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Biologia reprodutiva do peixe-donzela, Stegastes fuscus Cuvier, em arrecifes rochosos no nordeste do Brasil

Reproductive biology of the damselfish, Stegastes fuscus Cuvier, in the coastal rocky reefs of northeastern Brazil

Resumos

A biologia reprodutiva do peixe-donzela, Stegastes fuscus Cuvier, 1830 (Perciforemes, Pomacentridae), foi estudada nos arrecifes rochosos da praia de Búzios, Nísia Floresta, Rio Grande do Norte, Brasil. Os peixes foram coletados mensalmente, medidos, pesados, dissecados, as gônadas foram removidas, pesadas e examinadas para identificação do sexo. Avaliação macroscópica dos estádios de maturação gonadal foi realizada. Um total de 549 exemplares foi capturado durante o período de outubro de 2004 a setembro de 2005. Foi registrada uma maior freqüência de fêmeas (78%), em relação aos machos (22%). Foi observado que 50% da população das fêmeas e dos machos iniciaram o processo de maturação gonadal com comprimento de 6,2 cm e 7,0 cm, respectivamente. Em relação à fecundidade absoluta, o número de ovócitos vitelogênicos variou entre 1790 a 14780, com média de 6832. A análise da relação gonadossomática para ambos os sexos indicou que o período de fevereiro a agosto de 2005 foi associado a um longo período de repouso gonadal. Os peixes foram considerados aptos à reprodução a partir de janeiro e em setembro-outubro com dois picos de desova registrados nesses meses, com desova do tipo parcelada. Cinco estádios de maturação gonadal foram identificados através de análises macroscópicas das gônadas: imaturo, em maturação, maduro, esgotado e repouso.

Desenvolvimento gonadal; Pomacentridae; relação gonadossomática


Reproductive biology of the damselfish, Stegastes fuscus Cuvier, 1830 (Perciformes: Pomacentridae), was studied in the coastal rocky reefs of Búzios Beach, Nísia Floresta, Rio Grande do Norte, Brazil. The fish were captured on a monthly basis, and were measured, weighed, dissected and the gonads were removed, weighed and examined in order to separate males and females. Macroscopic characterization of the stages of gonadal maturation was carried out. A total of 549 samples were captured from October 2004 to September 2005. A higher frequency of females (78%) was registered in relation to males (22%). It was observed that 50% of the population of females and males initiated gonadal maturation with a body size of 6.2 cm and 7.0 cm respectively. In relation to absolute fecundity, the number of vitelogenic oocytes ranged from 1790 to 14780, with mean of 6832. The analysis of gonadosomatic relation indicated that the period of February to August was associated to a long phase of gonadal resting in males and females. Two peaks of partial spawning were registered during January and September-October. Five stages of gonadal maturation were identified through macroscopic analysis: immature, in maturation, mature, spent and resting.

Gonadal development; gonadosomatic relation; Pomacentridae


Biologia reprodutiva do peixe-donzela, Stegastes fuscus Cuvier, em arrecifes rochosos no nordeste do Brasil

Reproductive biology of the damselfish, Stegastes fuscus Cuvier, in the coastal rocky reefs of northeastern Brazil

Liliane de L. G. SouzaI; Sathyabama ChellappaI; Hélio de C. B. GurgelII

IPrograma de Pós-Graduação em Bioecologia Aquática, Departamento de Oceanografia e Limnologia, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Praia de Mãe Luíza, 59014-100 Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: lilianegurgel@yahoo.com.br; bama@dol.ufrn.br

IILaboratório de Ecologia e Fisiologia de Peixes, Departamento de Fisiologia, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Caixa Postal 1511, 59072-970 Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: helio@cb.ufrn.br

RESUMO

A biologia reprodutiva do peixe-donzela, Stegastes fuscus Cuvier, 1830 (Perciforemes, Pomacentridae), foi estudada nos arrecifes rochosos da praia de Búzios, Nísia Floresta, Rio Grande do Norte, Brasil. Os peixes foram coletados mensalmente, medidos, pesados, dissecados, as gônadas foram removidas, pesadas e examinadas para identificação do sexo. Avaliação macroscópica dos estádios de maturação gonadal foi realizada. Um total de 549 exemplares foi capturado durante o período de outubro de 2004 a setembro de 2005. Foi registrada uma maior freqüência de fêmeas (78%), em relação aos machos (22%). Foi observado que 50% da população das fêmeas e dos machos iniciaram o processo de maturação gonadal com comprimento de 6,2 cm e 7,0 cm, respectivamente. Em relação à fecundidade absoluta, o número de ovócitos vitelogênicos variou entre 1790 a 14780, com média de 6832. A análise da relação gonadossomática para ambos os sexos indicou que o período de fevereiro a agosto de 2005 foi associado a um longo período de repouso gonadal. Os peixes foram considerados aptos à reprodução a partir de janeiro e em setembro-outubro com dois picos de desova registrados nesses meses, com desova do tipo parcelada. Cinco estádios de maturação gonadal foram identificados através de análises macroscópicas das gônadas: imaturo, em maturação, maduro, esgotado e repouso.

