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Perda de calor determinada pela exposição das alças intestinais em ratos

Heat loss caused by bowel exposition to room temperature in rats

Resumos

OBJETIVO: Esta pesquisa tem por objetivo quantificar a perda de energia calórica que ocorre ao realizarmos uma laparotomia com exposição de alças intestinais à atmosfera em ratos; determinar a perda termodinâmica representada por watts/m² em função da superfície peritoneal exposta do animal e discutir meios de tratamento para a perda de calor. MÉTODO: Foram utilizados 30 ratos machos, Wistar, distribuídos em cinco grupos de seis animais cada, com idade de 8 a 9 semanas, com o peso entre 200 e 220g. No grupo A ou grupo controle, os animais foram submetidos a anestesia inalatória. No grupo B, os ratos foram submetidos a uma laparotomia mediana com exposição das alças intestinais. Nos grupos C, D e E, os ratos foram submetidos a uma laparotomia mediana com exposição das alças intestinais e tratados respectivamente, por gaze úmida, gaze seca e empacotamento com filme de poliéster. RESULTADOS: Observou-se uma significativa perda de energia calórica quando se realiza uma laparotomia com exposição das alças intestinais em ambiente não controlado, da ordem de 620,72 kJ/m² A análise da perda termodinâmica, em função da superfície corpórea exposta do rato, apresentou um valor de 382,97 W/m². CONCLUSÕES: Na avaliação dos diferentes tipos de tratamento utilizados para prevenir a perda de calor corpóreo, ficou evidente que a utilização do filme de poliéster (PVC) foi o método mais efetivo na conservação do calor, em relação à gaze seca e, ou úmida respectivamente.

Hipotermia; Exposição ambiental; Regulação da temperatura corporal; Ratos Wistar


BACKGROUND: This study has the intent to quantify the caloric energy loss that occurs when a laparotomy is done and the bowel is exposed to room temperature in rats; to find the thermodynamic loss measured in watt/m² over the rat peritoneal area exposed and discuss ways to manage that heat loss. METHODS: This research project used 30 male rats, Wistar, separated in 5 groups of 6 animals, from 8 to 9 weeks old and weighting between 200 to 220g. Group A animals, the control group, received inhalation general anesthesia only. Group B rats were submitted to a median laparotomy with bowel loops exposure to open room temperature. Groups C, D and E rats were subjected to median laparotomy with bowel loops exposure to open room temperature and treated with wet sponge, dry sponge and polyester film packing, respectively. RESULTS: The result showed there is a significant 620,72 kJ/m² heat energy loss with laparotomy procedures and bowel loops exposure to room temperature in a non-monitored environment. The thermodynamic loss analysis showed, due to rat exposed body surface, there was a 382,97 W/m² heat loss. CONCLUSION: Different types of treatment assessments used in this research showed the most effective method for maintaining heat was the polyester film use (PVC), when compared to t wet sponge and/or dry sponge methods, respectively.

Hypothermia; Environmental exposure; Body temperature regulations; Rats Wistar


ARTIGO ORIGINAL

Perda de calor determinada pela exposição das alças intestinais em ratos

Heat loss caused by bowel exposition to room temperature in rats

Luiz Carlos Von Bahten, TCBC- PRI; Mario Mantovani, TCBC-SP - SPII; João Eduardo Leal Nicoluzzi, TCBC-PRIII; Fábio SilveiraIV; Aline Cadena Von BahtenV

IProfessor Titular de Clínica Cirúrgica da PUCPR; Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia UFPR; Coordenador do Curso de Pós-Graduação Stricto-Sensu – Clínica Cirúrgica do CCBS PUCPR; Cirurgião Geral e do Trauma

IIProfessor Titular da Disciplina de Cirurgia do Trauma e Coordenador do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas

IIIDoutor em Cirurgia pela Universidade Federal do Paraná; Mestre em Cirurgia de Transplantes pela Universidade pela Universidade Paris XI; Cirurgião do Aparelho Digestivo

IVPós-Graduando do Curso de Mestrado em Cirurgia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná

VAluna do Curso de Medicina da PUC-PR.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Recebido em 14-04-2006 Aceito para publicação em 12-05-2006 Conflito de interesses: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma

RESUMO

OBJETIVO: Esta pesquisa tem por objetivo quantificar a perda de energia calórica que ocorre ao realizarmos uma laparotomia com exposição de alças intestinais à atmosfera em ratos; determinar a perda termodinâmica representada por watts/m2 em função da superfície peritoneal exposta do animal e discutir meios de tratamento para a perda de calor.

