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A experiência cirúrgica prévia interfere no estresse psíquico em pacientes submetidos à operações de grande porte?

Resumos

OBJETIVO:

avaliar o impacto do estresse em pacientes submetidos à operações de grande porte, sob anestesia geral, relacionando suas reações físicas e psíquicas com as diferentes fases do estresse.

MÉTODOS:

foram estudados 100 pacientes adultos de ambos os sexos, distribuídos em dois grupos: Grupo 1- 22 pacientes sem experiência com cirurgia; Grupo 2- 78 pacientes submetidos previamente a outras operações de médio e grande porte. Para investigação do estresse, utilizou-se o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos, desenvolvido por Lipp, um dia antes, dois dias, e sete dias após a operação. A comparação dos grupos quanto às variáveis sexo, dor, e percentual de estresse, foi realizada pelo teste qui-quadrado e para a variável idade foi utilizado o teste t Student. As diferenças foram consideradas significativas para p<0,05.

RESULTADOS:

os grupos não foram homogêneos quanto ao percentual geral de estresse nas três mensurações. O G1 diminuiu e o G2 aumentou o estresse no pós-operatório. Prevaleceram sintomas psíquicos do estresse em ambos os grupos.

CONCLUSÃO:

O fato de ter sido operado previamente reduziu a tensão pré-operatória, porém não interferiu nos distúrbios emocionais pós-operatórios.

Estresse psicológico; Cirurgia geral; Anestesia geral; Sintomas psíquicos; Período perioperatório


OBJECTIVE:

to evaluate the impact of stress in patients undergoing major surgeries under general anesthesia, relating their physical and psychic reactions to the different stages of stress.

METHODS:

we studied 100 adult patients of both genders, who were divided into two groups: Group 1 - 22 patients without experience with surgery; Group 2 - 78 patients previously submitted to medium and major surgery. To investigate the stress, we used the Inventory of Stress Symptoms for Adults, developed by Lipp, the day before the procedure and two days and seven days after the operation. The comparison of groups with respect to gender, pain, and percentage of stress were performed using the Chi-square test, and for the age variable the Student's t test was used. Differences were considered significant at p<0.05.

RESULTS:

the groups were not homogeneous as for the overall percentage of stress on the three measurements. G1 had decreased postoperative stress, whilst in G2 it increased. Psychological symptoms of stress prevailed in both groups.

CONCLUSION:

previous surgery reduced preoperative stress but did not affect postoperative emotional disorders.

Stress, psychological; General surgery; Anesthesia, general; Psychic synptoms; Perioperative period


INTRODUÇÃO

O estresse é uma reação do organismo que envolve aspectos biopsicossociais e desenvolve-se em etapas. Para Lipp11. Lipp MEN. Manual do inventário de sintomas de stress para adultos de Lipp (ISSL). 3a ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2005. todos os indivíduos estão sujeitos ao estresse, dependendo das circunstâncias, que podem ultrapassar sua capacidade de lidar com determinada situação. O estresse ocorre a partir de quebra da homeostase do organismo e designa uma condição psicofisiológica complexa, que tem em sua gênese a necessidade de enfrentar uma perturbação, que ameace seu equilíbrio. Segundo Straub22. Straub RO. Psicologia da saúde. Porto Alegre: Artmed; 2005., é um processo pelo qual alguém percebe e responde a eventos que são julgados como ameaçadores. O conceito de estresse descreve tanto os estímulos que geram a quebra no equilíbrio do organismo quanto a resposta comportamental, incluindo estratégias de enfrentamento. Para esse autor, a pesquisa sobre o estresse intensificou-se após a Segunda Guerra Mundial, com o estudo do estresse pós-traumático em ex-combatentes.

