Resumo
Abdominal aorta wounds carries a high immediate mortality. Few patients reach hospital care alive. There are no reports on Medline (1969-2002) about aortic wounds of foreign body with retention. A case with upper abdominal aortic wound with an inlaid blade is reported. The retained blade fixed the stomach to the surgical field, difficulting the vascular control, leading to an unconventional approach and allowing extensive contamination. The patient developed multiple organ dysfunction and died at fifth postoperative day. Singularities of an inlaid knife in upper abdominal aorta and changes in traditional approach are discussed. The authors assumed that the inlaid knife decreased the bleeding, allowing the patient arrival to the hospital, but worsened the approach to the aorta wound.
Traumatic aorta wound; Inlaid blade; Abdominal penetrating trauma
Traumatic aorta wound; Inlaid blade; Abdominal penetrating trauma
RELATO DE CASO
Arma branca retida em aorta abdominal superior
Retained blade in upper abdominal aorta
Fernando Antonio C. Spencer Netto, TCBC-PEI ; Adércio Pereira da SilvaII; Maria Cláudia Sodré AlbuquerqueII
ICirurgião Geral da Emergência do Hospital da Restauração; Mestre em Cirurgia UFPE; Prof. Substituto de Cirurgia do Trauma UFPE; Instrutor ATLS Núcleo Recife
IICirurgião Vascular da Emergência do Hospital da Restauração
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Recebido em 07/10/2003 Aceito para publicação em 11/11/2003
ABSTRACT
Abdominal aorta wounds carries a high immediate mortality. Few patients reach hospital care alive. There are no reports on Medline (1969-2002) about aortic wounds of foreign body with retention. A case with upper abdominal aortic wound with an inlaid blade is reported. The retained blade fixed the stomach to the surgical field, difficulting the vascular control, leading to an unconventional approach and allowing extensive contamination. The patient developed multiple organ dysfunction and died at fifth postoperative day. Singularities of an inlaid knife in upper abdominal aorta and changes in traditional approach are discussed. The authors assumed that the inlaid knife decreased the bleeding, allowing the patient arrival to the hospital, but worsened the approach to the aorta wound.
Key words: Traumatic aorta wound; Inlaid blade; Abdominal penetrating trauma.
INTRODUÇÃO
Lesões traumáticas da aorta abdominal são responsáveis por alta taxa de mortalidade1-3. Embora armas de fogo tenham superado em incidência outros agentes nas agressões interpessoais no Brasil, as armas brancas mantêm-se com instrumento freqüentemente utilizado, particularmente em conflitos domiciliares 4. Um caso de agressão por arma branca que resultou em ferida penetrante da aorta abdominal com retenção da lâmina é descrito, e as particularidades relativas à presença do corpo estranho e às mudanças na abordagem convencional são discutidas.
RELATO DE CASO
L. L. S. S., masculino, 20 anos, sofreu agressão por faca em quadrante superior esquerdo do abdome, após discussão em bar. Foi utilizada uma faca de cozinha, que teve seu cabo quebrado, deixando a lâmina retida, não visualizável externamente. Durante a admissão, estava taquicárdico e pálido. Apresentava dor abdominal e uma ferida regular, transversa, de 3cm em quadrante superior esquerdo do abdome. O exame radiológico demonstrou a lâmina retida, com a extremidade em projeção da vértebra T12 (Figura 1).
O paciente foi levado à cirurgia e submetido à laparotomia mediana. O achado operatório foi: hemoperitôneo maciço (+ 3000ml), presença de lâmina retida que transfixava segmento III hepático, corpo gástrico continuando-se em projeção da aorta, acima do tronco celíaco. Hematoma retroperitoneal e frêmito foram observados (AIS abdominal: 25; PATI: 39). A presença da lâmina causou problema técnico significativo, impossibilitando a realização da manobra de Mattox, recomendada para a abordagem da aorta abdominal superior 5. Além disso, a lâmina fixou o estômago ao campo cirúrgico, dificultando a abordagem da aorta pela pequena curvatura gástrica. Foi realizada uma toracotomia esquerda com clampeamento da aorta torácica descendente e prolongamento da incisão pelo diafragma permitindo acesso à aorta abdominal alta. A dissecção da aorta foi realizada inicialmente em manobra combinada com a compressão manual da aorta, com a lâmina in situ. Posteriormente esta foi removida, a dissecção completada e as duas lesões da aorta (ferida transfixante) suturadas com polipropilene. Até a realização da sutura das lesões, foi observado sangramento significativo durante a cirurgia. O tempo total de clampeamento aórtico foi de 40min. Houve ainda contaminação significativa das cavidades torácica e abdominal após a retirada da lâmina. As feridas do estômago foram suturadas, ambas cavidades lavadas e drenadas, sendo realizada a síntese das incisões torácica e abdominal em seguida.
