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Publicidade médica em redes sociais: conhecimento e ensino na graduação de Medicina

RESUMO

Objetivo:

este estudo analisou o conhecimento dos estudantes de medicina sobre publicidade médica nas redes sociais.

Método:

Trata-se de estudo transversal realizado entre janeiro e maio de 2022 com 179 acadêmicos de medicina de instituição pública e privada em Curitiba - PR, por meio de questionário estruturado com nove situações-problemas sobre publicidade médica. Foi estabelecido como conhecimento “suficiente” o acerto ≥70% das situações-problemas com base nos códigos e resoluções profissionais vigentes.

Resultados:

cinco questões tiveram maior percentual de acerto decorrente da aquisição de conhecimento de diferentes fontes. A maioria dos estudantes não aprendeu sobre publicidade médica na graduação (84,9%), já divulgou imagens de pacientes pelas redes sociais (89,9%), e sente falta de mais discussões sobre publicidade (96,6%).

Conclusão:

há necessidade de direcionar o ensino da graduação para o uso ético da publicidade visando melhor preparo para o exercício profissional.

Palavras-chave:
Publicidade; Educação Médica; Estudantes de Medicina; Proteção de Dados; Tecnologias em Saúde

ABSTRACT

Objective:

this study analyzed medicine students’ knowledge regarding medical advertising on social media.

Method:

this is a cross-sectional study carried out between January and May 2022 with 179 medical students from public and private institutions from Curitiba - PR, using a structured questionnaire with nine problem situations on medical advertising. It was established as “sufficient” knowledge ≥70% of the problem-situations based on current professional codes and resolutions.

Results:

five questions had the highest percentage of correct answers resulting from the acquisition of knowledge from different sources. Most students did not learn about medical marketing in their undergraduate course (84.9%), having already shared patients’ pictures on social media (89.9%), and fell the lack of discussions about medical advertising (96.6%).

Conclusion:

there is a need to direct undergraduate education towards the ethical use of advertising in order to better prepare them for professional practice.

Keywords:
Marketing of Health Services; Education, Medical; Students, Medical; Computer Security; Biomedical Technology

INTRODUÇÃO

Estratégias de publicidade e marketing adequadas podem educar a população, oferecer informação atualizada e precisa ao paciente e dar visibilidade ao médico, uma vez que mais pessoas buscam por referências na internet. O marketing médico digital é assunto emergente, que pode ser entendido como “conjunto de ações e estratégias que tem por objetivo agregar valor à prática médica por meio da identificação de oportunidades e mercado, dos desejos e das necessidades dos pacientes”11 Alves F, et al. Percepção de alunos de medicina sobre marketing médico. Rev. bras. educ. med. 2012;36(3):293-9. doi: 10.1590/S0100-55022012000500002.
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.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) através do Código de Ética Médica (CEM)22 Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 179, 1º nov 2018 [acesso 16 maio 2022]. Seção 1. e das Resoluções n° 1974/2011, 2126 e 2133/2015 normatiza a publicidade médica para todos os veículos publicitários33 Conselho Federal de Medicina. Manual de Publicidade Médica: Resolução CFM nº 1.974/11. Conselho Federal de Medicina; Comissão Nacional de Divulgação de Assuntos Médicos [Internet]. Brasília: CFM; 2011. 102 p. [acesso 16 maio 2022].. E promove por meio dos Conselhos Regionais de Medicina educação atualizada e continuada44 Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná (CRM-PR). Programa de Educação Médica Continuada do Conselho Regional de Medicina do Paraná [evento na internet]. 2021; Curitiba, Brasil [acesso 16 maio 2022].,55 Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. Manual sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais: LGPD / Farid Buitrago Sánchez, Carlos Guilherme Figueiredo e Lia Freire, coordenadores. Brasília: CRM-DF, 2022. 24 p. [acesso 16 maio 2022]. em diversos assuntos para estudantes e profissionais, visando a boa prática médica e a construção de uma carreira sólida.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)55 Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. Manual sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais: LGPD / Farid Buitrago Sánchez, Carlos Guilherme Figueiredo e Lia Freire, coordenadores. Brasília: CRM-DF, 2022. 24 p. [acesso 16 maio 2022].,66 Leme RS, Blank M. Lei Geral de Proteção de Dados e segurança da informação na área da saúde. Cad. Ibero-amer. Dir. Sanit. 2020;9(3):210-24. doi: 10.17566/ciads.v9i3.690
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considera sensíveis os dados referentes à saúde (doenças, deficiências, relatórios médicos, prontuários, dados biométricos, resultados de exames, entre outros)66 Leme RS, Blank M. Lei Geral de Proteção de Dados e segurança da informação na área da saúde. Cad. Ibero-amer. Dir. Sanit. 2020;9(3):210-24. doi: 10.17566/ciads.v9i3.690
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, e o uso desses dados só pode ser feito com autorização do titular e atendendo as regras legais. Por sua vez, médicos e estudantes de medicina estão sujeitos ao sigilo porfissional22 Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 179, 1º nov 2018 [acesso 16 maio 2022]. Seção 1.,77 Conselho Federal de Medicina. Código de Ética do Estudante de Medicina/ Conselho Federal de Medicina. - Brasília, DF: CFM, 2018. 52p. [acesso 16 maio 2022].