Selye33. Selye H. Stress - A tensão da vida. São Paulo: Ibrasa; 1959., em 1936, foi pioneiro ao identificar o estresse como trifásico: alarme, resistência e exaustão. Anos mais tarde, Lipp44. Lipp MEN. Stress emocional: esboço da teoria de "Temas de Vida". In: Lipp MEN, organizadora. O stress no Brasil: pesquisas avançadas. Campinas: Papirus; 2004. p.17-30. descreveu uma quarta fase, a de quase exaustão situada entre as fases de resistência e quase-exaustão. Lazarus55. Lazarus RS. Psychological stress and the coping process. New York: McGraw-Hill; 1966., em 1966, introduziu o conceito da interpretação de um evento como estressor e, na década de 1970, deu um importante passo no estudo do estresse, ao sugerir que a reação do indivíduo depende de como interpreta o estímulo estressor. O cerne de seu trabalho contribuiu para a expansão da Medicina Psicossomática ao proporcionar hipóteses sobre características de personalidade como fonte interna de estresse, determinando reações individuais a eventos da vida11. Lipp MEN. Manual do inventário de sintomas de stress para adultos de Lipp (ISSL). 3a ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2005. , 66. Malagris L. Correr, competir, produzir e se estressar. In: Lipp M, editor. O stress está dentro de você. São Paulo: Contexto; 2003. p.19-32..

Um dos autores que mais influenciaram o trabalho de Selye foi Bernard, que afirmava que um dos feitos mais característicos de toda a vida é a habilidade de o organismo manter a constância do meio interno77. Lazarus RS, Folkman S. Stress, appraisal, and coping. New York: Springer; 1984.. Cannon denominou essa habilidade de homeostase, significando o esforço dos processos fisiológicos para manter um estado de equilíbrio interno no organismo88. Cannon WB. The Wisdom of the body. New York: Norton; 1932..

De acordo com Lazarus e Folkman77. Lazarus RS, Folkman S. Stress, appraisal, and coping. New York: Springer; 1984., as atividades cognitivas utilizadas pelo indivíduo para interpretar eventos ambientais são fundamentais no processo do estresse. Condições ambientais auxiliam na explicação de diferenças nas avaliações cognitivas.

Lipp44. Lipp MEN. Stress emocional: esboço da teoria de "Temas de Vida". In: Lipp MEN, organizadora. O stress no Brasil: pesquisas avançadas. Campinas: Papirus; 2004. p.17-30., em 2004, ampliou o estudo do estresse sugerindo a noção de "temas de vida", indicando uma tendência de determinadas pessoas repetirem suas experiências criadoras de estresse, em diversos momentos da vida.

Diversas são as circunstâncias que podem gerar o estresse, tais como, impactos emocionais, enfrentamentos sociais e condições biológicas, incluindo tratamento de doenças e operações. Pesquisas têm mostrado que o processo bioquímico do estresse não depende da causa da tensão, mas da necessidade de adaptação a algum fato ou mudança que o desencadeou44. Lipp MEN. Stress emocional: esboço da teoria de "Temas de Vida". In: Lipp MEN, organizadora. O stress no Brasil: pesquisas avançadas. Campinas: Papirus; 2004. p.17-30..

Diversos autores99. Giannoudis PV, Dinopoulos H, Chalidis B, Hall GM. Surgical stress response. Injury. 2006;37 Suppl 5:S3-9.

10. Abecasis I. Cirurgia y stress, el cirurjano como psicoterapeuta. Conferência no 61o Congresso Argentino de Cirurgia, 1990. Rev Argent Cirurgia. 1991;60:207.

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- 1313. Lipp MN, Guevara AH. Validação empírica do inventário de sintomas de stress (ISS). Estudos de Psicologia. 1994;11(3):43-9. consideram o estresse cirúrgico como o impacto exercido no corpo humano pelos procedimentos cirúrgicos envolvendo o paciente, a família, o cirurgião e também as equipes de anestesia e cirurgia. A operação de grande porte é vista como um maior evento estressor.

Apesar de extensa revisão de literatura, percebe-se o hiato existente com relação às adversidades decorrentes do estresse em pacientes cirúrgicos internados. Nesse sentido, decidiu-se conduzir esta pesquisa, visando compreender melhor os distúrbios emocionais desses pacientes.