Ao fim da cirurgia o paciente havia recebido 11 concentrados de hemácias e apresentava estabilidade hemodinâmica (FC: 100/min e TA: 100x60mmHg). O paciente evoluiu com síndrome da angústia respiratória do adulto (SARA), insuficiência respiratória, insuficiência renal aguda leve, que progrediram para completa síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e sistemas (SDMOS) e morte no quinto dia pós-operatório.
DISCUSSÃO
Lesões traumáticas da aorta tem elevada mortalidade imediata, sendo estimado que apenas 15% deste pacientes recebam atendimento hospitalar 3. São evidenciadas em menos de 1% das laparotomias por lesão traumática 2. Em pacientes com lesão traumática de aorta, a incidência das lesões por arma branca variam entre 17-36% 2, 3, 5. É relatada uma mortalidade menor com a utilização de arma branca, em comparação com lesões penetrantes de aorta por projétil de arma de fogo ou trauma fechado, mantendo entretanto uma alta mortalidade 1, 2, principalmente quando a lesão é acima das artérias renais. Não há relato no sistema Medline entre 1969 e 2002 de lesões de aorta com retenção de corpo estranho e suas possíveis abordagens.
Em casos de penetração de cavidade corporal com retenção de corpo estranho, a exploração cirúrgica para retirada do mesmo sob visão direta é recomendada. A remoção precoce poderia levar a sangramento não controlado e morte. Neste caso, a retenção da lâmina foi um fator de proteção, diminuindo a perda sanguínea e permitindo a chegada ao hospital de referência.
O estudo radiográfico realizado durante a admissão sugeria, pela projeção da lâmina, uma lesão de grandes vasos abdominais. O estado hemodinâmico do paciente não permitiu exames adicionais. Na sala de cirurgia, a localização da lâmina na projeção da aorta supra-renal com frêmito e sangramento arterial confirmou a suspeita, trazendo o problema da abordagem. Como a fixação do fígado era superficial, sua borda foi aberta, liberando a faca deste órgão. Porém, a lâmina transfixava também o meio do corpo gástrico repleto, com sangramento ativo das bordas das feridas. A abordagem recomendada para lesões aórticas altas em abdome é o acesso lateral retroperitoneal 5, que foi impossibilitado devido a presença da lâmina naquela posição. Alternativamente, a abordagem direta através da pequena curvatura gástrica foi dificultada pela presença do estômago e da lâmina no campo cirúrgico.
Desta forma, houve dificuldade em estabelecer um clampeamento proximal da aorta. A opção foi a realização de toracotomia esquerda com clampeamento da aorta torácica descendente e de uma extensão da incisão pelo diafragma a fim de melhorar o campo cirúrgico. Com este acesso, a aorta foi parcialmente dissecada, com a lâmina em sua posição inicial. Quando não foi mais possível progredir com esta abordagem, a faca foi retirada, a dissecção aórtica completada e a aorta suturada em combinação com manobras de compressão manual.
A contaminação pelo conteúdo gástrico foi bastante extensa, atingindo inclusive cavidade torácica, a despeito dos esforços para seu controle. Provavelmente, a contaminação teve um importante papel na morte do paciente, representando um real modelo de duas agressões (two-hit model): choque hemorrágico e ressuscitação seguido de contaminação/estímulo infeccioso. O paciente apresentou estabilidade no pós-operatório imediato, sem necessidade de suporte de drogas vasoativas. Entretanto, desenvolveu seqüencialmente SARA, disfunção renal e SDMOS, que resultou em sua morte.
Fernando Antônio C. Spencer Netto
Rua Fernando Simões Barbosa, 50/102.
Boa Viagem
51020-390 Recife PE
E-mail: kummerspencer@yahoo.com.br
Trabalho realizado no Hospital da Restauração, Recife, PE.
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- 2. Demetriades D, Theodorou D, Murray J, et al - Mortality and prognostic factors in penetrating injuries of the aorta. J Trauma, 1996, 40(5):761-763.
- 3. Jousi M, Leppaniemi A - Management and outcome of traumatic aortic injuries. Ann Chir Gynaecol, 2000, 89(2):89-92.
- 4. Waiselfisz JJ - Mapa da violência III. Os jovens do Brasil. 1Ş Edição. Brasília. UNESCO, 2002, pp.29-120.
- 5. Mullins RJ, Huckfeldt R, Trunkey DD - Abdominal vascular injuries. Surg Clin North Am, 1996, 76(4):813-832.
Endereço para correspondência
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Maio 2006 -
Data do Fascículo
Out 2004
Histórico
-
Aceito
11 Nov 2003 -
Recebido
07 Out 2003