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Oferta e utilização de serviços de hemodinâmica no estado do Rio de Janeiro, Brasil

Resumos

Objetivo:

analisar a oferta dos equipamentos e a utilização dos procedimentos inerentes aos serviços públicos de hemodinâmica no estado do Rio de Janeiro, Brasil.

Métodos:

Estudo exploratório, a partir de bancos de dados oficiais: pesquisa AMS do IBGE, CNES, AIH e APAC, e da ANS. O período de análise da oferta foi de 1999 a 2009 e o da utilização, de 2008 a outubro de 2012.

Resultados:

Desde 1999 há crescimento na aquisição dos equipamentos de hemodinâmica. O setor privado concentra grande parte da oferta, mas vem reduzindo sua disponibilidade ao Sistema Único de Saúde (SUS). A taxa de equipamentos pela população supera a de alguns países ricos. Quanto à oferta, havia, no Rio de Janeiro, em 2009, uma taxa de 4,1 aparelhos por milhão de habitantes maior do que no Brasil, de 3,4, mas considerando apenas a oferta para o SUS, os valores são semelhantes, de 1,6 e 1,5.

Conclusão:

Os procedimentos de cardiologia intervencionista cresceram entre 2008 e 2011 no RJ mas os hospitais públicos na sua maioria têm reduzido a produção e os privados aumentado, resultando no encaminhamento dos usuários do SUS para realizar os procedimentos a grandes distâncias.

Angioplastia; Cateterismo cardíaco; Hemodinâmica; Serviços de Saúde/utilização; Economia da saúde


Objective:

The paper analyzes the supply and the utilization of hemodynamic services in Rio de Janeiro, Brazil.

Methods:

It's an exploratory study that uses data obtained from Brazilian official databases. The period of supply analysis was from 1999 to 2009, and of utilization was from 2008 to October 2012.

Results:

Since 1999 there is a growth of hemodynamic equipment purchase. The private sector concentrates most of the supply, but it has been reducing its availability to SUS. The rate between population and equipment in Brazil exceeds the ones of some rich countries. In the sense of supply, there are in 2009, a supply rate of 1,4 equipments for 1 million inhabitants in RJ state, larger than brazilian rate, of 3,4 but the rates are similar for public customers.

Conclusion:

Interventional cardiology procedures have improved in the state, but in a different way. And this is because the public hospitals at Rio de Janeiro have mostly reduced their production, while the private ones have increased their production. The observed result is the SUS users performing their procedures at great distances.

Angioplasty; Cardiac Catheterization; Hemodynamics; Health services/Utilization; Health economics


INTRODUÇÃO

Desde a década de 1960, os procedimentos intervencionistas com a utilização de raios X têm aumentado significativamente e continuam a crescer à medida que técnicas menos invasivas e equipamentos com tecnologia cada dia mais sofisticada vêm sendo desenvolvidos. Desta forma, operações complicadas são substituídas por procedimentos médicos mais simples, diminuindo o risco e o tempo de internação para o paciente, e com menor custo total.11. Canevaro L. Aspectos físicos e técnicos da radiologia intervencionista. Rev Bras Fís Med. 2009;3(1):101-15.

O uso criterioso de métodos de diagnóstico por imagem tem aumentado a eficácia da atenção à saúde; entretanto, a tendência ao crescimento de seus custos tem sido atribuída à incorporação da tecnologia nos serviços de saúde, inclusive técnicas de diagnóstico e terapêutica por imagens22. Hillman BJ. Government health policy and the diffusion of new medical devices. Health Serv Res. 1986;21(5):681-711. , 33. Geyman JP. The corporate transformation of medicine and its impacts on costs and access to care. J Am Board Fam Pract. 2003;16(5):443-54.. Além disso, o excesso da oferta induz à superutilização de serviços44. Calil SJ. Análise do setor de saúde no Brasil na área de equipamentos médico-hospitalares. In: Negri B, Di Giovanni G, organizadores. Brasil: radiografia da saúde. Campinas: Unicamp; 2001. p.91-121.. Esse comportamento traz riscos para os pacientes e para os profissionais que realizam os procedimentos11. Canevaro L. Aspectos físicos e técnicos da radiologia intervencionista. Rev Bras Fís Med. 2009;3(1):101-15. , 55. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia . Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011. 48 p. (Série B. Textos Básicos em Saúde). Disponível em: 200.214.130.94/rebrats/publicações/PNGTS.pdf.
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No Brasil, não há métodos sistemáticos que regulem a aquisição de equipamentos nos serviços públicos e privados de saúde44. Calil SJ. Análise do setor de saúde no Brasil na área de equipamentos médico-hospitalares. In: Negri B, Di Giovanni G, organizadores. Brasil: radiografia da saúde. Campinas: Unicamp; 2001. p.91-121.. Num quadro de crescente apreensão dessa problemática, foi elaborada e discutida nos anos 2000, uma política nacional de gestão de tecnologias em saúde, culminando na edição, pelo Ministério da Saúde, da Portaria nº 2.690/2009. Tem como objetivo geral maximizar os benefícios em saúde a serem obtidos com os recursos disponíveis, assegurando o acesso da população a tecnologias efetivas e seguras em condições de equidade.55. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia . Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011. 48 p. (Série B. Textos Básicos em Saúde). Disponível em: 200.214.130.94/rebrats/publicações/PNGTS.pdf.
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A despeito dos esforços mais recentes do Ministério da Saúde, seu papel regulador no tocante às tecnologias biomédicas está mais voltado à autorização de uso, através do registro de novas tecnologias junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e à sua incorporação, através de políticas de cobertura e reembolso da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Secretaria de Assistência á Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). O papel do Estado no planejamento da oferta de tecnologias em geral e equipamentos biomédicos, em particular, é bastante limitado, podendo-se atribuir um papel mais relevante aos médicos e gestores dos serviços de saúde nas decisões sobre a compra e utilização66. Silva HP, Viana AL. Health technology diffusion in developing countries: a case study of CT scanners in Brazil. Health Policy Plan. 2011;26(5):385-94..

