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Desempenho produtivo de vacas leiteiras alimentadas com diferentes proporções de cana-de-açúcar e concentrado ou silagem de milho na dieta

Effects of feeding corn silage or different dietary ratios of sugarcane and concentrate on production of lactating dairy cows

Resumos

Objetivou-se avaliar o consumo, a digestibilidade aparente dos nutrientes, a produção e composição do leite e a variação do peso corporal de vacas lactantes alimentadas com dietas contendo diferentes proporções de cana-de-açúcar e concentrado ou silagem de milho. Foram utilizadas 12 vacas da raça Holandesa, distribuídas em três quadrados latinos 4 x 4, balanceados. As dietas experimentais foram formuladas à base de silagem de milho, na proporção de 60%, ou cana-de-açúcar corrigida com 1 % da mistura uréia+sulfato de amônio (9:1), nas proporções de 60, 50 e 40%. Não houve diferenças entre a dieta com 60% de silagem de milho e aquela com 40% de cana-de-açúcar para produção de leite (20,81 e 19,78 kg/dia), consumo de matéria seca e da maior parte dos nutrientes, digestibilidade aparente da maioria dos nutrientes e variação de peso. Entre as dietas à base de cana-de-açúcar, aquela com 60% foi a que promoveu o pior desempenho quanto à produção de leite (16,90 kg/dia), ao consumo de matéria seca e de nutrientes e à variação de peso, seguida da dieta com 50% de cana-de-açúcar, que apresentou resultados intermediários. A dieta com 40% foi a que proporcionou melhores resultados para estes parâmetros. As vacas alimentadas com a dieta contendo 50% de cana-de-açúcar apresentaram resultados semelhantes para consumo de FDN em comparação à dieta na proporção de 40%. As dietas com 60 e 50% de cana-de-açúcar apresentaram valores semelhantes para digestibilidades aparentes da FDN e carboidratos não-fibrosos. Não foram observadas diferenças entre os tratamentos para nenhum dos parâmetros de composição do leite.

consumo de nutrientes; digestibilidade aparente; produção de leite


Twelve lactating Holstein dairy cows were assigned to three 4x4 Latin squares to evaluate the effects of feeding corn silage or different dietary ratios of sugarcane and concentrate on nutrient intake, apparent digestibility, milk composition and yield, and body weight change. The diets contained 60% corn silage or 60, 50, and 40% of sugarcane supplemented with 1% of urea + ammonium sulphate (9:1). No significant differences were observed between the diet with 60% of corn silage and that with 40% of sugarcane on milk yield (20.81 and 19.78 kg/day), intake of dry matter and almost all remaining nutrients, apparent digestibility of most nutrients, and body weight change. Among sugarcane-based diets, cows fed the diet containing 60% sugarcane had the lowest milk yield (16.90 kg/day), dry matter intake, and body weight change, those fed 50% sugarcane were intermediate, and cows fed the diet with the smallest proportion of sugarcane (40%) had the highest values for these variables. Intake of NDF of cows receiving 50% sugarcane was similar to that of cows fed 40% sugarcane while for apparent digestibilities of NDF and nonfiber carbohydrates similar values were observed for cows fed 60 and 50% sugarcane-based diets. Milk composition did not differ significantly across treatments in the present trial.

apparent digestibility; milk yield; nutrient intake


RUMINANTES

Desempenho produtivo de vacas leiteiras alimentadas com diferentes proporções de cana-de-açúcar e concentrado ou silagem de milho na dieta1 1 Parte da tese do primeiro autor, apresentada à Universidade Federal de Viçosa, para obtenção do título de Magister Scientiae

Effects of feeding corn silage or different dietary ratios of sugarcane and concentrate on production of lactating dairy cows

Marcone Geraldo CostaI; José Maurício de Souza CamposII; Sebastião de Campos Valadares FilhoII; Rilene Ferreira Diniz ValadaresIII; Sandro de Souza MendonçaIV; Daniel de Paula SouzaV; Michella da Paschoa TeixeiraVI

IZootecnista, MS, Estudante de Doutorado, DZO - UFV, Viçosa-MG (marcgcosta@yahoo.com.br)

