Silagem de resíduo de peixes em dietas para alevinos de tilápia-do-nilo

Fish filleting residues silage in tilapia fingerlings diets

PRODUÇÃO ANIMAL

Silagem de resíduo de peixes em dietas para alevinos de tilápia-do-nilo¹

Fish filleting residues silage in tilapia fingerlings diets

Gleidson Giordano Pinto de Carvalho^I; Aureliano José Vieira Pires^II; Cristina Mattos Veloso^II; Fabiano Ferreira da Silva^II; Bruna Mara Aparecida de Carvalho^III

^IPós-Graduação em Zootecnia, UFV, Viçosa, MG, Bolsista do CNPq

^IIUESB/DTRA - Itapetinga, BA. Pesquisador do CNPq

^IIIGraduação em Engenharia de Alimentos, UESB, Itapetinga, BA

RESUMO

O experimento foi realizado para se avaliar a composição química da silagem de resíduos de peixe acrescida de 30% de farelo de trigo e o desempenho de alevinos de tilápia-do-nilo, recebendo níveis de 0, 10, 20 e 30% desta silagem na dieta. Utilizaram-se resíduos do filetamento de tilápia-do-nilo, que foram picados manualmente, moídos, aquecidos durante 15 minutos a 105°C. Após este processo, o material foi misturado a 30% de farelo de trigo em relação ao peso total do resíduo e armazenado em silos plásticos com capacidade para 20 L durante 30 dias. Foram determinados os teores de MS, PB, EE, cinzas, Ca e P, o potencial hidrogeniônico e o nitrogênio amoniacal da silagem e avaliados os efeitos de sua inclusão sobre o ganho de peso diário, a conversão alimentar aparente e a taxa de eficiência protéica. Não foi observada diferença significativa sobre os parâmetros avaliados. Resíduos do filetamento de tilápia-do-nilo adicionados de 30% de farelo de trigo resultam em silagem de boa qualidade e com potencial para utilização na alimentação de peixes. A inclusão desta silagem na alimentação de alevinos de tilápia em níveis de até 30% não causa prejuízos no desempenho dos animais.

Palavras-chave: desempenho produtivo, Oreochromis niloticus, resíduos de peixe, silagem de peixe

ABSTRACT

The trial was conducted to evaluate the effects of feeding increasing levels (0, 10, 20 and 30%) of fish residues silage on the chemical composition of this silage with 30% wheat meal and on the performance of tilapia Nile fingerlings. Nile tilapia filleting residues were handle chopped, grounded and heated during 15 minutes at 105°C. After this procedure, it was added 30% wheat meal relative to residue total weight. The material was stored in plastic silos with 20 liters capacity during 30 days. Contents of DM, CP, EE, ash, calcium, P, pH and ammonia nitrogen were determined. The effects of fish residues silage on length, height, weight gain, apparent feed conversion, protein efficiency rate and survival means were evaluated. No significant difference of treatments on the evaluated parameters was observed. Residues of Nile tilapia filleting added of 30% wheat meal produce good quality silageto be used in fish feeding. The silage can be included up to 30% in the diets for tilapia fingerlings, with no effect on performance.

Key Words: fish filleting residues, fish silage, Oreochromis niloticus, productive performance

Introdução

O processo de industrialização de tilápias tem crescido significativamente com o aparecimento de indústrias de beneficiamento, que visam, principalmente, à produção de filés. O processo de filetamento gera produção de aproximadamente 67% de resíduos, de modo que apenas 33% do pescado é aproveitado em filés (Souza et al., 1999).

Segundo Machado (1998), o descarte desses resíduos de forma incorreta pode causar grandes transtornos ambientais, sanitários e econômicos. A silagem biológica desses resíduos, no entanto, pode transformá-los em alimentos de alto valor biológico para animais.

Espíndola Filho (1999, 2002), afirmam que os resíduos agroindustriais do processamento do pescado podem substituir a farinha de peixe na formulação de rações, reduzindo a necessidade de misturas com premix mineral e outros componentes essenciais como aminoácidos, vitaminas e ácidos graxos, presentes na silagem combinada de peixes, crustáceos e bivalves. Conforme esse autor, 5% de ácidos polinsaturados, incluindo w₃ e w₆, na silagem ácida, atendem aos requirementos de várias espécies de peixes de água doce. Além disso, a presença destes ácidos contribui para a prevenção da oxidação lipídica, pela ação antioxidante de vitaminas e de outros nutrientes presentes neste tipo de silagem.

