementação de métodos diretos de avaliação da experiência dolorosa, como por exemplo, a espectroscopia infra-vermelha,(49,50) pode ser útil na constatação de que recém-nascidos prematuros são capazes de conduzir e fazer interpretação cortical do estímulo nociceptivo. A comparação dos resultados dos métodos indiretos e diretos de avaliação da dor podem ser esclarecedores acerca da melhor estratégia de avaliação, minimizando o viés da metodologia e fazendo com que os tratamentos propostos possam gerar conclusões mais precisas.

Submetido em 20 de Outubro de 2009

Aceito em 19 de Fevereiro de 2010

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  • Autor para correspondência:
    Juliana de Oliveira Marcatto
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Recebido
      20 Out 2009
    • Aceito
      19 Fev 2010
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