IIProfessor do Departamento de Zootecnia, Univ. Federal de Viçosa (jmscampos@ufv.br; scvfilho@ufv.br)

IIIProfessor do Departamento de Veterinária, Univ. Federal de Viçosa

IVZootecnista, MS, Professor do DTRA/UESB

VZootecnista, MS, Estudante de Doutorado, ESALQ, Piracicaba-SP

VIZootecnista, MS, IDAF-ES, Vitória-ES

RESUMO

Objetivou-se avaliar o consumo, a digestibilidade aparente dos nutrientes, a produção e composição do leite e a variação do peso corporal de vacas lactantes alimentadas com dietas contendo diferentes proporções de cana-de-açúcar e concentrado ou silagem de milho. Foram utilizadas 12 vacas da raça Holandesa, distribuídas em três quadrados latinos 4 x 4, balanceados. As dietas experimentais foram formuladas à base de silagem de milho, na proporção de 60%, ou cana-de-açúcar corrigida com 1 % da mistura uréia+sulfato de amônio (9:1), nas proporções de 60, 50 e 40%. Não houve diferenças entre a dieta com 60% de silagem de milho e aquela com 40% de cana-de-açúcar para produção de leite (20,81 e 19,78 kg/dia), consumo de matéria seca e da maior parte dos nutrientes, digestibilidade aparente da maioria dos nutrientes e variação de peso. Entre as dietas à base de cana-de-açúcar, aquela com 60% foi a que promoveu o pior desempenho quanto à produção de leite (16,90 kg/dia), ao consumo de matéria seca e de nutrientes e à variação de peso, seguida da dieta com 50% de cana-de-açúcar, que apresentou resultados intermediários. A dieta com 40% foi a que proporcionou melhores resultados para estes parâmetros. As vacas alimentadas com a dieta contendo 50% de cana-de-açúcar apresentaram resultados semelhantes para consumo de FDN em comparação à dieta na proporção de 40%. As dietas com 60 e 50% de cana-de-açúcar apresentaram valores semelhantes para digestibilidades aparentes da FDN e carboidratos não-fibrosos. Não foram observadas diferenças entre os tratamentos para nenhum dos parâmetros de composição do leite.

Palavras-chave: consumo de nutrientes, digestibilidade aparente, produção de leite

ABSTRACT

Twelve lactating Holstein dairy cows were assigned to three 4x4 Latin squares to evaluate the effects of feeding corn silage or different dietary ratios of sugarcane and concentrate on nutrient intake, apparent digestibility, milk composition and yield, and body weight change. The diets contained 60% corn silage or 60, 50, and 40% of sugarcane supplemented with 1% of urea + ammonium sulphate (9:1). No significant differences were observed between the diet with 60% of corn silage and that with 40% of sugarcane on milk yield (20.81 and 19.78 kg/day), intake of dry matter and almost all remaining nutrients, apparent digestibility of most nutrients, and body weight change. Among sugarcane-based diets, cows fed the diet containing 60% sugarcane had the lowest milk yield (16.90 kg/day), dry matter intake, and body weight change, those fed 50% sugarcane were intermediate, and cows fed the diet with the smallest proportion of sugarcane (40%) had the highest values for these variables. Intake of NDF of cows receiving 50% sugarcane was similar to that of cows fed 40% sugarcane while for apparent digestibilities of NDF and nonfiber carbohydrates similar values were observed for cows fed 60 and 50% sugarcane-based diets. Milk composition did not differ significantly across treatments in the present trial.

Key Words: apparent digestibility, milk yield, nutrient intake

Introdução

Visando à obtenção de melhores desempenhos econômicos na pecuária leiteira, atualmente tem-se enfatizado a utilização de volumosos alternativos e subprodutos na alimentação de bovinos. Os volumosos têm participação importante na composição da dieta, uma vez que podem representar até 80% da matéria seca de rações das diversas categorias que compõem o rebanho leiteiro. Além disso, a qualidade do volumoso pode influenciar na quantidade e na qualidade da ração concentrada.

A cana-de-açúcar é um volumoso que tem se destacado na alimentação de bovinos, em razão da pequena taxa de risco em sua utilização, do baixo custo por unidade de matéria seca produzida, da manutenção do valor nutritivo, da maior disponibilidade nos períodos de escassez de forragens nas pastagens e do melhor desempenho econômico em comparação a outras forrageiras, dependendo da categoria animal (Nussio, 2003).