Um dos instrumentos que o SUS usa para regular a utilização pública é a gestão da utilização dos recursos disponíveis, através do sistema de regulação sobre os prestadores diretos de serviços e do acesso à assistência 77. Mendonça CS, Reis AT, Moraes JC, organizadores. A Política de Regulação no Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2006. 116 p. (Série técnica desenvolvimento de sistemas e serviços de saúde.
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.No estado do Rio de Janeiro, a Central Estadual de Regulação foi implementada em 2005 pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), com o intuito de regular leitos para procedimentos de alta complexidade, como os realizados em serviços de hemodinâmica. Em novembro de 2010, a SES firmou parceria com as Secretarias Municipais de Saúde, visando à cogestão de nove centrais regionais de regulação localizadas nas regiões de saúde do Estado.

Embora estudos sobre a difusão de equipamentos biomédicos, especialmente de radiologia, sejam mais frequentes na literatura internacional88. US Congress, Office of Technology Assessment. Health Care Technology and its Assessment in Eight Countries. Washington, DC: US Government Printing Office; 1995. Report OTA-BP-H-140.

9. Oh EH, Imanaka Y, Evans E. Determinants of the diffusion of computed tomography and magnetic resonance imaging. Int J Technol Assess Health Care. 1985;21(1):73-80.
- 1010. Kazanjian A, Friesen K. Defusing technology. Technology diffusion in British Columbia. Int J Technol Assess Health Care. 1993;9(1):46-61., já aparecem no contexto brasileiro66. Silva HP, Viana AL. Health technology diffusion in developing countries: a case study of CT scanners in Brazil. Health Policy Plan. 2011;26(5):385-94. , 1111. Rodrigues RM. Análise do mercado privado de diagnóstico por imagem do município de Macaé e suas interrelações com o processo regulatório local [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos de Saúde Coletiva; 2008.

12. Viana AL, Silva HP. Avaliando a difusão de tecnologias médicas no sistema de saúde privado no Brasil: o caso da tomografia por emissão de pósitrons (PET). Rev Bras Saude Mater Infant. 2010;10 (Supl. 1):s187-200.
- 1313. Caetano R, Vianna CMM. Processo de Inovação tecnológica em saúde: uma análise a partir da organização industrial. Cad saúde colet. 2006;14(1):95-112.. Silva e Viana6 e Viana e Silva1212. Viana AL, Silva HP. Avaliando a difusão de tecnologias médicas no sistema de saúde privado no Brasil: o caso da tomografia por emissão de pósitrons (PET). Rev Bras Saude Mater Infant. 2010;10 (Supl. 1):s187-200., abordando o scannercomputadorizado (computed tomography scanner), concluíram que a difusão desse equipamento no Brasil pouco teve a ver com as necessidades de saúde e com decisões de reembolso por parte de financiadores públicos ou privados. O elemento explicativo mais importante foram decisões de administradores de organizações privadas de saúde fortemente influenciados pelos médicos e pela indústria produtora deste equipamento, buscando atender a uma estratégia de competição por diferenciação de produto. Entendendo que a difusão é o estágio de adoção e uso da tecnologia que deve culminar com o alcance de um nível apropriado de uso ou com o seu abandono.88. US Congress, Office of Technology Assessment. Health Care Technology and its Assessment in Eight Countries. Washington, DC: US Government Printing Office; 1995. Report OTA-BP-H-140. , 1414. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Área de Economia da Saúde e Desenvolvimento. Avaliação de tecnologias em saúde: ferramentas para a gestão do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009. 110 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos. Disponível em: bvsms.saude.gov.br/bvs/publicações/avaliação_tecnologias_saude_ferramentas_gestao.pdf.

Os procedimentos de hemodinâmica podem ser considerados uma tecnologia madura1515. James AE, Perry S, Warner SE, Chapman JE, Zaner RM. The diffusion of medical technology: free enterprise and regulatory models in the USA. J Med Ethics. 1991;17(3):150-5., usada desde os anos 40. Inovações foram sendo acrescentadas à técnica que aumentarem a sua eficácia: o uso de contrastes (anos 60), a digitalização das imagens (anos 70), os procedimentos terapêuticos como a Angioplastia Coronária Transluminal Percutânea (ACTP) com balão (1977)11. Canevaro L. Aspectos físicos e técnicos da radiologia intervencionista. Rev Bras Fís Med. 2009;3(1):101-15..

