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Fístulas orocutâneas após cirurgia de câncer da cavidade oral: fatores de risco

Oral cancer surgery and oral cutaneous fistulas: risk factors

Resumos

OBJETIVO: Quantificar as fístulas após cirurgia de câncer da cavidade oral e identificar fatores de risco. MÉTODOS: Estudo retrospectivo, interessando pacientes submetidos à cirurgia. Seguimento pós-operatório mínimo de dois anos. Variáveis estudadas: sexo, comorbidades, tabagismo, etilismo, risco anestésico e pulmonar, estadiamento clínico, linfadenectomia cervical, tratamento radioterápico, acidentes cirúrgicos, infecção ou deiscência de ferida operatória, seroma ou hematoma de sítio cirúrgico, infecção respiratória no pós-operatório, tipo de cirurgia e reconstrução realizadas. RESULTADOS: Estudados 159 pacientes. Ocorreu fístula orocutânea em 30,3% (48 pacientes). Pacientes T3 tiveram fístula em 16% dos casos, T4 em 40,3% e naqueles estádio T1 ou T2, 26,6% e 1,8% respectivamente (p=0,0138). Os casos N+ evoluíram com fístula em 22.9% (N2c com 42,8%, p=0,0136), os com radioterapia pré-operatória em 63,6% (p=0,0346). Aqueles com infecção de sítio cirúrgico em 47,3% (p=0,0146) e aqueles com deiscência de ferida operatória em 53,7% (p=0,0030). O índice de fístula foi de 60% nos retalhos regionais mucocutâneos, de 39,2% nos miocutâneos e de 12,5% com retalho microcirúrgico (p=0,0286). CONCLUSÃO: O índice de fístulas foi de 30,3%. Foram estatisticamente significativos para ocorrência de fístulas: estádio T, linfadenectomia cervical bilateral, radioterapia pré ou pós-operatória, infecção e deiscência de ferida operatória, e o uso de retalhos para reconstrução.

Câncer oral; Complicações; Fístulas orocutâneas; Fatores de risco


OBJECTIVE: To quantify the oral cutaneous fistulae after surgery and to identify possible risk factors. METHODS:A retrospective study, interesting patients that were submitted to surgery, with a two years minimum post-operative follow up. The considered variables were: sex, concomitant diseases, tabacco and alcohol use, the anesthesic and pulmonary risks, clinical stage, cervical linphadenectomy, pre or postoperative radiotherapy, accidents during the surgery, wound infection and or hematoma, pulmonary infection, surgery and reconstruction extension. RESULTS: In 159 patients, oral cutaneous fistulae occurred in 48 patients (30,3%): Patients stage T1 in 26,6 %,T2 in 1,8 %,T3 in 16%, and T4 in 40,3% (p=0,0138). The cases N+ developed fistulae in 22.9%, (N2c with 42,8%, (p=0,0136), those with preoperative radiotherapy in 63,6% (p=0,0346) Those with wound infection in 47,3% (p=0,0146), and those with wound deiscense in 53,7 % (p=0,0030). The fistulae rate was of 60% in the regional mucocutaneous flaps reconstruction cases, 39,2% in the myocutaneous ones and 12,5% of microsurgery ones (p=0,0286). CONCLUSION: The general rate of oral cutaneous fistulae was 30,3%. The significant factors were: T stage, cervical linphadenectomy, pre or postoperative radiotherapy, wound infection and deiscense, and the use of flaps.

Oral cancer; Complications; Orocutaneous fistulae; Risk factors


ARTIGO ORIGINAL

Fístulas orocutâneas após cirurgia de câncer da cavidade oral: fatores de risco

Oral cancer surgery and oral cutaneous fistulas: risk factors

Gyl Henrique A. Ramos, TCBC-PRI; André Luiz Soares CrivelaroII; Benedito Valdecir de OliveiraIII; Paola Andrea G. PedruzziI; Rosyane Rena de Freitas, ACBC-PRII

ICirurgião de Cabeça e Pescoço e Titular do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Erasto Gaertner - Curitiba - PR

