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Paradoxo dos fatores de risco na ocorrência de parada cardiorrespiratória em pacientes com síndrome coronária aguda

RESUMO

Objetivo:

Comparar pacientes admitidos com síndrome coronariana aguda sem prévia identificação de fatores de risco cardiovascular com pacientes que portavam um ou mais fatores de risco.

Métodos:

Análise retrospectiva dos pacientes admitidos com o primeiro episódio de síndrome coronariana aguda sem cardiopatia prévia, incluídos em um registro nacional de síndrome coronariana aguda. Os pacientes foram divididos segundo o número de fatores de risco: nenhum fator de risco (G0), um ou dois fatores de risco (G1 - 2) e três ou mais fatores de risco (G ≥ 3). Realizou-se uma análise comparativa entre os três grupos e se estudaram os preditores independentes de parada cardíaca e óbito.

Resultados:

O total apurado foi de 5.518 pacientes, 72,2% deles do sexo masculino, com média de idade de 64 ± 14 anos. O G0 teve uma incidência maior de infarto do miocárdio com elevação do segmento ST, sendo o vaso mais frequentemente envolvido a artéria descendente anterior esquerda, e menor prevalência de envolvimento de múltiplos vasos. Embora o G0 tivesse uma classe Killip mais baixa (96% Killip I; p < 0,001) e maior fração de ejeção (G0: 56 ± 10% versus G1 - 2 e G ≥ 3: 53 ± 12%; p = 0,024) na admissão, houve incidência significantemente maior de parada cardíaca. A análise multivariada identificou ausência de fatores de risco como um fator independente para parada cardíaca (OR 2,78; p = 0,019). A mortalidade hospitalar foi ligeiramente maior no G0, embora sem significância estatística. Segundo a análise de regressão de Cox, o número de fatores de risco não se associou com mortalidade. Os preditores de óbito em 1 ano de seguimento foram infarto do miocárdio com elevação do segmento ST (OR 1,05; p < 0,001) e fração de ejeção inferior a 50% (OR 2,34; p < 0,001).

Conclusão:

Embora o grupo sem fatores de risco fosse composto de pacientes mais jovens e com menos comorbidades, melhor função ventricular esquerda e coronariopatia menos extensa, a ausência de fatores de risco foi um preditor independente de parada cardíaca.

Descritores:
Parada cardíaca; Fatores de risco; Síndrome coronariana aguda

ABSTRACT

Objective:

To compare patients without previously diagnosed cardiovascular risk factors) and patients with one or more risk factors admitted with acute coronary syndrome.

Methods:

This was a retrospective analysis of patients admitted with first episode of acute coronary syndrome without previous heart disease, who were included in a national acute coronary syndrome registry. The patients were divided according to the number of risk factors, as follows: 0 risk factor (G0), 1 or 2 risk factors (G1 - 2) and 3 or more risk factors (G ≥ 3). Comparative analysis was performed between the three groups, and independent predictors of cardiac arrest and death were studied.

Results:

A total of 5,518 patients were studied, of which 72.2% were male and the mean age was 64 ± 14 years. G0 had a greater incidence of ST-segment elevation myocardial infarction, with the left anterior descending artery being the most frequently involved vessel, and a lower prevalence of multivessel disease. Even though G0 had a lower Killip class (96% in Killip I; p < 0.001) and higher ejection fraction (G0 56 ± 10% versus G1 - 2 and G ≥ 3 53 ± 12%; p = 0.024) on admission, there was a significant higher incidence of cardiac arrest. Multivariate analysis identified the absence of risk factors as an independent predictor of cardiac arrest (OR 2.78; p = 0.019). Hospital mortality was slightly higher in G0, although this difference was not significant. By Cox regression analysis, the number of risk factors was found not to be associated with mortality. Predictors of death at 1 year follow up included age (OR 1.05; p < 0.001), ST-segment elevation myocardial infarction (OR 1.94; p = 0.003) and ejection fraction < 50% (OR 2.34; p < 0.001).

Conclusion:

Even though the group without risk factors was composed of younger patients with fewer comorbidities, better left ventricular function and less extensive coronary disease, the absence of risk factors was an independent predictor of cardiac arrest.