No Brasil, os primeiros exames em Hemodinâmica iniciaram-se em 1966, sendo a primeira ACTP realizada em 19791616. Gottschall CAM. 1929-2009: 80 anos de cateterismo cardíaco - uma história dentro da história. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2009;17(2):246-68.. Nos últimos trinta anos a ACTP se difundiu rapidamente como alternativa para a revascularização miocárdica. Nos anos 90, a associação da ACTP com o uso dos Stents - endopróteses vasculares - aumentou a difusão deste procedimento, ao baixar a taxa de reestenose1717. Gutierrez FLBR. Difusão da angioplastia coronariana [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social; 2010.. No final dos anos 2000, Stents farmacológicos foram incorporados, buscando uma taxa de reestenose ainda menor.

Ainda nos anos 2000, a grande inovação no equipamento se dá para os estudos diagnósticos, a angiotomografia, com a incorporação da tomografia computadorizada de múltiplos detectores (TCMD)1818. A Tomografia Computadorizada de múltiplos detectores no diagnóstico da doença arterial coronariana. BRATS; 2008; 3(4):1-8., que dispensam os cateteres e introduzem contraste por via venosa, reduzindo o tempo e a carga de radiação envolvida no exame.

Gutierrez1717. Gutierrez FLBR. Difusão da angioplastia coronariana [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social; 2010. conclui que a ACTP, comparada a outras tecnologias, teve uma difusão muito rápida, o que está congruente com a expansão da oferta dos equipamentos de RX de hemodinâmica. As Diretrizes da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI1919. Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista. Manual de Orientação para Serviços de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista. Disponível em: http://sbhci.org.br/wp-content/uploads/2010/08/SBHCI_projQualidae_Manual19jul2012.pdf.
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especificam que esses serviços devem conter, além do equipamento, recursos humanos especializados.

No Brasil, os parâmetros de referência para cobertura assistencial de equipamentos de imagem para o SUS (Portaria nº 1.101/GM, de 12 de junho de 2002) não especificam a necessidade de aparelhos de RX para hemodinâmica.

Estudos de oferta e utilização de serviços de saúde, utilizando bases de dados oficiais, têm uma particular utilidade na fase de difusão de tecnologias, permitindo levantar hipóteses referentes a determinantes e impactos e colaborar para a tomada de decisões no âmbito da gestão.

Oferta é aqui entendida como um conjunto de recursos que estão disponíveis. Num sentido econômico, a oferta tem a ver com as quantidades que são disponibilizadas pelas firmas a partir de uma curva de preços. No caso da oferta pública gratuita, não se pode falar em firmas, mas organizações num contexto de preços zerados. As motivações, portanto, dos agentes econômicos privados ou públicos são distintas, os primeiros objetivando lucros e sobrevivência no mercado, os segundos visando outras motivações. A oferta é determinada pela tecnologia, a experiência gerencial das firmas e organizações e o preço dos insumos utilizados.2020. Getzen T. Health economics and financing. 3rd ed. Hoboken, NJ: Wiley; 2006.

Já utilização implica numa relação entre a demanda e a oferta e é resultante da interação do comportamento do indivíduo que procura cuidados e do profissional que o conduz dentro do sistema de saúde. Os determinantes da utilização estão relacionados às necessidades de saúde, a características dos usuários, dos prestadores de serviços, da política, como o financiamento e a regulação; e da organização, onde se involucram recursos disponíveis e características da oferta, como a disponibilidade de médicos, hospitais, ambulatórios, o modo de remuneração e o acesso geográfico e social.2121. Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saúde Pública. 2004;20(Suppl 2):S190-8.

Diante de tais fatos, tendo como objeto os serviços de hemodinâmica, o estudo se ateve a uma análise do padrão de oferta dos equipamentos e a utilização dos procedimentos inerentes aos serviços públicos no estado do Rio de Janeiro.

MÉTODOS

Trata-se de estudo exploratório do tipo quantitativo, tomando como fonte dos dados os bancos oficiais do SUS, da Agência Nacional de Saúde e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a saber: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde - CNES, com corte em 2012, de acordo com tabelas obtidas através do Programa on line Tabnet e o Tabwin do DATASUS; Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS/SIA e Hospitalares/SIH do SUS; APAC (referente à atenção de alta complexidade do SUS); Sistema de Informação de Beneficiários da ANS; Pesquisa Assistência Médico-Sanitária/AMS, nas versões de 1999, 2002, 2005 e 2009; e Censo Populacional, cujos dados constam do Banco Multidimensional de Estatísticas do IBGE. Há algumas diferenças de resultados entre o CNES e a AMS, mas optou-se pela AMS para avaliar a evolução da oferta no tempo, em função da maior estabilidade de dados históricos, e pelo CNES para avaliar a oferta de 2012 e a sua relação com a produção de serviços do SUS. Todos esses dados são obtidos gratuitamente nas páginas eletrônicas das respectivas instituições. Os dados serão apresentados em frequências simples e fluxos geográficos.

A utilização de serviços de hemodinâmica somente foi obtida para os procedimentos financiados pelo SUS. Foram obtidos arquivos eletrônicos da produção ambulatorial e hospitalar a partir de 2008 até outubro de 2012, baixados através do MS/BBS, para os códigos da tabela de procedimentos que compreendem cateterismo cardíaco (códigos 0211020010 e 0211020028), angioplastias, valvuloplastias e estudos eletrofisiológicos/ablação (desde o código 04060300 até 0406050139). A opção por 2008 se deveu à implantação de uma nova tabela de procedimentos ambulatoriais e hospitalares nesse ano sem correspondência direta com anos anteriores.