IIResidente de Cirurgia Oncológica do Hospital Erasto Gaertner - Curitiba - PR

IIICirurgião de Cabeça e Pescoço e Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Erasto Gaertner - Curitiba - PR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Gyl H. A. Ramos E-mail: gharamos@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Quantificar as fístulas após cirurgia de câncer da cavidade oral e identificar fatores de risco.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo, interessando pacientes submetidos à cirurgia. Seguimento pós-operatório mínimo de dois anos. Variáveis estudadas: sexo, comorbidades, tabagismo, etilismo, risco anestésico e pulmonar, estadiamento clínico, linfadenectomia cervical, tratamento radioterápico, acidentes cirúrgicos, infecção ou deiscência de ferida operatória, seroma ou hematoma de sítio cirúrgico, infecção respiratória no pós-operatório, tipo de cirurgia e reconstrução realizadas.

RESULTADOS: Estudados 159 pacientes. Ocorreu fístula orocutânea em 30,3% (48 pacientes). Pacientes T3 tiveram fístula em 16% dos casos, T4 em 40,3% e naqueles estádio T1 ou T2, 26,6% e 1,8% respectivamente (p=0,0138). Os casos N+ evoluíram com fístula em 22.9% (N2c com 42,8%, p=0,0136), os com radioterapia pré-operatória em 63,6% (p=0,0346). Aqueles com infecção de sítio cirúrgico em 47,3% (p=0,0146) e aqueles com deiscência de ferida operatória em 53,7% (p=0,0030). O índice de fístula foi de 60% nos retalhos regionais mucocutâneos, de 39,2% nos miocutâneos e de 12,5% com retalho microcirúrgico (p=0,0286).

CONCLUSÃO: O índice de fístulas foi de 30,3%. Foram estatisticamente significativos para ocorrência de fístulas: estádio T, linfadenectomia cervical bilateral, radioterapia pré ou pós-operatória, infecção e deiscência de ferida operatória, e o uso de retalhos para reconstrução.

Descritores: Câncer oral. Complicações. Fístulas orocutâneas. Fatores de risco.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To quantify the oral cutaneous fistulae after surgery and to identify possible risk factors.

METHODS:A retrospective study, interesting patients that were submitted to surgery, with a two years minimum post-operative follow up. The considered variables were: sex, concomitant diseases, tabacco and alcohol use, the anesthesic and pulmonary risks, clinical stage, cervical linphadenectomy, pre or postoperative radiotherapy, accidents during the surgery, wound infection and or hematoma, pulmonary infection, surgery and reconstruction extension.

RESULTS: In 159 patients, oral cutaneous fistulae occurred in 48 patients (30,3%): Patients stage T1 in 26,6 %,T2 in 1,8 %,T3 in 16%, and T4 in 40,3% (p=0,0138). The cases N+ developed fistulae in 22.9%, (N2c with 42,8%, (p=0,0136), those with preoperative radiotherapy in 63,6% (p=0,0346) Those with wound infection in 47,3% (p=0,0146), and those with wound deiscense in 53,7 % (p=0,0030). The fistulae rate was of 60% in the regional mucocutaneous flaps reconstruction cases, 39,2% in the myocutaneous ones and 12,5% of microsurgery ones (p=0,0286).

CONCLUSION: The general rate of oral cutaneous fistulae was 30,3%. The significant factors were: T stage, cervical linphadenectomy, pre or postoperative radiotherapy, wound infection and deiscense, and the use of flaps.

Key words: Oral cancer. Complications. Orocutaneous fistulae. Risk factors.

INTRODUÇÃO

O carcinoma de células escamosas é a neoplasia maligna mais frequente da cabeça e pescoço, e no Brasil o da cavidade bucal é o quinto mais freqüente em pacientes do sexo masculino (4,7%), e o sexto em pacientes do sexo feminino (2%), considerando todas as topografias da cabeça e pescoço1. A maioria dos pacientes apresenta doença avançada na primeira consulta, ou seja, tumores com estádio clínico III ou IV em 53,4% dos casos, segundo estatísticas do Serviço de Registro Hospitalar de Câncer do Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba2.