Keywords:
Cardiac arrest; Risk factors; Acute coronary syndrome

INTRODUÇÃO

A doença cardiovascular é a mais importante causa de morte prematura nas sociedades ocidentais, sendo que a cardiopatia coronariana é a principal causa de morte em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde.(11 World Health Organization. Cardiovascular diseases [Internet]. [cited 2016 Oct 12]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs317/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
)

Os principais fatores de risco cardiovasculares são bem identificados, particularmente idade, hipertensão arterial sistêmica, diabetes, dislipidemia, tabagismo e histórico familiar.(22 Perk J, De Backer G, Gohlke H, Graham I, Reiner Z, Verschuren WM, Albus C, Benlian P, Boysen G, Cifkova R, Deaton C, Ebrahim S, Fisher M, Germano G, Hobbs R, Hoes A, Karadeniz S, Mezzani A, Prescott E, Ryden L, Scherer M, Syvänne M, Scholte Op Reimer WJ, Vrints C, Wood D, Zamorano JL, Zannad F; Fifth Joint Task Force of the European Society of Cardiology and Other Societies on Cardiovascular Disease Prevention in Clinical Practice; European Association for Cardiovascular Prevention and Rehabilitation. European Guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice (version 2012): The Fifth Joint Task Force of the European Society of Cardiology and Other Societies on Cardiovascular Disease Prevention in Clinical Practice (constituted by representatives of nine societies and by invited experts). Atherosclerosis. 2012;223(1):1-68.,33 Goff DC Jr, Lloyd-Jones DM, Bennett G, Coady S, D'Agostino RB, Gibbons R, Greenland P, Lackland DT, Levy D, O'Donnell CJ, Robinson JG, Schwartz JS, Shero ST, Smith SC Jr, Sorlie P, Stone NJ, Wilson PW, Jordan HS, Nevo L, Wnek J, Anderson JL, Halperin JL, Albert NM, Bozkurt B, Brindis RG, Curtis LH, DeMets D, Hochman JS, Kovacs RJ, Ohman EM, Pressler SJ, Sellke FW, Shen WK, Smith SC Jr, Tomaselli GF; American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2013 ACC/AHA guideline on the assessment of cardiovascular risk: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2014;129(25 Suppl 2):S49-73.) Estes fatores de risco foram incorporados a escores de risco cardiovascular, ferramentas úteis na prática clínica para estratificação do risco de cardiopatia coronariana e óbito por causa cardiovascular, assim como para guiar as abordagens diagnósticas e terapêuticas.(33 Goff DC Jr, Lloyd-Jones DM, Bennett G, Coady S, D'Agostino RB, Gibbons R, Greenland P, Lackland DT, Levy D, O'Donnell CJ, Robinson JG, Schwartz JS, Shero ST, Smith SC Jr, Sorlie P, Stone NJ, Wilson PW, Jordan HS, Nevo L, Wnek J, Anderson JL, Halperin JL, Albert NM, Bozkurt B, Brindis RG, Curtis LH, DeMets D, Hochman JS, Kovacs RJ, Ohman EM, Pressler SJ, Sellke FW, Shen WK, Smith SC Jr, Tomaselli GF; American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2013 ACC/AHA guideline on the assessment of cardiovascular risk: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2014;129(25 Suppl 2):S49-73.

4 Conroy RM, Pyörälä K, Fitzgerald AP, Sans S, Menotti A, De Backer G, De Bacquer D, Ducimetière P, Jousilahti P, Keil U, Njølstad I, Oganov RG, Thomsen T, Tunstall-Pedoe H, Tverdal A, Wedel H, Whincup P, Wilhelmsen L, Graham IM; SCORE project group. Estimation of ten-year risk of fatal cardiovascular disease in Europe: the SCORE project. Eur Heart J. 2003;24(11):987-1003.
-55 Schünemann HJ, Oxman AD, Brozek J, Glasziou P, Jaeschke R, Vist GE, Williams JW Jr, Kunz R, Craig J, Montori VM, Bossuyt P, Guyatt GH; GRADE Working Group. Grading quality of evidence and strength of recommendations for diagnostic tests and strategies. BMJ. 2008;336(7653):1106-10. Erratum in BMJ. 2008;336(7654). Schünemann, A Holger J [corrected to Schünemann, Holger J].)

No entanto, dentre os pacientes admitidos com síndrome coronariana aguda (SCA), há um subgrupo cuja estratificação realizada antes do evento os classificou como pacientes de baixo risco cardiovascular em razão da ausência dos tradicionais fatores de risco.(66 Saab F, Mukherjee D, Gurm H, Motivala A, Montgomery D, Kline-Rogers E, et al. Risk factors in first presentation acute coronary syndromes (ACS): how do we move from population to individualized risk prediction? Angiology. 2009;60(6):663-7.)

