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Simpatria e dieta de Callithrix penicillata (Hershkovitz) (Callitrichidae) e Cebus libidinosus (Spix) (Cebidae) em matas de galeria do Distrito Federal, Brasil

Sympatry and diet of Callithrix penicillata (Hershkovitz) (Callitrichidae) and Cebus libidinosus (Spix) (Cebidae) in gellery forests from Distrito Federal, Brasil

Resumos

Primatas conseguem viver em simpatria diferenciando o uso do habitat, recursos alimentares, estrato vertical e técnicas de forrageamento. Um grupo de Callithrix penicillata (Hershkovitz, 1977) e um grupo de Cebus libidinosus (Spix, 1823) foram observados em matas de galeria do Distrito Federal (DF) com o objetivo de detectar a influência da dieta na simpatria destas duas espécies. O clima no DF é bem definido, com uma estação seca de maio a setembro e outra chuvosa de outubro a abril. As observações feitas sobre as espécies vegetais utilizadas como alimento por cada gênero de primata forneceram dados sobre a porcentagem de utilização dos alimentos, elucidando as diferenças no consumo dos itens nas duas estações do ano. Apenas duas espécies vegetais tiveram seus frutos consumidos pelos dois grupos de primatas, Sacoglottis guianensis Benth. (Humiriaceae) e Cheiloclinium cognatum (Miers) A.C.Sm. (Hippocrateaceae). As diferenças no consumo dos alimentos ingeridos por Callithrix e Cebus nas duas estações climáticas elucidam que algumas espécies vegetais e alguns invertebrados são preferenciais, enriquecendo a dieta nos períodos de menor disponibilidade de recursos.

Forrageamento; floresta de galeria; primatas


Primates are able to live in simpatry distinguishing the use of habitat, food resources, vertical stratum and foraging techniques. A group of Callithrix penicillata (Hershkovitz, 1977) and a group of Cebus libidinosus (Spix, 1823) were observed in the gallery forests of the Distrito Federal (DF) with the objective of detecting diet influence on the simpatry of these two species. The climate in the DF is well defined, with one dry season from May to September and another rainy season from October to April. The observations made over the plant species used as food for each primate genus provided data on the percentage of food utilization, elucidating the differences on the consumption of the items in both seasons of the studied year. Only two vegetal species had their fruits consumed by the two primate groups, Sacoglottis guianensis Benth. (Humiriaceae) and Cheiloclinium cognatum (Miers) A.C.Sm. (Hippocrateaceae). The differences in the consumption of the food ingested for Callithrix and Cebus in both climate seasons elucidate that some vegetal species and some invertebrate are preferred, enriching the diet in the periods of minor availability of resources.

Foraging; primates


Simpatria e dieta de Callithrix penicillata (Hershkovitz) (Callitrichidae) e Cebus libidinosus (Spix) (Cebidae) em matas de galeria do Distrito Federal, Brasil

Sympatry and diet of Callithrix penicillata (Hershkovitz) (Callitrichidae) and Cebus libidinosus (Spix) (Cebidae) in gellery forests from Distrito Federal, Brasil

Sinara L. Vilela

Rua Tenente João dos Santos Pessoa 602, Bairro Mataruna, 28860-000 Casimiro de Abreu, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: sinaralv@yahoo.com.br

RESUMO

Primatas conseguem viver em simpatria diferenciando o uso do habitat, recursos alimentares, estrato vertical e técnicas de forrageamento. Um grupo de Callithrix penicillata (Hershkovitz, 1977) e um grupo de Cebus libidinosus (Spix, 1823) foram observados em matas de galeria do Distrito Federal (DF) com o objetivo de detectar a influência da dieta na simpatria destas duas espécies. O clima no DF é bem definido, com uma estação seca de maio a setembro e outra chuvosa de outubro a abril. As observações feitas sobre as espécies vegetais utilizadas como alimento por cada gênero de primata forneceram dados sobre a porcentagem de utilização dos alimentos, elucidando as diferenças no consumo dos itens nas duas estações do ano. Apenas duas espécies vegetais tiveram seus frutos consumidos pelos dois grupos de primatas, Sacoglottis guianensis Benth. (Humiriaceae) e Cheiloclinium cognatum (Miers) A.C.Sm. (Hippocrateaceae). As diferenças no consumo dos alimentos ingeridos por Callithrix e Cebus nas duas estações climáticas elucidam que algumas espécies vegetais e alguns invertebrados são preferenciais, enriquecendo a dieta nos períodos de menor disponibilidade de recursos.