MÉTODO: Foram utilizados 30 ratos machos, Wistar, distribuídos em cinco grupos de seis animais cada, com idade de 8 a 9 semanas, com o peso entre 200 e 220g. No grupo A ou grupo controle, os animais foram submetidos a anestesia inalatória. No grupo B, os ratos foram submetidos a uma laparotomia mediana com exposição das alças intestinais. Nos grupos C, D e E, os ratos foram submetidos a uma laparotomia mediana com exposição das alças intestinais e tratados respectivamente, por gaze úmida, gaze seca e empacotamento com filme de poliéster.

RESULTADOS: Observou-se uma significativa perda de energia calórica quando se realiza uma laparotomia com exposição das alças intestinais em ambiente não controlado, da ordem de 620,72 kJ/m2 A análise da perda termodinâmica, em função da superfície corpórea exposta do rato, apresentou um valor de 382,97 W/m2.

CONCLUSÕES: Na avaliação dos diferentes tipos de tratamento utilizados para prevenir a perda de calor corpóreo, ficou evidente que a utilização do filme de poliéster (PVC) foi o método mais efetivo na conservação do calor, em relação à gaze seca e, ou úmida respectivamente.

Descritores: Hipotermia/terapia; Exposição ambiental; Regulação da temperatura corporal; Ratos Wistar.

ABSTRACT

BACKGROUND: This study has the intent to quantify the caloric energy loss that occurs when a laparotomy is done and the bowel is exposed to room temperature in rats; to find the thermodynamic loss measured in watt/m2 over the rat peritoneal area exposed and discuss ways to manage that heat loss.

METHODS: This research project used 30 male rats, Wistar, separated in 5 groups of 6 animals, from 8 to 9 weeks old and weighting between 200 to 220g. Group A animals, the control group, received inhalation general anesthesia only. Group B rats were submitted to a median laparotomy with bowel loops exposure to open room temperature. Groups C, D and E rats were subjected to median laparotomy with bowel loops exposure to open room temperature and treated with wet sponge, dry sponge and polyester film packing, respectively.

RESULTS: The result showed there is a significant 620,72 kJ/m2 heat energy loss with laparotomy procedures and bowel loops exposure to room temperature in a non-monitored environment. The thermodynamic loss analysis showed, due to rat exposed body surface, there was a 382,97 W/m2 heat loss.

CONCLUSION: Different types of treatment assessments used in this research showed the most effective method for maintaining heat was the polyester film use (PVC), when compared to t wet sponge and/or dry sponge methods, respectively.

Key words: Hypothermia/therapy; Environmental exposure; Body temperature regulations; Rats Wistar.

INTRODUÇÃO

Tanto o aumento na violência urbana quanto as melhorias no atendimento pré-hospitalar têm trazido aos centros de emergência pacientes mais gravemente traumatizados. A mudança na produção de calor, após agressões externas, é responsável por inúmeras alterações fisiológicas, que na maioria das vezes causam efeitos deletérios ao organismo.

Nossa temperatura corpórea é mantida pelo equilíbrio entre a produção e a perda calórica1. No ser humano a perda de calor corpóreo interfere nas funções fisiológicas, sendo que essa perda de calor é determinada por fenômenos físicos (condução, evaporação, irradiação, convecção) e não por diferenças entre espécies2.

A perda de calor corpóreo causa as seguintes alterações fisiológicas: retardo no consumo de oxigênio3, depressão respiratória4, coagulopatia5, acarretando em maior volume de perda de sangue e consequente maior número de transfusões6, deslocamento da curva da dissociação da hemoglobina para a esquerda, aumento da concentração de íons hidrogênio (H+) no sangue, pode ocorrer coagulação intravascular disseminada devido à lesão tecidual difusa7.

A zona termoneutra de 28ºC, com um limite superior de 40ºC e inferior de 18ºC, é definida como a temperatura ambiente na qual a taxa basal de termogênese é suficiente para neutralizar as perdas constantes de calor. A manutenção da eutermia, quando a temperatura ambiente encontra-se abaixo desse nível, requer um aumento na produção de calor. Como os seres humanos produzem calor por combustão, torna-se necessário mais oxigênio como substrato. Se a temperatura do meio for mais baixa que o limite inferior da zona de neutralidade térmica, o organismo terá que aumentar a sua produção de calor ou lançar mão de recursos para diminuir a sua dissipação8.