Os tumores mais avançados necessitam frequentemente de procedimentos cirúrgicos mais complexos, com ressecção de partes moles, ossos da face e algumas vezes da pele, necessitando de fechamento com retalhos locais, regionais ou à distância, microcirúrgicos ou não. Os tipos de cirurgia empregados dependem principalmente da localização e da extensão do tumor, das condições clínicas do paciente, da prática da equipe médica e da disponibilidade técnica na instituição3.

A reconstrução deve ser imediata, principalmente a reconstrução mandibular, sempre que possível. Diversas opções são consideradas para cada caso, como: enxerto cutâneo, retalhos de língua, miomucoso de bucinador, muscular de masseter, nasogeniano, miocutâneos (peitoral maior, peitoral menor, platisma, trapézio, grande dorsal e nasogeniano) e fasciocutâneos. Nos últimos anos, sempre que indicados e existirem condições técnicas favoráveis, tem sido usado as reconstruções microcirúrgicas (reto abdominal, crista ilíaca, fíbula, retalho de antebraço, retalho lateral do braço e grande dorsal) as quais ocupam um espaço significativo no capítulo das reconstruções3, 4.

As complicações das cirurgias para câncer da boca são inerentes ao processo do tratamento, levando-se em conta os fatores de risco próprios da doença e dos pacientes, o tipo de ressecção e reconstrução. Como exemplo, podemos citar alterações da deglutição, causando broncoaspiração e pneumonia, distúrbios respiratórios e fonatórios, atrofia do músculo trapézio e consequente queda do ombro (ressecção ou lesão do nervo espinhal), elevação da cúpula diafragmática levando a desconforto respiratório e ao risco de atelectasia pulmonar (lesão do nervo frênico), perda dos movimentos dos músculos da mímica labial e da sensibilidade dos mesmos (lesão do ramo mandibular do nervo facial), hematomas, seromas, acúmulo de linfa (lesão do ducto torácico), edema facial (distúrbio de drenagem venosa por lesão da veia jugular interna), infecção da ferida operatória, fístulas oro ou faringocutâneas, dentre outras5.

Este estudo tem como objetivo quantificar as fístulas oro ou faringocutâneas após cirurgia por câncer da cavidade oral no Hospital Erasto Gaertner, e identificar possíveis fatores de risco relacionados.

MÉTODOS

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Liga Paranaense de Combate ao Câncer. Foi um estudo retrospectivo de 2000 à 2005, dos prontuários de pacientes com carcinoma espinocelular da cavidade oral que receberam tratamento cirúrgico no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Erasto Gaertner em Curitiba, com ou sem tratamento prévio (quimioterapia e/ou radioterapia), com seguimento mínimo de dois anos e que evoluíram com fístula oro ou faringocutânea.

O instrumento utilizado foi um protocolo que incluiu as variáveis: sexo, comorbidades associadas, tabagismo, etilismo, ASA6 (risco anestésico de acordo com a Sociedade Americana de Anestesiologia), risco pulmonar (avaliado com espirometria e graduado de I à IV de acordo com protocolo específico do Serviço de Fisioterapia do Hospital Erasto Gaertner) estadiamento clínico do tumor, realização de linfadenectomia cervical uni ou bilateral, radioterapia pré ou pós-operatória, acidentes durante a cirurgia, infecção ou deiscência de ferida operatória, seroma ou hematoma de sítio cirúrgico, infecção respiratória no pós-operatório, tipo de cirurgia e reconstrução realizada.

A análise dos dados e a correlação dos mesmos foram feitas com os testes do qui-quadrado e o exato de Fisher (intervalo de confiança de 95% e com valor significativo de p < 0,05).

RESULTADOS

Foram incluídos 159 pacientes e a idade média encontrada foi de 54,4 anos. Destes, 134 (84,8%) eram do sexo masculino, 107 (67,7%) eram tabagistas, 51 (32%) apresentavam alguma comorbidade, 90 (56,6%) eram estádio T3 ou T4, 28 (17,7%) tinham doença cervical N1, 32 (20,2%) N2 e cinco (3,1%) N3. O estádio clínico mais comum obtido neste estudo foi o IV (41,7%) com 66 pacientes, seguido do III (22,1%) com 35. Cento e dezoito (74,6%) tinham risco anestésico ASA I ou II e 40 (25,4%) eram ASA III ou IV. Todos os pacientes foram operados com finalidade curativa (Tabelas 1, 2 e 3).