Palavras-chave: Forrageamento; floresta de galeria; primatas.

ABSTRACT

Primates are able to live in simpatry distinguishing the use of habitat, food resources, vertical stratum and foraging techniques. A group of Callithrix penicillata (Hershkovitz, 1977) and a group of Cebus libidinosus (Spix, 1823) were observed in the gallery forests of the Distrito Federal (DF) with the objective of detecting diet influence on the simpatry of these two species. The climate in the DF is well defined, with one dry season from May to September and another rainy season from October to April. The observations made over the plant species used as food for each primate genus provided data on the percentage of food utilization, elucidating the differences on the consumption of the items in both seasons of the studied year. Only two vegetal species had their fruits consumed by the two primate groups, Sacoglottis guianensis Benth. (Humiriaceae) and Cheiloclinium cognatum (Miers) A.C.Sm. (Hippocrateaceae). The differences in the consumption of the food ingested for Callithrix and Cebus in both climate seasons elucidate that some vegetal species and some invertebrate are preferred, enriching the diet in the periods of minor availability of resources.

Key words: Foraging; primates.

Primatas podem diferir em sua dieta selecionando frutos pelo tamanho, acidez, composição química e distribuição (TERBORGH 1983, PERES 1996), além de diferir na quantidade de material ingerido e partes das plantas selecionadas (MITTERMEIER & ROOSMALLEN 1981), como é o caso do gênero Callithrix Erxleben, 1777, que utiliza exsudato como um importante recurso alimentar (FARIA 1984, FONSECA & LACHER 1984, RYLANDS 1984, PASSAMANI 1996, MIRANDA & FARIA 2001, VILELA & FARIA 2002), pois este item é rico em carboidratos e serve como fonte de energia, especialmente em épocas de escassez de alimentos (COIMBRA-FILHO & MITTERMEIER 1977). A literatura cita que Callithrix penicillata (Hershkovitz, 1977) (Callitrichidae) consome exsudato em diversas espécies vegetais (FONSECA et al. 1980, RIZZINI & COIMBRA-FILHO 1981, FARIA 1986, PASSAMANI 1996, MIRANDA & FARIA 2001, VILELA & FARIA 2002), sendo estas espécies de suma importância para a sobrevivência destes animais quando os alimentos disponíveis não são suficientes para todo o grupo. Além disso, a dieta dos micos é enriquecida com grande quantidade de insetos. Segundo TERBORGH (1983), animais de pequeno porte são mais ágeis e possuem maior facilidade para capturar presas que ficam expostas na superfície das folhas.

A importância de invertebrados na alimentação de Cebus libidinosus (Spix, 1823) (Cebidae) também é bastante discutida por alguns pesquisadores (OPPENHEIMER 1968, GUILLOTIN & DUBOST 1994, SPIRONELO 1991), sendo que a maioria dos estudos descrevem frutos como a dieta básica dos macacos pregos (SPIRONELO 1991, GALETTI & PEDRONI 1994). Devido a sua grande capacidade de manipular (VISALBERGHI 1988), e explorar diferentes recursos, esta espécie possui o status de oportunista generalista, apresentando conseqüentemente, dieta diversificada com inclusão de itens que não são utilizados por outros primatas. Por apresentarem maior porte e possuírem esta capacidade de manipulação, estes animais exploram mais facilmente itens mais pesados e/ou protegidos tais como, sementes, nozes e meristemas de palmeiras. Segundo SPIRONELO (1991), os frutos são utilizados em maior proporção na estação chuvosa, exceto os frutos de Jessenia bataua Burret e Maximiliana maripa Drude (Palmae), que também são consumidos na estação seca. Em períodos de escassez de alimentos, frutos de Astrocaryum sp. (Palmae) são também consumidos por estes primatas (TERBORGH 1983). Portanto estes recursos citados acima atuam como importante suplemento alimentar para Cebus libidinosus em épocas de restrições de alimentos.