Quando a temperatura ambiente estiver abaixo da zona termoneutra e o consumo de oxigênio pelos tecidos estiver limitado pelo choque, a produção de calor não conseguirá neutralizar as perdas constantes, ocorrendo então hipotermia. A hipotermia alimentará uma tríade completada pela acidose metabólica e coagulopatia, conhecida com tríade da morte9.

Tendo em vista as várias causas da diminuição da temperatura corpórea intra-operatória: diminuição da produção de calor durante a anestesia, exposição do paciente a uma sala operatória não aquecida10, utilização de substâncias voláteis para assepsia da pele, infusão de fluidos não aquecidos, exposição das alças intestinais em uma laparotomia11-12, consideramos que as conseqüências dessa perda de energia precisam ser conhecidas. Sendo assim resolvemos: 1) Determinar se existe perda de calor central ao se realizar uma laparotomia com exposição de alças intestinais em ratos; 2) Determinar a perda de energia termodinâmica em função da superfície peritoneal exposta do animal; 3) Definir e discutir qual o melhor meio de tratamento para a perda de calor, durante a exposição das alças intestinais em ratos.

MÉTODO

A pesquisa foi realizada no Laboratório de Fisiologia do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (CCBS-PUCPR), após ter sido aprovada pela Comissão de Ética, segundo os princípios do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal13.

Foram utilizados 30 ratos (Rattus Norvegicus Albinus, Rodentia Mammalia) machos, Wistar, com idade de oito a nove semanas,e peso de 200 a 220g provenientes do Biotério Central da PUC-PR e mantidos alojados em gaiolas com no máximo cinco animais cada. Foi fornecida ração padronizada e água ad libitum.

Em razão da característica do experimento, os animais foram mantidos num mesmo ambiente, confinados durante a realização do ensaio cirúrgico. Foram distribuidos de forma aleatória em dois lotes de animais, designados de Experimento I e Experimento II.

· Experimento I

Neste lote os animais, foram isolados em dois grupos assim determinados.

Grupo A, ou grupo de controle, constituído de seis animais submetidos anestesia inalatória, num período de 31 minutos, não sendo submetidos a experimento cirúrgico.

Grupo B ou grupo experimento, constituído de seis animais com laparotomia mediana e exposição das alças intestinais (evisceração) por um período de 27 minutos.

· Experimento II

Neste lote os animais foram isolados em três grupos, assim determinados.

Grupo C ou grupo tratamento, constituído de seis animais com laparotomia mediana e exposição das alças intestinais (27 minutos), com as vísceras intestinais protegidas com gaze úmida.

Grupo D ou grupo tratamento, constituído de seis animais com laparotomia mediana e exposição das alças intestinais (27 minutos), com as vísceras intestinais protegidas com gaze seca.

Grupo E ou grupo tratamento, constituído de seis animais com laparotomia mediana e exposição das alças intestinais (27 minutos), empacotadas por um filme de poliéster (PVC).

Todos os ratos do experimento foram submetidos à anestesia inalatória com éter etílico em campânula de anestesia. Após a indução anestésica, mantendo-se os animais no nível III dos critérios de Guedel e Hecker14, eles foram pesados em uma balança eletrônica (Marte AS500, BR) de alta precisão e sensibilidade de 0,01 g aferida pelo Inmetro.

Posicionaram-se os animais em decúbito dorsal, numa prancha de cortiça, com quatro alças elásticas que prenderam as porções distais dos membros anteriores e posteriores. Após instalada a anestesia, observada pela ausência do reflexo ocular palpebral, os animais foram mantidos com proteção das vias aéreas, com uma sonda nasogástrica número 8 com 4,0 cm de comprimento de tal modo a regular o aporte de ar e do anestésico14.

A temperatura esofágica foi aferida por um sensor de alta precisão com erro intrínseco, BT (bias limit), de ± 0,001ºC15. Este sensor foi posicionado no terço inferior do esôfago, a 5 cm dos dentes incisivos do animal16. Em todos os ratos foi iniciada a mensuração no tempo zero, a partir do tempo de quatro minutos, período do procedimento cirúrgico relacionado ao procedimento de laparotomia com exposição das alças intestinais a atmosfera (evisceração), os animais foram então aferidos a cada três minutos, com um total de 10 medidas.

