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Adenocarcinoma gástrico Borrmann tipo IV: análise dos resultados da ressecção curativa

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o resultado obtido com a ressecção de intenção curativa do adenocarcinoma gástrico Borrmann IV(B IV), através da análise de variáveis clínicas, cirúrgicas e anatomopatológicas, identificando quais destes fatores prognósticos se associaram à sobrevida. MÉTODOS: Foram analisados retrospectivamente, no período de janeiro de 1997 a dezembro de 2005, 123 pacientes com adenocarcinoma gástrico B IV submetidos ao tratamento cirúrgico no Serviço de Cirurgia Abdômino-Pélvica do Instituto Nacional de Câncer (INCA). O grupo submetido à ressecção curativa teve analisado diversos fatores prognósticos com relação à sobrevida global. RESULTADOS: Dos 123 pacientes estudados, 68 foram submetidos à gastrectomia, 52 (42,3%) com intenção curativa e 16 (13%) como ressecção paliativa, enquanto 55 (44,7%) tiveram doença não passível de ressecção. Três óbitos no pós-operatório seguiram-se à ressecção curativa, configurando uma taxa de mortalidade de 5,76%. Em nove (17,3%) pacientes ocorreram complicações técnicas, sendo a fístula esofagojejunal com sete casos, a mais frequente. Todos os óbitos e complicações técnicas ocorreram após gastrectomias totais, que foi o tipo de ressecção curativa mais realizada nesta série. O padrão de recidiva mais comum foi a carcinomatose peritoneal. A localização do tumor, metástase linfonodal, invasão linfática e estadiamento patológico foram considerados fatores prognósticos significantes. O tempo de sobrevida mediano foi de 29 meses, com taxa de sobrevida em cinco anos de 33% nos pacientes submetidos à ressecção curativa CONCLUSÃO: A ressecção com intenção curativa do adenocarcinoma gástrico B IV apresentou um impacto positivo na sobrevida dos pacientes com a doença nos estágios IB, II e III; com até 15 linfonodos comprometidos (pN2) e no tipo localizado.

Estômago; Prognóstico; Adenocarcinoma; Neoplasias gástricas; cirurgia; Avaliação de resultados


OBJECTIVE: To evaluate the results obtained with curative resection of Borrmann IV gastric adenocarcinoma (B IV) through the analysis of clinical, surgical and pathological data, identifying which of these prognostic factors were associated with survival. METHODS: We retrospectively analyzed 123 patients with B IV gastric adenocarcinoma undergoing surgical treatment at the Department of the pelvic-abdominal surgeries of the National Cancer Institute (INCA) from January 1997 to December 2005. The group undergoing curative resection was examined for various prognostic factors regarding overall survival. RESULTS: Of the 123 patients studied, 68 underwent gastrectomy, 52 (42.3%) with curative intent and 16 (13%) palliative resection, while 55 (44.7%) had disease not subject to resection. Three postoperative deaths followed the curative resection, constituting a mortality rate of 5.76%. In nine (17.3%) patients there were technical complications, and esophagojejunal fistula seven cases, the most frequent. All technical complications and deaths occurred after total gastrectomy, which was the most commonly performed curative resection type in this series. The most common pattern of recurrence was peritoneal carcinomatosis. The location of the tumor, lymph node metastasis, lymphatic invasion and pathological staging were considered significant prognostic factors. The median survival time was 29 months, with a rate of five-year survival of 33% in patients undergoing curative resection. CONCLUSION: The curative resection of B IV gastric adenocarcinoma had a positive impact on survival of patients with the disease in stages IB, II and III, with up to 15 lymph nodes (pN2) and localized type.

Stomach; Prognosis; Adenocarcinoma; Stomach neoplasms; surgery; Outcome assessment


ARTIGO ORIGINAL

Adenocarcinoma gástrico Borrmann tipo IV: análise dos resultados da ressecção curativa

Antonio Carlos Accetta -TCBC-RJI; José Eduardo Ferreira Manso -TCBC-RJII; Eduardo Linhares Riello de Mello -TCBC-RJIII; Rubens Kesley Siqueira de PaivaIII; Leonaldson dos Santos Castro -TCBC-RJIII ; Pietro Accetta -TCBC-RJIV