Palavras-chave: Desenvolvimento gonadal; Pomacentridae; relação gonadossomática.

ABSTRACT

Reproductive biology of the damselfish, Stegastes fuscus Cuvier, 1830 (Perciformes: Pomacentridae), was studied in the coastal rocky reefs of Búzios Beach, Nísia Floresta, Rio Grande do Norte, Brazil. The fish were captured on a monthly basis, and were measured, weighed, dissected and the gonads were removed, weighed and examined in order to separate males and females. Macroscopic characterization of the stages of gonadal maturation was carried out. A total of 549 samples were captured from October 2004 to September 2005. A higher frequency of females (78%) was registered in relation to males (22%). It was observed that 50% of the population of females and males initiated gonadal maturation with a body size of 6.2 cm and 7.0 cm respectively. In relation to absolute fecundity, the number of vitelogenic oocytes ranged from 1790 to 14780, with mean of 6832. The analysis of gonadosomatic relation indicated that the period of February to August was associated to a long phase of gonadal resting in males and females. Two peaks of partial spawning were registered during January and September-October. Five stages of gonadal maturation were identified through macroscopic analysis: immature, in maturation, mature, spent and resting.

Key words: Gonadal development; gonadosomatic relation; Pomacentridae.

O peixe-donzela, Stegastes fuscus Cuvier, 1830 (Perciformes) apresenta ampla distribuição na costa brasileira, sendo abundante na maioria dos ambientes recifais costeiros. Apresenta hábitos diurnos e é geralmente encontrado em lugares rasos (< 8 m), em recifes biogênicos ou rochosos. Ocorrem variações de cores nas diferentes fases de vida desta espécie de peixe-donzela (THRESHER 1991). Possuem papel de "espécie-chave" nas comunidades recifais, por afetarem a composição dos organismos bentônicos (FERREIRA et al. 1998, CECCARELLI et al. 2001). No entanto, esses peixes costumam ser negligenciados nos estudos científicos de comunidades de marés, continuando vulneráveis a superexploração pela coleta indiscriminada e à redução populacional causada pela poluição (JONES & REYNOLDS 1997).

Informações sobre o desenvolvimento cíclico das gônadas, época e local de desova e comprimento em que os indivíduos entram no processo reprodutivo fazem parte do conhecimento acerca da biologia reprodutiva de uma espécie. Estas informações são subsídios importantes para a elaboração da regulamentação de pesca, quanto à época, ao local e ao tamanho dos indivíduos que podem ser capturados dentro de um programa de manejo, permitindo também a tomada de medidas racionais na preservação de estoques ou no controle de espécies indesejáveis (MARQUES et al. 2000).

Nas últimas décadas, numerosas investigações vêm sendo realizadas sobre diversas espécies de Pomacentridae, abordando aspectos da alimentação (LASSUY 1984, GALETTO & BELLWOOD 1994, CLEVELAND & MONTGOMERY 2003), reprodução (RICHARDSON et al. 1997, ASOH 2004), comportamento (ITZKOWITZ et al. 2000, SIKKEL et al. 2005) e genética (LACSON & CLARK 1995, QUENOUILLE et al. 2004), porém estes estudos estão restritos à região dos Estados Unidos e Austrália. O presente trabalho investiga a biologia reprodutiva de Stegastes fuscus, nos arrecifes da praia de Búzios, Nísia Floresta, Rio Grande do Norte, Brasil, abordando a proporção sexual, comprimento de primeira maturação gonadal, fecundidade, variação da relação gonadossomática durante o período de estudo e descrição de aspectos morfológicos gonadais.

MATERIAL E MÉTODOS

As capturas dos espécimes foram realizadas na praia de Búzios (06°00’40"S, 35°06’38"W) localizada no município de Nísia Floresta, litoral sul do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. O local caracteriza-se pela presença de extensos recifes de arenito na região do mesolitoral, que ficam expostos durante a maré baixa formando piscinas naturais, também chamadas, de piscinas de maré ou poças de maré, local onde ocorreram as capturas de S. fuscus. Estas piscinas variaram de 1 a 246 m2 de extensão e 14 a 70 cm de profundidade.

