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Histologia da pele escrotal e túnica vaginal da cuíca Philander opossum (Linnaeus, 1758): Didelphidae - Marsupialia

Histologia da pele escrotal e túnica vaginal da cuíca Philander opossum (Linnaeus, 1758) - Didelphidae - Marsupialia

Maria das Graças Ribeiro; José Carlos Nogueira

Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG

ABSTRACT

The objective of the histological study of the Philander opossum scrotal skin and tunica vaginalis was to provide some additional information for the understanding of the testicular thermoregulatory mechanisms in marsupials. Scrotal skin is thin and hairy, with shallow grooves on its surface. The dermal-epidermal junction is smooth and the dermis shows a few sweat glands and sebaceous glands associated with hair follicles. The tunica vaginalis consists of two layers: tunica vaginalis visceralis and parietalis. The latter shows irregular areas of black pigmentation formed by the association of melanocytes; such findings is also described for the other species of marsupials.

INTRODUÇÃO

Os marsupiais da América do Sul (Didelphidae) têm sido objeto de muitas pesquisas nos últimos anos, não só pela importância de suas características biológicas como também pela sua participação epidemiológica em algumas doenças tropicais. Estudos sobre a biologia da reprodução de didelfídeos brasileiros têm sido publicados, como os de Nogueira & Godinho, 1977; Nogueira et alii, 1977; Ribeiro, 1981; Ribeiro & Nogueira, 1983, entre outros. 0 objetivo do presente trabalho é a descrição histológica da pele escrotal e tunica vaginal da cuíca Philander opossum (Linnaeus, 1758).

MATERIAL E MÉTODOS

No presente trabalho foram utilizados 9 machos adultos da cuíca (Philander opossum Linnaeus, 1758), com peso corporal variando entre 500 e 700 gramas, capturados no estado de Minas Gerais, Brasil, de setembro de 1979 a março de 1980. Os animais foram sacrificados com Nembutal (Abbott Laboratórios do Brasil Ltda.) a 3%, via intraperitoneal. Os fragmentos da pele escrotal e da túnica vaginal foram fixados em Bouin (24 h) e Helly (6 h), desidratados e incluídos em parafina, segundo a técnica rotineira.

Para estudo histológico foram usadas colorações panorâmicas pela hematoxilina-eosina e tricrômico de Gomori, de acordo com Lillie & Fulmer, 1976. Para evidenciação das fibras elásticas foi usada a fucsina de Weigert modificada Nogueira & Ribeiro, 1980 e para fibras reticulares a impregnação argêntica de Wilder, 1935.

RESULTADOS

1 - Pele escrotal - a pele escrotal é fina e pilosa (Fig. 1), com maior incidência de pelos na parte inferior do escroto e possui uma prega semilunar na parte posterior da haste funicular. A superfície é marcada irregularmente por sulcos rasos. A epiderme é formada de 3 a 5 camadas celulares e a junção derme-epiderme é lisa (Fig. 2), não sendo observada a camada papilar clássica de outras regiões. A derme é constituída de tecido conjuntivo denso desordenado, intensamente vascularizado e cuja rede capilar se encontra mais próxima da epiderme. Fibras nervosas mielínicas são freqüentemente encontradas. As fibras elásticas são irregulares e aumentam em número e espessura em direção à região mais profunda da derme. Formam arranjos bem definidos circundando os bulbos dos folículos pilosos e duetos das glândulas sudoríparas. As fibras reticulares formam delicada trama na junção derme-epiderme (Fig. 5) e se distribuem ao redor das glândulas sudoríparas, sebáceas e folículos pilosos, sendo também abundantes na adventícia dos vasos (Fig. 6).




A derme contém numerosas glândulas sudoríparas, tubulosas, apócrinas (Fig. 4), situadas na parte profunda ou no conjuntivo de transição subcutâneo. Estas glândulas se apresentam envolvidas por numerosas e bem desenvolvidas células mioepiteliais, cujos prolongamentos citoplasmáticos se dispõem longitudinalmente em direção ao maior eixo da glândula, sendo facilmente observadas em corte transversal (Fig. 4). As células secretoras destas glândulas são acidófilas, cúbicas, com núcleo geralmente esférico e central. O lume é amplo e irregular, tornando-se mais estreito na transição entre a porção secretora e o dueto. Os duetos excretores são circundados por epitélio cuboidal simples, tornando-se biestratificado próximo à epiderme. Suas células são mais coradas que as dos adenômeros. As glândulas sebáceas (Fig. 3) são acinosas, unilobulares e suas células apresentam características semelhantes às de outros mamíferos placentários. Estão associadas a folículos pilosos, observados principalmente na região superficial da derme.

A parte profunda da derme se funde com o tecido subcutâneo, formando uma faixa contínua de tecido conjuntivo frouxo, bem vascularizado, contendo tecido adiposo unilocular (Fig. 1).