Várias espécies de primatas conseguem viver em simpatria diferenciando o uso do habitat, recursos alimentares, estrato vertical, técnicas de forrageamento etc. (TERBORGH 1983, KAY 1984, QUEIROZ 1991, SIMMEN 1992, GUILLOTIN & DUBOST 1994, BICCA-MARQUES 1999, IZAWA 1999, NAKAGAWA 1999, YUMOTO et al. 1999, HEYMANN & BUCHANAN-SMITH 2000, SIEMERS 2000, STEVENSON et al. 2000), entre elas: Ateles (E. Geoffroy, 1806), Alouatta (Lacepéde, 1799) e Cebus (Erxleben, 1777) (Buckley, 1983), (BUCKLEY 1983), Alouatta seniculus Linnaeus, 1766 e A. caraya Humboldt,1812 (WALLACE et al. 1998), Cebus apella (Linnaeus,1758) e C. olivaceus (Schomburgk, 1848) (YOULATOS 1998), Ateles paniscus (Linnaeus, 1758) e Alouatta seniculus (SIMMEN 1992), Callimico goeldii (Thomas, 1904), Saguinus fuscicollis (Spix, 1823) e S. labiatus (E. Geoffroy, 1812) (FLEAGE 1999), Saguinus fuscicollis e S. mystax (Spix, 1823) (HEYMANN et al. 2002), Saguinus fuscicollis e S. tripartitus (Milne-Edwards, 1878) (HEYMANN et al. 2000), além de Callithrix, Cebus e Alouatta (QUEIROZ 1991), estes últimos os mais divergentes em termos de tamanho do grupo e dieta.

A simpatria de Callithrix penicillata e Cebus libidinosus foi verificada por QUEIROZ (1991) em mata de galeria do DF, não sendo conhecido no Planalto Central nenhum outro estudo que relate a simpatria destes primatas, somente relatos verbais de moradores nos locais de estudo. Portanto, o objetivo deste trabalho foi detectar a influência da dieta na simpatria destas duas espécies de primatas que ocorrem em matas de galeria do Distrito Federal (DF), comparando os períodos de chuva e seca.

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho foi realizado em duas matas de galeria do Distrito Federal, Açudinho e Monjolo, sendo que a primeira está inclusa na Fazenda Sucupira (15º55’S, 48º02’W) de propriedade da Embrapa, e a segunda inclusa na Reserva Ecológica do IBGE (15º56’41"S, 47º53’07"W). No Distrito Federal ocorrem duas estações bem definidas, uma seca de maio a setembro e outra chuvosa de outubro a abril, sendo a precipitação média de 1600 mm anuais e a temperatura variando de 18 a 22°C.

No primeiro ano de estudo (2000), o método utilizado para o censo das espécies foi o de transectos lineares (ALTMANN 1974, CULLEN JR. & VALLADARES PÁDUA 1997), sendo que somente uma espécie de primata foi detectada em cada área estudada. No segundo ano (2001), à medida que os trabalhos foram sendo desenvolvidos, a simpatria entre Callithrix penicillata e Cebus libidinosus foi detectada em ambas as áreas. O primeiro grupo de primata, seja Cebus ou Callithrix, avistado em cada área foi acompanhado durante três dias por semana, do amanhecer ao pôr do sol, em duas estações, seca (01/VI a 30/VIII) e chuvosa (15/IX a 15/XII), totalizando 18 dias de observação em cada estação para cada espécie de primata. Não se sabe ao certo se eram os mesmos grupos acompanhados todas as semanas, visto que os animais não foram capturados e marcados. Cada uma das matas estudadas foi visitada uma semana por mês, três dias seguidos, portanto, a mesma proporção de tempo foi gasta em observações para cada mata e cada espécie de primata.

