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Controle local da infecção perianal pelo papilomavirus humano após a erradicação dos condilomas acuminados

Resumos

OBJETIVO:

verificar se a erradicação dos condilomas acuminados perianais foi efetiva no controle local da infecção pelo HPV, utilizando a colposcopia anal e a citologia anal com escova.

MÉTODOS:

avaliamos 147 pacientes tratados de condiloma da margem e/ou canal anal, sendo 108 HIV-positivos e 39 HIV-negativos. A média etária no sexo masculino foi 40 anos para os HIV-positivos e 27,5 anos para os HIV-negativos. No sexo feminino, a média etária foi 37,5 anos para os HIV positivos e 31,5 anos HIV-negativos.

RESULTADOS:

vinte e quatro pacientes (16,3%) apresentavam citologia e colposcopia normais, 16 (10,9%) citologia normal e colposcopia alterada, 52 (35,4%) citologia alterada e colposcopia normal e 55 (37,4%) citologia e colposcopia alteradas.

CONCLUSÃO:

a erradicação das lesões clínicas não controlou localmente a infecção pelo HPV.

Programas de rastreamento; Infecções por papillomavirus; Neoplasias; Canal anal; Biologia celular


OBJECTIVE:

To verify whether the eradication of anal condylomata acuminata was effective for local control of HPV infection using anal colposcopy and anal brush cytology.

METHODS:

We evaluated 147 patients treated for anal margin and/or anal canal condyloma, with 108 HIV-positive and 39 HIV-negative individuals. The average age for males was 40 years for HIV-positive and 27.5 for HIV-negative. In females, the mean age was 37.5 years for HIV-positive and 31.5 for HIV-negative.

RESULTS:

Twenty-four patients (16.3%) had normal cytology and anal colposcopy, 16 (10.9%) normal cytology and altered anal colposcopy, 52 (35.4%) normal anal colposcopy and altered cytology, and 55 (37.4%) had altered cytology and anal colposcopy.

CONCLUSION:

the eradication of clinical lesions failed to locally control HPV infection.

Mass screening; Papillomavirus infections; Neoplasms; Anal canal; Cell biology


INTRODUÇÃO

O papilomavírus humano (HPV) é o mais comum dentre os vários agentes etiológicos sexualmente transmissíveis que provocam doença na região anogenital11. Nadal SR, Manzione CR, Horta SHC. Comparison of perianal diseases in HIV-positive patients in periods before and after HAART use. Dis Colon Rectum. 2008;51(10):1491-4.. Para o Brasil, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima o aparecimento de 684.400 novos casos, anualmente22. Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Ministério da Saúde. DST no Brasil, 2012. Disponível em: portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/gerson_pereira.pdf
Disponível em: portal.saude.gov.br/porta...
. Sua incidência vem aumentando nos últimos anos, associada à síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS)33. van der Snoek EM, van der Ende ME, den Hollander JC, Schutten M, Neumann HA, van Doornum GJ. Use of highly active antiretroviral therapy is associated with lower prevalence of anal intraepithelial neoplastic lesions and lower prevalence of human papillomavirus in HIV-infected men who have sex with men. Sex Transm Dis. 2012;39(7):495-500., sendo diagnosticada entre 15,7% e 62% dos doentes nas diferentes séries publicadas11. Nadal SR, Manzione CR, Horta SHC. Comparison of perianal diseases in HIV-positive patients in periods before and after HAART use. Dis Colon Rectum. 2008;51(10):1491-4.. Acomete principalmente os homens que fazem sexo com homens (HSH)11. Nadal SR, Manzione CR, Horta SHC. Comparison of perianal diseases in HIV-positive patients in periods before and after HAART use. Dis Colon Rectum. 2008;51(10):1491-4. , 33. van der Snoek EM, van der Ende ME, den Hollander JC, Schutten M, Neumann HA, van Doornum GJ. Use of highly active antiretroviral therapy is associated with lower prevalence of anal intraepithelial neoplastic lesions and lower prevalence of human papillomavirus in HIV-infected men who have sex with men. Sex Transm Dis. 2012;39(7):495-500..

