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Suplementação de taurina em dietas com duas concentrações proteicas para pós-larvas de camarão-branco-do-pacífico

Taurine supplementation of diets with two protein concentrations to Pacific white shrimp post-larvae

Resumos

Este estudo foi realizado com o objetivo de avaliar a possibilidade de reduzir a concentração proteica da dieta para pós-larvas de camarão-branco-do-pacífico (Litopenaeus vannamei) por meio da suplementação do aminoácido taurina. Seis dietas práticas, isoenergéticas (15,48 kJ EM/g), foram formuladas para conter duas concentrações de proteína (35% e 45% proteína bruta, PB), com três níveis de suplementação de taurina (0, 5 e 10 g/kg), em arranjo fatorial 2 × 3, com quatro repetições. Cem pós-larvas (peso inicial de 0,14 ± 0,01 g) foram estocadas em cada um dos 24 tanques de 45 litros conectados a um sistema de recirculação de água marinha. As dietas experimentais foram distribuídas aos camarões (10% da biomassa) três vezes ao dia, durante 30 dias. A concentração proteica da dieta não influenciou o crescimento nem a utilização alimentar das pós-larvas, mas o efeito benéfico da suplementação das dietas com taurina foi evidente em ambos os níveis proteicos testados. As pós-larvas alimentadas com as dietas com maior concentração de taurina (10 g/kg) alcançaram maior peso final, ganho em peso e taxa de crescimento específico e melhor conversão alimentar em comparação àquelas alimentadas com as demais dietas. A taxa de sobrevivência média foi superior a 92% e não foi afetada pelas dietas experimentais. O nível de 35% de PB na dieta (22,58 mg PB/kJ EM) é suficiente para promover o crescimento adequado de pós-larvas de L. vannamei, e o desempenho dos camarões pode ser melhorado com a suplementação de 10 g taurina/kg de ração.

aminoácido; camarão; dieta prática; nutrição; proteína


The present study aimed to evaluate the possibility of reducing the dietary protein content for post-larvae of Pacific white shrimp (Litopenaeus vannamei) through diet supplementation with taurine amino acid. Six practical isoenergetic (15.48 kJ ME/g) diets were formulated to contain two protein concentrations (35% and 45% crude protein, CP) and 3 levels of taurine supplementation (0, 5 and 10 g/kg) in a 2 × 3 factorial scheme, with four replicates. One hundred post-larvae (initial weight 0.14 ± 0.01 g) were stocked in each of twenty-four 45-L tanks, connected with recirculating marine water system. Shrimps were fed the experimental diets (10% biomass) 3 times a day for 30 days. Dietary protein concentration did not influence growth neither feed utilization of the post-larvae, but a benefic effect of the diet supplementation with taurine on both protein levels tested was evident. Post-larvae fed diets with the highest taurine supplementation (10 g/kg) achieved significant higher final weight, weight gain, specific growth rate and better feed conversion than those fed the other diets. Average survival rate was greater than 92% and it was not affected by experimental diets. Crude protein level of 35% in the diet (22.58 mg CP/kJ ME) is enough to promote adequate growth of L. vannamei post-larvae and shrimp performance can be improved with supplementation of 10 g taurine/kg of ration.

amino acid; nutrition; practical diet; protein; shrimp


AQUICULTURA

Suplementação de taurina em dietas com duas concentrações proteicas para pós-larvas de camarão-branco-do-pacífico

Taurine supplementation of diets with two protein concentrations to Pacific white shrimp post-larvae

Plínio Schmidt FurtadoI; Maude Regina de BorbaII; Paula Fraga MaicáIII; Wilson Wasielesky JuniorII

ICurso de Oceanologia do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Caixa Postal 474, CEP: 96201-900, Rio Grande, RS - Brasil

IILaboratório de Maricultura/Instituto de Oceanografia - FURG. Caixa Postal 474, CEP: 96201-900, Rio Grande, RS - Brasil