Coincidentemente os primeiros grupos/espécie avistados em cada uma das áreas foram sempre os mesmos até o fim das observações: Cebus na mata do Açudinho e Callithrix na mata do Monjolo. Os dados comportamentais de cada grupo foram registrados de 10 em 10 minutos, por meio de amostragem de varredura (ALTMANN 1974), utilizando diferenciação por faixa etária: adultos, juvenis e infantis. Os comportamentos amostrados foram: a) locomoção: qualquer deslocamento espacial do animal, curto ou longo; b) descanso: animal inativo, deitado ou sentado; c) alimentação: morder, mastigar ou engolir alimentos, com exceção de exsudatos; d) uso de exsudato: escarificação e ingestão de goma (observado somente para C. penicillata) e; e) forrageamento: movimentação da face e membros anteriores do animal, sem deslocamento do corpo, orientado para posições/ locais específicos.

Foram feitos registros oportunísticos de itens ingeridos e padrões alimentares associados, bem como cópulas, catação etc, ou qualquer outra ocorrência não prevista no procedimento de varredura.

O tamanho médio dos grupos variou entre as espécies: Callithrix penicillata teve em média 3,3 indivíduos por grupo e Cebus libidinosus apresentou em média 6,9 indivíduos.

As observações feitas sobre as espécies vegetais utilizadas como alimento por cada gênero de primata durante o ano foram analisadas utilizando dados de porcentagem de utilização dos alimentos, evidenciando as diferenças no consumo dos itens nas duas estações do ano, seca e chuvosa.

As plantas utilizadas só foram adicionadas à lista de itens alimentares quando foram diretamente observadas sendo consumidas pelos macacos. Quando esta observação ocorria, a árvore utilizada era marcada com fita colorida bem nítida e tinha sua posição determinada com auxílio de GPS para posterior retorno, identificação ou coleta semanal. As flores, folhas e frutos das espécies coletadas foram herborizadas, numeradas e posteriormente identificadas por técnicos da Universidade de Brasília (UnB) e da Reserva Ecológica do IBGE, professores do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília e profissionais da EMBRAPA/Cenargen. Todas as espécies foram revistas por outro profissional além do que identificou, para confirmar a identificação.

Apesar da fenologia das espécies arbóreas variar de local para local, a descrição da fenologia das espécies vegetais utilizadas pelos primatas ao longo das estações foi verificada através de levantamentos bibliográficos (OLIVEIRA & PAULA 2001). A realização de um levantamento fenológico neste estudo era inviável, devido algumas espécies vegetais encontradas em matas de galeria apresentar floração e frutificação com intervalos de dois a três anos.

RESULTADOS

Em um dos avistamentos feitos na mata do Açudinho foi registrado a associação de indivíduos de Cebus libidinosus e Callithrix penicillata em uma única árvore de Sacoglottis guianensis Benth. (Humiriaceae). Os animais apresentaram comportamento agonístico em relação ao observador, mas aparentemente não se importaram com a presença da outra espécie de primata. Permaneceram pouco tempo na mesma árvore, sendo que os indivíduos de Cebus permaneceram no estrato intermediário (de três a quatro metros) e os indivíduos de Callithrix se mantiveram na porção inferior (de um a dois metros), e por fim, cada grupo tomou uma direção diferente.