Os dados que descrevem a magnitude, os aspectos clínicos e os desfechos da SCA em indivíduos sem fatores de risco são limitados.

O objetivo do presente estudo foi analisar as características basais, o quadro clínico, os achados laboratoriais, ecocardiográficos e angiográficos, assim como os desfechos de pacientes sem diagnóstico prévio de fatores de risco, admitidos com um primeiro episódio de SCA. Com relação ao desfecho hospitalar, analisamos a presença de insuficiência cardíaca, choque cardiogênico e parada cardíaca. Avaliamos também a mortalidade hospitalar e dentro de 1 ano de seguimento, considerada parâmetro (endpoint) primário. Parada cardíaca foi considerada parâmetro secundário. Realizamos uma comparação entre os grupos, segundo o número de fatores de risco.

MÉTODOS

Análise retrospectiva de pacientes admitidos com um primeiro episódio de SCA sem cardiopatia prévia, incluídos no registro nacional português de SCA (Pro ACS) em cada um dos 33 departamentos de cardiologia participantes, entre os anos de 2010 e 2014. O registro português de SCA recebeu aprovação e autorização do Comitê Nacional de Proteção de Dados (número da autorização 3.140/2010) e foi registrado em ClinicalTrials.gov com o número de identificação NCT 01642329. Foi dispensada a obtenção de assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Incluíram-se, no registo, pacientes com sintomas atribuídos a SCA e com alterações eletrocardiográficas coerentes e/ou níveis elevados de biomarcadores de necrose miocárdica. Este estudo inclui pacientes portadores de infarto do miocárdio com elevação do segmento ST (IAMCST), infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST (IAMSST), e angina instável. Definiu-se IAMCST como elevação persistente do segmento ST por mais de 30 minutos; os demais casos foram considerados como SCA sem elevação do segmento ST. IAMSST ocorreu quando houve elevação da troponina acima do limite de referência ou angina instável quando não ocorreram alterações dos biomarcadores. O diagnóstico foi definido pelo médico quando da admissão ao hospital.

Os pacientes foram divididos segundo o número de fatores de risco em três grupos: nenhum fator de risco (G0), um ou dois fatores de risco (G1 - 2) e três ou mais fatores de risco (G ≥ 3). Analisaram-se os seguintes fatores de risco: idade superior a 55 anos em homens e acima de 65 anos em mulheres, hipertensão arterial sistêmica, diabetes, dislipidemia, tabagismo, histórico familiar de cardiopatia coronariana. A presença de fatores de risco baseou-se na história clínica do paciente.

Em cada paciente, colhemos as características basais, que incluíram características demográficas e comorbidades. Analisaram-se também os dados laboratoriais e os parâmetros eletrocardiográficos e ecocardiográficos quando da admissão.

As variáveis de desfecho estudadas foram parada cardíaca (pré-hospitalar e intra-hospitalar) e mortalidade por todas as causas no hospital e no seguimento de 1 ano.

O protocolo do estudo foi compatível com a Declaração de Helsinque.

Análise estatística

A análise estatística foi conduzida com utilização do programa dedicado de computador Statistical Package for Social Sciences (IBM SPSS, Chicago, IL), versão 19. As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio padrão (DP), e as variáveis categóricas expressas, como percentagem. Os grupos do estudo foram comparados utilizando Análise de Variância (ANOVA) para variáveis contínuas e teste qui quadrado de Pearson para as medidas categóricas.

Construíram-se dois modelos de regressão logística multivariada para identificar os preditores dos dois parâmetros, parada cardíaca e mortalidade hospitalar. Para a realização de cada um dos modelos de regressão, consideraram-se as variáveis significantemente associadas ao parâmetro (p < 0,100) na análise univariada e com relevância clínica. As variáveis a serem incluídas no modelo final foram escolhidas por meio do método stepwise forward, levando em conta o teste likelihood ratio. A odds ratio (OR) estimada foi levada em consideração para avaliação do risco. Como consideramos contínuas algumas das variáveis, a linearidade para cada uma delas foi testada com o método de polinômios fracionais. Goodness of fit foi avaliada pela calibração do modelo e precisão da classificação. A calibração do modelo foi testada com utilização do teste de Hosmer e Lemeshow (HL) e a classificação da precisão foi avaliada por meio da análise da área sob a curva (AUC) da curva ROC.