8 Lima S, Silva S, Neves N, Crisostomo L. Avaliação do conhecimento de estudantes de medicina sobre sigilo médico. Rev. bioét. 2020;28(1): 98-110. doi: 10.1590/1983-80422020281372.
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9 Schmidt A, Manfredini G, Brito L, Penido M, Buch P, Purim K. Publicidade médica em tempos de medicina em rede. Rev. bioét. 2021;29(1):115-27. doi: 10.1590/1983-80422021291452.
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-1010 Romeiro DA, Mascarenhas IL, Godinho AM. Descumprimento da ética médica em publicidade: impactos na responsabilidade civil. Rev. bioét. 2022;30(1):27-35. doi: 10.1590/1983-80422022301503PT.
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.

Com a popularização das redes sociais e o advento da pandemia, houve incremento do ensino e trabalho à distância, sendo que a comunicação digital se intensificou em todas as áreas. Junta-se a estes o número crescente de vagas em Escolas de Medicina e o consequente aumento de oferta de profissionais ao mercado99 Schmidt A, Manfredini G, Brito L, Penido M, Buch P, Purim K. Publicidade médica em tempos de medicina em rede. Rev. bioét. 2021;29(1):115-27. doi: 10.1590/1983-80422021291452.
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,1111 Conselho Federal de Medicina. Radiografia das Escolas Médicas do Brasil. [Acesso 16 maio 2022]. divulgando assuntos e serviços médicos. A habilidade de se comunicar de forma ética, privada ou em público, por meio de linguagem verbal e não verbal, é uma das bases do exercício profissional prevista nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de medicina1212 Brasil. Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 23 jun 2014 [acesso 16 maio 2022]. Seção 1.. Porém, na maioria das vezes, o tema publicidade médica é relegado ao currículo oculto e pouco compreendida pelos estudantes.

O Código de Ética do Estudante de Medicina (CEEM)77 Conselho Federal de Medicina. Código de Ética do Estudante de Medicina/ Conselho Federal de Medicina. - Brasília, DF: CFM, 2018. 52p. [acesso 16 maio 2022]. norteia atitudes, práticas, princípios morais e éticos dentro e fora da sala de aula, e estabelece os direitos e deveres dos acadêmicos para com seus pares, professores e pacientes. Diante disto, este estudo pretende analisar o conhecimento dos estudantes de medicina sobre publicidade médica nas redes sociais.

MÉTODO

Estudo descritivo transversal realizado entre janeiro e maio de 2022 através da plataforma Google Forms, disponibilizado em grupos de WhatsApp de estudantes de medicina de Curitiba-PR. O projeto foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Positivo (CAAE 10718919.9.0000.0093).

A amostra foi não probabilística tendo como critérios de inclusão estudantes de medicina maiores de 18 anos que concordaram em participar mediante termo de consentimento esclarecido e que devolveram o questionário preenchido. Foram excluídos questionários com preenchimento menor do que 80% dos itens, acadêmicos de medicina de outros países e intercambistas.

A coleta de dados foi realizada através de questionário estruturado aplicado de forma anônima e online, contendo o TCLE na sua página inicial, e contemplou variáveis sociodemográficas (idade, sexo, cor/raça/etnia, estado civil, procedência de instituição de ensino privada ou pública), questões acerca da formação acadêmica e do conhecimento sobre publicidade médica. Foi perguntado se conheciam o Manual de Publicidade Médica (MPM - Resolução CFM 1974/2011), o Código de Ética dos Estudantes de Medicina (CEEM) e se já haviam cursado a disciplina de Bioética ou equivalente, bem como fontes de informações sobre a publicidade médica.