Os itens alimentares utilizados pelos primatas variaram entre estação seca e chuvosa, conforme registros deste estudo (Tab. I). Baseado em dados de fenologia descritos por OLIVEIRA & PAULA (2001), verifica-se que algumas espécies utilizadas na alimentação destes primatas apresentam floração na maior parte do ano, como é o caso de Astronium fraxinifolium Schott (Tab. I), Schefflera macrocarpum Cham. & Schltdl. e Qualea multiflora Mart. Outras espécies, como Cheiloclinium cognatum (Miers) A.C.Sm. e Inga alba (Sw.) Willd (Tab. I), possuem período de floração muito curto, cerca de dois meses. Segundo os autores a maior disponibilidade de frutos se concentra na estação chuvosa, especialmente nos meses de setembro a janeiro. No entanto, algumas espécies apresentam frutificação também na estação seca, concentrando sua produção nos meses de junho a outubro, como é o caso de Aspidosperma sp., Euterpeedulis Mart., Copaifera langsdorffii Desf., Hymenaea courbaril Hayne, Licania sp., Anadenanthera macrocarpa Benth., Callisthene major Mart. e Qualea dichotoma Warm. ex Wille (Tab. I). Enquanto algumas espécies frutificam somente na estação seca, tais como Lamanonia ternata e Cheiloclinium cognatum, outras frutificam somente na estação chuvosa, como é o caso de Aspidosperma sp, Tibouchina candolleana, Qualea multiflora e Qualea parviflora Mart., sendo essas últimas espécies encontradas em transições de mata e cerrado. Schefflera macrocarpum é a única espécie que apresenta frutificação em quase todos os meses do ano (OLIVEIRA & PAULA 2001) (Tab. I).

Apesar de todas estas 26 espécies vegetais estarem presentes em todas as áreas de estudo, apenas duas delas tiveram seus frutos consumidos pelas duas espécies de primatas, Sacoglottis guianensis e Cheiloclinium cognatum cujo período de frutificação ocorreu somente na estação seca.

Sendo assim, podemos verificar que estes grupos de primatas utilizam diferentes itens alimentares em uma mesma área de vida, ocorrendo sobreposição mínima de alimentos ingeridos, menos que 10% de sobreposição.

As figuras 1 e 2 apresentam a diferenciação no consumo de algumas espécies vegetais utilizadas pelos primatas, nas estações seca e chuvosa, e as porcentagens de consumo durante todo o ano.



Callithrix penicillata

Na estação seca, mais precisamente no mês de junho, os frutos de Inga spp. foram o item alimentar mais utilizado por Callithrix penicillata na mata do Açudinho, possivelmente em decorrência de um período de frutificação longo destas espécies ou devido a pequena disponibilidade de frutos de outras espécies neste mesmo período.

A fenologia de Inga marginata não se encontra descrita no trabalho de OLIVEIRA & PAULA (2001), sendo a presença de frutos detectada neste estudo somente quando consumidos pelos micos. Também nesta mesma área de estudo, foi registrado na estação seca o uso de exsudato em três outras espécies vegetais, Anadenanthera macrocarpa, Callisthene major e Tapirira guianensis. Outras espécies que oferecem exsudato como recurso alimentar foram utilizadas em menor proporção, como é o caso de Qualea spp. e S. macrocarpum. Frutos de Sacoglottis guianensis também foram consumidos nesta estação, entretanto registros da época de frutificação desta espécie não existem no trabalho de fenologia de OLIVEIRA & PAULA 2001.

Larvas foram consumidas somente na estação seca, em uma proporção muito baixa, cerca de 5%, indicando possivelmente a complementação na dieta dos micos nesta estação. Já os insetos adultos foram ingeridos em ambas as estações, entretanto o consumo na estação chuvosa foi de aproximadamente quatro vezes mais que o consumo registrado na estação seca, possivelmente devido a maior oferta nesta estação.

Cebus libidinosus

Quando se observa Cebus libidinosus, nota-se que outras espécies vegetais foram utilizadas como recurso alimentar nas estações seca e chuvosa, conforme descrito na figura 2.

Com relação à ingestão de frutos, algumas espécies foram utilizadas por Cebus libidinosus somente na estação seca, sendo elas: Astronium fraxinifolium, Astrocaryum sp., Copaifera langsdorffii, Hymenaea courbaril e Sacoglottis guianensis. Outras somente na estação chuvosa, Cryptocarya aschersoniana Mez, Licania sp., Oncidium sp., Persea sp. e Swartzia sp.