ICirurgião Oncológico da Seção de Cirurgia Abdômino-Pélvica do Instituto Nacional de Câncer (INCA); Professor Assistente de Cirurgia Geral da Universidade Federal Fluminense (UFF)

IIProfessor Associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)- Rio de Janeiro RJ-BR

IIICirurgião Oncológico da Seção de Cirurgia Abdômino-Pélvica do INCA- Rio de Janeiro RJ

IVProfessor Titular de Cirurgia Geral da UFF- Niterói RJ-BR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Antonio Carlos Accetta E-mail: antonioaccetta@globo.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o resultado obtido com a ressecção de intenção curativa do adenocarcinoma gástrico Borrmann IV(B IV), através da análise de variáveis clínicas, cirúrgicas e anatomopatológicas, identificando quais destes fatores prognósticos se associaram à sobrevida.

MÉTODOS: Foram analisados retrospectivamente, no período de janeiro de 1997 a dezembro de 2005, 123 pacientes com adenocarcinoma gástrico B IV submetidos ao tratamento cirúrgico no Serviço de Cirurgia Abdômino-Pélvica do Instituto Nacional de Câncer (INCA). O grupo submetido à ressecção curativa teve analisado diversos fatores prognósticos com relação à sobrevida global.

RESULTADOS: Dos 123 pacientes estudados, 68 foram submetidos à gastrectomia, 52 (42,3%) com intenção curativa e 16 (13%) como ressecção paliativa, enquanto 55 (44,7%) tiveram doença não passível de ressecção. Três óbitos no pós-operatório seguiram-se à ressecção curativa, configurando uma taxa de mortalidade de 5,76%. Em nove (17,3%) pacientes ocorreram complicações técnicas, sendo a fístula esofagojejunal com sete casos, a mais frequente. Todos os óbitos e complicações técnicas ocorreram após gastrectomias totais, que foi o tipo de ressecção curativa mais realizada nesta série. O padrão de recidiva mais comum foi a carcinomatose peritoneal. A localização do tumor, metástase linfonodal, invasão linfática e estadiamento patológico foram considerados fatores prognósticos significantes. O tempo de sobrevida mediano foi de 29 meses, com taxa de sobrevida em cinco anos de 33% nos pacientes submetidos à ressecção curativa

CONCLUSÃO: A ressecção com intenção curativa do adenocarcinoma gástrico B IV apresentou um impacto positivo na sobrevida dos pacientes com a doença nos estágios IB, II e III; com até 15 linfonodos comprometidos (pN2) e no tipo localizado.

Descritores: Estômago. Prognóstico. Adenocarcinoma. Neoplasias gástricas/cirurgia. Avaliação de resultados (cuidados de saúde).

INTRODUÇÃO

A classificação do câncer gástrico avançado, proposta por Borrmann1, em 1926, conforme o aspecto macroscópico ainda é amplamente utilizada por cirurgiões, patologistas e endoscopistas em todo o mundo2. O adenocarcinoma gástrico Borrmann tipo IV (B IV), definido como de caráter infiltrativo, pode acometer o estômago de forma difusa ou localizada, de acordo com a extensão do envolvimento gástrico3. Em 1858, Brinton cunhou o termo linitis plastica4, para descrever o carcinoma gástrico infiltrativo que ocupava todo o estômago (forma difusa), também chamado na literatura inglesa de carcinoma cirroso3.

Aproximadamente, 10 a 15% de todos os adenocarcinomas gástricos são classificados como tipo B IV, e alguns estudos evidenciam a sua associação a fatores sabidamente de pior prognóstico5-7. Assim, apesar dos avanços no tratamento do câncer gástrico, os resultados cirúrgicos do B IV permanecem ruins, apresentando menores taxas de ressecções curativas5-8 e de sobrevida6,7,9 em relação aos demais tipos de carcinomas gástricos.

Apesar de questionada10, a terapêutica cirúrgica permanece como a única modalidade de tratamento capaz de propiciar a cura. A operação mais adequada a ser realizada permanece objeto de discussão, embora haja concordância de que a ressecção radical com linfadenectomia D2 esteja associada a melhores resultados, com aumento do tempo de sobrevida5,7,11.

Neste estudo avaliou-se retrospectivamente o resultado obtido após a ressecção com intenção curativa do adenocarcinoma gástrico B IV, através da análise de variáveis clínicas, cirúrgicas e anatomopatológicas, identificando quais destes fatores prognósticos se associaram à sobrevida.