O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto do estresse em pacientes submetidos à operações de médio e grande porte, sob anestesia geral, relacionando suas reações físicas e psíquicas com as diferentes fases do estresse e avaliar se experiência prévia interfere nos índices de estresse.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo de campo, comparativo e descritivo, com abordagem quantitativa, em pacientes cirúrgicos da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte e do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais; aprovado pelos Comitês de Ética de ambas as instituições. A coleta dos dados ocorreu entre abril e novembro de 2008. A decisão sobre a aplicação do teste em três momentos do perioperatório deu-se em função de mudanças que podem ocorrer ao paciente durante esse período e em função de determinações constantes no manual do teste, que promove medições do estresse um dia antes, uma semana e um mês depois. Fez-se uma adaptação ao modelo de pesquisa sugerido por Lipp44. Lipp MEN. Stress emocional: esboço da teoria de "Temas de Vida". In: Lipp MEN, organizadora. O stress no Brasil: pesquisas avançadas. Campinas: Papirus; 2004. p.17-30..

Foram investigados 120 pacientes de ambos os sexos, submetidos à operações de grande porte, sob anestesia geral e com tempo operatório superior a duas horas. Desse total, foram descontinuados 20 pacientes, três por óbito e os demais, por não terem preenchido os pré-requisitos delimitados no método.

Foram excluídos os pacientes com debilidade física intensa, alterações neurológicas ou psiquiátricas, aqueles que deixaram dúvidas quanto às suas respostas e os que se recusaram a participar, ou não responderam adequadamente ao teste. Alguns pacientes foram eliminados, por não possuírem o prontuário com informações completas.

Os pacientes foram distribuídos em dois grupos: Grupo 1 - 22 pacientes - (8 mulheres e 14 homens), com idade entre 19 e 69 (47,9 + 3,35) anos, que não haviam sido submetidos à operação prévia; Grupo 2 - 78 pacientes - (50 mulheres e 28 homens), com idade variando entre 20 e 81 (55,6 + 1,46) anos, que já haviam sido submetidos a uma ou mais operações de médio e grande porte.

Houve entrevista com psicólogo para avaliar a sanidade mental dos pacientes. Não houve restrição quanto ao sexo, cor da pele, nível de escolaridade e condição socioeconômica. Foram incluídos pacientes operados pelo cirurgião geral, urologista, otorrinolaringologista, ginecologista, mastologista e ortopedista.

A pesquisa consistiu de três entrevistas livremente consentidas por cada paciente, uma nas 24 horas que antecederam o ato operatório e duas no segundo e sétimo DPO (dia de pós-operatório). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado aos participantes antes do início da primeira aplicação do teste. Os testes do pré-operatório e do segundo DPO foram aplicados durante o internamento. O segundo teste era sempre aplicado no sétimo DPO, para os pacientes internados, ainda no leito; no dia do retorno do paciente para consulta ambulatorial; ou por meio de carta resposta enviada pelo paciente por correio. Aqueles que foram para o Centro de Tratamento Intensivo - CTI, somente foram entrevistados após a sua alta desse setor, desde que antes do sétimo dia pós-operatório. Quando os pacientes revelaram mal-estar após a operação, aguardou-se sua melhora e aceitação espontânea, para serem entrevistados. Todos esses pacientes foram incluídos apenas na entrevista que antecedeu o ato cirúrgico e na do sétimo DPO. Os dados da frequência cardíaca, dor, pressão arterial, tipo de anestesia, tempo de duração da operação e tempo de internação foram obtidos dos prontuários dos pacientes.

Para avaliação do estresse, utilizou-se o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp - ISSL, validado por Lipp e Guevara1313. Lipp MN, Guevara AH. Validação empírica do inventário de sintomas de stress (ISS). Estudos de Psicologia. 1994;11(3):43-9., em 1994, e padronizado por Lipp1414. Lipp MEN, organizadora. Mecanismos neuropsicofisiológicos do stress: teoria e aplicações clínicas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2003., em 2003, que foi considerado válido para esse tipo de paciente, por não ser invasivo nem doloroso e porque quantificou o estresse por fases e por sintomas, que correspondem às manifestações mais frequentes. Esse teste é composto por três grupos de perguntas, que se referem às quatro fases do estresse, divididos em sintomas das últimas 24 horas, da última semana e do último mês.

Não foi possível a participação de todos os pacientes nos três períodos em que o teste foi aplicado. Na primeira entrevista obteve-se a participação de todos os pacientes de ambos os grupos (22 no G1 e 78 no G2). Na segunda etapa apenas 51 pacientes participaram. No G1, foram 13 pacientes (9 H e 4 M), 50 (4) anos e no G2 foram 38 pacientes (15 H e 23 M), 53 (2) anos, p = 0,33. Na terceira etapa, o ISSL foi aplicado a 29 pacientes. No G1, foram nove pacientes (6 H e 3 M), 54 (4) anos e no G2 foram 20 pacientes, (6 H e 14 M), 57 (2) anos, p=0,52. Ao final, os níveis de estresse entre os grupos no perioperatório foram comparados e verificou-se a prevalência dos sintomas de estresse.