2 - Túnica Vaginal — apresenta-se constituída de dois folhetos, visceral e parietal. O folheto visceral encontra-se envolvendo a albugínea testicular e a cápsula epididimária, delimitando internamente a cavidade vaginal, sendo formado pelo mesotélio e fina faixa de tecido conjuntivo. O folheto perietal forma um envoltório para o testículo, epidídimo e início do funículo espermático e delimita externamente a cavidade vaginal, que contém o líquido vaginal. Microscopicamente o folheto parietal apresenta-se constituído de três camadas distintas (Fig. 7): uma camada interna, revestida pelo mesotélio peritonial, abaixo do qual há tecido conjuntivo frouxo, pobre em células. A camada média (Fig. 7) é de tecido conjuntivo denso, contendo fibras colágenas espessas e paralelas entre si, orientadas longitudinalmente, possuindo concentração variável de melanócitos. As fibras elásticas (Figs. 8 e 9) são abundantes e formam feixes longitudinais, que às vezes partem em direção à camada externa. Na parte mais profunda da camada média estão localizados os vasos sangüíneos mais calibrosos, os feixes nervosos mielínicos mais volumosos, além de acúmulos irregulares de melanócitos. A camada externa, que está em contato com o tecido subcutâneo, é de tecido conjuntivo frouxo, com população celular variável e fibras escassas, embora predominem ligeiramente as fibras colágenas. As fibras musculares estriadas do músculo cremaster (Fig. 10) se inserem na camada média do folheto parietal, que então se torna mais espessa. Grupos esparsos de melanócitos são observados entre os feixes musculares, bem como fina trama de fibras reticulares (Fig. 11) envolvendo as fibras musculares e lobos de tecido adiposo aí localizados.




DISCUSSÃO

As características histológicas da pele escrotal do Philander opossum diferem daquelas descritas por Barbour, 1977, em marsupiais, que observou pigmentação nas camadas mais profundas, tornando-se superficial com o avanço da idade. Entretanto, conferem com os aspectos gerais descritos por Nogueira et alii, 1977. em Didelphis azarae (Didelphis albiventris). A junção derme-epiderme é lisa, não sendo encontrada, tanto no Philander opossum como em Didelphis albiventris, a clássica camada papilar da derme.

A derme apresenta características gerais semelhantes às descritas por Nogueira et alii, 1977, em Didelphis albiventris, porém, não foram observados melanócitos na região subepitelial ou em regiões mais profundas da derme, na pele escrotal do Philander opossum adulto. A presença de pequenas ou de grandes áreas pigmentadas na pele escrotal, uni ou bilateralmente, é um achado constante em outros didelfídeos (Monodelphis domestica, Didelphis marsupialis, Marmosa sp.) segundo observações não publicadas de Nogueira, 1989. As fibras reticulares, cuja distribuição na derme não foi citada na literatura, formam delicada trama na junção derme-epiderme e se distribuem ao redor das glândulas sudoríparas, sebáceas e dos vasos sangüíneos.

O tecido subcutâneo é conjuntivo frouxo, vascularizado, contendo acúmulo de células adiposas uniloculares, não tendo sido este aspecto descrito em detalhes por outros autores. Setchell, 1977, cita a presença de fibras musculares lisas no tecido subcutâneo desta região em marsupiais, o que não foi observado em Philander opossum. No Myrmecobius fasciatus, Fordham, 1928, mostra que, da túnica vaginal parte uma faixa de tecido conjuntivo que liga os testículos à superfície interna do saco escrotal e que o músculo cremaster está inserido na face dorsal da túnica vaginal, aspectos que confirmamos no Philander opossum. As características histológicas do folheto parietal da túnica vaginal do Philander opossum nos levam a descrevé-lo em três camadas distintas: a externa (mesotélio), a média (conjuntivo denso e alguns feixes de fibras musculares, tecido adiposo e melanócitos presentes em pequenos acúmulos) e a interna (conjuntivo frouxo), semelhante ao que observou Nogueira et alii, 1977 em Didelphis albiventris.

Finkel, 1945, observou que na túnica vaginal parietal do gambá norte-americano (D. virginiana), o aparecimento de melanina ocorre num processo lento, a partir dos 15 dias de idade, aumentando depois mais rapidamente até atingir áreas pigmentadas de preto. Eckstein e Zuckerman, 1956, descreveram esta pigmentação em "bandicoot" e no gambá e isto foi confirmado por Biggers, 1966, que constatou a presença de depósitos de melanina no folheto parietal da túnica vaginal de Didelphis marsupialis, aspecto que também observou em espécies dos gêneros Philander, Chironectes, Marmosa, Metachirus, Caluromys. Consideradas como um corpo negro radiador de calor, as áreas pigmentadas estariam envolvidas no mecanismo de regulação da temperatura testicular, possivelmente protegendo o tecido testicular contra a luz. Para o autor, a melanização do folheto parietal da túnica vaginal não está confinada aos marsupiais americanos, sendo observada também em algumas famílias de marsupiais australianos.

Para Barbour, 1977, semelhante pigmentação, encontrada na maioria dos didelfídeos, pode ter realmente função termorreguladora, observações que foram ainda sugeri-

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Ago 2009
  • Data do Fascículo
    1990
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