IIIPrograma de Pós-Graduação em Aquicultura/Instituto de Oceanografia - FURG

RESUMO

Este estudo foi realizado com o objetivo de avaliar a possibilidade de reduzir a concentração proteica da dieta para pós-larvas de camarão-branco-do-pacífico (Litopenaeus vannamei) por meio da suplementação do aminoácido taurina. Seis dietas práticas, isoenergéticas (15,48 kJ EM/g), foram formuladas para conter duas concentrações de proteína (35% e 45% proteína bruta, PB), com três níveis de suplementação de taurina (0, 5 e 10 g/kg), em arranjo fatorial 2 × 3, com quatro repetições. Cem pós-larvas (peso inicial de 0,14 ± 0,01 g) foram estocadas em cada um dos 24 tanques de 45 litros conectados a um sistema de recirculação de água marinha. As dietas experimentais foram distribuídas aos camarões (10% da biomassa) três vezes ao dia, durante 30 dias. A concentração proteica da dieta não influenciou o crescimento nem a utilização alimentar das pós-larvas, mas o efeito benéfico da suplementação das dietas com taurina foi evidente em ambos os níveis proteicos testados. As pós-larvas alimentadas com as dietas com maior concentração de taurina (10 g/kg) alcançaram maior peso final, ganho em peso e taxa de crescimento específico e melhor conversão alimentar em comparação àquelas alimentadas com as demais dietas. A taxa de sobrevivência média foi superior a 92% e não foi afetada pelas dietas experimentais. O nível de 35% de PB na dieta (22,58 mg PB/kJ EM) é suficiente para promover o crescimento adequado de pós-larvas de L. vannamei, e o desempenho dos camarões pode ser melhorado com a suplementação de 10 g taurina/kg de ração.

Palavras-chave: aminoácido, camarão, dieta prática, nutrição, proteína

ABSTRACT

The present study aimed to evaluate the possibility of reducing the dietary protein content for post-larvae of Pacific white shrimp (Litopenaeus vannamei) through diet supplementation with taurine amino acid. Six practical isoenergetic (15.48 kJ ME/g) diets were formulated to contain two protein concentrations (35% and 45% crude protein, CP) and 3 levels of taurine supplementation (0, 5 and 10 g/kg) in a 2 × 3 factorial scheme, with four replicates. One hundred post-larvae (initial weight 0.14 ± 0.01 g) were stocked in each of twenty-four 45-L tanks, connected with recirculating marine water system. Shrimps were fed the experimental diets (10% biomass) 3 times a day for 30 days. Dietary protein concentration did not influence growth neither feed utilization of the post-larvae, but a benefic effect of the diet supplementation with taurine on both protein levels tested was evident. Post-larvae fed diets with the highest taurine supplementation (10 g/kg) achieved significant higher final weight, weight gain, specific growth rate and better feed conversion than those fed the other diets. Average survival rate was greater than 92% and it was not affected by experimental diets. Crude protein level of 35% in the diet (22.58 mg CP/kJ ME) is enough to promote adequate growth of L. vannamei post-larvae and shrimp performance can be improved with supplementation of 10 g taurine/kg of ration.

Key Words: amino acid, nutrition, practical diet, protein, shrimp

Introdução

O camarão-branco-do-pacífico, Litopenaeus vannamei, é o principal peneídeo produzido atualmente no Brasil. O sistema de cultivo amplamente utilizado é o semi-intensivo, que permite o aproveitamento da alimentação natural, embora seja necessário o fornecimento de dietas artificiais nutricionalmente balanceadas, que favoreçam o crescimento dos camarões (Tacon, 2002).

Para o desenvolvimento de dietas eficientes, custo-efetivas e ambientalmente sustentáveis, é preciso empregar quantidades adequadas de nutrientes, principalmente de proteína. A proteína dietética fornece os aminoácidos essenciais, imprescindíveis para o crescimento (Tacon, 1990), entretanto, seu excesso gera impacto ambiental (Cho & Bureau, 2001) e prejuízos financeiros, pois é o nutriente mais caro de dietas formuladas (Shiau, 1998). Segundo Tacon (1990), mesmo camarões de hábito alimentar onívoro, como o L. vannamei, necessitam de quantidades elevadas de proteína bruta (PB) na dieta durante as fases iniciais, exigência que diminui conforme o seu desenvolvimento: 55 a 35% PB da fase larval à engorda.