Até o momento, foram identificados mais de 200 tipos virais, sendo que 45 deles infectam a região anogenital44. Banura C, Mirembe FM, Katahoire AR, Namujju PB, Mbonye AK, Wabwire FM. Epidemiology of HPV genotypes in Uganda and the role of the current preventive vaccines: a systematic review. Infect Agent Cancer. 2011;6(1):11.. Os tipos oncogênicos estão fortemente relacionados à etiologia dos tumores do trato anogenital e suas lesões precursoras55. Carvalho MO, Carestiato FN, Perdigao PH, Xavier MP, Silva K, Botelho MO, et al. Human papillomavirus infection in Rio de Janeiro, Brazil: a retrospective study. Braz J Infect Dis. 2005;9(5):398-404., podendo ser isolados em aproximadamente 80 a 93% dos carcinomas anais e sendo o tipo 16 o mais frequente66. Dunne EF, Nielson CM, Stone KM, Markowitz LE, Giuliano AR. Prevalence of HPV infection among men: a systematic review of the literature. J Infect Dis. 2006;194(8):1044-57. , 77. Giuliano AR, Tortolero-Luna G, Ferrer E, Burchell AN, de Sanjose S, Kjaer SK, et al. Epidemiology of human papillomavirus infection in men, cancers other than cervical and benign conditions. Vaccine. 2008;26 (Suppl 10):K17-28..

A maioria das infecções pelo HPV não tem qualquer consequência clínica. Todavia, 10% dos pacientes desenvolverão verrugas, papilomas ou displasias88. Nadal SR, Manzione CR. Vacina contra o Papilomavirus Humano. O que é preciso saber? Rev bras colo-proctol. 2010;30(2): 237-40.. Acredita-se que esse fato dependa do grau de resistência individual ao vírus, da imunidade sistêmica e de fatores locais, inclusive a imunidade local88. Nadal SR, Manzione CR. Vacina contra o Papilomavirus Humano. O que é preciso saber? Rev bras colo-proctol. 2010;30(2): 237-40.. A afecção não é exclusiva dos indivíduos imunodeprimidos, mas, é mais frequente quando a contagem sérica de linfócitos T CD4+ estiver abaixo de 500/mL99. Nadal SR, Calore EE, Manzione TS, Machado SP, Manzione CR, Seid VE, et al. Evolução dos doentes com citologia oncótica alterada e colposcopia anal normal. Rev bras colo-proctol. 2011;31(1):71-6.. A localização exclusivamente anal é típica dos HSH, devido à utilização do segmento anorretal para proporcionar prazer erótico1010. Manzione CR, Nadal SR, Calore EE. Postoperative follow-up of anal condylomata acuminata in HIV-positive patients. Dis Colon Rectum. 2003;46(10):1358-65..

São características, a dificuldade do tratamento, a elevada incidência de recidivas e a possibilidade de transformação carcinomatosa, especialmente, entre os imunodeprimidos. Revisando a literatura, encontramos índices de recidiva entre 10 e 88%, dependendo do tratamento instituído1010. Manzione CR, Nadal SR, Calore EE. Postoperative follow-up of anal condylomata acuminata in HIV-positive patients. Dis Colon Rectum. 2003;46(10):1358-65. , 1111. D'Ambrogio A, Yerly S, Sahli R, Bouzourene H, Demartines N, Cotton M, et al. Human papilloma virus type and recurrence rate after surgical clearance of anal condylomata acuminata. Sex Transm Dis. 2009;36(9):536-40.. Entretanto, é difícil diferenciar dos casos de reinfecção. Há os que associaram as recidivas à presença da infecção latente no epitélio aparentemente normal1212. Kreuter A, Brockmeyer NH, Hochdorfer B, Weissenborn SJ, Stucker M, Swoboda J, et al. Clinical spectrum and virologic characteristics of anal intraepithelial neoplasia in HIV infection. J Am Acad Dermatol. 2005;52(4):603-8.. Daí, a importância do seguimento por longo prazo e aplicação de protocolos para controlar a doença.

A possibilidade de detecção das lesões remanescentes ou recidivadas, bem como das precursoras do carcinoma anal, indica que programas padronizados de rastreamento e seguimento para prevenção da infecção e diminuição da recidiva pelo HPV, em doentes de risco, deveriam ser instituídos.