Existem limitações quanto ao consumo dessa forrageira por bovinos, particularmente os de raças leiteiras com níveis médio e alto de produções de leite, decorrentes, principalmente, da baixa digestibilidade da fibra (Magalhães et al., 2004), o que pode comprometer o consumo voluntário. Além disso, entre outras limitações, encotram-se o baixo teor de proteína, o alto teor de carboidratos solúveis, o pequeno aporte pós-ruminal de aminoácidos e de glicose, o aumento na quantidade de protozoários no rúmen e o desbalanço de minerais (Preston & Leng, 1978; Preston, 1982).

Trabalhos recentes comprovam a possibilidade do uso de cana-de-açúcar como volumoso para vacas leiteiras de maior potencial de produção, como os de Magalhães et al. (2004), Mendonça et al. (2004) e Sousa (2003). Nesses estudos, os autores consideraram os índices produtivos e econômicos e apresentaram resultados interessantes e promissores quanto à utilização da cana-de-açúcar.

Segundo Valadares Filho et al. (2002), a principal limitação da cana-de-açúcar é a redução de consumo, ocasionada principalmente pela baixa digestibilidade da fibra, uma vez que seu teor médio em FDN é menor que o da silagem de milho (47 vs 60). No caso da cana-de-açúcar, a saída para sua utilização pode ser a redução de seu uso na dieta de acordo com o aumento da participação de concentrado. Estas mudanças podem proporcionar maior aporte de matéria orgânica digestível, o que levaria a um aumento da concentração de energia, diminuição da concentração de fibra de baixa digestibilidade e, conseqüentemente, ao maior consumo de matéria seca para atender às exigências energéticas do animal.

Por outro lado, excesso de concentrado na dieta pode provocar diversos distúrbios metabólicos, como conseqüência do rápido abaixamento do pH ruminal, que vão desde acidoses subclínicas até casos mais severos, levando à morte, principalmente porque a cana-de-açúcar apresenta alto teor de carboidratos prontamente fermentáveis. Além disso, como o custo do concentrado geralmente é alto, elevadas proporções na dieta podem não ser economicamente viáveis.

O uso de diferentes proporções volumoso:concentrado (V:C) pode influenciar indiretamente, a produção de leite em função do consumo voluntário, e diretamente o teor de gordura do leite. A maior participação da ração concentrada na dieta pode influenciar os valores de pH e, sobretudo afetar a relação acetato:propionato, diminuindo esta relação, podendo reduzir o teor de gordura do leite.

Em virtude do grande potencial da cana-de-açúcar e da possibilidade de melhoria na sua utilização, realizou-se este trabalho para avaliar dietas com cana-de-açúcar, em diferentes proporções, e concentrado para vacas com potencial para produção média de 6.000 kg de leite por lactação, comparadas à dieta com silagem de milho como base volumosa.

Material e Métodos

O experimento foi conduzido na Unidade de Ensino, Pesquisa e Extensão em Gado de Leite (UEPE-GL) do Departamento de Zootecnia (DZO) da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Viçosa-MG, durante o período de agosto a novembro de 2002.

Foram utilizadas 12 vacas multíparas da raça Holandesa, puras e mestiças, com potencial para produção média de 6.000 kg de leite por lactação, apresentando produção média de 22 kg de leite/dia no início do experimento e médias de 120 e 188 dias de lactação no início e final do experimento, respectivamente, distribuídas em três quadrados latinos 4 x 4, balanceados de acordo com o número de dias de lactação.

O experimento constou de quatro períodos com duração de 17 dias cada um, sendo os dez primeiros para adaptação e os demais para avaliação do consumo, da digestibilidade aparente total, da produção e composição de leite e da variação de peso corporal.

Os animais foram submetidos a quatro tratamentos. O tratamento 1 consistiu de silagem de milho (Zea mays) como volumoso, na proporção de 60% da dieta. Nos tratamentos 2, 3 e 4, foi utilizada a cana-de-açúcar (Saccharum officinarum, L.; variedade RB 739735) no seu primeiro corte (cana de ano) como volumoso, nas proporções de 60, 50 e 40%, respectivamente, com base na matéria seca. A todos os tratamentos com cana-de-açúcar, foi adicionado 1% da mistura de uréia+sulfato de amônio (SA) na proporção 9:1, com base na matéria natural.