Os preditores de óbito após 1 ano de seguimento foram determinados pelo modelo de regressão de Cox. Mais uma vez, consideramos as variáveis com associação significante com o parâmetro e que tinham relevância clínica, e a seleção das variáveis foi feita com utilização do método stepwise forward, levando em consideração o teste likelihood ratio. A taxa de risco estimada foi levada em consideração para avaliação do risco. A proporcionalidade dos riscos foi avaliada por meio de análise de resíduos de Schoenfeld, e a forma funcional de uma variável contínua foi analisada levando em consideração os resíduos de Martingale.

Utilizamos intervalos de confiança de 95% (IC95%), considerando estatisticamente significantes os valores de p inferiores a 0,05.

RESULTADOS

Durante o período do estudo, foram admitidos e incluídos nesta análise 5.518 pacientes com um primeiro episódio de SCA e sem história de cardiopatia prévia (49,7% de todos os pacientes inscritos no registro ProSCA no mesmo período).

A maioria dos pacientes (72,2%) era do sexo masculino, e a média de idade foi de 64 ± 14 anos. Cento e cinquenta e um pacientes (2,7%) foram incluídos no G0, 2.858 (51,8%) no G1 - 2 e 2.509 pacientes (45,5%) no G ≥ 3 (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do estudo.

As características basais dos três grupos são apresentadas na tabela 1. Os pacientes do G0 eram significantemente mais jovens, com uma menor proporção de homens/mulheres do que os do G1 - 2 e G ≥ 3. Os pacientes sem fatores de risco também apresentavam significantemente menos comorbidades, particularmente doença arterial periférica, histórico prévio de acidente vascular cerebral e nefropatia crônica.

Tabela 1
Características clínicas basais

Durante o evento agudo, foi realizada uma extensa análise laboratorial de sangue. No G0, 7,1% dos pacientes tinham, quando da admissão, glicemia superior a 200mg/L e 13,0% dos pacientes tinham colesterol total acima de 240mg/dL.

Com relação ao quadro clínico da SCA (Tabela 2), o G0 teve uma incidência maior de IAMCST, porém níveis mais baixos de classe Killip, frequência cardíaca e pressão arterial sistólica na admissão.

Tabela 2
Características na admissão e desfecho hospitalar

Quando se compara ao G1 - 2 e G ≥ 3, a ecocardiografia documentou significantemente menos comprometimento da função ventricular esquerda nos pacientes do G0, com fração de ejeção média de 56 ± 10%. Este fato provavelmente está relacionado a uma menor incidência de insuficiência cardíaca durante a hospitalização (Tabela 2).

O vaso mais frequentemente envolvido nos pacientes do G0 foi a artéria descendente anterior esquerda, porém estes indivíduos apresentaram uma incidência menor de coronariopatia com comprometimento de múltiplos vasos, quando comparados aos pacientes que portavam fatores de risco conhecidos. Não houve diferença significante em termos de intervenção coronária percutânea entre os três grupos (Tabela 2).

Durante a hospitalização, os pacientes do G0 apresentaram uma incidência duas vezes maior de parada cardíaca do que os pacientes dos grupos G1 - 2 e G ≥ 3 (6,6% versus 3,0% versus 2,7%; p = 0,021). Contudo, isto não se refletiu em uma mortalidade hospitalar significantemente mais elevada (Tabela 2).

Construímos um modelo de regressão logística para identificar os preditores de parada cardíaca, incluindo ausência de fator de risco, IAMCST, pressão arterial sistólica, frequência cardíaca, classe Killip > I, níveis de creatinina à admissão, medicação prévia e pré-hospitalar, artéria implicada (tronco esquerdo e artéria descendente anterior esquerda), intervenção coronária percutânea e fração de ejeção ventricular esquerda < 50%. Esta análise identificou que a ausência de fator de risco foi um preditor independente de parada cardíaca (OR = 2,78; IC95% 1,19 - 6,51; p = 0,019). Os demais preditores independentes foram IAMCST (OR = 5,74; IC95% 3,18 - 10,38; p < 0,001), frequência cardíaca elevada (OR = 1,02; IC95% 1,01 - 1,02; p < 0,001), pressão arterial sistólica (OR= 0,99; IC95% 0,98 - 0,99; p < 0,001), classe Killip > I (OR= 3,55; IC95% 2,27 - 5,56; p < 0,001) e administração de nitratos durante a hospitalização (OR (IC95%) = 0,53; IC95% 0,34 - 0,83; p = 0,005). O modelo foi bem calibrado (HL: p = 0,097) e teve uma boa precisão discriminativa (AUC = 0,79; IC95% 0,76 - 0,82) (Tabela 3).