A citologia do canal anal com escova vem sendo realizada1313. Friedlander MA, Stier E, Lin O. Anorectal cytology as a screening tool for anal squamous lesions: cytologic, anoscopic, and histologic correlation. Cancer. 2004;102(1):19-26.

14. Arain S, Walts AE, Thomas P, Bose S. The anal pap smear: cytomorphology of squamous intraepithelial lesions. Cytojournal. 2005;2(1):4.

15. Piketty C, Darragh TM, Da Costa M, Bruneval P, Heard I, Kazatchkine MD, et al. High prevalence of anal human papillomavirus infection and anal cancer precursors among HIV-infected persons in the absence of anal intercourse. Ann Intern Med. 2003;138(3):453-9.
- 1616. Fox PA, Seet JE, Stebbing J, Francis N, Barton SE, Strauss S, et al. The value of anal cytology and human papillomavirus typing in the detection of anal intraepithelial neoplasia: a review of cases from an anoscopy clinic. Sex Transm Infect. 2005;81(2):142-6. com eficácia semelhante à da coleta cervical1717. Papaconstantinou HT, Lee AJ, Simmang CL, Ashfaq R, Gokaslan ST, Sokol S, et al. Screening methods for high-grade dysplasia in patients with anal condyloma. J Surg Res. 2005;127(1):8-13., com sensibilidade oscilando entre 42 e 98% e especificidade variando de 38 a 96%, quando os resultados foram comparados com os da histologia1313. Friedlander MA, Stier E, Lin O. Anorectal cytology as a screening tool for anal squamous lesions: cytologic, anoscopic, and histologic correlation. Cancer. 2004;102(1):19-26. , 1717. Papaconstantinou HT, Lee AJ, Simmang CL, Ashfaq R, Gokaslan ST, Sokol S, et al. Screening methods for high-grade dysplasia in patients with anal condyloma. J Surg Res. 2005;127(1):8-13. , 1818. Vajdic CM, Anderson JS, Hillman RJ, Medley G, Grulich AE. Blind sampling is superior to anoscope guided sampling for screening for anal intraepithelial neoplasia. Sex Transm Infect. 2005;81(5):415-8.. Muitos autores a recomendam como método de rastreamento para populações de alto risco para o carcinoma anal1919. Giuliano AR, Nielson CM, Flores R, Dune EF, Abrahamsen M, Papenfuss MR, et al. The optimal anatomic sites for sampling heterossexual men for human papillomavirus (HPV) detection: the HPV detection in men study. J Infect Dis. 2007;196(8):1146-52.

20. Nadal SR, Manzione CR. Manejo das neoplasias intra-epiteliais anais. Rev bras colo-proctol. 2008;28(4):462-4.
- 2121. Park IU, Palefsky JM. Evaluation and management of anal intraepithelial neoplasia in HIV-negative and HIV-positive men who have sex with men. Curr Infect Dis Rep. 2010;12(2):126-33..

A colposcopia anal, por ter sido introduzida recentemente no arsenal diagnóstico para a especialidade, ainda não possui indicações bem definidas. A maioria a realiza como método de rastreamento para identificar os locais mais apropriados para biópsias, quando a citologia se mostrou alterada. Também foi sugerida para rastreamento das lesões pré-neoplásicas devido ao custo-benefício nos grupos de risco, e entre eles, os portadores de imunodepressão2020. Nadal SR, Manzione CR. Manejo das neoplasias intra-epiteliais anais. Rev bras colo-proctol. 2008;28(4):462-4. , 2121. Park IU, Palefsky JM. Evaluation and management of anal intraepithelial neoplasia in HIV-negative and HIV-positive men who have sex with men. Curr Infect Dis Rep. 2010;12(2):126-33..