Foram utilizados na formulação das dietas, como alimento concentrado, fubá de milho, farelo de soja, farelo de algodão, farelo de trigo e matéria mineral. As dietas, isoprotéicas (14,5% de proteína bruta), foram formuladas para atender às exigências nutricionais, segundo recomendações do NRC (1989). No tratamento 1, além dos ingredientes citados, foi adicionada uréia/SA na ração concentrada, em quantidade suficiente para ajustar o mesmo nível de proteína bruta para a silagem de milho em relação à cana-de-açúcar com 1% de uréia/SA. No tratamento 4, como tamponante, foram adicionados ao concentrado bicarbonato de sódio e óxido de magnésio, na proporção de 2:1.

Nas Tabelas 1 e 2 são apresentadas as porcentagens dos ingredientes da dieta total em cada tratamento e as composições bromatológicas das dietas totais.

Os teores de carboidratos totais (CHO) foram calculados segundo Sniffen et al. (1992): CHO = 100 (% PB + % EE + % Cinzas); de carboidratos não-fibrosos (CNF), de acordo com Hall (2001): CNF = 100 [(%PB - %PBuréia + %uréia) + %EE + %MM + % FDN] e os de nutrientes digestíveis totais (NDT), segundo Weiss (1999): NDT (%) = PBD + FDND + CNFD + (EED x 2,25), em que: PBD = proteína bruta digestível; FDND = fibra em detergente neutro digestível; CNFD = carboidratos não-fibrosos digestíveis; EED = extrato etéreo digestível.

Os animais foram manejados em baias individuais, tipo "Tie Stall", onde receberam alimentação ad libitum, com renovação duas vezes ao dia, às 8 e 17 h. Diariamente, foram feitas pesagens das quantidades das dietas fornecidas e das sobras de cada tratamento, para estimativa do consumo. No momento da alimentação, durante o período experimental, foram feitas amostragens das dietas e sobras.

A quantidade total de matéria fecal excretada, utilizada na determinação da digestibilidade aparente dos alimentos, foi estimada pelas concentrações da fibra em detergente ácido indigestível (FDAi), obtidas após incubação ruminal dos alimentos, por 144 horas, conforme metodologia descrita por Craig et al. (1984). As fezes foram coletadas diretamente no reto, no 11º e 16º dias de cada período experimental, sempre antes das ordenhas da manhã e tarde.

As vacas foram ordenhadas mecanicamente duas vezes ao dia, fazendo-se o registro da produção de leite. Foi coletada amostra de leite no 15º dia na ordenha da manhã e da tarde, elaborando-se amostra composta de, aproximadamente, 300 mL, para análise dos teores de proteína bruta, gordura, lactose e extrato seco total.

As análises do leite foram feitas no laboratório de análises e qualidade do leite a Embrapa Gado de Leite Juiz de Fora, MG.

A produção de leite corrigida (PLC) para 3,5% de gordura foi estimada segundo Sklan et al. (1992), pela seguinte equação: PLC = (0,432 + 0,1625 x % gordura do leite) x produção de leite em kg/dia.

No sétimo dia de adaptação e no final de cada período experimental, foram feitas pesagens de cada vaca, para avaliação da variação de peso. Os pesos dos animais foram as médias de duas pesagens diárias (manhã e tarde), feitas logo após as ordenhas e antes do fornecimento das alimentações.

O preparo das amostras compostas do alimento fornecido, das sobras diárias de cada animal e as análises bromatológias seguiram as especificações descritas por Silva & Queiroz (2002).

Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância e aos testes de médias a 5% de significância, utilizando-se o programa SAEG, versão 7.0 (UFV, 1997).

Resultados e Discussão

Os consumos médios diários de matéria seca (MS), matéria orgânica (MO), proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE), carboidratos totais (CHO), fibra em detergente neutro (FDN), carboidratos não-fibrosos (CNF) e nutrientes digestíveis totais (NDT) são apresentados na Tabela 3.