As mudanças de temperatura alteram a resistência do termistor, proporcionando maior resistência quanto menor a temperatura, sendo esse fenômeno físico mensurado por um ohmímetro (IK-1000A, ICEL, Manaus, BR), capaz de mensurar resistências tão pequenas quanto 10-2W. Posteriormente foi transformado em graus Kelvin, com o emprego da fórmula da curva de calibragem do termistor e convertidos e analisados em graus Celsius.

Nos experimentos com procedimentos, isto é, grupo B, C, D e E os ratos foram submetidos à laparotomia mediana xifopúbica com exposição das alças intestinais (evisceração). As alças intestinais foram exteriorizadas ao máximo para o lado esquerdo do corpo do animal, sem tração do pedículo mesentérico (Figura 1), mantendo-se as alças com coloração rósea e presença de pulso visível das artérias mesentéricas17.


Todos os animais do experimento II receberam tratamento18. No grupo C os animais foram tratados cobrindo-se as alças intestinais com gaze úmida (compressa) para prevenir a perda de calor gerada pela exposição. A gaze cirúrgica de algodão com dimensão de 5X5X0,2cm foi embebida com 1ml de solução salina 0,9% em temperatura ambiente de 20ºC (Figura 2).


No grupo D, os animais foram tratados cobrindo com gaze seca o intestino exposto. A gaze cirúrgica de algodão com dimensão de 5X5X0,2 cm foi posta em contato direto com o intestino, com o intuito de prevenir a perda de calor gerada pela exposição das alças intestinais (Figura 3).


No grupo E, os animais foram tratados cobrindo-se as alças intestinais com filme de poliéster19 (PVC) com 5x5 cm em contato direto com a serosa do intestino, com objetivo de prevenir a perda de calor gerada pela exposição das alças (Figura 4).


A temperatura e a umidade ambiente foram constantemente avaliadas do início ao final do experimento com termo- higrômetro de bulbo seco e úmido (Incotherm, BR) aferido pelo Inmetro e mantidas a 20ºC com umidade relativa do ar a 60%.

As perdas de calor por convecção forçada foram minimizadas com as portas e janelas fechadas e mínima movimentação ao redor dos animais. Controlou-se o fluxo de ar para que não ultrapassasse 0,2 m/s com um anemômetro digital de pás rotativas, modelo HHF 300 A (Omega Engineering, Inc), a uma distância de 10 cm do animal. Esta velocidade é o valor de transição entre a perda de calor por convecção livre e forçada20.

A perda de calor foi avaliada considerando o calor específico estimado do rato de 3,8 kJ/kg/ºC21, segundo a primeira lei da Termodinâmica para um sistema aberto em regime permanente22.

Para o estudo termodinâmico, a temperatura tomada imediatamente após o procedimento foi considerada como temperatura inicial da exposição (t= 4 min.) e a temperatura final, vinte e sete minutos após a exposição (t= 31min).

A perda total de calor foi medida em unidades de energia por superfície corpórea, de acordo com o método de mensuração da perda de energia em calorias levando em conta a massa e o calor específico estimado do rato (0,9 cal/g/0C), pela fórmula: Qk = m×c×Δt (Qk = perda de calor do corpo m = massa (gramas) c = calor específico = 0,9 cal/g/0C Δt = diferença de temperatura inicial e final em graus Celsius)

A transformação de calorias em Joules (QJ) (Sistema Internacional de Unidades – U.I.) foi obtida com a multiplicação pela constante 4,1823 QJ = Qk 4,18.

A relação da energia perdida (Joules) com o tempo em segundos (t) resultando na potência (P) de todo processo termodinâmico foi expresso em Watts (J/s): P = QJ / t.

A relação da potência (Watts) com a superfície corpórea do animal foi expressa pela seguinte fórmula, em que a perda total de calor foi medida na forma de potência por superfície corpórea: S = P / SC.

Assim, corrigindo os valores, obteve-se o resultado termodinâmico expresso em unidades de potência em relação a superfície corpórea do rato, W/m2.

O critério mais importante não é a variação de temperatura, mas sim as perdas de energia (J) e de potência (W), que estimam a massa do animal como fator de correção.

A perda de potência e de energia pelo peritônio em relação à superfície peritoneal exposta é o quociente da perda de potência e da perda de energia pela superfície peritoneal calculada em W/m2.