Tabela 3
Análise estatística para determinação de preditores de parada cardíaca

A mortalidade hospitalar por todas as causas foi ligeiramente mais alta no G0, embora sem significância estatística (Tabela 2). Por meio de regressão logística, concluímos que a ausência de fator de risco não foi um preditor independente de mortalidade hospitalar (OR = 2,37; IC95% 0,30 - 18,76; p = 0,414). Os preditores independentes foram: IAMCST (OR = 2,75; IC95% 1,73 - 4,38; p < 0,001), classe Killip > I (OR = 2,19; IC95% 1,43 - 3,34; p < 0,001), ausência de intervenção coronária percutânea (OR = 4,90; IC95% 3,08 - 7,80; p < 0,001) e fração de ejeção ventricular esquerda < 50% (OR= 3,72; IC95% 2,36 - 5,87; p < 0,001). O modelo foi bem calibrado (HL: p = 0,147) e teve excelente precisão discriminatória (AUC = 0,92; IC95% 0,89 - 0,94) (Tabela 4).

Tabela 4
Análise estatística para determinar preditores de mortalidade hospitalar

No seguimento por 1 ano, não houve diferença significante entre os grupos em termos de sobrevivência (Figura 2). Mediante a análise de regressão de Cox, o número de fator de risco não se associou com mortalidade (HR = 0,78; IC95% 0,45 - 1,37; p = 0,393). Foram preditores de óbito após 1 ano: idade (HR = 1,05; IC95% 1,03 - 1,06; p < 0,001), IAMCST (HR = 1,94; IC95% 1,25 - 3,02; p = 0,003) e fração de ejeção < 50% (HR = 2,34; IC95% 1,57- 3,47; p < 0,001) (Tabela 5).

Figura 2
Curvas de sobrevivência de Kaplan Meier para os três grupos do estudo.

Tabela 5
Análise estatística para determinar preditores de óbito durante o seguimento de 1 ano

DISCUSSÃO

No registro ProACS, pacientes sem fatores de risco previamente conhecidos para o evento índice representaram menos de 3% da população geral de SCA sem coronariopatia prévia. Esta proporção se alinha aos dados previamente publicados, que também demonstraram que cerca de 2% dos pacientes admitidos com um primeiro episódio de SCA não tinham qualquer fator de risco.(66 Saab F, Mukherjee D, Gurm H, Motivala A, Montgomery D, Kline-Rogers E, et al. Risk factors in first presentation acute coronary syndromes (ACS): how do we move from population to individualized risk prediction? Angiology. 2009;60(6):663-7.) Surpreendentemente, neste estudo a ausência de fatores de risco associou-se a um uma maior incidência de parada cardíaca.

Em nossa população, os pacientes sem fatores de risco conhecidos eram mais jovens, tinham menos comorbidades e dispunham de melhor função sistólica ventricular esquerda. Embora os pacientes deste grupo tivessem menor incidência de doença com comprometimento de múltiplos vasos, eles apresentaram mais frequentemente IAMCST e tiveram mais frequentemente a artéria descendente anterior esquerda como vaso implicado. Este fato foi previamente descrito em outro registro nacional, no qual pacientes mais jovens tiveram uma incidência mais elevada de IAMCST.(77 Chen TS, Incani A, Butler TC, Poon K, Fu J, Savage M, et al. The demographic profile of young patients (&lt;45 years-old) with acute coronary syndromes in Queensland. Heart Lung Circ. 2014;23(1):49-55.,88 Prajapati J, Jain S, Virpariya K, Rawal J, Joshi H, Sharma K, et al. Novel atherosclerotic risk factors and angiographic profile of young Gujarati patients with acute coronary syndrome. J Assoc Physicians India. 2014;62(7):584-8.) Nossos achados concordam com os de estudos prévios, que demonstraram incidência mais elevada de coronariopatia de vaso único nesses pacientes.(99 Zimmerman FH, Cameron A, Fisher LD, Ng G. Myocardial infarction in young adults: angiographic characterization, risk factors and prognosis (Coronary Artery Surgery Study Registry). J Am Coll Cardiol. 1995;26(3):654-61.