Foram inseridos casos-problemas (Quadro 1), descrevendo situações cotidianas relacionadas ao marketing profissional, para o estudante responder “verdadeiro” ou “falso” quanto aos princípios éticos vigentes que regem a medicina (Resolução n. 1974/2011; Resolução nº 2.126/2015), sendo o grau de conhecimento classificado em “insuficiente” (< 70% de acerto) e “suficiente” (≥70% de acerto).

Quadro 1
Situações-problemas sobre publicidade médica frente as resoluções e códigos profissionais vigentes no país.

Os dados foram tabulados em planilhas do programa Microsoft Excel®. Foram feitas estatísticas descritivas e estatísticas inferenciais com emprego de testes baseados na distribuição Qui-Quadrado e teste exato de Fisher, considerando-se significante p < 0,05. Todas as análises foram realizadas no programa SPSS 17.0.

RESULTADOS

Na amostra composta de 179 estudantes predominou mulheres (64,8%), jovens (66,5%), brancas (89,9%), solteiras (94,4%), procedente de instituição privada (52,5%) (Tabela 1) e que já cursou a disciplina de Bioética ou equivalente (96,1%). O Manual de Publicidade Médica é conhecido por 54,2% dos estudantes e o CEEM por 50% deles (Tabela 2).

Tabela 1
Característica da amostra de estudantes de medicina (n=179).

Tabela 2
Formação e profissionalização dos estudantes de medicina (n=179).

O percentual de estudantes que não aprendeu sobre publicidade médica no curso de graduação foi de 84,9% e que não considera esse treinamento importante para a prática profissional foi de 65,4%. A maioria já divulgou imagens de pacientes pelas redes sociais (89,9%), sente falta de mais discussões sobre a publicidade médica (96,6%) e buscou adquirir esse conhecimento em diferentes fontes (Tabela 2).

Ao comparar estudantes de medicina que cursaram ou não a Disciplina de Bioética, verifica-se diferença significativa da influência da graduação (p= 0,031) e dos professores (p = 0,007) como fonte de aprendizado.

Quanto a divulgação de imagens de pacientes pelas redes sociais não se encontrou diferença estatística quanto ao conhecimento advindo do Manual de Publicidade Médica (p=0,702), CEEM (p =0,498), sexo (p=0470), instituição privada ou pública (p= 0,311), aprendizado através da internet (p=0120) ou ter cursado a disciplina de Bioética (p=0,414).

Em relação as questões sobre publicidade médica, os menores percentuais de acerto ocorreram nas situações elencadas no caso 1 (41,3=3%), casos 3 e 4 (ambos com 37,4%) e caso 7 (33,5%) (Figura 1).

Figura 1
Percentual de acertos dos estudantes quanto as questões sobre publicidade médica.

O conhecimento sobre publicidade médica foi insatisfatório entre aqueles que relataram conhecer o Manual de Publicidade Médica (p<0,0001), que aprenderam durante a graduação (p=0,006), por meio da internet (p=0,012) e que são de instituição privada (p<0,0001) (Figura 2).

Figura 2
Conhecimento dos estudantes sobre publicidade médica frente as variáveis referentes a formação/profissionalização.

DISCUSSÃO

O perfil de estudantes mostrou predomínio de público feminino e jovem compatível com a literatura88 Lima S, Silva S, Neves N, Crisostomo L. Avaliação do conhecimento de estudantes de medicina sobre sigilo médico. Rev. bioét. 2020;28(1): 98-110. doi: 10.1590/1983-80422020281372.
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,1313 Purim KSM, Tizzot ELA. Protagonismo dos Estudantes de Medicina no Uso do Facebook na Graduação. Rev. bras. educ. med. 2019;43(1):187-96. doi: 10.1590/1981-52712015v43n1RB20180139.
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e aponta que, apesar das diretrizes curriculares estimularem o ensino das competências de comunicação1212 Brasil. Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 23 jun 2014 [acesso 16 maio 2022]. Seção 1., encontra-se uma lacuna educacional sobre a publicidade e o marketing profissional durante a graduação médica99 Schmidt A, Manfredini G, Brito L, Penido M, Buch P, Purim K. Publicidade médica em tempos de medicina em rede. Rev. bioét. 2021;29(1):115-27. doi: 10.1590/1983-80422021291452.
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.