A população total foi a das estimativas do Censo do IBGE, obtida através do DATASUS, e a população com planos de assistência médica foi a do sistema de informação de beneficiários da ANS/SIB no meio do período.

As variáveis utilizadas para a análise da oferta foram: número de equipamentos de hemodinâmica em uso por um milhão de habitantes, distribuídos segundo natureza jurídica, disponibilidade ao SUS e regiões selecionadas, calculando-se ainda taxas de variação dentro do período de análise, que foi a partir de 1999 até 2012. A estimativa da taxa de oferta de equipamentos aos beneficiários de planos privados de saúde foi possível a partir da utilização do cadastro de beneficiários da ANS, tendo como denominador o número de equipamentos privados referidos como indisponíveis ao SUS, tanto no CNES quanto na Pesquisa AMS.

Para a análise de utilização, as variáveis foram: número e taxa bruta por 100.000 habitantes, gasto total e valor médio de procedimentos selecionados de hemodinâmica do SUS, segundo regiões do estado do RJ selecionadas. Utilizaram-se, ainda, taxas de variação, sendo o período considerado para os estudos de utilização, entre 2008 e 2012. A despeito da existência atual de um considerável banco de dados de utilização de serviços de saúde por parte da população beneficiária de planos privados de saúde, no âmbito da ANS, os procedimentos de hemodinâmica estudados não são apresentados de forma individualizada, o que não permite ainda, que se façam estudos comparativos.

Não existem valores de referência para determinados indicadores como taxa de oferta de equipamentos de hemodinâmica e taxa de utilização de procedimentos selecionados, como é possível de se obter para outros equipamentos de diagnóstico por imagem, através da Portaria1101/GM/2002. Nossa opção foi discutir os valores encontrados com achados internacionais e alguns padrões tomados de órgãos reguladores de oferta de serviços de saúde de outros países.

O estudo atendeu à Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e Faculdade de Medicina da UFRJ, parecer datado de 18/10/2012, protocolo número 019/11 - CEP.

RESULTADOS

Em 2009, segundo a pesquisa AMS/IBGE, o Brasil contava com 654 equipamentos de RX para hemodinâmica, sendo 95 públicos (15% do total) e 559 privados (85%). Do total, 314 eram disponíveis ao SUS, ou seja, 48%. No caso dos equipamentos privados, o percentual de disponibilidade ao SUS foi de 42%.

No estado do Rio de Janeiro, ainda de acordo com a mesma fonte e ano, 66 equipamentos de RX para hemodinâmica foram identificados, sendo 16 públicos (24%) e 50 privados (78%). A disponibilidade ao SUS era de 36% do total de equipamentos, sendo que entre os privados apenas 12 eram disponíveis ao SUS (24%).

Entre 1999 e 2009, houve um crescimento significativo da oferta de equipamentos de imagem no Brasil, de 51,3%, onde os equipamentos públicos se destacaram, com 89,2% de crescimento. O número de equipamentos de RX para hemodinâmica cresceu um pouco mais do que a média do grupo Imagem (84,2%), porém variações mais significativas ocorreram para os equipamentos de tomografia computadorizada, com 99,3% e ressonância nuclear magnética, com 320,7%. (Tabela 1).

Tabela 1 -
Numero de Equipamentos de Imagem selecionados e variação percentual no período, por natureza jurídica, Brasil e Rio de Janeiro, 1999 e 2009.

No Rio de Janeiro, a taxa de variação de RX para hemodinâmica entre 1999 e 2009 foi bem menor do que a encontrada para o Brasil, de 17,9%, com 14,3% para o setor público e 19,0% para o privado. Isso ocorreu com o setor Imagem enquanto um todo no estado, que apresentou uma variação de 16,3%. Entre 2005 e 2009 o número de equipamentos de RX para hemodinâmica no Rio de Janeiro, localizados em estabelecimentos públicos, praticamente não se alterou.

No que diz respeito à cobertura populacional, em 2009 havia 3,4 equipamentos de RX para hemodinâmica por milhão de habitantes no Brasil, sendo maior no estado do Rio de Janeiro (4,1). Considerando apenas os equipamentos disponíveis ao SUS, essa cobertura passa a 1,6 por milhão no Brasil e 1,5 no Rio de Janeiro.

Lançando mão de uma fonte mais atualizada, o CNES, havia no estado do Rio de Janeiro, em novembro de 2012, 92 equipamentos de RX para hemodinâmica em uso, sendo 16 públicos, 15 filantrópicos e 61 privados; entre os públicos, 9 ofereceram atendimento à clientela do SUS, todos localizados na capital. A cobertura dos equipamentos na Regional de Saúde Metropolitana I, que engloba a capital, foi de 5,6 equipamentos por milhão de habitantes, não muito diferente da média do estado que foi de 5,7. Entretanto, a cobertura estimada para o SUS foi maior no total do estado, de 1,7 por milhão de habitantes, comparado a 1,5 na Regional de Saúde Metropolitana I. Destaca-se a Regional de Saúde Noroeste com uma oferta total de 18 equipamentos por 1 milhão de habitantes e disponibilidade ao SUS de 6,0, com 6 prestadores privados, sendo que 2 oferecem serviços ao SUS (Tabela 2).