O consumo de matéria seca (CMS) entre as dietas com cana-de-açúcar foi menor (P<0,05) no nível de 60%, intermediário no de 50% e maior no de 40%, que foi semelhante ao CMS obtido com a dieta à base de silagem de milho na proporção de 60%.

Em termos percentuais, o consumo observado para a dieta com 60% de cana foi 11,16 e 25,62% menor que nos tratamentos com 50 e 40%, respectivamente. O tratamento com 50% de cana proporcionou consumo 13,00% menor que aquele com 40% de cana. Mendonça et al. (2004) observaram consumo 9,60% maior para a dieta com 50% de cana em relação àquela com 60% mais 1% de uréia.

Ao comparar os tratamentos com mesma relação volumoso:concentrado (V:C) 60:40, entre cana-de-açúcar e silagem de milho, o consumo foi 22,51% maior para a dieta contendo silagem de milho. Esses resultados estão de acordo com os valores encontrados por Paiva et al. (1991); Pires et al. (1999); Magalhães et al. (2004), Mendonça et al. (2004) e Sousa (2003), que observaram valores 15% superiores para as dietas à base de silagem de milho em relação ao tratamento exclusivamente com cana-de-açúcar e mesma relação V:C. Corrêa et al. (2003) também encontraram menores valores de consumo para cana-de-açúcar em relação à silagem de milho, porém com magnitude de 6,52%.

O consumo de nutrientes seguiu a mesma tendência que os consumos de MS, com valores mais altos (P<0,05) para as dietas com 60% de silagem de milho ou 40% de cana-de-açúcar, com exceção dos consumos de extrato etéreo, carboidratos não-fibrosos, fibra em detergente neutro e fibra em detergente neutro expressa em relação ao peso corporal.

O consumo de extrato etéreo (CEE) foi menor (P<0,05) para as dietas à base de cana-de-açúcar, o que provavelmente resultou do baixo percentual de extrato etéreo na cana-de-açúcar, fato evidenciado também pelo aumento do CEE à medida que a participação da cana-de-açúcar na dieta foi reduzida.

Foi observado maior (P<0,05) consumo de carboidratos não-fibrosos para o tratamento com 40% de cana-de-açúcar em relação às dietas à base de cana-de-açúcar e de silagem de milho, que não diferiram, indicando também maior participação de alimento concentrado na dieta.

O maior consumo (P<0,05) de FDN na dieta à base de silagem de milho em relação àquelas com cana-de-açúcar foi observado também por Ribeiro et al. (2000), Magalhães et al. (2004), Mendonça et al. (2004) e Sousa (2003). A explicação desses autores é que o consumo de MS na dieta contendo silagem de milho foi maior, uma vez que os teores de FDN das dietas foram próximos. Explicação válida quando se compara os tratamentos com silagem de milho e com cana-de-açúcar na proporção de 60%. Quando a comparação foi entre as dietas com cana-de-açúcar, não houve diferenças significativas porque o aumento de consumo de MS compensou a redução do teor de FDN das dietas à medida que houve aumento da participação de concentrado.

Mertens (1985) sugeriu que o consumo de matéria seca em vacas leiteiras é ótimo para consumos de FDN de 1,2 ± 0,1% do PV. Neste trabalho, o valor encontrado para a dieta à base de silagem de milho foi próximo ao sugerido por Mertens (1985) e ao encontrado por Mendonça et al. (2004). As dietas à base de cana-de-açúcar apresentaram valores inferiores aos descritos para máxima ingestão de MS. Valvasori et al. (1995) e Mendonça et al. (2004) também verificaram menores valores e atribuíram o fato ao mais alto teor de lignina das dietas à base de cana-de-açúcar em relação àquelas à base de silagem de milho. Neste estudo, esta explicação também é válida, uma vez que o teor de lignina, quando expresso em porcentagem de FDN, é maior nas dietas que contêm cana-de-açúcar como base volumosa que naquela com silagem de milho.

A variação de peso corporal (PC) foi de 0,287, -0,562, -0,01 e 0,312 kg/dia para as dietas à base de silagem de milho (60%) e com 60, 50 e 40% de cana-de-açúcar, respectivamente. É possível verificar a elevada variação negativa para a dieta com 60% de cana-de-açúcar, com possível mobilização das reservas corporais pelo animal, na tentativa de suprir as deficiências nutricionais ocasionadas pelo menor consumo da dieta de qualidade mais baixa.