Visando melhorar o desempenho produtivo de peixes e crustáceos, muitos autores têm testado a adição de substâncias na dieta. Entre estas substâncias, a taurina (ácido 2-aminoetanosulfônico) surgiu como um composto promissor, pois é um aminoácido livre, não-essencial, e que está envolvido em importantes funções fisiológicas no organismo animal (Huxtable, 1992; Cañas, 2002). Além disso, possui características de estimulante alimentar (Carr, 1982; Coman et al., 1996), tornando sua inclusão na dieta recomendável sempre que se busca atingir o desempenho máximo em aquicultura (Martinez et al., 2004).

Estudos sobre a suplementação de taurina na dieta de organismos aquáticos são recentes e em sua maioria foram desenvolvidos com peixes. Aumentos significativos no crescimento e na eficiência alimentar foram verificados em várias espécies (Martinez et al., 2004; Lunger et al., 2007; Chatzifotis et al., 2008; Matsunari et al., 2008). Em peneídeos, Shiau & Chou (1994) obtiveram melhora no desempenho de camarão-tigre, Penaeus monodon, com a suplementação de taurina na dieta, entretanto, não há na literatura relatos sobre a suplementação de taurina em dietas para L. vannamei. Dessa forma, objetivou-se com este trabalho avaliar o efeito da suplementação de taurina em dietas com duas concentrações proteicas para pós-larvas de L. vannamei.

Material e Métodos

O experimento foi realizado nas instalações da Estação Marinha de Aquicultura Prof. Marcos Alberto Marchiori, do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande - RS - Brasil, utilizando-se camarões provenientes do Laboratório Aquatec Ltda (Canguaretama, no Rio Grande do Norte, Brasil). Após a chegada nas instalações, os náuplios de L. vannamei foram mantidos no setor de larvicultura de camarões marinhos e cultivados segundo metodologia adaptada de Marchiori (1996) até sua utilização no experimento.

Utilizou-se um delineamento experimental inteiramente casualizado em esquema fatorial 2 × 3, composto de duas concentrações de proteína bruta (PB), 35 e 45% PB, e três níveis de suplementação com taurina (aminoácido cristalino-Sigma Aldrich), 0, 5 e 10 g/kg, com quatro repetições por dieta, todas formuladas para ser isoenergéticas (15,48 kJ/g de energia metabolizável estimada, EM).

Para formulação das dietas experimentais (Tabela 1), os ingredientes foram previamente analisados quanto à sua composição centesimal (matéria seca, proteína bruta, extrato etéreo, fibra bruta e cinzas), segundo metodologias padrão descritas pela AOAC (1999). As fontes proteicas utilizadas (farinha de peixe, farelo de soja e gelatina) foram adicionadas em diferentes quantidades para compor o maior e menor nível proteico, mantendo a mesma proporção em todas as dietas.

Os percentuais de proteína bruta adotados foram baseados em recomendações de Tacon (1990) de no mínimo 45% em dietas para espécies onívoras de camarão na fase pós-larva (de 25 dias até 1 g). Dessa forma, 45% proteína bruta foi considerado o nível proteico ótimo e 35% o nível subótimo.

As dietas foram preparadas misturando-se inicialmente os ingredientes secos e adicionando em seguida os óleos e a água (50 ± 5º C). A massa homogênea resultante foi passada por uma matriz com orifícios de 3 mm e levada para secagem em estufa de ventilação forçada a 60ºC. Após secagem, as dietas foram trituradas e peneiradas para obtenção de diferentes granulometrias (850 a 1.800 µm), embaladas em sacos plásticos, que foram hermeticamente fechados, e armazenadas a -20ºC até sua utilização.

Para avaliação da estabilidade das dietas experimentais, 2 g de ração foram colocados em bandejas de alimentação e depositados nos tanques, em triplicata, anteriormente à estocagem dos camarões. Após 2 horas de imersão na água (26º C e 25‰), a ração remanescente em cada bandeja foi coletada e seca em estufa a 105º C até peso constante. Os resultados do cálculo de estabilidade das dietas (ED = [Peso seco dieta final/peso seco dieta inicial] × 100) variaram de 90 a 91% e foram utilizados na quantificação do consumo alimentar.