MÉTODOS

Realizamos um estudo de coorte retrospectivo, no período de janeiro de 1997 a dezembro de 2005, onde foram avaliados 123 prontuários de pacientes com adenocarcinoma gástrico B IV submetidos ao tratamento cirúrgico no Serviço de Cirurgia Abdômino-Pélvica do INCA. Destes, 68 foram submetidos à gastrectomia, 52 com intuito curativo e 16 como ressecção paliativa, enquanto 55 tiveram doença não passível de ressecção (Figura 1). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional do Câncer registrado sob o número 02/09.


Nos 52 pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico com intenção curativa analisamos variáveis clínicas como sintomas da doença, e demográficas como sexo e idade. Os fatores anatomopatológicos avaliados macroscopicamente foram o tamanho do tumor, a sua localização no estômago, enquanto que à microscopia foram estudados o grau de diferenciação, padrão histológico predominante, a profundidade de invasão da lesão, o número de linfonodos ressecados e comprometidos no espécime cirúrgico, a invasão linfática, neural e vascular, além do estadiamento patológico (pTNM). As variáveis cirúrgicas analisadas foram: tipo de operação realizada (gastrectomia total versus subtotal), o tipo de linfadenectomia (D2 versus D1) e a morbimortalidade operatória. O estadiamento da doença foi realizado segundo as normas da 6ª edição da Classificação de Tumores Malignos da União Internacional contra o Câncer (UICC)12.

De acordo com a extensão do envolvimento gástrico, o adenocarcinoma B IV foi classificado em dois tipos: 1- difuso (linitis plastica) quando a lesão envolveu todo o órgão, indo do fundo até o piloro; 2- localizado, quando acometeu no máximo 2/3 do estômago3.

A decisão de realizar gastrectomia total (GT) ou gastrectomia subtotal (GST) foi feita, baseada na distância proximal do tumor em relação à junção esofagogástrica (JEG). Os pacientes com tumor localizado no terço proximal, metade superior do estômago ou com linitis plastica foram submetidos à GT, enquanto aqueles que tinham o tumor no terço distal ou metade inferior foram submetidos à GST.

Ressecção curativa foi definida como aquela que não deixou doença residual macroscópica, com margem cirúrgica proximal e distal livres à histologia, e ausência de metástase à distância, ou seja, uma ressecção R0 segundo as regras da UICC12.

Tanto a linfadenectomia limitada(D1) quanto à ampliada (D2) foram realizadas de acordo com os critérios descritos pela Japanese Gastric Cancer Association (JGCA)13. A linfadenectomia D1 foi empregada somente nos pacientes com estado geral comprometido pela doença. Foram consideradas metástases à distância as seguintes situações observadas durante o ato operatório: metástases hepáticas, disseminação peritoneal, citologia positiva no lavado peritoneal e linfonodos positivos além da estação N2 (níveis 13,14,15 ou 16). Nestes casos a ressecção foi considerada paliativa mesmo com uma operação R0.

A mortalidade foi definida como operatória quando ocorreu nos 30 primeiros dias após o ato operatório, e recidiva da doença quando esta foi diagnosticada a partir de três meses da ressecção considerada, em princípio, curativa. O tipo de recidiva foi classificado com base em exames de imagem ou achados intraoperatórios e de biópsia nos pacientes que foram reoperados.

Análise Estatística

Na amostra de 52 pacientes submetidos à operação com intuito curativo avaliou-se 13 variáveis/fatores prognósticos para sobrevida, sendo efetuada análise univariada, com aplicação dos testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. Foi utilizada análise multivariada através do método de regressão logística com aplicação do teste de Wald, considerando-se as variáveis estatisticamente significativas encontradas na análise univariada, com o objetivo de encontrar fatores prognósticos independentes significantes.

As curvas de sobrevida global foram estimadas pelo método de Kaplan-Meier e a diferença entre elas foi avaliada pelo teste de Log-rank. Todos os valores p<0.05 foram considerados estatisticamente significativos A análise estatística foi feita pelo programa Statistical Package for the Social Science (SPSS) versão 8.0.