Em países como a Polônia, Dinamarca e Indonésia, a silagem de resíduos é utilizada em substituição à farinha de peixe e ao farelo de soja em rações para suínos, peixes e aves (Oetterer, 1994). Entretanto, após diagnosticado o mal da "vaca louca", o emprego destes produtos na alimentação animal tem sido restringido (Braga, 2003).

Segundo Espíndola Filho (1999), a silagem produzida por processamento artesanal apresenta elevados valores de aminoácidos essenciais para peixes, como lisina (5,54 g/kg), histidina (5,33 g/kg) e ácido glutâmico (6,04 g/kg), tornando-a excelente alternativa, por agregar valor ao biolixo proveniente dos resíduos sólidos do pescado. A silagem também pode ser útil como adubo orgânico pela riqueza de nutrientes resultantes da presença de escamas, peles, couros, espinhas, colágeno, sangue, gordura, bexigas natatórias, gônadas, olhos, cérebros, fígados, enzimas digestivas e carotenóides (Espíndola Filho, 2002).

Apesar das vantagens da utilização da silagem, ainda não se tem definido um padrão dos ingredientes que compõem a silagem biológica de resíduos de peixe, em razão da diversificação na composição dos resíduos. Outro aspecto que interfere na qualidade da silagem é a adição ou não de aditivos com a finalidade de aumentar o teor de matéria seca e favorecer a fermentação.

Reyes et al. (1991) estudaram a adição de resíduos de frutos tropicais (mamão, abacaxi e laranja) na produção de silagem por um processo independente da produção bacteriana de ácido lático e obtiveram silagens com bom valor nutritivo e com potencial para utilização na alimentação de alevinos. Os autores relataram teores de proteína bruta de 28,5 a 32,3% e pH de 5,23 a 5,66.

Objetivou-se com este trabalho determinar a composição química da silagem de resíduos de peixe adicionada de 30% de farelo de trigo e avaliar o desempenho de alevinos de tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus) alimentados com dietas contendo diferentes níveis dessa silagem em substituição à ração comercial.

Material e Métodos

O experimento foi realizado no Laboratório de Aqüicultura do Departamento de Tecnologia Rural e Animal da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, UESB, Campus de Itapetinga-BA, no período de maio a agosto de 2003.

Resíduos do filetamento de tilápia-do-nilo (cabeça, pele, restos de musculatura, espinhas, escamas, vísceras e nadadeiras - RP) foram picados manualmente, passados em moedor de carne elétrico e fervidos a 105°C, durante 15 minutos, para evitar possíveis problemas de contaminação.

Posteriormente, procedeu-se à homogeneização e à incorporação do farelo de trigo (FT) na proporção de 30% do peso total do RP após a moagem. O farelo de trigo foi utilizado para diminuir o teor de umidade do material a ser ensilado e evitar proliferação de microrganismos indesejáveis. A mistura apresentou coloração escura, com 49% de umidade, e foi ensilada por 30 dias, em silos plásticos de 20 litros, os quais foram hermeticamente fechados e mantidos em local aberto e protegido da radiação solar.

Após a abertura do silo, determinaram-se os teores de MS, PB, EE, cinzas, Ca e P, o potencial hidrogeniônico (pH) e o N-NH₃ da silagem, segundo metodologia descrita por Silva & Queiroz (2002).

Para avaliação do desempenho dos alevinos de tilápia-do-nilo, utilizou-se ração comercial com 37% de PB, à qual foram acrescidos níveis de 0, 10, 20 e 30% da silagem de resíduos. Após a incorporação da silagem, as novas rações foram peletizadas e secas em estufas de ventilação forçada a 55ºC, durante 12 horas.

Quarenta e oito alevinos de tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus), com peso médio de 15,7 g, foram adquiridos junto à estação de piscicultura da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira - CEPLAC, Ilhéus - BA, e transferidos para um laboratório revestido de plástico na parte superior, visando manter a temperatura interna mais elevada que a do ambiente externo. Os alevinos foram distribuídos em 16 tanques de 250 L, em delineamento inteiramente casualizado, com quatro tratamentos e quatro repetições. Os tanques possuíam entrada e saída de água individual e sistema de aeração por compressores de ar, localizados em quatro pontos no interior dos tanques.

Após o período de adaptação (15 dias), iniciou-se o período experimental, durante o qual foram tomadas medidas biométricas aos 15, 30, 45 e 65 dias. Os peixes foram alimentados diariamente (às 8 e 16 h) com as rações experimentais na proporção de 10% do peso vivo, corrigido quinzenalmente. Diariamente, pela manhã, os tanques foram sifonados para retirada das fezes e a água foi trocada, substituindo-se em torno de 20% do volume total.