Para assegurar uniformidade na apresentação dos dados de temperatura experimentais e ter maior precisão nas medidas de incerteza foi utilizado a equação de Kline e Mcclintock, adotada como consenso universal24.

Nesta análise da perda de energia, testaram-se os atributos gaussianos, independência e homogeneidade das variáveis, para possibilitar a utilização da análise univariada ANOVA e do teste paramétrico de TUKEY, conforme a homocidasticia fosse aceita ou não24.

Considerou-se significativo valor de p < 0,05.

Para análise estatística utilizou-se o programa de computador STATISTICA 5-1.

A análise de variância ANOVA que estima os componentes de variância tratando-se de dois parâmetros: padrão de repetição que é variação de equipamento, e a reprodutibilidade, variação de "appraiser" ou de avaliação24.

Teste paramétrico de TUKEY, para efeitos de comparação entre grupos24.

RESULTADOS

O peso médio dos animais de experimentação foi de 287,24 g. A média de temperatura (ºC) no tempo zero de exposição de todos os grupos foi de 36,450 ± 0,556. O intervalo de tempo (4min) entre o tempo zero e o fim da exposição, resulta na temperatura de exposição (te) de 34,954 ± 0,613 ºC.

A perda de temperatura dos grupos ao final da exposição (Figura 5).


A perda de energia (J), durante o experimento (Tabela 1).

A perda de potência (W) pode ser descrita como a variação de potência no experimento (Tabela 2).

A perda de potência (W) por m2 de superfície peritoneal exposta Tabela 3 e a perda de energia(J) por metro quadrado de superfície peritoneal exposta na Tabela 4.

DISCUSSÃO

Entre os intervalos de tempo zero e tempo de quatro minutos, observou-se em todos os ratos uma variação de temperatura (ti-te). Esta mudança de valores refere-se aos fenômenos de redistribuição e estabilização da temperatura.

A diminuição da temperatura central no intra-operatório tem potenciais efeitos deletérios, como prolongamento da duração das drogas anestésicas, coagulopatias, diminuição da resistência às infecções, isquemia miocárdica e tremor pós-operatório. A perda do calor metabólico ocorre principalmente pela pele, mas podem ocorrer perdas adicionais pela ventilação pulmonar com gases não aquecidos, administração de fluidos gelados e pela incisão cirúrgica25.

No intervalo compreendido imediatamente após o fim do procedimento (te) e o fim da exposição, observou-se uma perda de 4,492 ºC no grupo eviscerado, 1,579 ºC no grupo tratado com filme de PVC e 1,496 ºC no grupo controle. Para extrapolarmos estes valores para animais de maior porte, ou seres humanos, transforma-se esta perda de temperatura em perda de Energia (J) e perda de Potência (W), utilizando-se a massa do animal como fator de correção.

A transferência de calor por radiação, convecção e evaporação acontece através da superfície corpórea exposta. Todos os objetos emitem radiação eletromagnética. A intensidade e comprimento de onda das emissões dependem da temperatura das superfícies radiantes26. A perda de calor é diretamente proporcional à exposição abdominal, quando se compara a perda de calor por unidade de área peritoneal exposta (W/m2).

A exposição da superfície serosa peritoneal úmida ao ar ambiente durante a exposição das alças intestinais proporciona a diminuição do calor corpóreo pelos fenômenos de radiação, convecção e evaporação. A água tem como característica uma alta entalpia de vaporização (calor latente de vaporização). A perda é então proporcional a esta área de superfície úmida exposta, mas constante por unidade de área de peritônio, pois o mesmo não altera suas características físicas durante a exposição.

A perda de energia na forma de calor no grupo com exposição das alças intestinais à atmosfera equivaleu a 2,9 vezes o valor da perda de calor do grupo controle, apenas anestesiado. A perda de potência da superficie peritoneal, que por definição, será a perda de potência nos diferentes grupos, menos a perda padrão de 0,957 W. O valor da perda pela superfície peritoneal pelo grupo anestesiado, controle, é zero.

Roe et al 27 avaliaram a perda de potência calórica na evisceração com exposição de alças intestinais aferindo a temperatura retal. Baseando-se em seus resultados, pode-se estimar uma perda de calor por unidade de área peritoneal em torno de 207 W/m2 em coelhos. Neste estudo observou-se uma perda de potência calórica de 382,974 W/m2 (Tabela 3).