RESULTADOS

Dos 123 pacientes com adenocarcinoma gástrico B IV, 68 foram submetidos à gastrectomia, gerando uma taxa de ressecabilidade de 55,3%. A operação com intenção curativa foi realizada em 42,3% (52/123) dos pacientes, 44,7% (55/123) dos tumores foram irressecáveis e 13% (16/123) o foram de forma paliativa.

Nos pacientes submetidos à ressecção com intenção curativa, tivemos 30 homens (57,7%) e 22 mulheres (42,3%), com uma mediana de idade de 62 anos (variando de 31 a 79 anos). Os sintomas mais comuns foram dor epigástrica e emagrecimento, presentes em 75% (39/52) e 71% (37/52), respectivamente. O tamanho médio do tumor foi 8,7cm (4,5 a 24cm).

O segmento gástrico decorrente da ressecção curativa mostrou diversos fatores de mau prognóstico associados a este tumor. O grau de diferenciação mais comum foi o pouco diferenciado (G3), presente em 80,7% (42/52), enquanto o padrão histológico mais frequente foi o de células em anel de sinete, observado em 71% (37/52). Quanto à profundidade de invasão, três foram T2, 48 foram T3 e apenas um T4, mostrando invasão da serosa em 94,2% (49/52). Não havia metástases linfonodais (pN0) em sete pacientes, ao passo que em 45 (86,5%) elas estavam presentes. Assim, quando do diagnóstico inicial, 84,6% (44/52) dos pacientes B IV apresentaram doença nos estágios III ou IV, ou seja, localmente avançada.

O tipo de ressecção mais realizada foi a GT, executada em 67,3% (35/52) pacientes, enquanto a GST foi efetuada em 32,7%(17/52). Todos os casos de linitis plastica foram tratados com GT, ao passo, que os BIV localizados foram tratados com GT ou com GST. Todas essas operações foram acompanhadas de linfadenectomia, sendo a D2 em 42 pacientes (80,7%) e a D1 em 10 (19,3%).

A ressecção curativa gerou um espécime cirúrgico com uma mediana de 36 linfonodos (5 a 82), com oito metastáticos (0 a 58). A mediana de linfonodos removidos e histologicamente examinados foi 37 (16 a 82) na linfadenectomia D2 e 20 (5 a 68) na D1, sendo esta diferença significante (p=0,02).

Ocorreram três óbitos no pós-operatório, resultando numa taxa de mortalidade de 5,76% (3/52), sendo dois relacionados com fístula esofagojejunal e um decorrente de tromboembolismo pulmonar extenso. Foram registrados nove casos de complicações técnicas (17,3%), sendo a fístula esofagojejunal, presente em sete pacientes, a mais frequente, seguida por duas fístulas de côto duodenal. Os óbitos e complicações ocorreram na GT. Quando a morbimortalidade operatória foi relacionada com o tipo de linfadenectomia, observamos que a dissecção D2 apresentou menores taxas de morbidade (16,6% x 30%) e mortalidade (4,76% x 10%), em relação à D1, respectivamente.

A recidiva foi detectada em 31 (59,6%) pacientes e as metástases peritoneais foram observadas em 19 (61,3%), mostrando ser o padrão de recidiva mais comum, seguida por metástases à distância por via hematogênica com cinco casos. Nenhum dos pacientes submetidos à ressecção curativa, recebeu tratamento adjuntivo.

A análise univariada dos fatores prognósticos que poderiam se associar à sobrevida revelou que a localização do tumor (localizado versus difuso), metástases linfonodais, invasão linfática e o estadiamento patológico foram significantes (Tabela1). Quando tais fatores foram avaliados pela análise multivariada, apenas invasão linfática e o estadiamento patológico foram considerados fatores prognósticos independentes para sobrevida.

O tempo de sobrevida mediano foi de 29 meses nos pacientes submetidos à ressecção com intenção curativa, de 10 meses naqueles com ressecção paliativa e de apenas três meses nos não ressecados. A sobrevida global nos 52 pacientes submetidos à operação curativa foi de 59% em dois anos e 33% em cinco anos, com um tempo mediano de seguimento de 27 meses. Nos 71 pacientes que tiveram operação não-curativa, a sobrevida em dois anos foi de 4% e em cinco anos de 0%, sendo esta diferença significante (p= 0,001) (Figura 2). Nos pacientes com ressecção paliativa, a sobrevida em dois anos foi de 13% e em cinco anos de 0%, mantendo-se significativa (p=0,004), a favor da ressecção curativa. Nos pacientes não-ressecados não foi possível calcular taxa de sobrevida, pois não havia mais sobreviventes decorridos dois anos.