10 Avezum A, Makdisse M, Spencer F, Gore JM, Fox KA, Montalescot G, Eagle KA, White K, Mehta RH, Knobel E, Collet JP; GRACE Investigators. Impact of age on management and outcome of acute coronary syndrome: observations from the Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE). Am Heart J. 2005;149(1):67-73.
-1111 Wolfe MW, Vacek JL. Myocardial infarction in the young. Angiographic features and risk factor analysis of patients with myocardial infarction at or before the age of 35 years. Chest. 1988;94(5):926-30.)

Em nosso registro, a ausência de fatores de risco foi um preditor independente de parada cardíaca na apresentação e durante a hospitalização. Entretanto a mortalidade hospitalar não foi significantemente mais elevada nos pacientes do G0. Em estudos prévios, demonstrou-se um relacionamento inversamente proporcional entre número de fatores de risco e mortalidade hospitalar. Porém, no estudo de Canto et al., pacientes sem fatores de risco eram mais velhos, tiveram mais choque cardiogênico e classe Killip mais elevada, o que mostra uma população diferente em relação aos achados de nosso registro.(1212 Canto JG, Kiefe CI, Rogers WJ, Peterson ED, Frederick PD, French WJ, Gibson CM, Pollack CV Jr, Ornato JP, Zalenski RJ, Penney J, Tiefenbrunn AJ, Greenland P; NRMI Investigators. Number of coronary heart disease risk factors and mortality in patients with first myocardial infarction. JAMA. 2011;306(19):2120-7.) Igualmente, no subestudo CRUSADE, relatou-se uma relação inversamente proporcional entre número de fatores de risco e mortalidade em uma população com IAMSST.(1313 Roe MT, Halabi AR, Mehta RH, Chen AY, Newby LK, Harrington RA, et al. Documented traditional cardiovascular risk factors and mortality in non-ST-segment elevation myocardial infarction. Am Heart J. 2007;153(4):507-14.)

Podemos postular que pacientes com mais fatores de risco e maior frequência de coronariopatia com envolvimento de múltiplos vasos têm mais fluxo sanguíneo por meio de colaterais, fator que pode limitar o tamanho do infarto e, consequentemente, reduzir a incidência de mortalidade hospitalar e parada cardíaca. Por outro lado, é menos provável a ocorrência de uma SCA na ausência de fatores de risco, o que pode levar a menor suspeição que, por sua vez, pode retardar a intervenção adequada, desta forma aumentando o risco de arritmia ventricular e mortalidade.

Em contraste com o desfecho hospitalar, a sobrevivência após 1 ano é maior nos pacientes sem fatores de risco. Este fato provavelmente reflete a idade menos avançada, a melhor função ventricular esquerda e o menor número de comorbidades.

Alguns destes pacientes sem fatores de risco conhecidos poderiam ter outros fatores de risco menos convencionais que não foram avaliados, já que outros fatores não são coletados sistematicamente no registro ProACS. Pacientes sem fatores de risco tradicionais podem ter alterações do metabolismo glicídico, como pré-diabetes e resistência insulínica, que se correlacionam com o processo aterogênico. Este grupo de pacientes podia ter um estilo de vida sedentário, com inatividade física e/ou má nutrição e obesidade abdominal, que contribuem para progressão da doença. Depressão foi também descrita como fator de risco para SCA.(1414 Misteli GS, Stute P. Depression as a risk factor for acute coronary syndrome: a review. Arch Gynecol Obstet. 2015;291(6):1213-20.,1515 Choi J, Daskalopoulou SS, Thanassoulis G, Karp I, Pelletier R, Behlouli H, Pilote L; GENESIS-PRAXY Investigators. Sex- and gender-related risk factor burden in patients with premature acute coronary syndrome. Can J Cardiol. 2014;30(1):109-17.) Estes pacientes podem também ter etiologia atípica, sendo que a trombofilia hereditária e a hiper-homocisteinemia são as etiologias mais frequentemente encontradas em estudos prévios.(99 Zimmerman FH, Cameron A, Fisher LD, Ng G. Myocardial infarction in young adults: angiographic characterization, risk factors and prognosis (Coronary Artery Surgery Study Registry). J Am Coll Cardiol. 1995;26(3):654-61.,1616 Puricel S, Lehner C, Oberhänsli M, Rutz T, Togni M, Stadelmann M, et al. Acute coronary syndrome in patients younger than 30 years--aetiologies, baseline characteristics and long-term clinical outcome. Swiss Med Wkly. 2013;143:w13816.)