A temperatura (ºC) foi tomada todos os dias pela manhã, utilizando um termômetro de mercúrio de máxima e mínima.

Foram avaliados o ganho de peso diário, a conversão alimentar aparente e a taxa de eficiência protéica. A conversão alimentar foi obtida segundo procedimentos descritos por Furuya et al. (2000) e Boscolo et al. (2002ab) e a taxa de eficiência protéica e o custo de ração por quilo de ganho de peso, de acordo com a expressão proposta por Jauncey & Ross (1982), citados por Galdioli et al. (2002) e Meurer et al. (2002).

Os dados foram interpretados por meio das análises de variância e regressão, utilizando-se o programa SAEG - Sistema de Análises Estatísticas e Genéticas (UFV, 2000).

Resultados e Discussão

Os valores médios diários das temperaturas máxima e mínima ao longo do período experimental foram 29ºC + 4,00 e 21ºC + 3,00, respectivamente, e permaneceram na faixa aceitável para criação de tilápias (Teixeira Filho, 1991; Tavares, 1995).

A composição química da silagem de resíduos é apresentada na Tabela 2.

Segundo Viana et al. (1996), o tratamento térmico a 60ºC durante cinco minutos aplicado ao resíduo de peixe é suficiente para reduzir a atividade das proteases endógenas presentes nos tecidos do peixe e diminuir a solubilização da proteína. Portanto, o tratamento térmico aplicado (105ºC por 15 minutos) aos resíduos pode ser considerado eficiente para inativar essas enzimas.

O teor de MS observado (48,87%) (Tabela 2) foi inferior ao obtido por Sales et al. (2002), que encontraram teor de 85,7%. Essas diferenças provavelmente ocorreram pelo fato de os autores terem utilizado apenas 56% de resíduos na confecção da silagem. Contudo, o farelo de trigo adicionado à silagem contribuiu para redução da umidade, resultando em uma silagem com teor de MS mais apropriada para elaboração de rações para organismos aquáticos. Segundo Greem et al. (1998), a utilização de aditivos ricos em carboidratos com o intuito de melhorar a fermentação pode aumentar os teores de MS na silagem.

Oetterer (1994) encontraram média de 18,40% de EE, próxima aos valores obtidos neste trabalho (17,09%). No entanto, este valor de EE é considerado alto em relação aos observados na literatura (Espíndola Filho, 1998, 1999) e possivelmente foi influenciado pelo tipo de processamento e pelas diferentes matérias-primas utilizadas pelos autores (resíduos de camarão), visto que, neste trabalho, utilizou-se apenas resíduo de filetamento de tilápias. Haard et al. (1995) afirmam que o conteúdo de substâncias lipídicas na matéria-prima da silagem é determinante na qualidade final do produto.

Porém, os maiores problemas com a presença de gordura na silagem ocorrem na fase pós-abertura dos silos e no seu armazenamento, quando a presença de oxigênio do ar acelera o processo de oxidação (rancidez) dos ácidos graxos livres insaturados, formados no processo de ensilagem.

Os resultados obtidos para cinzas, Ca e P foram elevados (Tabela 2) e estão de acordo com aqueles registrados por Haard et al. (1995), que constataram que a silagem de peixe apresenta altos teores de minerais, sobretudo Ca e P, e, portanto, pode ser utilizada como suplemento de rações para alimentação animal.

Os teores de N-NH₃ observados na silagem (15,87%) são considerados altos (Tabela 2). É possível que as fontes de carboidratos solúveis presentes na silagem de resíduos tenham sido insuficientes, pois, segundo Kjos (2000), a presença desses carboidratos, reprime a produção bacteriana de enzimas desaminadoras, que produzem amônia a partir de aminoácidos. Os carboidratos solúveis também são importantes pelo seu efeito sobre o pH, pois são substratos primários das bactérias homofermentativas produtoras de ácido lático, responsável pela redução do pH da silagem.

De acordo com Kompiang (2001), pH baixo diminui ou impede o crescimento de bactérias indesejáveis que causam a decomposição anaeróbica de proteínas e a putrefação.

Considerado parâmetro de qualidade que define o grau de conservação da silagem, o pH encontrado (5,59) foi superior ao obtido por Lien & Ly (2001). O menor pH registrado por esses autores (4,57) provavelmente decorreu da adição de 10% de melaço na silagem. Kjos (2000) reportou que altas quantidades de açúcar asseguram preservação satisfatória e que a adição de melaço na proporção de 10% ou mais é suficiente para produzir uma silagem estável. Dong et al. (1993), no entanto, relataram que um mínimo de 4% de melaço em combinação com culturas láticas é suficiente para se obter silagem de boa qualidade.