A figura 3 mostra as curvas de sobrevida em cinco anos com ressecção curativa, que foram de 83% nos pacientes nos estágios IB/II, 42% no estádio III e 0% no IV (p=0,001). Quando analisadas as curvas em função do comprometimento linfonodal, a sobrevida de cinco anos foi de 69% nos pacientes N0, 39%, 36% e 0% nos grupos N1, N2 e N3, respectivamente, sendo esta diferença, também, significante (p=0,03), conforme demonstra a figura 4.



A análise da sobrevida, considerando a localização do tumor no estômago, evidenciou que a ressecção curativa proporcionou maiores taxas em cinco anos nos pacientes com a forma localizada em relação à forma difusa (42% vs 11%; p=0,04) (figura 5). Os pacientes submetidos à GST apresentaram taxa de sobrevida em cinco anos de 44%, enquanto naqueles com GT foi de 26% (p=0,03).


Nos 52 pacientes submetidos à ressecção curativa registramos 34 óbitos, sendo 31 por recidiva da doença e três mortes decorrentes da operação. Dez pacientes apresentaram abandono de seguimento e oito encontravam-se vivos com sobrevida de 37, 38, 39, 47, 53, 68, 73 e 132 meses, todos sem evidência de doença.

DISCUSSÃO

Analisar os diversos fatores prognósticos que afetaram a sobrevida dos nossos pacientes submetidos a tratamento cirúrgico curativo e compará-los com os demais resultados encontrados na literatura é uma tarefa árdua. Na maioria destes trabalhos, tais variáveis foram analisadas em grupos de pacientes submetidos a qualquer tipo de ressecção gástrica, sem distinguir intenção curativa ou paliativa3,5,7,9,14-19, enquanto um menor número deteve-se exclusivamente no estudo destes fatores na operação curativa8,11,20, de forma semelhante a nossa casuística.

Assim como nosso estudo, diversos outros confirmaram que o B IV esteve associado a fatores sabidamente de pior prognóstico5-7,11,14,16. Diagnóstico em estágios avançados, grau histológico pouco diferenciado, invasão da serosa e grande incidência de envolvimento linfonodal são fatores que influenciam diretamente sobre o prognóstico causando menores taxas de operações curativas, que podem variar entre 31 e 52%3,5-8,20 e estão em acordo com nossos dados que foi de 42,3% (52/123). Algumas séries mostraram que até 2/3 desses pacientes foram submetidos à operações não-curativas17,20, razão pela qual Aranha10 afirma que a linitis plastica não é uma doença de tratamento cirúrgico. Acrescente-se a existência de outros relatos demonstrando que a gastrectomia deve ser evitada nos pacientes B IV com citologia positiva no lavado peritoneal21,22.

Apesar dos avanços no tratamento do câncer gástrico, os resultados cirúrgicos do adenocarcinoma B IV permanecem ruins, os piores dentre todos os carcinomas gástricos19. As taxas de sobrevida em cinco anos, após gastrectomias curativas, variaram de 11% a 33,4%5,7,17,19, confirmando que eles apresentam menores taxas em relação aos outros tipos definidos por Borrmann6,7,9. Em nossos pacientes, a sobrevida global em cinco anos foi de 33%, semelhante às faixas de variação encontradas na literatura.

Um dos principais fatores prognósticos independentes para sobrevida no carcinoma gástrico B IV foi a profundidade de invasão da lesão (pT)16,17,19,20, A análise de 65 pacientes submetidos à ressecção curativa, mostrou a ausência de invasão serosa (tumores T2) como a única variável de valor significante, resultando numa taxa de sobrevida em cinco anos, neste subgrupo, de 55,6%17. Outro relato19 mostrou que 100% dos pacientes com tumores T2 encontravam-se vivos cinco anos após a ressecção tumoral, ao passo que apenas 24% com lesões T3 sobreviveram cinco anos após a ressecção. Como a nossa amostra foi constituída quase que exclusivamente por tumores que apresentavam invasão da serosa (49/52), não pudemos avaliar o real impacto na sobrevida deste importante fator prognóstico.