Quando se comparou o grupo com exposição das alças intestinais à atmosfera com o grupo apenas anestesiado, constatou-se que para que a perda de calor no segundo grupo fosse equivalente a dos 27 minutos de procedimento do primeiro grupo, seria necessário um tempo 16,61 vezes maior, ou seja, mais de 7 horas e 28 minutos de anestesia. A perda de calor na anestesia, embora menos significativa que no procedimento cirúrgico, não deve ser desprezada em cirurgias com maior tempo de anestesia ou mesmo dos pacientes submetidos à sedação contínua em uma unidade de terapia intensiva. Isoladamente, o rato anestesiado do grupo controle também pode perder calor devido à inibição da termogênese muscular e aos fenômenos de vasodilatação28.

O regime de não aquecimento, adotado neste trabalho, elimina a interferência da irradiação e condução da circulação aquecida, que poderia afetar as estimativas de perdas de calor entre o peritônio e a superficie não peritoneal.

Os argumentos apresentados evidenciam que ocorre uma perda de calor por evaporação quando as alças intestinais úmidas permanecem expostas, com uma diminuição da temperatura central causando hipotermia.

Deve-se, portanto, minimizar a superfície peritoneal exposta, para uma diminuição da perda de calor pelo peritônio. Para tanto foram propostos neste trabalho três diferentes tipos de tratamento para cobrir as alças expostas: uso de compressas secas, uso de compressas úmidas e uso de filme de PVC.

Observou-se nos resultados que, quando se utilizavam compressas úmidas, ocorreu a maior perda de calor que foi estimada em 250,763 W/m2 (Tabela 3), a mais próxima do grupo exposição de alças intestinais à atmosfera sem tratamento com perda de 382,974 W/m2. Esta perda ocorre por um aumento da evaporação que pode ser de 12 a 16 kcal/h, mas pode atingir níveis tão altos como 160-400 kcal/hora27. A perda de potência peritoneal em Watts é semelhante entre os grupos compressa úmida e seca.

O grupo tratado com gaze seca apresentou uma perda de 219,071 W/m2. Deve-se observar que este tratamento, apesar de proteger de forma mais satisfatória, com o passar do tempo do procedimento, com a gaze seca absorvendo as serosidades e o sangramento do ato operatório, torna-se úmida e tem um comportamento semelhante a gaze úmida.

Ao utilizar-se o filme de PVC, observou-se o melhor resultado da série, com uma perda de 39,648 W/m2 ( Tabela 3). A perda de potência pela superfície peritoneal em Watts, é semelhante entre os grupos controle e plástico. Vários trabalhos25,27,29 sugerem a necessidade de prevenir a perda de energia, de potência na forma de calor. Quando calculou-se a quantidade de energia poupada comparando o grupo com exposição das alças intestinais à atmosfera com o grupo tratado com filme de PVC (plástico) o resultado foi de 2536,121 J ou 556381,390 J/m2, ou seja, o grupo tratado com PVC, plástico, poupou 8,371 vezes mais energia que o grupo exposto (Tabela 1). A diferença de potência encontrada em W/m2 entre os grupos evisceração e plástico foi igual a 343,326 W/m2, ao se manter a proteção das alças intestinais com plástico, será possível armazenar energia e não perde-la.

Assim exposto, conclui-se: 1) Ocorre perda de calor central (temperatura central) quando os ratos são submetidos a laparotomia com exposição das alças intestinais à atmosfera em ambiente não controlado. 2) Existe perda de energia calórica durante a exposição das alças intestinais à atmosfera com aumento no consumo de energia pelo rato, em função da superfície corpórea exposta, em ambiente não controlado. 3) Na avaliação dos diferentes tipos de tratamento utilizados para prevenir a perda de calor corpóreo, ficou evidente que a utilização do filme de PVC (poliester) foi o método mais efetivo na conservação do calor, em relação a gaze seca ou úmida respectivamente.

Luiz Carlos Von Bahten

Rua Martin Afonso, 2642/1902

80730-030 - Curitiba - PR.

vonbahten@yahoo.com.br

Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica do Paraná como parte de Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

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  • Endereço para correspondência

    Recebido em 14-04-2006
    Aceito para publicação em 12-05-2006
    Conflito de interesses: nenhum
    Fonte de financiamento: nenhuma
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2006
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