Para cálculo do estresse, foi criada uma tabela de conversão (Tabela 1). Converteu-se o valor da porcentagem de estresse para números de 1 a 13, sendo 1 ausência de estresse. A partir do valor 2, cada número correspondeu a fases progressivamente maiores.

Tabela 1
Pacientes com e sem estresse, de acordo com o ISSL, no período perioperatório.

Em função da intensidade do estresse, a fase de alerta foi subdividida em quatro subfases: o número 2 correspondeu aos pacientes com estresse de 1% a 25%; o número 3, de 26% a 50%; o número 4, de 51% a 75%; e o número 5, de 76% a 100%.

A fase de resistência foi subdividida em duas subfases. O número 6 correspondeu aos pacientes com estresse de 1% a 25% e o número 7, de 26% a 50%.

A fase de quase-exaustão foi também subdividida em duas subfases representadas pelo número 8, de 51% a 75% e o número 9 de 76% a 100%.

A fase de exaustão foi subdividida em quatro subfases: o número 10 representou pacientes com estresse de 1% a 25%; o número 11, de 26% a 50%; o número 12, de 51% a 75% e o número 13, de 76 a 100%.

O diagnóstico foi fechado a partir da soma dos sintomas de cada uma das três partes do ISSL, sendo que, ao atingir o número limite de pontos para uma determinada fase, determinou-se o nível de estresse em que o paciente estava. Com a análise do teste, identificou-se o estresse brando (fase de alarme), moderado (resistência), moderadamente grave (quase-exaustão) ou muito grave (exaustão).

Os dados foram analisados considerando o nível de estresse e principais sintomas. O teste qui-quadrado foi utilizado a fim de verificar-se a equivalência entre os grupos 1 e 2, quanto às variáveis categóricas sexo, dor, e nível de estresse. Para a variável idade, por ser contínua, aplicou-se o teste t Student. As diferenças foram consideradas significativas quando suas médias diferiram para valores correspondentes a p<0,05.

RESULTADOS

O tempo de hospitalização variou entre dois e 35 (12 + 11) dias no G1 e entre um e 55 (9 + 11) dias no G2, sem diferença entre os grupos (p=0,09). Relato de dor antes da operação ocorreu em 45% dos pacientes do G1 e em apenas 13% do G2, (p=0,0007).

Alguns sintomas físicos correlacionam-se com o estresse, como a hipertensão arterial e a frequência cardíaca acelerada. Não se observou diferença entre os pacientes com e sem experiência cirúrgica prévia quanto a estas variáveis. A frequência cardíaca no G1 variou entre 58 e 100 (77,3 + 2,2) batimentos por minuto e no G2, entre 56 e 100 (77,2 + 0,9) batimentos por minuto, sem diferença entre si (p=0,97). A pressão arterial do G1 variou entre 120/60 e 200/100 (127,5 + 16,7 / 82,2 + 12,6) mmHg e a do G2 variou entre 100/60 e 180/100 (130,0 + 23,9 / 78,4 + 9,8) mmHg, sem diferença entre si (p=0,22).

O comportamento dos pacientes quanto ao estresse no período perioperatório é descrito na tabela 1. Nas 24 horas que antecederam o ato operatório, não houve diferença entre os grupos quanto à incidência de estresse (p=0,75). No segundo DPO, também não se verificou diferença entre os grupos quanto ao estresse (p=0,87). Mesma ausência de diferença no comportamento quanto ao estresse foi constatada no sétimo DPO (p=0,56).

Pelos dados apresentados na tabela 2, observa-se que nas 24 horas que antecederam o ato operatório do G1, houve tendência proporcional a mais pacientes em fase de resistência do que no G2, mesmo sem diferença entre si (p=0,15). Destacou-se em ambos os grupos uma porcentagem considerável de pacientes sem estresse, também sem diferença entre ambos os grupos (p=0,13).