A presença de metástases linfonodais foi um fator prognóstico significativo para sobrevida em nossos pacientes submetidos à ressecção curativa, estes achados são semelhantes aos encontrados em outros estudos3,8,9,11,14,16,17,20. Moreaux3 e Kodera8 destacaram o envolvimento linfonodal como a única variável de valor significante em suas amostras chegando, em outros relatos, a ser considerado um fator independente de sobrevida14,16,20. Nossa taxa de sobrevida em cinco anos nos pacientes sem acometimento linfonodal foi de 69%, enquanto todos os outros com mais de 15 linfonodos invadidos (pN3) não sobreviveram mais do que três anos. Kikuchi11 mostrou que todos os pacientes B IV com metástases linfonodais além do nível 2 (N2), submetidos à ressecção curativa, morreram dentro de dois anos. Ainda assim, existe potencial de cura pela operação radical com linfadenectomia D2, nos casos em que o comprometimento linfonodal esteja restrito até o nível 2.

O estágio TNM foi outro fator que afetou a sobrevida de maneira significativa em nossa amostra submetida à ressecção curativa. Obtivemos uma taxa de sobrevida em 5 anos, muito expressiva nos estágios mais iniciais, ou seja, IB/II (83%), satisfatória no estádio III (42%) e sombria no IV (0%), próxima aos resultados obtidos por Kinugasa19 (78%, 35% e 4%, respectivamente). Estes dados mostram que o estádio IV comporta-se como doença sistêmica, pouco se beneficiando com a ressecção R0 no que tange à sobrevida global.

A apresentação localizada ou difusa, assim como a presença ou não de invasão linfática foram os demais fatores que se associaram à sobrevida de maneira significativa após ressecção curativa, à semelhança de outras séries11,17, não obstante Kunisaki20 ter demonstrado que a presença de invasão linfática não tivesse alterado a sobrevida na sua amostra. Nossa taxa de sobrevida em cinco anos foi muito superior quando o tumor foi encontrado na forma localizada (42% versus 11%), o que nos permite caracterizar este subgrupo como o que esteve associado a maior benefício com a cirurgia radical.

Do mesmo modo que em outras séries17,20, o tipo de operação realizada (GT versus GST) não foi considerado um fator prognóstico significativo após análise univariada em nosso estudo. Nossa taxa de sobrevida em cinco anos após GST foi maior em relação à GT (44% versus 26%; p=0,03). Esta diferença significante poderia se justificar pelo fato da GST ter sido empregada nos tumores com localização mais distal e a GT realizada nas lesões mais proximais ou nos casos de linitis plastica, tumores sabidamente de pior prognóstico. Tais resultados são diferentes dos de Hamy18, que afirma ser sempre necessário o emprego de GT no B IV em função do seu modo de disseminação gástrico intraparietal.

Vale ressaltar que variáveis demográficas como idade e sexo não foram estatisticamente significativas, a exemplo de outras séries com pacientes submetidos à ressecção curativa11,20.

Fatores anatomopatológicos como o grau de diferenciação e a invasão venosa não se associaram à sobrevida em nossos pacientes, assim como naqueles operados por Kunisaki20. Outro fator, como o padrão histológico, também não foi significativo, da mesma forma que no relato de Kinugasa19. Quanto à presença de invasão neural, não foi possível comparar nossos resultados com os da literatura, uma vez que nenhum dos estudos pesquisados analisou esta variável após a ressecção curativa.

Apesar de não ser objetivo do nosso estudo discutir sobre a operação mais adequada para tratar o adenocarcinoma gástrico B IV, este tema gera grande controvérsia. Aranha et al.10 recomendam a GT quando a doença está limitada ao estômago ou aos linfonodos regionais, mas consideram-na sempre de caráter paliativo, em função de uma sobrevida média de 13,6 meses. Havendo invasão por contiguidade de órgãos adjacentes, esses mesmos autores contraindicam qualquer tipo de ressecção.