Apesar da disponibilidade de outros frutos na estação seca, os frutos de Copaifera langsdorffii foram intensamente utilizados pelos macacos pregos, constituindo cerca de 40% da sua alimentação. O segundo item mais utilizado nesta estação foram frutos de Sacoglottis guianensis, espécie consumida pelos dois gêneros de primatas aqui estudados (Tab. I). Os outros itens utilizados permaneceram abaixo de 5%, talvez pela pouca oferta dos mesmos.

Apesar de continuarem disponíveis na estação chuvosa, os frutos de Copaifera langsdorffii não foram mais utilizados, pois com a oferta de frutos de Cryptocarya aschersoniana nessa estação, os macacos pregos passaram a consumir esta segunda espécie, constituindo cerca de 20% da alimentação.

Insetos adultos foram pouco consumidos pelos macacos pregos em ambas as estações climáticas. A ingestão de larvas foi muito intensa na estação chuvosa, cerca de 65% do total de alimentos ingeridos, diminuindo para aproximadamente 37% na estação seca. Possivelmente este decréscimo se deve à diminuição da oferta deste recurso na última estação. O maior consumo de larvas quando comparado ao de insetos adultos pode ser explicado pela capacidade deste primata em manipular cascas de galhos, e conseqüentemente, encontrar larvas que se escondem no interior destas, conforme observado neste estudo por diversas vezes. Verificou-se, portanto que ocorre diferenciação na dieta das espécies de primatas, entre as estações do ano. Callithrix supriu a baixa disponibilidade de frutos utilizando exsudato e insetos, enquanto Cebus complementou a dieta com ingestão de larvas. Possivelmente esta diferenciação no consumo de alimentos favorece a simpatria dos grupos na mesma área de vida.

DISCUSSÃO

Parece ocorrer baixa competição entre as espécies de primatas, pois as mesmas aparentemente não apresentaram comportamento agonístico entre si quando se encontraram. A aparente tranqüilidade de interação entre elas nos leva a sugerir que a simpatria, pelo menos naquele local, pode ser comum, pois as duas espécies se alimentaram dos frutos de um mesmo indivíduo arbóreo no mesmo horário, sendo que cada grupo ocupou um estrato diferente do dossel. Vê-se, portanto, que a associação entre as espécies parece ser natural. Porém um estudo mais detalhado torna-se necessário para que estes dados sejam confirmados, pois se tratou de um comportamento muito pouco freqüente entre estas espécies.

Os estudos de outros autores (TERBORGH 1983, QUEIROZ 1991, SIMMEN 1992, GUILLOTIN & DUBOST 1994, IZAWA 1999, YUMOTO et al. 1999, BICCA-MARQUES 1999, NAKAGAWA 1999), juntamente com os dados observados neste trabalho, evidenciam que espécies diferentes podem viver numa mesma área quando a sobreposição de locais não influencia o seu comportamento ou alimentação, ocorrendo, portanto baixa competição entre as mesmas.

Neste estudo, itens alimentares distintos foram utilizados pelos primatas, sendo a dieta de cada um deles complementada com recursos diferentes. Além dos frutos, os micos consumiram insetos e macacos pregos consumiram larvas, além de diferenciarem outros itens alimentares consumidos, como exsudato, brotos e flores. Segundo OPPENHEIMER (1968) a simpatria pode ainda ser afetada, se variações anuais ocorrerem em relação à frutificação ou a disponibilidade de outros alimentos, mas estes aspectos não puderam ser analisados neste estudo.