Mesmo com a dificuldade em avaliar a variação de PC em experimentos de curta duração e com vacas de leite, em muitos estudos, tem-se verificado variação negativa de PC em dietas contendo cana-de-açúcar como único volumoso (Paiva et al., 1991; Magalhães et al., 2004; Sousa, 2003). Essa variação negativa de PC é provavelmente decorrente do menor consumo de MS, uma vez que, neste trabalho a maior participação de concentrado nas dietas à base de cana-de-açúcar ocasionou aumento do consumo de MS e diminuição ou ausência de variação de peso corporal.

As digestibilidades aparentes médias dos nutrientes são apresentadas na Tabela 4.

Não foram verificadas diferenças nas digestibilidades aparentes da MS, MO e CHO entre as dietas. Resultados semelhantes também foram observados por Magalhães et al. (2004), Mendonça et al. (2004) e Sousa (2003).

O coeficiente de digestibilidade aparente da proteína bruta (CDPB) foi maior (P<0,05) para a dieta com silagem de milho foi maior que para as dietas com cana-de-açúcar. O maior CDPB da dieta à base de silagem de milho pode ser atribuído à maior ingestão de proteína, uma vez que, apesar de as dietas terem sido formuladas para serem isoprotéicas de acordo com dados médios de literatura (com 14,5% de PB), após as análises bromatológicas, foi constatada que a dieta com silagem de milho apresentou maior teor de PB (15,23%), vs aproximadamente 4,5% para as demais). Não houve diferença entre as dietas à base de cana-de-açúcar. Rodrigues et al. (1996) e Carvalho et al. (1997) verificaram que diferentes níveis de concentrado na dieta não influenciaram a digestibilidade da PB.

As dietas com cana-de-açúcar apresentaram coeficientes de digestibilidade do extrato etéreo (CDEE) semelhantes. O CDEE para silagem de milho foi maior (P<0,05) que nas dietas contendo 60 e 50% de cana-de-açúcar. Porém, não houve diferença na digestibilidade entre a dieta com silagem de milho e aquela com 40% de cana, provavelmente em razão da maior participação de concentrado e diminuição da participação da dieta com 40% de cana-de-açúcar, provocando aumento do teor de EE. Magalhães et al. (2004) observaram que a digestibilidade do EE decresceu linearmente com o aumento dos níveis de cana-de-açúcar nas dietas. Mendonça et al. (2004) encontraram diferença na digestibilidade do EE entre a dieta com silagem de milho e aquela com cana-de-açúcar na relação V:C 60:40, mas não para a relação V:C 50:50.

Não houve diferença entre as dietas à base de cana-de-açúcar para o coeficiente de digestibilidade aparente da FDN (CDFDN). Resultados semelhantes foram encontrados por Mendonça et al. (2004), ao trabalharem com cana-de-açúcar nas relações de 60 e 50%. Era esperado maior valor de CDFDN para a dieta com 40% de cana-de-açúcar, em virtude da menor participação da cana-de-açúcar na dieta. Entretanto, autores que trabalharam na avaliação de diferentes níveis de concentrado em dietas para bovinos, dentre eles Campos et al. (1998) e Resende et al. (2001), observaram efeito depressor na digestibilidade da fibra em elevadas quantidades de concentrados na dieta, embora os trabalhos tenham sido obtidos com novilhos e com volumoso diferente da cana-de-açúcar. O coeficiente de digestibilidade aparente da FDN na dieta à base de silagem de milho foi superior (P<0,05) ao das demais dietas. Esses resultados estão de acordo com os encontrados por Magalhães et al. (2004), Mendonça et al. (2004), Corrêa et al. (2003) e Sousa (2003) Segundo estes autores, a menor digestibilidade da FDN para dietas à base de cana-de-açúcar poderia ser apontada como o principal responsável pela diminuição de consumo de matéria seca.