Tabela 2 -
Numero de equipamentos de Raio X para Hemodinâmica em uso por Regional de Saúde e Esfera Administrativa, disponibilidade ao SUS e taxa de oferta, Rio de Janeiro, 2012.

No estado do Rio de Janeiro, nota-se de 2008 a 2012, um aumento constante do número de procedimentos de Cardiologia realizados em serviços de hemodinâmica financiados pelo SUS e da sua proporção em relação à população. Para o total dos procedimentos, a taxa média anual de aumento foi de 16,4%, sendo 11% para os ambulatoriais e 32,6%, para os hospitalares. A taxa de aumento anual da angioplastia coronariana ficou em 36,2%. A relação entre procedimentos ambulatoriais e hospitalares foi de 68,7% no período. Dos procedimentos terapêuticos, a angioplastia coronariana representou o grupo mais frequente, de 78% no total do período. Do total destes procedimentos de angioplastia coronariana, 91% envolveram o implante de Stents, sendo 59% um stent e 31%, dois, observa-se ainda, o aumento na taxa bruta de procedimentos, que alcançou 106,2 por 100.000 habitantes, em 2011, podendo chegar a 159,4 por 100.000 hab. se não considerarmos a população beneficiária de planos privados de saúde (Tabela 3).

Tabela 3 -
Número de procedimentos de Cardiologia Intervencionista (CI) selecionados e taxa por 100.000 habitantes, Rio de Janeiro, 2008 a 2011.

Analisando a oferta e utilização de serviços que realizaram internação para procedimentos de Cardiologia Intervencionista selecionados nas regionais de saúde do Rio de Janeiro, de acordo com dados do SIH-SUS/DATASUS, percebe-se que só a Regional da Baía da Ilha Grande não dispõe dos serviços para realização desses procedimentos, demandando 88% desses procedimentos para a Regional do Médio Paraíba. As demais regiões atendem a maior parte de sua demanda, destacando-se a Noroeste, que só demanda 1,8% desses procedimentos para fora da Regional e a Metropolitana II, onde cerca de 40% são referidos a outras regionais, principalmente para a Baixada Litorânea. A Baixada Litorânea é a regional que mais atende outras regiões, representando mais de 40% do total das suas internações registradas no período de análise; destas, cerca de 80% são provenientes da Região Metropolitana (I e II).

Observa-se, na figura 1, o fluxo das internações entre os municípios das Regionais de Saúde do Rio de Janeiro. As linhas se originam nas sedes dos municípios de residência do paciente e terminam no município de internação. Nas frações dos círculos é apresentada a proporção de procedimentos realizados para a população do município, ou referida de outros. Destaca-se a proporção de internações realizadas para outros municípios em Vassouras, onde 92% das internações para procedimentos de cardiologia intervencionista foram de outros municípios, principalmente de Três Rios, responsável por 23% delas. Cabo Frio também apresenta alta proporção de internações de outros municípios (80%), enquanto o Rio de Janeiro realizou apenas 30% de suas internações em atendimentos para os demais municípios do Estado.

Figura 1 -
Representação dos fluxos de internações (AIHs) por procedimentos de Cardiologia Intervencionista selecionados entre os municípios e Regionais de Saúde. Rio de Janeiro, 2008 a 2012 (até outubro).

Apresentamos a seguir a lista dos 22 hospitais do Estado que apresentaram, entre 2008 e 2012, autorização de internação hospitalar (AIH) referentes aos procedimentos invasivos percutâneos em Cardiologia (Tabela 4). Somando a produção do período percebe-se que um hospital público especializado em Cardiologia se destacou com o maior número de internações, mas três hospitais também públicos foram os que apresentaram as menores quantidades.

Tabela 4 -
Número de Internações de Cardiologia Intervencionista, por Hospital, segundo município e tipo de prestador, Rio de Janeiro, 2008 a 2012.

Verificando a evolução dos procedimentos por tipo de prestador, confirma-se a simultaneidade da estagnação da produção dos hospitais públicos e crescimento da produção dos privados, que se dá principalmente após 2010.

Em relação às despesas, em 2008, foram gastos R$ 16.618.985,71 com os procedimentos invasivos percutâneos de Cardiologia no Rio de Janeiro e estes gastos foram ascendentes, chegando a R$ 33.337.751,44 em 2011. O crescimento se deveu mais ao aumento do volume de procedimentos do que ao valor médio, pois este variou pouco de R$ 5.782,53, em 2008, a R$ 5.865,19, em 2011, próximo ao valor médio brasileiro, de R$ 5.872,29, porém menor do que o da Região Sudeste, de R$ 6.063,35. Há uma tendência ao aumento da participação desses procedimentos no gasto com AIHs no Rio de Janeiro, passando de 4% para 5% de 2008 a 2012. Também se verifica a diminuição do gasto total dos prestadores públicos e aumento dos privados após 2010. O valor médio dos procedimentos no período é maior nos prestadores filantrópicos (R$ 6.687,23), seguido dos privados (R$ 5.818,34) e por fim dos públicos (R$ 4.903,77). Os valores médios no período foram maiores nas microrregiões do interior do que na microrregião da capital, variando de R$ 7.836,47 em Itaperuna a R$ 5.110,61 no Rio de Janeiro.

Essas informações sobre gastos com internações nos hospitais públicos devem ser analisadas com cautela, pois os valores repassados por prestação de serviços através da tabela de procedimentos do SUS não compreendem o conjunto de gastos desses hospitais.