Os tipos de procedimentos realizados ficaram assim distribuídos: 128 (81%) pelveglossomandibu-lectomias, 16 (10,1 %) pelveglossectomias, duas (1%) pelvemandibulectomias, uma (0,6%) pelvectomia, sete (4%) glossectomias, duas (4%) mandibulectomias e duas (1,2%) bucofaringectomias. A linfadenectomia cervical foi realizada em 141 (89,2%) pacientes, sendo que 57 (40,4%) foram unilateral supraomohioídea, 49 (34,7%) radical unilateral, e 35 (24,9%) bilateral (Tabela 2).

A ocorrência de fístulas orocutâneas foi de 30,3% (48 pacientes). Quanto ao sexo, 28,3% dos pacientes masculinos e 40% dos pacientes do sexo feminino evoluíram com fístula. Dentre os pacientes que apresentavam alguma comorbidade (30%), as mais comuns foram a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), a hipertensão arterial sistêmica (HAS) e a insuficiência cardíaca congestiva. Isoladamente, os que tinham DPOC e/ou HAS cursaram com fístula em 33,3% dos casos (tabela 1). Aqueles pacientes que tinham duas ou mais comorbidades desenvolveram fístula em 50% dos casos e aqueles que tinham somente uma ou nenhuma desenvolveram fístula em 38,7% (Tabela 1).

Entre os tabagistas (a média de cigarros de papel fumados por dia foi de 20,4 cigarros), 32 (29,9%) tiveram fístula no pós-operatório, sendo que 61,6% daqueles que fumavam mais de 15 cigarros/dia. Entre os etilistas (62 pacientes) ocorreu fístula em 17 (27,4%), dos não etilistas 28,5 % e dos ex etilistas 37 % (Tabela 1).

Os pacientes estadiados como T3 tiveram fístula em 18,1% dos casos, os T4 em 50% (24 pacientes) e naqueles que eram estádio T1 ou T2 o índice de fístulas foi de 37,5%. A ocorrência de fístula nos pacientes N+ foi de 32,3%, sendo mais comum no estádio N2c com 42,8% (Tabela 1).

Considerando o risco anestésico, aqueles classificados como ASA I e II (74,6%), tiveram fístula em 30,5%, os ASA III e IV tiveram em 40%. Dezessete pacientes (10,7%) tinham risco pulmonar III ou IV no pré-operatório e sete deles (41,1%) evoluíram com fístula (Tabela 2).

Cento e vinte e cinco pacientes foram tratados com cirurgia e radioterapia. Onze (8%) fizeram radioterapia pré-operatória e 114 (92%) pós-operatória. O índice de fístula dentre os pacientes submetidos à radioterapia foi de 77%, sendo de 63,3% daqueles submetidos à radioterapia pré-operatória (Tabela 2).

Dentre os pacientes que apresentaram algum acidente durante a cirurgia (contaminação, sangramento ou lesão de estruturas como nervo acessório, veia jugular interna ou artéria carótida, nervo facial e seus ramos) o índice de fístulas foi de 30%. Dentre os 38 pacientes que apresentaram infecção de sítio cirúrgico, 18 (47,3%) complicaram com fístula, contra 30 (24,7%) daqueles que não tiveram infecção (Tabela 3).

Outras complicações locais estudadas, como seroma e hematoma, quando concomitantes, evoluíram com fístula em 25% dos casos. Dentre os pacientes que apresentaram deiscência de ferida operatória, total ou parcial, 53,7% tiveram fístula.

Onze (6,9%) pacientes apresentaram infecção respiratória (traqueobronquite ou broncopneumonia) no pós-operatório e destes, cinco (45,4%) complicaram com fístula, contrastando com os 29% naqueles que não apresentaram complicação respiratória (Tabela 3).