Coletas mensais foram realizadas durante os picos de maré baixa, no período de outubro de 2004 a setembro de 2005, com um esforço de três horas de duração por mês, utilizando rede de mão (0,5 cm), varas e anzol mosquito (nº14). Os exemplares tiveram os seguintes dados morfométricos obtidos: comprimento padrão (CP) em centímetros, peso total (PT) e peso das gônadas (PG) em gramas. Posteriormente as gônadas foram analisadas macroscopicamente, quanto ao sexo e desenvolvimento gonadal.

A proporção entre os sexos foi verificada através da análise de distribuição de freqüência relativa de machos e de fêmeas mensalmente e durante todo o período de estudo. Aos resultados desta análise aplicou-se o teste do c2, com grau de liberdade 1 e 0,05 de significância (c2 < 3,840) para determinação de diferenças significativas. O comprimento médio da primeira maturação baseou-se na distribuição de freqüência relativa de fêmeas e machos adultos, por classe de comprimento padrão com intervalos de 0,1 cm e correspondeu à classe onde 50% dos exemplares apresentavam gônadas em desenvolvimento. Para a determinação da fecundidade, utilizaram-se fêmeas (14 gônadas) cujos ovários estavam em estádio maduro. Com os óvulos já liberados do estroma ovariano e convenientemente endurecidos, foram lavados e colocados em placa de Bogorov. Retirou-se então uma amostra de 10% para a contagem e ao final extrapolaram-se os valores para 100%. Estabeleceram-se também relações entre a fecundidade e os dados de CP e PG, com o intuito de verificar qual dessas variáveis melhor se correlaciona com a fecundidade, sendo testada pelo fator de correlação linear – r de Pearson. A razão entre PG e PT (relação gonadossomática- RGS) de cada exemplar foi calculado e analisado para sexos agrupados. Foram observados os aspectos macroscópicos das gônadas, tais como cor, volume, tamanho em relação à cavidade celomática, grau de turgidez, irrigação periférica e a presença ou ausência de sêmen ou ovócitos. Os estádios gonadais foram identificados segundo a classificação de VAZZOLER (1996).

RESULTADOS

No período de outubro de 2004 a setembro de 2005 foram capturados 549 exemplares de S. fuscus, com uma maior freqüência de fêmeas (78%) que de machos (22%). As proporções sexuais diferiram significativamente ao nível de 5% (c2 = 35,75), sendo esta de 3,55 fêmeas: 1 macho. Quando a freqüência de ocorrência de machos e fêmeas foi analisado mensalmente (Fig. 1), foram observadas alterações na proporção sexual, indicando que nos meses de maio de 2005 e agosto de 2005 a proporção sexual entre machos e fêmeas não difere significativamente, c2 = 0,81 e c2 = 1,0, respectivamente.


O processo de maturação gonadal em 50% das fêmeas e dos machos é iniciado com 6,2 cm e 7,0 cm de comprimento padrão, respectivamente (Fig. 2). Adicionalmente, todas as fêmeas e os machos estão em condições de participar ativamente do processo reprodutivo a partir de 8,5 cm e 8,7 cm de comprimento padrão, respectivamente (Fig. 2).


Para uma melhor visualização e compreensão dos resultados, decidiu-se agrupar os dados de RGS de fêmeas e machos. Portanto, ao longo do período de coleta de outubro de 2004 a setembro de 2005, foi observado um patamar representado pelos valores médios mensais da relação gonadossomática. Em janeiro de 2005, houve um incremento no valor do RGS (0,35), seguido de um subseqüente decréscimo no valor do RGS de fevereiro a agosto de 2005. O valor médio máximo de RGS foi atingido em setembro de 2005 (0,40). O período de fevereiro a agosto de 2005 foi associado a um longo período de repouso gonadal, na qual foram encontrados espécimes em repouso e jovens. Os indivíduos foram aptos à reprodução em janeiro e em setembro-outubro (Fig. 3). O período de desova foi indicado pela presença de fêmeas e machos com gônadas maduras e esgotadas e pela variação média de RGS. Os dois picos de reprodução ocorreram em janeiro e setembro-outubro, com desova do tipo parcelada.