DISCUSSÃO

É identificado no Brasil, desde o final dos anos 90, um crescimento mantido da oferta de equipamentos de imagem, tanto no setor público quanto no privado. A quantidade de raios-X para hemodinâmica também aumenta, embora em menores proporções em relação a outros equipamentos de tecnologia complexa, como tomógrafos computadorizados e aparelhos de ressonância nuclear magnética, tecnologias de introdução mais recente. O RX para hemodinâmica também predomina no setor privado, com uma disponibilidade ao SUS menor do que o setor Imagem como um todo e declinante entre 1999 e 2009, de 66% para 48%.

Já no Rio de Janeiro, a variação nesse período foi menor do que a brasileira para o setor Imagem e para a hemodinâmica em particular, sugerindo uma difusão prévia com relativa estabilização, dado que a taxa de oferta desse equipamento é maior no estado, o que é compatível com o nível de desenvolvimento tecnológico nos grandes centros de referência do Sudeste. A disponibilidade do RX para hemodinâmica ao SUS no estado é também declinante, e menor do que a brasileira, de 36% em 2009.

A particularidade do RX para hemodinâmica, tanto no Brasil quanto no Rio de Janeiro, é a sua pouco expressiva expansão nos estabelecimentos públicos inclusive em comparação com outros equipamentos de alto custo. Embora considerado uma tecnologia madura, seu padrão de expansão revela um direcionamento para a clientela privada. Para entender a pequena expansão nos estabelecimentos públicos requer analisar adicionalmente a própria dinâmica econômica do mix público-privado, especialmente dos recursos humanos.

No Brasil, são utilizados indicadores de cobertura adequada de alguns equipamentos de imagem. Oh et al.1010. Kazanjian A, Friesen K. Defusing technology. Technology diffusion in British Columbia. Int J Technol Assess Health Care. 1993;9(1):46-61. consideram que pode não ser prático ter um padrão ótimo de oferta, mas é útil comparar a difusão em diferentes países. No nosso estudo, encontramos em 2009 uma taxa de oferta de RX para hemodinâmica por milhão de habitantes de 3,4 para o Brasil e 4,1 para o Rio de Janeiro. Entretanto, a cobertura estimada para pacientes que realizam exames através do SUS é muito menor, sendo para o Brasil 1,6 e para o Rio de Janeiro, 1,5.

A desigualdade acentuada na oferta e, portanto, nas possibilidades de acesso da população a esse serviço pode ser visualizada quando estimamos a relação entre equipamentos não disponíveis ao SUS e população beneficiária de planos de saúde: 8,2 por milhão no Brasil e 7,2 no Rio de Janeiro, taxas que se distanciam mais ainda daquelas oferecidas através do SUS. Ko et al2222. Ko DT, Tu JV, Samadashvili Z, Guo H, Alter DA, Cantor WJ, et al. Temporal trends in the use of percutaneous coronary intervention and coronary artery bypass surgery in New York State and Ontario. Circulation. 2010;121(24):2635-44., no estado de Nova Iorque entre 1997 e 2006, encontraram uma variação na oferta de hospitais com ACTP de 2,5 a 3,5 por milhão de adultos e em Ontário de 1,0 a 1,4. A comparação com nosso estudo requer ajustes, na contagem de estabelecimentos com serviços de hemodinâmica e não equipamentos e na população, excluindo menores do que 20 anos do denominador. Após estes ajustes, as taxas encontradas de hospitais com RX para hemodinâmica por milhão da população maior do que 20 anos foram de 4,2 na oferta total do Brasil e 5,0 no RJ, valores mais altos do que a taxa do estado de NY, onde a participação privada no sistema de saúde é francamente dominante. Para a oferta do SUS, os valores ajustados foram de 2,0 para o Brasil e 1,5 para o RJ, mais próximos da província de Ontario, um sistema de saúde publicamente financiado. Na Itália2323. Favaretti C, Mariotto A. Time trends in the utilization of cardiac catheterization procedures in Italy, 1983-93. Int J Technol Assess Health Care. 1996;12(3):518-23., a taxa bruta de serviços de hemodinâmica por milhão de habitantes esteve entre 0.8 a 1.7 entre 1983 e 1993, com variações geográficas que favoreciam o Norte, mais industrializado (de 0,9 a 2,2). Todavia, o período estudado foi anterior ao nosso período de análise. Devem-se considerar, entretanto, as diferenças na estrutura demográfica entre o Brasil e esses outros países, o que provavelmente aumenta a necessidade do serviço nesses países. No estado do RJ, embora quase todas as regionais de saúde apresentem oferta desses equipamentos, ela é desigual, As Regiões Metropolitanas, como seria esperado, apresentam as taxas mais altas, mas uma região do interior também se destaca, recebendo inclusive um fluxo de fora do estado. De modo geral, a disponibilidade ao SUS por parte dos hospitais privados é maior nas regionais do interior do que as metropolitanas, o que se relaciona a maior proporção de pessoas com fontes privadas de financiamento em regiões mais ricas e industrializadas, de acordo com dados do SIB/ANS. Taxas de referência são possíveis de serem construídas, embora requeiram dados de necessidades de saúde e produtividade dos equipamentos refinados. De qualquer modo, para os pacientes privados e para a oferta total, os números superam os encontrados em alguns países ricos.