Até o momento, a literatura não forneceu evidência suficiente para que a colposcopia anal e a citologia anal com escova sejam utilizadas como formas de seguimento dos doentes tratados, para detectar as lesões subclínicas remanescentes. Além disso, não se consegue avaliar se o tratamento dos condilomas acuminados foi suficiente para erradicar a infecção pelo HPV, evitando as recidivas e a evolução para carcinoma. Dessa forma, resolvemos verificar se a erradicação dos condilomas acuminados perianais é efetiva no controle local da infecção pelo HPV, utilizando a colposcopia anal e a citologia do canal anal com escova.

MÉTODOS

Avaliamos, retrospectivamente, os dados de pacientes soronegativos e soropositivos para HIV em seguimento ambulatorial após erradicação das lesões clínicas anais provocadas pelo HPV. O atendimento ocorreu entre março de 2009 e outubro de 2011 no ambulatório de Proctologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

Este estudo foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Infectologia Emílio Ribas segundo o parecer número 428/2009.

A amostra é composta de 147 doentes tratados de condilomas acuminados da margem e/ou do canal anal. Eram 108 soropositivos, sendo 101 homens e sete mulheres, e 39 soronegativos para o HIV, sendo 19 homens e 20 mulheres. As médias etárias foram de 40 anos para os homens HIV-positivo e 27,5 anos para os HIV-negativo. Entre as mulheres, 37,5 anos para as HIV-positivo e 31,5 anos para as HIV-negativo.

Optamos por incluir os pacientes acima de 18 anos; que não apresentavam lesões clínicas provocadas pelo HPV, 30 dias após a sua erradicação, obtida com tratamento clínico associado ou não ao operatório e com diagnóstico anatomopatológico confirmando a infecção anal pelo HPV. Excluímos os pacientes que tinham o material da citologia do canal anal com escova nas duas amostras classificados como inadequado ou insuficiente pelo patologista e os que apresentavam lesões clínicas recidivadas ou persistentes na margem ou no canal anal.

Os condilomas foram diagnosticados clinicamente, com exame proctológico que consistiu na inspeção estática e dinâmica, palpação perianal, toque retal e anuscopia. O toque retal e a anuscopia não foram realizados quando a doença encobria a margem anal, o que poderia provocar dor e sangramento. Fragmentos teciduais foram coletados e submetidos ao exame histológico para confirmar o diagnóstico clínico.

O tratamento clínico consistiu de aplicações semanais de pomada de podofilina a 25%, em vaselina sólida, nas lesões da margem anal e de ácido tricloroacético a 90% nas lesões acima da linha pectínea. Os doentes foram avaliados após quatro aplicações e, aqueles que apresentavam lesões remanescentes, foram levados para tratamento operatório. As lesões verrucosas foram seccionadas com tesoura, rente à pele, e a hemostasia dos pontos de sangramento foi feita por eletrocoagulação. As lesões muito pequenas foram tratadas por eletrofulguração. Enviamos os condilomas para exame anatomopatológico.

Os pacientes que não apresentavam sinais da doença, 30 dias após a erradicação dos condilomas anais, foram selecionados para seguimento que consistiu de citologia anal, duas amostras, com escova e colposcopia anal com ácido acético a 3%.

Os achados da citologia foram distribuídos em insatisfatório ou satisfatório e, neste caso, conforme a celularidade, segundo a classificação de Bethesda2222. Bethesda System 2001 Terminology [homepage on the internet]. Bethesda (MD): National Cancer Institute; [cited 2005 Sep 29]. Available from: http://bethesda2001.cancer.gov/terminology.html
Available from: http://bethesda2001.canc...
, 2323. Nomenclatura Brasileira para laudos cervicais e condutas preconizadas: recomendações para profissionais de saúde. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006;28(8):486-504.. Levamos em conta o resultado com o maior grau de displasia, independente se foi observado na primeira ou segunda amostra, para o diagnóstico definitivo.

Os achados da colposcopia anal foram distribuídos em negativos, quando não havia alterações, e positivos, quando havia áreas acetobrancas, na margem e/ou no canal anal.

Submetemos os resultados encontrados à análise estatística com o teste não-paramétrico de Mann-Whitney e os testes paramétricos t de Student e do chi-quadrado. Consideramos o índice de tolerância <5% para todos os testes estatísticos.

RESULTADOS

A análise estatística, utilizando o teste do chi-quadrado revelou que avaliamos mais homens entre a população soropositiva e igual incidência entre os sexos no grupo dos soronegativos para o HIV (p<0,0001).