Quanto à fecundidade absoluta, o número de ovócitos vitelogênicos variou de 1790 a 14780, com média de 6832,86. A menor fecundidade observada foi de 1790 ovócitos correspondentes a um exemplar de 7,4 cm de comprimento padrão e 2,96 mg de peso dos ovários. O maior valor alcançado para a fecundidade foi de 14780 ovócitos, obtido de um exemplar de 9,0 cm de comprimento padrão e 9,67 mg de peso da gônada. O número total de ovócitos vitelogênicos produzidos pelas fêmeas foi relacionado com o peso das gônadas das fêmeas e comprimento padrão para a obtenção das equações de correlação (Figs 4 e 5). Observam-se incrementos crescentes nos valores dessas variáveis com aumento da fecundidade do tipo linear em relação ao peso dos ovários e do tipo potencial para o comprimento padrão das fêmeas. Os coeficientes de correlação estimados foram positivos para as relações entre fecundidade/PG e fecundidade/CP, sendo a primeira que apresentou o melhor coeficiente de correlação (r = 0,7915).



As observações externas, mesmo na época de reprodução, não evidenciaram dimorfismo sexual aparente que permitisse a distinção entre machos e fêmeas de S. fuscus. Portanto, somente após a exposição das gônadas foi possível a identificação do sexo de cada indivíduo. Foram analisadas 429 fêmeas e 120 machos, cuja amplitude de CP variou de 2,5 cm a 8,5 cm e 2,6 cm a 8,7 cm, respectivamente.

Tanto para fêmeas como para os machos de S. fuscus foram encontrados os seguintes estádios de maturação gonadal: jovem ou imaturo, em maturação, maduro, esgotado e repouso (Figs 6-11 e Tab. I).


DISCUSSÃO

Ao longo do ciclo de vida dos peixes, a proporção sexual pode variar em função de diversos fatores que atuam de forma diferente sobre os indivíduos de cada sexo. Segundo NIKOLSKY (1969), a proporção sexual pode fornecer subsídios importantes para o conhecimento da relação entre os indivíduos e o meio ambiente, bem como da situação populacional em uma dada espécie. Para VAZZOLER (1996), a mortalidade e o crescimento são fatores que podem atuar de modo diferencial sobre machos e fêmeas, determinando o predomínio de indivíduos de um dos sexos. A proporção sexual clássica entre peixes é 50% de machos e 50% de fêmeas (NIKOLSKY 1969). No entanto, a população de S. fuscus estudada foi composta predominantemente por indivíduos fêmeas, na maioria dos meses. Esta tática, possivelmente, ocorreu em virtude do seu comportamento reprodutivo, haja vista que a territorialidade é comum nos pomacentrídeos, durante a fase de reprodução. Os machos cuidam dos ovos antes e após a desova guardando-os em ninhos, afastando predadores e fêmeas indesejáveis, esse cuidado aos ovos também inclui ventilação, limpeza do ninho e retirada de ovos não viáveis, o que ocupa cerca de 25% do tempo dos machos (PETERSEN 1995, LOWE-MACCONNELL 1999). Este comportamento, provavelmente, resulta em potenciais custos para os machos territorialistas, que incluem falta de recursos alimentares durante cuidado à prole, riscos de predação pelos peixes maiores, entre outros. Como conseqüência, um número proporcionalmente maior de machos morrem durante o ciclo reprodutivo, o que pode explicar o maior número de fêmeas de S. fuscus coletadas neste estudo.

Um outro fator que pode atuar na desigual proporção sexual desta espécie é a estratificação da população. O predomínio de machos de Stegastes diencaeus (Jordan & Rutter, 1897) em Barbados (Índia Ocidental) parece estar relacionado às exigências específicas de cada sexo, resultantes de recursos ambientais, como local apropriado para construção de ninhos, proximidade às estações de limpeza e procura por limpadores, dependendo da carga parasitária (CHENEY & CÔTÉ 2003). Desse modo, uma possível estratificação da população parece ser a explicação mais adequada para justificar a diferença observada na proporção sexual e esta variação intra-específica é uma característica bastante comum entre os peixes recifais (NEMTZOV 1997, SIKKEL et al. 2005). As espécies que residem em arrecifes pertencem a um habitat submetido a grandes influências de fatores externos (temperatura, luminosidade, precipitação, entre outros) durante as marés baixas (CLEVELAND & MOTGOMERY 2003). Entre os fatores ambientais, a precipitação pluviométrica e a variação da temperatura da água, provavelmente, podem provocar a estratificação da população de S. fuscus, no nordeste do Brasil.