O aumento na oferta de RX para hemodinâmica no RJ ocorre paralelamente ao aumento dos procedimentos realizados neste serviço, parecendo haver intensificação de seu uso, pois a variação do número de procedimentos foi maior do que a de equipamentos2424. Pinto AMS, Pinheiro RS. Utilização de cirurgias cardíacas de alta complexidade no Estado do Rio de Janeiro numa perspectiva regionalizada: SIH-SUS - 1999 a 2007. Cad saúde colet. 2010;18(3):445-55.. Entre 2008 e outubro de 2012, para o SUS, as taxas médias anuais de crescimento variaram de 11% (APAC) a 16,4% (AIH), sendo de 36,2% para revascularização coronariana. No estudo de Ko et al2222. Ko DT, Tu JV, Samadashvili Z, Guo H, Alter DA, Cantor WJ, et al. Temporal trends in the use of percutaneous coronary intervention and coronary artery bypass surgery in New York State and Ontario. Circulation. 2010;121(24):2635-44., esse crescimento anual do número de procedimentos foi bem menor, de 4,1% em Nova York e 5,0% em Ontário, para cateterismo cardíaco, e 5,7% a 10,5% de ACTP, respectivamente, entre 1997 a 2006. Porém, há que levar em conta o período que foi anterior ao uso mais intensivo de Stents. Cardoso et al2525. Cardoso CR, Prestes EP, Cardoso CO, Beulke R. Contribuição do planejamento orçamentário no gerenciamento do laboratório de hemodinâmica: simulação aplicada à gestão dos serviços de hemodinâmica. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2010;18(1):62-7. encontraram média de crescimento de 9% ao ano numa série histórica de 1998 a 2005, com cerca de 1,7 milhões de procedimentos. Em 2012, a OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) publicou uma síntese das taxas de angioplastia coronariana encontradas para os seus países-membros2626. OECD. Cardiac produces (coronary angioplasty). In: Health at a glance: Europe 2012. OECD Publishing; 2012.. A taxa média anual de crescimento apresentada neste documento, entre 2000 e 2010, variou de 2,3% (Islândia) a 29,2% (Romênia), menores do que no Brasil.

Quanto ao uso de Stents, que estiveram envolvidos em 91% dos procedimentos de revascularização coronariana no RJ entre 2008 e 2012, similar achado já obteve Mangione2727. Mangione JA. Intervenção coronária percutânea no Brasil. Quais são os nossos números? Rev Bras Cardiol Invasiva. 2006;14(3):267-72. de 93% no biênio 2003-2004, a partir dos dados nacionais referentes a 53.857 intervenções coronárias percutâneas.

A taxa de cobertura de procedimentos de revascularização miocárdica encontrada variou de 13,6 por 100.000 habitantes em 2008 a 28,0 em 2011. Na Romênia e Reino Unido, onde os dados se referem somente aos procedimentos realizados no setor público, fato igual ao nosso em questão, as taxas, em 2010, foram de 53 e 94 por 100.000 hab., respectivamente26 Estimamos uma aproximação maior dessa taxa para o usuário do SUS, retirando do denominador os beneficiários de planos privados de saúde, encontrando valores mais elevados, de 35,0 por 100.000 em 2008 a 83,9 por 100.000 em 2011, mais próximos da OECD, mas há que considerar as diferenças da população. Viacava et al2828. Viacava F, Porto S, Laguardia J, Moreira RS, Ugá MAD. Diferenças regionais no acesso à cirurgia cardiovascular no Brasil, 2002-2010. Ciênc saúde coletiva. 2012;17(11):2963-9. também avaliaram as taxas de angioplastia coronariana apresentadas no Brasil como menores do que as observadas na maioria dos países da OECD. Um aprofundamento maior do estudo, para evidenciar possíveis barreiras ao acesso envolveria as listas de espera para esses procedimentos existentes nas Centrais de Regulação do SUS.

O Rio de Janeiro possui uma proporção de equipamentos públicos de RX para hemodinâmica, relativamente, mais elevada do que o Brasil (24,2% e 14,5%, em 2009, respectivamente). Entretanto, parece haver subutilização destes nos hospitais públicos, principalmente a partir de 2010, quando há um desvio da demanda para hospitais privados inclusive a distâncias consideráveis. Além disso, esses hospitais parecem trabalhar com uma complexidade menor do que a existente na região Sudeste, se considerarmos como expressão disso os valores médios dos procedimentos no período de 2008 a 2012 (R$ 4.903,77 e R$ 5.878,03 respectivamente).

Em alguns exemplos, existem critérios de regulação de entrada de prestadores, como nos estados do Tennessee2929. State of Tennessee. Certificate of need standards and criteria for cardiac catheterization services; 2009. Disponível em: http://tennessee.gov/hsda/con_standard_docs/Cardiac%20Catheterization%20Services.pdf.
http://tennessee.gov/hsda/con_standard_d...
e West Virginia3030. West Virginia Health Care Authority. Cardiac Catheterization Standards; 2008. Disponível em: http://www.hcawv.org/CertofNeed/Support/CardiacCath.pdf.
http://www.hcawv.org/CertofNeed/Support/...
localizados nos EUA, através de instrumentos chamados certificate of need. Eles se baseiam na distância geográfica, onde ao menos 75% da população-alvo de um serviço devam residir dentro de 60 milhas (96 km) de distância. Os critérios são de utilização passada (nos últimos três anos disponíveis), o que tem o inconveniente de cristalizar distorções prévias. Além disso, é calculada uma produtividade média padronizada de um serviço multiproposital de 2000 casos por ano. Como critério de qualidade, já estabelecido desde o final dos anos 7025, há uma produção mínima padronizada de 300 casos por ano a ser alcançada em até três anos.