Os valores médios obtidos para ganho de peso dos animais são descritos na Tabela 3. Não se observou diferença significativa (P>0,01) para ganho de peso dos alevinos. Entretanto, os alevinos que receberam a ração com 30% de silagem apresentaram menores valores absolutos para o ganho de peso, observando-se o maior valor para os alevinos do tratamento contendo 20% de silagem de resíduos. Na avaliação econômica das dietas, o tratamento com 30% de silagem de resíduos de tilápias em substituição à ração comercial foi o que proporcionou os melhores resultados econômicos.

Sales et al. (2002) avaliaram o desempenho de alevinos de tilápia-do-nilo alimentados com quatro dietas à base de silagem biológica de resíduos de pescado. A silagem biológica foi composta de 56% de resíduos de pescado, 30% de farinha de trigo, 4% de NaCl e 10% de fermento biológico. A ração comercial foi substituída por 0, 10, 20 e 30% de silagem e fornecida, durante 90 dias, para 48 alevinos. Os valores médios de ganho em comprimento no período foram 5,20; 6,05; 6,19; e 6,15 cm, respectivamente, e foram similares aos obtidos neste trabalho.

Na Tabela 3 são apresentados os resultados médios obtidos para conversão alimentar e taxa de eficiência protéica dos alevinos. Embora as dietas tenham apresentado variação de 4,6% no teor de PB, os níveis de silagem de resíduos de peixe não influenciaram a conversão alimentar (P>0,01) e não acarretaram problemas quanto à aceitabilidade da ração pelos alevinos.

Avaliando os efeitos de diferentes níveis de lipídeos (3,0; 4,8; 6,6; 8,4; 10,2 e 12,0%) na dieta sobre o desempenho de alevinos de tilápia-do-nilo, Meurer et al. (2002) verificaram que a conversão alimentar piorou com o aumento dos níveis e recomendaram nível de 3,0% de lipídeos na ração para essa espécie. Com o aumento dos níveis de silagem de resíduos de peixe nas rações, os teores de EE aumentaram progressivamente, variando de 6 a 10,4% (Tabela 1), no entanto, não houve redução na conversão alimentar dos alevinos.

Não se observou diferença significativa (P>0,01) entre as taxas de eficiência protéica, provavelmente porque os teores de PB das rações foram semelhantes. Por outro lado, as taxas de eficiência protéica médias obtidas por Furuya et al. (2000), ao avaliarem níveis de proteína (24, 26, 28, 30, 32, 34 e 36%), e por Meurer et al. (2002), ao testarem níveis de até 12% de lipídios na dieta de alevinos revertidos de tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus, L.), de 2,86 e 1,81, respectivamente, foram superiores às observadas neste trabalho. Estas diferenças podem ser atribuídas aos efeitos de dietas, uma vez que tanto a composição dos ingredientes quanto a dos nutrientes foram diferentes.

A sobrevivência dos animais não foi nfluenciada pelos diferentes níveis de silagem na ração, indicando ausência de substâncias tóxicas e/ou prejudiciais aos alevinos. Boscolo et al. (2002b) avaliaram quatro níveis de farinha de varredura de mandioca na alimentação de alevinos de tilápia-do-nilo e também não notaram diferença significativa para a taxa de sobrevivência.

Conclusões

Resíduos do filetamento de tilápia-do-nilo adicionados de 30% de farelo de trigo resultaram em silagem de peixe de boa qualidade e com potencial para utilização na alimentação de alevinos de tilápia-do-nilo.

A inclusão de silagem de resíduos do filetamento de tilápia, na proporção de até 30%, em rações para alevinos de tilápia-do-nilo não causa prejuízos no desempenho dos animais.

O uso de silagem de resíduos do filetamento de tilápia em rações para alevinos de tilápia-do-nilo promoveu melhores resultados econômicos, reduzindo o custo com alimentação por quilo de peixe produzido.

Agradecimento

À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, pelo financiamento ao projeto. À Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira - CEPLAC, Ilhéus -BA, pela doação dos alevinos. Ao Setor de Campo Agropecuário da UESB, pelo apoio na realização do trabalho. Ao CNPq, pela concessão da bolsa de Iniciação Científica ao primeiro autor.

Literatura Citada

Recebido: 03/12/03

Aprovado: 28/09/05

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  07 Abr 2006
• Data do Fascículo
  Fev 2006

Histórico

• Aceito
  28 Set 2005
• Recebido
  03 Dez 2003