A análise estatística utilizando o método do t de Student observou que os homens HIV-positivo tiveram idades mais avançadas que os HIV-negativo (p=0,037). Não houve diferença significante de idade entre as mulheres soropositivas e soronegativas para o HIV (p=0,282), nem entre homens e mulheres soropositivos (p=0,559) e soronegativos (p=0,295).

Os resultados da citologia do canal anal estão na tabela 1 e, os da colposcopia na tabela 2.

Tabela 1
Achados da citologia do canal anal com escova no seguimento pós-tratamento.
Tabela 2
Achados da colposcopia anal no seguimento póstratamento.

Os doentes avaliados foram distribuídos em quatro grupos, conforme os achados da citologia oncótica e da colposcopia anal (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição dos resultados da colposcopia anal e da citologia do canal anal com escova no seguimento póstratamento.

O grupo com colposcopia anal inalterada e citologia normal foi constituído por 24 doentes, sendo cinco mulheres e 19 homens, com idades entre 19 e 54 anos e média de 36,7 anos. Eram 11 soronegativos e 13 soropositivos para HIV com contagens de células T CD4 variando de 204 a 780/ml.

O grupo com colposcopia anal com alterações e citologia normal foi constituído por 16 doentes, sendo três mulheres e 13 homens, com idades entre 20 e 55 anos e média de 35,6 anos. Eram cinco soronegativos e 11 soropositivos para HIV com contagens das células T CD4 variando entre 300 e 938/ml.

O grupo com colposcopia anal normal e citologia com alterações foi constituído por 52 doentes, sendo 12 mulheres e 40 homens, com idades entre 16 e 64 anos e média de 38,7 anos. Eram 16 soronegativos e 36 soropositivos para HIV com contagens de células T CD4 variando de 88 a 1463/ml.

O grupo com alterações na colposcopia anal e na citologia foi constituído por 55 doentes, sendo sete mulheres e 48 homens, com idades entre 18 e 60 anos e média de 37,1 anos. Eram sete soronegativos e 48 soropositivos para HIV com contagens de células T CD4 variando de 200 a 1058/ml.

A comparação das médias das contagens séricas dos linfócitos T CD4 dos doentes HIV-positivo, com e sem lesões subclínicas, não revelou diferença estatística quando aplicamos o teste não paramétrico de Mann-Whitney (p=0,704). A presença das lesões subclínicas não teve relação com as contagens acima e abaixo de 500/mL, nos doentes HIV-positivo (p=0,771).

DISCUSSÃO

Nosso estudo avaliou mais homens soropositivos que mulheres, e número semelhante quanto ao sexo entre os soronegativos para o HIV. Esses dados eram esperados porque o número de homens portadores do HIV é quatro vezes superior, em nosso país22. Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Ministério da Saúde. DST no Brasil, 2012. Disponível em: portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/gerson_pereira.pdf
Disponível em: portal.saude.gov.br/porta...
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Quanto à idade, observamos que o grupo dos homens soronegativos era o mais jovem. Como sabemos que a infecção entre os homens tende a se manter no decorrer do tempo, e que nas mulheres é mais presente até os 30 anos de idade2424. Dietz CA, Nyberg CR. Genital, oral, and anal human papillomavirus infection in men who have sex with men. J Am Osteopath Assoc. 2011;111(3 Suppl 2):S19-25., esperávamos que o grupo das mulheres soronegativas fosse o mais jovem. Suspeitamos que o pequeno número de mulheres na amostra seja responsável por essa observação. Já, entre os soropositivos, a média etária de homens e mulheres foi similar, provavelmente porque a imunodepressão provocada pelo HIV auxilie a perpetuar a infecção pelo HPV.

Apesar de muitos autores recomendarem a citologia e a colposcopia anal como métodos de rastreamento1313. Friedlander MA, Stier E, Lin O. Anorectal cytology as a screening tool for anal squamous lesions: cytologic, anoscopic, and histologic correlation. Cancer. 2004;102(1):19-26.