Quando observamos a dieta de Callithrix penicillata, ficou claro que os frutos foram prioridade na dieta destes animais na estação chuvosa, fato este também observado por RYLANDS (1984) estudando calitriquídeos. Entretanto, na estação seca onde a disponibilidade de frutos é bem menor, os micos enriqueceram sua dieta ingerindo insetos e exsudatos, sendo provavelmente o consumo destes itens uma fonte complementar nesta estação. Conforme já relatado em vários trabalhos (FARIA 1984, FONSECA & LACHER 1984, RYLANDS 1984, PASSAMANI 1996, MIRANDA & FARIA 2001, VILELA & FARIA 2002), o exsudato funciona como fonte de carboidratos para o gênero Callithrix, suprindo a deficiência de alimentos em épocas de baixa disponibilidade de outros alimentos na área de vida.

As espécies vegetais, as quais os micos deste estudo fizeram uso de exsudato, também foram relatadas em outros estudos, sendo utilizadas para esta e outras espécies do gênero Callithrix, confirmando a importância do exsudato na sobrevivência destes animais. Entre elas citamos: Callisthene major (FONSECA et al. 1980, RIZZINI & COIMBRA-FILHO 1981), Tapirira guianensis (FONSECA et al. 1980, FARIA 1986), Qualea parviflora (FONSECA et al. 1980, RIZZINI & COIMBRA-FILHO 1981, PASSAMANI 1996, MIRANDA & FARIA 2001, VILELA & FARIA 2002) e Schefflera macrocarpum (FONSECA et al. 1980, MIRANDA & FARIA 2001, VILELA & FARIA 2002).

A grande ingestão de insetos por Callithrix penicillata pode ser justificada pelo pequeno porte deste primata, pois pequenas presas expostas na superfície das folhas requerem maior agilidade do predador para sua captura (TERBORGH 1983). Além disso, esta espécie não possui capacidade manipulatória como acontece com os macacos pregos.

Cebus libidinosus ingeriu frutos de Copaifera langsdorffii com bastante freqüência na estação seca, apesar de outras espécies também estarem frutificando nesta estação.

Conforme observado na figura 2, larvas também foram de suma importância na dieta dessa espécie em ambas as estações. Este fato pode ser justificado pela grande capacidade de manipulação (VISALBERGHI 1988) e exploração que estes primatas apresentam. Neste estudo, as observações evidenciaram macacos pregos manipulando com bastante freqüência galhos ocos e/ou podres em busca de invertebrados que se escondem no interior destes. Estes primatas não possuem a mesma agilidade dos Callithrix para capturar presas em superfícies de folhas conforme mencionado anteriormente, entretanto possuem dieta diversificada com inclusão de itens que não são utilizados por outros primatas. A capacidade dos indivíduos de Cebus em manipular os alimentos, favorece o consumo de frutos de espécies arbóreas da família Palmae, conforme observado também por outros pesquisadores (TERBORGH 1983, SPIRONELO 1991). Este tipo de comportamento alimentar é um importante avanço adaptativo que contribui para que a espécie ocupe diferentes tipos de formações florestais (OPPENHEIMER 1968).

Portanto, as espécies de primatas parecem viver simpatricamente quando utilizam estratos verticais e recursos alimentares diferentes na área de vida (TERBORGH 1983, QUEIROZ 1991). Apesar dos grupos de primatas terem utilizado os frutos de duas espécies arbóreas em comum, estes animais divergiram em todos os outros alimentos utilizados.

As diferenças no consumo dos alimentos encontradas entre as estações climáticas, elucidam que algumas espécies vegetais e alguns invertebrados são preferenciais em épocas de escassez, ou seja, na estação seca. Possivelmente, estas espécies arbóreas oferecem em sua composição algum tipo de suplemento alimentar deficiente em outras espécies existentes na área de vida dos animais, e os invertebrados, complementam e enriquece a dieta nestes períodos de menor disponibilidade de recursos.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, Direção da RECOR IBGE e Fazendas Sucupira e Água Limpa. Aos especialistas que prestaram auxílio na identificação das espécies vegetais e a todos que contribuíram para esta pesquisa.

Recebido em 16.II.2006; aceito em 25.VII.2007.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2007
  • Data do Fascículo
    2007

Histórico

  • Aceito
    25 Jul 2007
  • Recebido
    16 Fev 2006
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