Quando avaliado o tipo de reconstrução realizada, o índice de fístula foi de 60% nos retalhos regionais cutâneos e de 39,3% nos miocutâneos. Dos oito pacientes submetidos à reconstrução com retalho microcirúrgico, somente um evoluiu com fístula no pós-operatório (Tabela 4).

DISCUSSÃO

As complicações em cirurgias complexas para câncer da cavidade oral aumentam os custos do tratamento, retardam o início da terapia adjuvante, influenciam negativamente na qualidade de vida do paciente, e podem levar à morte. Portanto, a identificação dos fatores de risco para tais intercorrências, e no caso as fístulas orocutâneas, propicia a prevenção, leva a uma melhora no atendimento e no tratamento destes pacientes7.

Múltiplos fatores podem estar relacionados a uma evolução pós-operatória desfavorável, considerando o resultado do tratamento e o grau de morbidade associada às cirurgias da boca e da orofaringe. São citados o tamanho tumoral, os linfonodos comprometidos, os fatores histopatológicos, a presença de comorbidades, a idade e o sexo, o grau de etilismo de tabagismo, fatores inerentes ao tratamento (como tipo de ressecção e reconstrução empregadas, irradiação prévia ou adjuvante à cirurgia) e a aderência do paciente ao tratamento 8.

Neste estudo, o índice de complicação pós-operatória com fístulas orocutâneas foi de 30,2%, semelhante ao citado por outros autores 8,9. O gênero não foi considerado, em outros estudos, um fator de risco para complicações pós-operatórias como infecção de sítio cirúrgico e/ou fístulas orocutâneas 9, e não foi neste estudo encontrado diferença estatística significativa na incidência de fístulas entre homens e mulheres (p=0,3541).

O etilismo e o tabagismo, considerados como fatores prejudiciais à cicatrização, são hábitos freqüentes dos portadores de carcinomas de vias aerodigestivas superiores, e estes pacientes geralmente possuem algum grau de doença cardiorrespiratória crônica, além de deficiência nutricional importante 6,-8, e assim possuem maior risco de complicações tanto quando tratados com cirurgia ou radioterapia. Embora a maioria dos pacientes estudados fossem tabagistas ou etilistas, ou ex-usuários destas substâncias, não houve diferença estatística no índice de fístulas entre os pacientes etilistas e não etilistas (p=0,4713) e, entre os tabagistas, (principalmente os que fumavam mais do que 15 cigarros por dia) o índice desta complicação foi percentualmente maior, mas não estatisticamente significativa (p=0,7017).

Diabetes Melitus (DM) e hipertensão arterial sistêmica (HAS) são doenças sistêmicas que causam microvasculopatia e imunossupressão, levando a deficiências e atrasos na cicatrização em geral10-12. Os resultados deste estudo mostraram que pacientes portadores de comorbidades crônicas como DM ou HAS apresentaram maior índice de fístulas. A doença pulmonar obstrutiva crônica é um fator de risco para complicações de tratamento, principalmente pelo estado de hipóxia basal destes pacientes, além de aumentar a probabilidade de infecções respiratórias como traqueobronquite ou broncopneumonia. Pneumopatias prévias elevam o risco de complicações pós-operatórias, potencializadas pela aspiração de conteúdo da cavidade oral, muito comum no pós-operatório de cirurgias para câncer desta topografia 11. Neste estudo, a presença de risco pulmonar III ou IV implicou em uma correlação com fístulas de 66,2% e 22,2% respectivamente, porém este dado não foi estatisticamente significante (p=0,2969). Dos 11 pacientes que tiveram infecção respiratória no pós-operatório, cinco (45,5%) evoluíram com fístula, sem, no entanto, ter sido significativo neste estudo (p=0,3093).

Mesmo não havendo diferença estatística (p=0,9664), aqueles pacientes que tinham duas ou mais comorbidades (DM, HAS e DPOC) tiveram maior percentual de fístulas neste estudo. Portanto, o controle da glicemia, um controle contínuo da pressão arterial, além de fisioterapia respiratória no pré e pós-operatórios, são muito importantes e podem diminuir o risco de complicações cirúrgicas, como a fístula orocutânea 7.