14. Arain S, Walts AE, Thomas P, Bose S. The anal pap smear: cytomorphology of squamous intraepithelial lesions. Cytojournal. 2005;2(1):4.

15. Piketty C, Darragh TM, Da Costa M, Bruneval P, Heard I, Kazatchkine MD, et al. High prevalence of anal human papillomavirus infection and anal cancer precursors among HIV-infected persons in the absence of anal intercourse. Ann Intern Med. 2003;138(3):453-9.

16. Fox PA, Seet JE, Stebbing J, Francis N, Barton SE, Strauss S, et al. The value of anal cytology and human papillomavirus typing in the detection of anal intraepithelial neoplasia: a review of cases from an anoscopy clinic. Sex Transm Infect. 2005;81(2):142-6.

17. Papaconstantinou HT, Lee AJ, Simmang CL, Ashfaq R, Gokaslan ST, Sokol S, et al. Screening methods for high-grade dysplasia in patients with anal condyloma. J Surg Res. 2005;127(1):8-13.

18. Vajdic CM, Anderson JS, Hillman RJ, Medley G, Grulich AE. Blind sampling is superior to anoscope guided sampling for screening for anal intraepithelial neoplasia. Sex Transm Infect. 2005;81(5):415-8.
- 1919. Giuliano AR, Nielson CM, Flores R, Dune EF, Abrahamsen M, Papenfuss MR, et al. The optimal anatomic sites for sampling heterossexual men for human papillomavirus (HPV) detection: the HPV detection in men study. J Infect Dis. 2007;196(8):1146-52. , 2525. Mathews WC. Screening for anal dysplasia associated with human papillomavirus. Top HIV Med. 2003;11(2):45-9., temos utilizado os dois métodos associados para seguimento após o tratamento das lesões anais HPV induzidas2626. Nadal SR, Calore EE, Manzione CR, Arruda CN, Cha JD, Formiga FB, et al. Sensibilidade e especificidade da citologia anal com escova no diagnóstico das lesões clínicas provocadas pelo papilomavírus humano, comparando uma com duas coletas. Rev bras colo-proctol. 2009;29(3):297-302.. Não há protocolo universalmente aceito que defina qual o período para realizar a colposcopia anal e a citologia do canal anal após a erradicação dos condilomas. Indicamos os exames 30 dias após o término do tratamento, quando não observamos doença visível, tempo suficiente para que haja cicatrização das feridas, evitando que sejam confundidas com aquelas de origem viral2626. Nadal SR, Calore EE, Manzione CR, Arruda CN, Cha JD, Formiga FB, et al. Sensibilidade e especificidade da citologia anal com escova no diagnóstico das lesões clínicas provocadas pelo papilomavírus humano, comparando uma com duas coletas. Rev bras colo-proctol. 2009;29(3):297-302.. Também, queremos diminuir o desconforto durante o exame, associado ao fato de que nesse período dificilmente o paciente seria reinfectado, já que estava em período de convalescência. Caso o exame seja normal, indicamos reavaliações semestrais até que três delas estejam normais. Há autores que citaram intervalos de três2727. Herat A, Whitfeld M, Hillman R. Anal intraepithelial neoplasia and anal cancer in dermatological practice. Australas J Dermatol. 2007;48(3):143-53. e de seis meses2828. Chang GJ, Berry JM, Jay N, Palefsky JM, Welton ML. Surgical treatment of high-grade anal squamous intraepithelial lesions: a prospective study. Dis Colon Rectum. 2002;45(2):453-8., no primeiro ano, para seguimento, e até exames anuais para rastreamento2929. Lehtovirta P, Paavonen J, Heikinheimo O. Risk factors, diagnosis and prognosis of cervical intraepithelial neoplasia among HIV-infected women. Int J STD AIDS. 2008;19(1):37-41..

A presente casuística permitiu definir o período de até um mês como suficiente, para detecção de lesões subclínicas após erradicação dos condilomas. Entretanto, acreditamos que a ampliação da casuística dará força à evidência dos resultados atuais.