Furukawa et al.23, baseado na alta incidência de invasão de vísceras adjacentes e metástases linfonodais nos tumores B IV do estômago, têm preconizado a evisceração do quadrante superior esquerdo do abdômen, sendo tal procedimento denominado de cirurgia de Appleby, que consiste na ressecção sistemática de todo o estômago, baço, corpo e cauda do pâncreas, cólon transverso, vesícula biliar e adrenal esquerda, associada à ampla linfadenectomia. Em seu relato comparam os achados de um grupo de 30 pacientes submetidos a tal procedimento com outros 30 pacientes submetidos à GT com pancreato-esplenectomia, todos portadores de adenocarcinoma B IV. Além de conseguir demonstrar que a morbimortalidade era idêntica em ambos os grupos, observaram que nos casos estádio IV, não foram encontradas diferenças nas taxas de sobrevida em três anos, diferentemente dos estádios II e III, onde diferença significativa mostrou vantagens da ressecção ampliada (83,3% vs 42,2%; p<0,05). Com isso, concluíram que este procedimento deve ser empregado de rotina, excetuando-se os casos em estádio IV. No entanto, há opiniões contrárias16,20 demonstrando que a ressecção combinada com a de outros órgãos adjacentes comprometidos não melhora a sobrevida. Compartilhando da mesma opinião, Chen9 mostrou, em estudo retrospectivo, taxas de sobrevida semelhantes ao comparar ressecções ampliadas como GT associada a pancreatoesplenectomia versus GST ou GT isolada, sugerindo ser necessária à realização de um ensaio clínico randomizado para definir a melhor estratégia operatória nos carcinomas gástricos B IV.

O tipo de linfadenectomia, como um fator prognóstico, nos tumores B IV submetidos às gastrectomias curativas é muito controverso, da mesma forma que no câncer gástrico em geral. Yoshikawa17 mostra a dissecção D2 como um fator prognóstico significativo para sobrevida, enquanto Kunisaki20 não a caracteriza como variável significante, quando comparada à D1. Em nossa série, a sobrevida mediana foi de 28 meses na linfadenectomia D2 e de 25,5 meses na D1, não representando uma diferença estatisticamente significante.

A linfadenectomia D2 foi realizada na maioria das nossas ressecções curativas (42/52) e resultou em menores taxas de morbimortalidade em relação a D1. Consideramos que, pelo menos, dois fatores contribuíram para esses melhores resultados: a experiência dos cirurgiões com a técnica D2 e as piores condições clínicas dos pacientes nos quais a opção foi a D1. Mesmo não demonstrando ser um fator prognóstico para aumento de sobrevida em nosso estudo, consideramos que a linfadenectomia D2, na dependência das condições clínicas do paciente, deva ser realizada de rotina, pois pode permitir uma melhor avaliação das estações nodais e, eventualmente, diminuir a chance da migração de estágio, denominado fenômeno de Will Rogers24.

Como é possível observar em nossa série e, a exemplo do que registram outros autores5,6,8,15, a carcinomatose peritoneal foi o padrão de recidiva mais comum nos pacientes com tumores B IV submetidos à gastrectomia curativa, sendo observada em 61,2% das nossas recidivas.

A invasão serosa, considerada um importante fator de risco para recidiva peritoneal após cirurgia radical25, esteve presente em 94,2% (49/52) das nossas ressecções curativas. Otsuji et al.14 identificaram metástases em linfonodos regionais como a única variável independente em predizer o desenvolvimento de carcinomatose peritoneal nos pacientes com carcinoma gástrico B IV. Vale ressaltar que 86,5% (45/52) da nossa amostra apresentou linfonodos comprometidos. Estes dois fatores, presentes na maioria dos nossos pacientes, justificaria atribuir ao peritônio o principal sítio de falha após nossas gastrectomias com intuito curativo.

A ressecção permanece como o único tratamento curativo no câncer gástrico, ainda que grande parte dos pacientes submetidos a uma ressecção curativa venha a desenvolver recorrência locorregional ou à distância, por isso tem sido de grande interesse o desenvolvimento de estratégias para prevenir recorrências e melhorar a sobrevida global.

Concluímos que a ressecção curativa do adenocarcinoma gástrico B IV apresentou um impacto positivo na sobrevida dos pacientes com doença estágios IB, II e III; com até 15 linfonodos comprometidos (pN2) e no tipo localizado.

Recebido em 30/06/2010

Aceito para publicação em 11/08/2010

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Parte da Dissertação de conclusão do Curso de Pós-Graduação em Medicina (Cirurgia Geral), nível Mestrado, do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizado no Instituto Nacional de Câncer (INCA).

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  • Endereço para correspondência:
    Antonio Carlos Accetta
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      30 Jun 2010
    • Aceito
      11 Ago 2010
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