Grupos de 100 pós-larvas de 35 dias de L. vannamei foram estocados (460 camarões/m2) em 24 tanques retangulares de polietileno (0,66 × 0,33 × 0,33 m) com volume útil de 45 L, conectados a um sistema de recirculação com fluxo contínuo de água marinha de aproximadamente 1,2 L/minuto e aeração individual. Após dez dias de adaptação às condições experimentais, período em que as pós-larvas foram alimentadas na taxa de 10% da biomassa em cada tanque com uma dieta comercial (Inve-50% proteína bruta), três vezes ao dia (às 8, 13 e 18 h), foi realizada a biometria inicial dos camarões. Trinta pós-larvas selecionadas ao acaso de cada unidade experimental foram cuidadosamente secas em papel absorvente, pesadas individualmente (0,14 ± 0,01 g) e devolvidas aos tanques de origem.

As dietas experimentais foram distribuídas em bandejas de alimentação circulares ( = 0,15 m), na mesma taxa e frequência de alimentação da aclimatação. Pesagens totais, em grupo, dos camarões de cada tanque foram realizadas a cada 10 dias para ajuste da taxa de arraçoamento. Após 2 horas da alimentação, eram observadas as sobras nas bandejas para ajuste da quantidade de ração a ser fornecida na refeição seguinte, com o objetivo de que não houvesse falta nem muita sobra de alimento em todas as dietas. Ao longo dos 30 dias de experimento, foram feitas observações diárias para registrar e remover os indivíduos mortos.

O fotoperíodo foi mantido em 14 horas luz. Diariamente, foram monitorados a temperatura, a concentração de oxigênio dissolvido, a salinidade e o pH da água do sistema e semanalmente as concentrações de amônia total e nitrito.

Ao final do experimento, os camarões de cada tanque foram pesados individualmente e o desempenho das pós-larvas de L. vannamei foi avaliado considerando o peso final, o ganho de peso (GP = peso final - peso inicial), a taxa de crescimento específico (TCE = 100 × [(ln peso final - ln peso inicial)/dias de experimento]), o consumo total (CT = alimento total consumido (MS) por camarão), a conversão alimentar (CA = alimento total consumido (MS)/ganho em peso) e a taxa de sobrevivência (100 × nº final de camarões/ nº inicial de camarões).

Após confirmação da homogeneidade das variâncias e distribuição normal dos dados, a análise de variância bifatorial foi aplicada considerando os efeitos das concentrações proteicas das dietas e os níveis de suplementação com taurina, bem como a interação entre esses fatores sobre o desempenho das pós-larvas de L. vannamei. Quando identificadas diferenças (P<0,05) entre as dietas experimentais, as médias foram comparadas pelo teste Tukey. Os valores em porcentagem sofreram transformação arco-seno para serem analisados (Zar, 1996).

Resultados e Discussão

Os parâmetros de qualidade de água ao longo do período experimental, incluindo a temperatura (25,0 ± 0,75º C), a concentração de oxigênio dissolvido (5,8 ± 0,36 mg/L), a salinidade (24,00 ± 1,00‰), o pH (7,84 ± 0,08) e as concentrações de amônia total (0,11 ± 0,01 mg/L) e nitrito (0,05 ± 0,02 mg/L), não variaram significativamente entre as dietas (P>0,05) e estiveram dentro dos níveis aceitáveis para o cultivo de peneídeos (Boyd, 1989).

A concentração proteica da dieta não influenciou os parâmetros avaliados (P>0,05) e também não houve interação (P>0,05) entre a concentração proteica e os níveis de taurina suplementada à dieta. Entretanto, foi verificado efeito (P<0,05) da suplementação de taurina no crescimento e na utilização alimentar das pós-larvas de L. vannamei (Tabela 2). O nível mais elevado testado (10 g/kg) refletiu em maior peso final, ganho em peso e melhor conversão alimentar em comparação à dieta não suplementadas com taurina (0 mg/kg) e àquela suplementadas com 5 mg/kg, as quais não diferiram (P>0,05) entre si. O consumo total médio de ração por camarão e a taxa de sobrevivência, que em geral ficou acima de 92%, não foram influenciados (P>0,05) pelas dietas experimentais.