Tabela 2
Distribuição dos pacientes por fase de estresse no perioperatório, de acordo com o Inventário de Sintomas de Stress.

Já no segundo DPO, no G2, prevaleceram pacientes em fase de resistência, enquanto que no G1, menor quantidade de pacientes encontrava-se nessa fase (p=0,00007). Nesse dia, o percentual de pacientes sem estresse não diferiu entre os dois grupos (p=0,87). Ainda no segundo DPO, no G1, destacaram-se os pacientes em fase de exaustão em comparação com o G2 (p=0,0002) (Tabela 2).

No sétimo DPO, persistiram mais pacientes em fase de resistência no G2, em comparação com o G1 mesmo que sem diferença significante (p=0,15). Nesse período houve tendência proporcional a mais pacientes do G1 sem estresse, em comparação com o G2, sem significância (p=0,57) (Tabela 2).

Com relação à distribuição dos sintomas e sinais físicos e psíquicos de estresse no dia anterior à operação, prevaleceram os sintomas psíquicos em ambos os grupos, em todas as etapas avaliadas, sem diferença entre si (p=0,16). No pós-operatório, continuou a maior incidência de sintomas psíquicos, tanto no segundo dia, sem diferença entre os grupos (p=0,32) quanto no sétimo dia, destacando-se sua maior incidência no G1 (p=0,003) (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição dos sintomas e sinais físicos e psíquicos de estresse no perioperatório, de acordo com o Inventário de Sintomas de Stress.

No G1, as manifestações psíquicas mais marcantes no pré-operatório foram sensibilidade emotiva excessiva (muito nervoso) (7,7%), angústia, ansiedade diária (8,7%), hipersensibilidade emotiva (7,7%) e vontade súbita de começar novos projetos (7,1%). No G2, prevaleceram angústia, ansiedade diária (8,4%), hipersensibilidade emotiva (7,8%), impossibilidade de trabalhar (7,0%). No segundo dia pós-operatório, destacou-se no G1 sensibilidade emotiva excessiva (9,5%), vontade súbita de começar novos projetos (8,4%), angústia, ansiedade diária (7,4%). No G2, observou-se, nesse período, sensibilidade emotiva excessiva (7,6%), angústia, ansiedade diária (7,6%) e vontade súbita de começar novos projetos (7,3%). No sétimo dia pós-operatório, impossibilidade de trabalhar, foi a manifestação psíquica prevalente em ambos os grupos (9,7% no G1 e 11,7% no G2), com destaque também para vontade súbita de começar novos projetos (8,3%) no G1 e diminuição da libido (7,4%) no G2.

DISCUSSÃO

Os grupos não eram homogêneos quanto ao número de participantes. Houve uma diferença no percentual de pacientes em cada grupo, em razão da dificuldade de encontrar quem nunca havia sido operado para participar da pesquisa. No grupo com experiência cirúrgica prévia encontrou-se maior percentual de mulheres, por considerar-se a cesariana como experiência cirúrgica anterior.

Os pacientes sem experiência cirúrgica reclamaram de dor com maior frequência do que os com experiência operatória prévia. É possível associar esse sintoma físico com o estresse que pode desencadear maior sensibilidade aos estímulos físicos1515. Sapolsky RM. Neuroendocrinology of the stress-response. In: Becker JB, Breedlovo SM, Crews D, editors. Behavioral endocrinology. Cambridge: MIT Press. p.287-324.

16. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed; 2000.
- 1717. Rossi EL. A psicobiologia da cura mente-corpo: novos conceitos de hipnose terapêutica. 2a ed. Campinas: Psy; 1997.. Já os pacientes experientes, provavelmente desenvolveram mecanismos de enfrentamento e maior resistência aos estímulos físicos vivenciados.

No pré-operatório, a maior parte dos pacientes sem experiência cirúrgica manifestou o estresse sob a forma de resistência à operação, sem conseguir desenvolver tática de enfrentamento. Essa situação gerou estresse pré-operatório, por outro lado, experiência anterior com cirurgia facilitou o enfrentamento da situação que os afetou menos intensamente.