Em estudo anterior, quando comparamos os resultados da citologia do canal anal com uma e duas coletas, notamos que a sensibilidade com duas coletas foi maior do que com a coleta única e que a especificidade foi semelhante2626. Nadal SR, Calore EE, Manzione CR, Arruda CN, Cha JD, Formiga FB, et al. Sensibilidade e especificidade da citologia anal com escova no diagnóstico das lesões clínicas provocadas pelo papilomavírus humano, comparando uma com duas coletas. Rev bras colo-proctol. 2009;29(3):297-302.. Por este motivo, adotamos as duas coletas como rotina.

No nosso estudo, a colposcopia anal mostrou lesões HPV induzidas na margem e no canal anal de 48,3% dos doentes examinados. Em outros 35,4%, o exame com o colposcópio revelou-se normal, embora a citologia do canal anal estivesse alterada. Esses fatos evidenciaram que a infecção pelo HPV não estava completamente controlada em 83,7% dos pacientes. Não encontramos trabalhos publicados com os quais possamos comparar esses resultados. Também procuramos avaliar se a infecção pelo HIV determinaria mais recidiva ou lesões remanescentes. Mas, o pequeno número de doentes HIV-negativo da amostra impediu essa análise.

Quando a afecção é detectada, inicia-se o tratamento para controlar recidivas clínicas e evitar a evolução para malignidade. Todavia, quando a doença só é evidenciada pela citologia, torna-se impossível definir alguma terapia, pois não sabemos onde estão as lesões e não consideramos correta a aplicação de tópicos ou a ressecção cirúrgica de áreas aleatórias. Além disso, pode haver resultado falso-positivo, fato comprovado em estudo anteriormente publicado3030. Nadal SR, Calore EE, Nadal LRM, Horta SHC, Manzione CR. Citologia anal para rastreamento de lesões pré-neoplásicas. Rev Assoc Med Bras. 2007;53(2):147-151.. De qualquer forma, pensamos que o canal anal possa ser reservatório da infecção, e que num momento propício, geralmente quando ocorre queda da imunidade, as doenças provocadas por esse vírus possam reaparecer. Por outro lado, o colposcópio não consegue visibilizar o interior das criptas. Caso haja infecção remanescente neste local, ela não será detectada pelo método. Todavia, células com os padrões de lesão escamosa intraepitelilal (SIL), que se desprenderam, podem ser captadas durante o raspado, alterando o resultado da citologia. Por esses motivos, optamos pela associação da citologia ao exame com colposcópio e ácido acético e sugerimos que esses métodos não devam ser utilizados isoladamente, para seguimento.

As recidivas são mais frequentes entre aqueles com as contagens mais baixas de linfócitos T CD4+2929. Lehtovirta P, Paavonen J, Heikinheimo O. Risk factors, diagnosis and prognosis of cervical intraepithelial neoplasia among HIV-infected women. Int J STD AIDS. 2008;19(1):37-41.. No presente estudo, os pacientes soropositivos apresentaram mais lesões subclínicas nos exames de seguimento. Porém, a comparação das médias das contagens séricas dos linfócitos T CD4+ dos doentes HIV-positivo, com e sem lesões subclínicas, não revelou diferença, assim como a presença das lesões subclínicas não teve relação com as contagens acima e abaixo de 500/mL, mostrando que a imunidade não teve influência nesse sentido.

Pretendemos prosseguir este estudo, avaliando se a presença dos tipos oncogênicos do HPV determinaria maior índice de lesões subclínicas recidivadas ou remanescentes nos doentes tratados. Preocupa-nos, também, a evolução dos doentes com colposcopia anal normal e citologia alterada, para o qual estamos desenvolvendo estudo adicional.

Os resultados obtidos nas condições de execução do presente estudo, em que realizamos a citologia anal com escova e a colposcopia anal para seguimento dos portadores dos condilomas acuminados perianais tratados, demonstraram que a erradicação das lesões clínicas não controla localmente a infecção pelo papilomavirus humano e que o controle periódico deve ser instituído.

REFERENCES

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  • Como citar este artigo: Manzione TS, Nadal SR, Calore EE, Nadal LRM, Manzione CR. Controle local da infecção perianal pelo papilomavírus humano após erradicação dos condilomas acuminados. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2014;41(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2012
  • Aceito
    15 Fev 2013
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