Pouco se sabe a respeito da fisiopatologia da SCA em pacientes sem fatores de risco tradicionais, de forma que se fazem necessários mais estudos, a fim de que se obtenha uma compreensão destes eventos e de sua correlação com o mau desfecho hospitalar.

Nosso estudo, baseado em um registro nacional com grande número de pacientes e dados recentes, reflete a prática clínica real. Como um registro, este estudo não teve viés de seleção e a dimensão da população do estudo permitiu a determinação de preditores de desfecho.

Limitações do estudo

Um registro tem a vantagem de representar a prática clínica da vida real, e os achados do estudo são provavelmente aplicáveis a um grande número de hospitais terciários. Entretanto, só foram relatados fatores de risco tradicionais, de forma que não temos informações quanto a outros tipos de fatores de risco para concluir quais desses fatores atípicos poderiam se associar com este desfecho desfavorável. Os diagnósticos foram firmados por diferentes médicos em cada departamento, o que poderia gerar algum viés. Ainda, uma minoria de pacientes sem fatores de risco conhecidos apresentava evidências de diabetes e dislipidemia nas amostras sanguíneas coletadas durante o evento agudo.

O registro não coletou informações detalhadas sobre a causa do óbito, de forma que só apresentamos a mortalidade por todas as causas.

CONCLUSÃO

Embora o grupo sem fatores de risco seja composto por pacientes com idade menos avançada e menos comorbidades, melhor função ventricular esquerda e coronariopatia menos extensa, a ausência de fatores de risco foi, neste estudo, um preditor independente de parada cardíaca. Apesar de os pacientes sem fatores de risco terem tido uma incidência duas vezes maior de parada cardíaca durante a hospitalização, a ausência de fatores de risco não se correlacionou com a ocorrência de mortalidade por todas as causas mais elevada. É importante enfatizar que, apesar destes pacientes estarem menos enfermos por ocasião da avaliação basal, a mortalidade hospitalar foi similar, de forma que os pacientes neste grupo demandam os mesmos esforços de abordagem terapêutica. É importante ressaltar que, após seguimento por 1 ano, não houve diferença estatisticamente significante quanto à sobrevivência entre os grupos do estudo, e os pacientes sem fatores de risco apresentaram uma taxa de sobrevivência ligeiramente melhor, o que reflete a ausência de comorbidades importantes.

  • Editor responsável: Luciano César Pontes de Azevedo
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    World Health Organization. Cardiovascular diseases [Internet]. [cited 2016 Oct 12]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs317/en/
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    Perk J, De Backer G, Gohlke H, Graham I, Reiner Z, Verschuren WM, Albus C, Benlian P, Boysen G, Cifkova R, Deaton C, Ebrahim S, Fisher M, Germano G, Hobbs R, Hoes A, Karadeniz S, Mezzani A, Prescott E, Ryden L, Scherer M, Syvänne M, Scholte Op Reimer WJ, Vrints C, Wood D, Zamorano JL, Zannad F; Fifth Joint Task Force of the European Society of Cardiology and Other Societies on Cardiovascular Disease Prevention in Clinical Practice; European Association for Cardiovascular Prevention and Rehabilitation. European Guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice (version 2012): The Fifth Joint Task Force of the European Society of Cardiology and Other Societies on Cardiovascular Disease Prevention in Clinical Practice (constituted by representatives of nine societies and by invited experts). Atherosclerosis. 2012;223(1):1-68.
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    Goff DC Jr, Lloyd-Jones DM, Bennett G, Coady S, D'Agostino RB, Gibbons R, Greenland P, Lackland DT, Levy D, O'Donnell CJ, Robinson JG, Schwartz JS, Shero ST, Smith SC Jr, Sorlie P, Stone NJ, Wilson PW, Jordan HS, Nevo L, Wnek J, Anderson JL, Halperin JL, Albert NM, Bozkurt B, Brindis RG, Curtis LH, DeMets D, Hochman JS, Kovacs RJ, Ohman EM, Pressler SJ, Sellke FW, Shen WK, Smith SC Jr, Tomaselli GF; American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2013 ACC/AHA guideline on the assessment of cardiovascular risk: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2014;129(25 Suppl 2):S49-73.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2016
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2016
  • Aceito
    12 Set 2016
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