Esses critérios, no nosso caso, podem ser aplicados com uma aproximação maior da realidade em hospitais públicos, dado que os privados disponíveis ao SUS apresentam, frequentemente, uma dupla porta de entrada e a produção privada não está disponível para consulta. Em todo o estado do Rio de Janeiro, somente um hospital público alcançou o standard de 2.000 casos no ano de 2011. Os demais hospitais estão muito longe deste valor, situados todos na microrregião e município do Rio de Janeiro que tem encaminhado uma demanda significativa para Cabo Frio, a 150 km de distancia. Como critério de qualidade, no alcance de ao menos 300 exames ao final de três anos, seis hospitais, todos públicos, não conseguiram ainda se enquadrar nesse valor. Mesmo considerando possibilidades de glosas e ausência continuada de informação, pode-se concluir que problemas na rede pública da microrregião do Rio de Janeiro têm significado para a população usuária do SUS inconvenientes referentes ao grande deslocamento para obter tratamento cirúrgico em Cardiologia Intervencionista. Tal fluxo também foi encontrado por Pinto e Pinheiro2424. Pinto AMS, Pinheiro RS. Utilização de cirurgias cardíacas de alta complexidade no Estado do Rio de Janeiro numa perspectiva regionalizada: SIH-SUS - 1999 a 2007. Cad saúde colet. 2010;18(3):445-55. e reforça a necessidade de identificar as motivações e limitações que influenciam o baixo uso dos equipamentos públicos simultaneamente ao estabelecimento de uma referencia continuada a determinados hospitais privados.

Considerando a oferta total de equipamentos de RX para hemodinâmica no Brasil e no estado do Rio de Janeiro e as desigualdades entre pacientes do SUS e pacientes privados, pode-se concluir que a redução dessas desigualdades pode ser razoavelmente alcançada, pois, mais do que uma política de ampliação da oferta total, faz-se necessário aprimorar a capacidade de aproveitamento dos recursos totais já existentes.

Os bancos de dados oficiais têm sido extremamente úteis para avaliar difusão de tecnologias no Brasil. Entretanto, a ausência de disponibilização pública de informações da área privada, como as dos beneficiários de planos privados de saúde, impediu que fossem estimadas taxas de cobertura de procedimentos de cardiologia intervencionista para essa população, o que permitiria que comparações com as coberturas de outros países e do SUS pudessem ser efetuadas.

Por outro lado, é preocupante a perda da capacidade pública de avaliar os valores efetivamente gastos com esses procedimentos, em função da perda de informação causada pela intensificação de pagamentos aos prestadores privados, que vão além da tabela unificada de procedimentos do SUS, por parte do estado e de municípios. Isso dificulta tanto o monitoramento dos gastos quanto da própria utilização, o que constitui um limite dos resultados analisados neste e em outros estudos2424. Pinto AMS, Pinheiro RS. Utilização de cirurgias cardíacas de alta complexidade no Estado do Rio de Janeiro numa perspectiva regionalizada: SIH-SUS - 1999 a 2007. Cad saúde colet. 2010;18(3):445-55. , 2828. Viacava F, Porto S, Laguardia J, Moreira RS, Ugá MAD. Diferenças regionais no acesso à cirurgia cardiovascular no Brasil, 2002-2010. Ciênc saúde coletiva. 2012;17(11):2963-9.. Por outro lado, ajuda a tornar mais premente a necessidade de aperfeiçoamento dos sistemas atuais de informação do SUS aqui analisados, de modo a captar as mudanças no financiamento da atenção médica no âmbito público.

Se a gestão de tecnologias de saúde está dando passos para se implantar no país, ela pode contar como vantagem com a abrangência dos bancos oficiais de dados, de modo a alcançar um uso mais eficiente dos recursos disponíveis, orientar investimentos e promover a eficácia e qualidade da atenção à saúde. Eles permitem levantar ainda hipóteses a serem aprofundadas em estudos mais detalhados, usando metodologias qualitativas que permitam entender o comportamento dos agentes que intervêm em diversos setores. Importa, pois, investigar as relações de trabalho e modelos de remuneração dos prestadores, a regulação da demanda, as estratégias competitivas dos agentes econômicos envolvidos, os padrões de prática médica, entre os diversos fatores que podem explicar os padrões encontrados de oferta e utilização e cujo esclarecimento poderá dotar a sociedade de informação e maior clareza a respeito das decisões a serem tomadas. No caso do Rio de Janeiro, levando-se em conta a necessidade deste maior aprofundamento explicativo e crítico, é importante destacar que este artigo faz parte de um projeto mais amplo de pesquisa visando entender a estrutura e a dinâmica do mercado de serviços de hemodinâmica no estado do Rio de Janeiro, como setor econômico significativo na configuração da qualidade e dos custos da atenção aos problemas cardiovasculares, dentro de um contexto mais amplo de fortalecimento dos Núcleos de Avaliação Tecnológica em Saúde desse estado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2013
  • Aceito
    01 Fev 2014
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