Tendo em vista a expansão da aquicultura e o fato de a alimentação ser um dos maiores gastos da atividade, a busca por dietas que promovam crescimento máximo com melhor relação custo-benefício é muito comum. A proteína é o nutriente mais caro de dietas formuladas, desta forma, é importante a definição da concentração mínima que resulte no melhor desempenho animal (Sá & Fracalossi, 2002; Furuya et al., 2005; Bomfim et al., 2008). O uso de recursos que possibilitem reduzir a concentração proteica da dieta sem prejudicar a produtividade também é de grande interesse e justifica este estudo para avaliação da suplementação de taurina em dietas com concentração proteica ótima e subótima para pós-larvas de L. vannamei (Tacon, 1990).

As informações encontradas na literatura referentes à concentração ótima de proteína na dieta para L. vannamei oscilam de 25 a 48% de proteína bruta (Shiau, 1998; Kureshy & Davis, 2002; Martinez-Cordova, 2002). Essa amplitude é em grande parte consequência de diferenças no tamanho dos camarões, na digestibilidade e na palatabilidade dos ingredientes utilizados nas dietas, no balanço de aminoácidos, na relação energia/proteína, nas taxas de alimentação adotadas, assim como fatores ambientais (Cuzon & Guillaume, 1997; Martinez-Cordova, 2002).

Neste trabalho não houve efeito significativo da concentração proteica da dieta sobre os parâmetros avaliados: o nível de 35 e 45% de proteína bruta (22,6 e 28,9 mg proteína/kJ, respectivamente) promoveram crescimento e utilização alimentar similares nas pós-larvas de L. vannamei. Esses resultados contrariam as recomendações de Tacon (1990) e Wyk (1999) de dietas com 45% de proteína bruta para pós-larvas de L. vannamei na faixa de peso utilizadas neste trabalho. A menor exigência de proteína verificada pode estar relacionada, entre outros fatores, à alta qualidade dos principais ingredientes proteicos empregados nas dietas experimentais (farinha de peixe Chilena e farelo de soja 69 e 44% de proteína bruta, respectivamente), assim como a concentração energética na faixa de 13 a 17 kJ/g, recomendada para dietas de crustáceos (Cuzon & Guillaume, 1997), favorecendo desta forma a digestibilidade das dietas.

No cultivo em viveiros, o alimento natural disponível pode contribuir para a satisfação das exigências nutricionais dos camarões (Nunes et al., 1997). Assim, é possível que, em condições práticas de cultivo em fazendas, a concentração de proteína bruta na dieta para pós-larvas de L. vannamei na faixa de peso utilizada neste estudo seja ainda menor que 35% e não prejudique o crescimento.

Como animais aquáticos são bem adaptados a utilizar proteína como fonte de energia, quando o consumo diário desse nutriente excede a exigência da espécie, a proteína é facilmente metabolizada para gerar energia e, consequentemente, é excretado nitrogênio. Desta forma, dietas com concentrações excessivas de proteína, além de mais caras, podem afetar a qualidade da água dos viveiros, causando sérios problemas de eutrofização pelo aumento da excreção de compostos nitrogenados (Burford & Willians, 2001; González-Félix et al., 2007; Quadros et al., 2009). Nesse sentido, Martinez-Cordova et al. (2002) criticaram a tendência dos produtores de camarão em utilizar dietas com altas concentrações proteicas para aumento do crescimento, e salientaram a importância do uso de quantidades adequadas de proteína para atender às exigências dos camarões com o menor custo possível.

De acordo com Tacon (2002), a falta de publicações sobre as exigências nutricionais dos camarões em condições práticas de cultivo em viveiros tem resultado em dietas comerciais, em sua maioria, com excesso de nutrientes, pois a disponibilidade do alimento natural é ignorada. Os bons resultados obtidos com as dietas com 35% de proteína bruta neste estudo, conduzido em condições de laboratório, sugerem que no mercado brasileiro também pode estar ocorrendo essa discrepância, uma vez que dietas comerciais com mais de 40% proteína bruta são recomendadas pelos fabricantes para pós-larvas de L. vannamei com menos de 1 g.