Cerca de 70% a 80% dos pacientes com neoplasias malignas da cavidade oral se apresentam no momento do diagnóstico com doença avançada (EC III ou IV)¹. Neste estudo, 19,3% dos pacientes com lesões T3 e 40,6% daqueles com lesões T4 evoluíram com fístula orocutânea (p=0,038), confirmando que é um fator prognóstico associado não somente à evolução da doença após o tratamento, mas também às taxas de complicações pós-operatórias12.

Marchetta et al. encontraram 43% de complicações da ferida operatória em pacientes tratados previamente com radioterapia, contra 22% naqueles não tratados, provavelmente devido à má perfusão das partes moles da cavidade oral, associado à exposição dos tecidos às secreções naturais do local, que leva a um maior índice de fístulas orocutâneas (15% a 30% dos casos)13. Neste estudo, o índice de fístulas foi estatisticamente significativo nos pacientes que realizaram tratamento radioterápico, tanto pré quanto pós-operatório (p=0,0346).

Complicações infecciosas podem ocorrer em até 50% dos casos, provavelmente devido à complexidade anatômica e a proximidade de áreas com alto grau de contaminação, como a boca11, apesar da antibioticoprofilaxia ter reduzido drasticamente estes índices (o Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Erasto Gaertner atua em conjunto e com a orientação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar). Neste estudo, a infecção de ferida operatória foi significativa para o desenvolvimento de fístulas (p=0,0146), não tendo sido possível determinar qual fato antecedeu a qual, pois um pode levar ao outro ou até mesmo serem concomitantes.

As complicações e sequelas decorrentes dos esvaziamentos cervicais por carcinoma de boca geralmente não abrangem as fístulas10 porém nesta casuística, os pacientes submetidos a linfadenectomias bilaterais de qualquer tipo evoluíram com maior índice de fístulas orocutâneas (p=0,0136). Provavelmente foi devido ao tipo do procedimento e o maior tempo cirúrgico decorrente, a maior perda sanguínea, e ou ao comprometimento do estado clínico geral do paciente, pois a maior parte deles tinham doença mais avançada.

Hematomas ou seromas são prevenidos pela atenção aos fatores possivelmente implicados na sua formação (hipertensão arterial e/ou venosa, uso excessivo do eletrocautério, radioterapia prévia, dentre outros)3. Neste estudo, os pacientes que apresentaram seroma ou hematoma de ferida operatória tiveram índices de fístulas maiores, porém, sem significância estatística (p=0,3109). Uma técnica adequada, a manipulação cuidadosa dos tecidos e dos retalhos e os cuidados intensivos com a ferida operatória, favorecem o não surgimento de fístulas no pós-operatório 12-15.

A incidência de complicações cirúrgicas em pacientes submetidos à reconstruções com retalhos regionais, cutâneos ou miocutâneos, varia de 16% a 41%16. Cinquenta e seis pacientes (35,2%) foram submetidos à reconstruções com retalhos regionais mucosos/cutâneos ou miocutâneos, e o índice de fístulas foi de 60% e 39,2% respectivamente, estatisticamente significativo (p=0,0296), refletindo também o estádio mais avançado dos casos, o procedimento cirúrgico de maior porte, e um maior risco de complicações pós-operatórias.

Previamente, ao considerar os fatores de risco para fístulas detectadas neste estudo, o cirurgião poderá atuar na sua prevenção, esclarecerá o paciente, de forma mais realista, sobre os perigos e seqüelas do procedimento, como também poderá optar pela contra-indicação da cirurgia.

O índice de fístulas foi de 30,3%. Os fatores de risco para fístulas oro-cervicais estudados e que foram estatisticamente significativos foram: o estádio T, a linfadenectomia cervical bilateral, a radioterapia pré ou pós-operatória, a infecção e deiscência de ferida operatória, e a reconstrução com retalhos regionais cutâneomucosos ou miocutâneos.

Recebido em 16/01/2009

Aceito para publicação em 19/03/2009

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Hospital Erasto Gaertner - Curitiba/PR.

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  • Endereço para correspondência:

    Gyl H. A. Ramos
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Recebido
      16 Jan 2009
    • Aceito
      19 Mar 2009
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