Nos arrecifes rochosos da praia de Búzios, S. fuscus apresentou um padrão de tamanho de primeira maturação de valor baixo em relação ao tamanho máximo que a espécie pode atingir (= 15 cm de comprimento total segundo ALLEN 1991), mas considerado precoce se comparado a outras espécies de pomacentrídeos citados na literatura: 14,6 cm (CT) em Abudefduf saxatilis (Linnaeus, 1758), 7 cm (CT) em Pomacentrus leucostictus (Müller & Troschel, 1848) e P. partitus (Poey, 1868) e 9,3 cm (CT) em P. planifrons (Cuvier, 1848) (FROESE & PAULY 2002). Enquanto, FERREIRA et al. (1998) registraram um comprimento total de 8 cm como crítico para separar os indivíduos jovens dos adultos em S. fuscus.

Por sua coloração azul-brilhante, quando jovem, S. fuscus encontra-se na lista de espécies de valor comercial para a aquariofilia, isso demonstra a importância da determinação do parâmetro descrito acima, principalmente em ambientes recifais de fácil acesso como o da praia de Búzios, Rio Grande do Norte. Estas informações são subsídios importantes para a elaboração da regulamentação do tamanho dos indivíduos que podem ser capturados (< 8, 0 cm) dentro de um programa de manejo para a preservação de estoques de peixe-donzela dos recifais costeiros do nordeste.

A fecundidade, definida por BAGENAL (1978) como o número de ovócitos em uma fêmea antes do próximo período de desova, varia muito nos indivíduos de uma espécie com o mesmo peso, comprimento e idade, mas em geral aumenta proporcionalmente ao peso do peixe, portanto com o cubo do comprimento. Os pomacentrídeos caracterizam-se por serem espécies não-migratorias com ovos demersais, onde na maioria das vezes os ovos são protegidos de predadores (ASOH 2003). A relação da fecundidade com o peso das gônadas foi maior que com o comprimento padrão, desta forma quanto maior for a produção de ovos, maior será o peso das gônadas.

Portanto, a fecundidade encontrada para a espécie S. fuscus nos arrecifes rochosos da praia de Búzios está de acordo com a descrita para os pomacentrídeos territorialistas e com ovos demersais, levando à conclusão de que mesmo espécies que revelam algum cuidado parental com ovos têm um número considerável de jovens por ano, uma vez que produzem lotes de ovócitos em intervalos freqüentes.

Como indicativo do estado funcional dos ovários, freqüentemente tem-se reportado à relação gonadossomática, uma vez que este expressa a porcentagem em que as gônadas representam do peso total ou do peso corporal dos indivíduos (VAZZOLER 1996). Os resultados obtidos para o RGS de S. fuscus são semelhantes aos encontrados por ERDMAN (1976) em algumas espécies de pomacentrídeos no nordeste do Caribe: Chromis cyanea (Poey, 1860) estão aptos a desovarem em abril; Microspothodon chrysurus (Cuvier, 1830) em março; Stegastes fuscus em janeiro, junho e setembro e Stegastes leucostictus em setembro. No mar Vermelho, as numerosas espécies de pomacentrídeos, com seus tipos muito variados de comportamento social de desova, se reproduzem durante um extenso período, de março-abril a setembro (FISCHELSON et al. 1974). A duração da estação de desova em pomacentrídeos varia de cinco a nove meses, com freqüências múltiplas (semanal ou mensal) que pode promover uma ampla dispersão dos descendentes (SALE 1977, 1978).

No presente trabalho, a escala de maturidade das gônadas utilizada desempenhou importante papel na descrição dos fenômenos do ciclo reprodutivo de S. fuscus, situação evidenciada por DIAS et al. (1998). Os cinco estádios de maturação foram evidentes e aplicados na tentativa de evitar erros decorrentes da pequena dimensão das gônadas, e para conferir à escala uma maior aplicabilidade e rapidez. Contudo, a análise histológica é fundamental para uma melhor identificação dos estádios de desenvolvimento das gônadas (ASOH et al 2001, ASOH & KASUYA 2002, ASOH & YOSHIKAWA 2003), devido à dificuldade de descrição detalhada dos estádios de desenvolvimento ao microscópio estereoscópico.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico pela bolsas de pesquisa concedidas e a Felippe D. Lucas e Bhaskara Canan pela ajuda nos trabalhos de campo e laboratório.

Recebido em 03.XI.2006; aceito em 11.V.2007.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Ago 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2007

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2006
  • Aceito
    11 Maio 2007
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