Em ambas as concentrações proteicas da dieta, aumentos significativos de crescimento e melhora na conversão alimentar foram verificados para pós-larvas de L. vannamei que receberam suplementação de taurina na proporção de 10 g/kg. Resultados semelhantes foram obtidos com várias espécies de peixes, com relatos de que a suplementação de taurina em dietas práticas à base de farinha de peixe aumentou o desempenho produtivo de linguado japonês, Paralichtys olivaceus (Kim et al., 2005), robalo-europeu, Dicentrarchus labrax (Martinez et al., 2004), pargo-japonês, Pagrus major (Matsunari et al., 2008), e dentex-comum Dentex dentex (Chatzifotis et al., 2008). Resultados semelhantes aos deste estudo foram observados em juvenis do camarão-tigre (Penaeus monodon), que também se beneficiaram com a suplementação de 8 g/kg de taurina em dietas semipurificadas à base de caseína e pequena quantidade de farinha de camarão, melhorando significativamente os índices de crescimento e conversão alimentar (Shiau & Chou, 1994).

Os mecanismos pelos quais os efeitos benéficos da taurina no metabolismo animal são alcançados ainda não estão claros, tendo em vista as numerosas e importantes funções fisiológicas nas quais esse composto está envolvido (Huxtable, 1992; Cañas, 2002; Takagi et al., 2006). Por suas características químicas (contém nitrogênio, baixo peso molecular, propriedade acidobásica, estabilidade no tratamento com calor e solubilidade em água), esse aminoácido também pode atuar como estimulador alimentar em peixes e crustáceos (Carr, 1982; Coman et al., 1996).

Martinez et al. (2004) verificaram que juvenis de Dicentrarchus labrax consumiram mais ativamente dietas à base de farinha de peixe e farelo de soja suplementadas com 0,2 e 0,3% de taurina e apresentaram também crescimento significativamente superior. Entretanto, neste estudo a quantidade total de ração consumida pelas pós-larvas de L. vannamei não diferiu significativamente entre as dietas.

A taurina é abundante em vários tecidos animais, onde é encontrada na forma livre ou formando peptídeos simples, e não pode ser utilizada para síntese proteica nem metabolizada para gerar energia (Huxtable, 1992). Dessa forma, o efeito promotor de crescimento em muitos estudos está provavelmente relacionado às ações secundárias ou auxiliares da taurina em outros fenômenos biológicos (Martinez et al., 2004; Chatzifotis et al., 2008). De acordo com Huxtable (1992), entre as numerosas funções fisiológicas em que está envolvida, a taurina é um composto muito importante no metabolismo de lipídios, pois atua como o único aminoácido conjugador de sais biliares em peixes teleósteos, formando os ácidos taurocólico e taurochenodeoxicólico (Goto et al., 1996; Kim et al., 2007), que agem na solubilização ou emulsificação de gorduras, tornando-as mais acessíveis para a digestão (Huxtable, 1992; Chatzifotis et al., 2008).

Os crustáceos, diferentemente dos peixes, são incapazes de sintetizar esteróis (Kanazawa, 2001), mas, por sua grande importância no desenvolvimento e na reprodução animal (Perevozchikov, 2008), devem ser supridos na dieta, preferencialmente na forma de colesterol (Tacon, 1990). Shiau & Chou (1994) notaram aumento dos níveis de colesterol na hemolinfa de juvenis de P. monodon quando elevaram a suplementação de taurina na dieta, sugerindo que também nesses crustáceos os conjugados de taurina agem na solubilização do colesterol e na absorção dos esteróis ingeridos. Dessa forma, considerando os aspectos mencionados, é possível que o melhor desempenho das pós-larvas de L. vannamei neste estudo esteja relacionado à maior eficiência de digestão e absorção do colesterol e dos demais lipídios da dieta como um todo, proporcionada pela suplementação de 10g de taurina/kg.

Conclusões

O nível de 35% proteína bruta na dieta (22,58 mg proteína/kJ EM) é suficiente para promover o crescimento adequado de pós-larvas de camarão-branco-do-pacífico, L. vannamei. O desempenho dessa espécie pode ser melhorado com a suplementação de taurina no nível de 10 g/kg de ração.

Agradecimentos

À Nutron Alimentos, pela doação da farinha de peixe, e aos prof. Carlos Prentice-Hernández e Luiz Antônio de Almeida Pinto, pela disponibilização dos equipamentos para a confecção das dietas.

Recebido em 27/2/2009 e aprovado em 22/10/2009.

Correspondências devem ser enviadas para: mau.b@terra.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Nov 2010

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2009
  • Aceito
    22 Out 2009
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