Entre as dietas com cana-de-açúcar, observou-se menor (P<0,05) coeficiente de digestibilidade dos carboidratos não-fibrosos (CDCNF) para a dieta com 40%, não havendo diferenças entre as demais. Isso resultou provavelmente do aumento da taxa de passagem, ocasionado pelo maior consumo de matéria seca na dieta com 40% de cana-de-açúcar. O CDCNF para silagem de milho foi menor (P<0,05) do que os obtidos em todas as dietas à base de cana-de-açúcar, em razão do menor teor de CNF dessa dieta.

Os valores médios obtidos para produção de leite (PL), produção de leite corrigida para 3,5% de gordura (PLC) e os teores médios de gordura (GL), proteína bruta (PBL), lactose (LAC) e extrato seco total (EST) são apresentados na Tabela 5.

A produção de leite para os tratamentos à base de cana-de-açúcar foi menor (P<0,05) quando utilizada na proporção de 60%, intermediário para a relação 50% e maior na relação 40%, que foi semelhante à dieta à base de silagem de milho na proporção de 60%. A menor produção de leite para as dietas com maior participação de cana-de-açúcar pode ser explicada pelo menor consumo de MS, o que resultou em menor consumo de nutrientes. Isso pode ser melhor evidenciado se comparados a PL e o consumo de MS da dieta com 60% de silagem de milho e a dieta com 40% de cana-de-açúcar com as demais.

A produção de leite corrigida para gordura (PLC) apresentou tendência similar à da PL, exceto para as dietas com 60 e 50% de cana-de-açúcar, que foram semelhantes para PLC. Isso pode ter sido conseqüência do aumento do coeficiente de variação, em virtude do mais alto coeficiente do teor de gordura do leite. Menores produções de leite quando se compara cana-de-açúcar com silagem de milho para vacas de maior potencial de produção foram relatadas por Magalhães et al. (2004), que avaliaram a substituição da silagem de milho por cana-de-açúcar até o nível de 100%; Mendonça et al. (2004), que forneceram cana-de-açúcar sob diferentes proporções (60 ou 50%) e suplementações protéicas (0,35 ou 1% da mistura uréia + sulfato de amônia) para vacas em lactação; Sousa (2003), que trabalhou com cana-de-açúcar substituída parcialmente pelo caroço de algodão (0, 7 e 14% da matéria seca total); e Corrêa et al. (2003), que avaliaram o uso milho dentado como recurso para ampliar o período de ensilagem sem reduzir o desempenho animal e o potencial da cana-de-açúcar em dietas para vacas leiteiras de alta produção. Foram unânimes também as conclusões entre esses autores de que as menores produções de leite podem ser atribuídas ao menor consumo de MS, resultanto em menor consumo de nutrientes para as dietas à base de cana-de-açúcar.

Não houve diferenças significativas para a composição do leite entre as dietas experimentais. Apesar de não ter havido diferenças significativas entre as dietas para o teor médio de gordura no leite, era esperado menor valor para a dieta com 40% de cana-de-açúcar, como observado por Maekawa et al. (2002), que trabalharam com as mesmas relações adotadas neste trabalho, porém, com apenas silagem como base volumosa. O aumento na participação de concentrado na dieta causa diminuição da relação acetato:propionato e, conseqüentemente, redução no teor de gordura do leite. Contudo, na dieta contendo 60% de concentrado, foram adicionados tampões, o que pode ter influenciado a não-redução do teor de gordura do leite. Resultados semelhantes foram observados por Magalhães et al. (2004), Mendonça et al. (2004) e Sousa (2003), que não encontraram diferenças na composição do leite em trabalhos envolvendo cana-de-açúcar e silagem de milho.

Conclusões

Para vacas leiteiras com produção média de 20 kg/dia de leite, a utilização de cana-de-açúcar corrigida como volumoso exclusivo deve ser na proporção de 40% na dieta total.

A elevada participação de concentrado na dieta com 40% de cana-de-açúcar não deve ser vista como obstáculo à sua utilização, de modo que decisão sobre seu uso passa a ser de ordens agronômica e/ou econômica.

Literatura Citada

Recebido em: 07/10/04

Aceito em: 17/06/05

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  • 1
    Parte da tese do primeiro autor, apresentada à Universidade Federal de Viçosa, para obtenção do título de
    Magister Scientiae
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      17 Jun 2005
    • Recebido
      07 Out 2004
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