No pós-operatório, pacientes sem experiência cirúrgica passaram a reagir adequadamente ao estresse, da mesma maneira que os doentes que já haviam sido operados previamente. Mesmo assim, suas emoções persistiram, porém em menor intensidade. A excessiva demanda física e psíquica, caracterizada pelo estresse, provocou a exaustão transitória da qual todos se recuperaram rapidamente. Essa situação não foi encontrada nos pacientes que não manifestaram estresse, independentemente de experiência cirúrgica prévia. Mesmo assim, houve menor sucesso no enfrentamento do estresse.

Cabe ressaltar que os pacientes com experiência operatória tiveram menor sucesso no enfrentamento do estresse pós-operatório, quando presente, tendo sido mais afetados pela angústia e hipersensibilidade emocional, sem conseguirem utilizar adequadamente estratégias de enfrentamento do estresse. Neste estudo, houve maior percentual de manifestações psíquicas em todo o período perioperatório, independentemente de sua experiência prévia com cirurgia. Ao contrário dos resultados encontrados por Santos et al.1212. Santos AF, Santos LA, Melo DA, Alves Júnior A. Estresse e estratégias de enfrentamento em pacientes que serão submetidos à cirurgia de colecistectomia. Rev Interação Psicol. 2006;10(1):63-73., que relataram maior percentual de sintomas físicos pré-operatórios, neste trabalho, houve predominância de sintomas psíquicos, principalmente antes da operação.

Todos os pacientes chegaram ao hospital, emocionalmente mobilizados pela perspectiva da operação, apresentando sentimentos de angústia e ansiedade, decorrentes da demanda emocional excessiva, diante da perspectiva iminente de virem a ser operados. Naqueles que se submeteram ao ato cirúrgico pela primeira vez, constatou-se maior labilidade emocional, provocada pela iminência de se defrontarem com um evento desconhecido. Essa situação pode ter sido responsável pela menor tolerância a desconfortos físicos. Os pacientes já operados, embora estejam emocionalmente sensibilizados com a cirurgia, apresentaram menor estresse prévio. A experiência cirúrgica anterior pode ter minimizado o estresse, porém o nível de estresse no pós-operatório elevou-se.

Não houve diferença significativa entre os grupos com e sem experiência cirúrgica prévia, quanto aos parâmetros biológicos de pressão arterial e frequência cardíaca que, associados ao estresse, poderiam indicar maior manifestação de sintomas físicos. Igualmente não houve evidência de um grupo em detrimento do outro, quanto ao tempo médio de internação.

Quando se analisa o percentual de pacientes distribuídos por nível de estresse, encontra-se diferença significativa no comportamento de pacientes com e sem experiência cirúrgica prévia. A falta de experiência cirúrgica anterior a um ato operatório acompanha-se de elevado nível de dor e de estresse pré-operatórios, com repercussões físicas e psíquicas perioperatórias. Essa situação é parcialmente aliviada em pacientes previamente submetidos a outros procedimentos cirúrgicos, que enfrentam essa nova intervenção, sem indícios de estresse no pré-operatório.

No pós-operatório, o estresse cirúrgico diminuiu mais em pacientes sem experiência cirúrgica prévia, por meio de maior mobilização dos mecanismos de enfrentamento e resiliência. Já os pacientes com experiência cirúrgica anterior, demonstraram estar mais estressados nesse período, permanecendo com estresse em nível de resistência nos dois momentos do pós-operatório mensurados.

Quanto aos sintomas do estresse, houve predomínio de manifestações psíquicas durante todo o período perioperatório na maior parte dos pacientes dos dois grupos pesquisados, indicando que a intervenção cirúrgica é um estressor que afeta demasiadamente o estado emocional dos pacientes.

Esta pesquisa pretende contribuir para que as equipes médicas se conscientizem de que necessitam dar atenção e tratamento às demandas comportamentais e emocionais dos pacientes, sempre que estes demonstrarem não possuir recursos pessoais e sociais para lidar com o estresse proveniente da cirurgia.

Não foi possível comparar os resultados obtidos neste trabalho com a literatura, por não termos encontrado outro trabalho conduzido no mesmo sentido. Os artigos encontrados foram todos em bases teóricas

O fato de o paciente ter sido operado previamente reduziu a tensão pré-operatória, porém não interferiu nos distúrbios emocionais pós-operatórios.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2012
  • Aceito
    03 Jan 2013
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