No presente estudo, a maioria dos acadêmicos cursou a disciplina de Bioética e conhece o Manual de Publicidade Médica, porém apenas metade conhece o CEEM. Além disso, o conhecimento no tema foi insatisfatório entre aqueles que conheciam o Manual de Publicidade Médica. Abordar a ética de forma criativa, reflexiva e contextualizada durante toda a graduação pode auxiliar no melhor profissionalismo88 Lima S, Silva S, Neves N, Crisostomo L. Avaliação do conhecimento de estudantes de medicina sobre sigilo médico. Rev. bioét. 2020;28(1): 98-110. doi: 10.1590/1983-80422020281372.
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. As práticas e atitudes dos acadêmicos77 Conselho Federal de Medicina. Código de Ética do Estudante de Medicina/ Conselho Federal de Medicina. - Brasília, DF: CFM, 2018. 52p. [acesso 16 maio 2022]., dentro e fora do ambiente virtual, devem estar alinhadas às regras de conduta moral, à legislação vigente e ao comportamento esperado de um futuro médico33 Conselho Federal de Medicina. Manual de Publicidade Médica: Resolução CFM nº 1.974/11. Conselho Federal de Medicina; Comissão Nacional de Divulgação de Assuntos Médicos [Internet]. Brasília: CFM; 2011. 102 p. [acesso 16 maio 2022].,1313 Purim KSM, Tizzot ELA. Protagonismo dos Estudantes de Medicina no Uso do Facebook na Graduação. Rev. bras. educ. med. 2019;43(1):187-96. doi: 10.1590/1981-52712015v43n1RB20180139.
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14 Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM N° 2.126/2015. Diário Oficial da União, 01 de outubro de 2015, Seção I, p. 131.

15 Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.314/2022, que define e regulamenta a telemedicina no Brasil. Diário Oficial da União, 05 de maio de 2022, Seção I, p.227.

16 Purcarea VL. The impact of marketing strategies in healthcare systems. J Med Life. 2019;12(2):93-6. doi: 10.25122/jml-2019-1003.
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17 Castro GM, Rodrigues ACR, Carvalho LO, Trindade EMV. A relevância e influência dos avanços das Tecnologias da Informação e Comunicação para o comportamento e a ética médica. Brazilian Journal of Health Review. 2022;5(1):1921-8. doi: 10.34119/bjhrv5n1-169.
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-1818 Souza ES, Lorena SB, Ferreira CCG, Amorim AFC, Peter JVS. Ética e profissionalismo nas redes sociais: comportamentos on-line de estudantes de medicina. Rev. bras. educ. med. 2017;41:564-75. doi: 10.1590/1981-52712015v41n3RB20160096.
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Ao delimitar de onde vem o conhecimento geral do estudante de medicina sobre a publicidade médica, na presente amostra, observa-se que o currículo formal, os professores e o convívio com outros médicos tiveram indicativos de menor participação e que os estudantes alegaram sentir falta do ensino da publicidade na sua formação. Contrariamente, afirmaram que não consideram este treinamento importante para a prática profissional, todavia, com a dinamicidade tecnológica, a cibercultura em saúde, as mudanças na relação médico-paciente e a expansão da telemedicina esta habilidade complementa a construção do perfil profissional contemporâneo99 Schmidt A, Manfredini G, Brito L, Penido M, Buch P, Purim K. Publicidade médica em tempos de medicina em rede. Rev. bioét. 2021;29(1):115-27. doi: 10.1590/1983-80422021291452.
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,1515 Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.314/2022, que define e regulamenta a telemedicina no Brasil. Diário Oficial da União, 05 de maio de 2022, Seção I, p.227..

Na presente amostra, o ensino remoto e o distanciamento social devido a pandemia do SARS-CoV-2 podem ter influenciado na relação com os professores e no convívio com os médicos, bem como, nessa percepção sobre a publicidade. Outras possíveis explicações seriam que embora nativos digitais, os estudantes não tenham refletido criticamente que os veículos de comunicação de massa podem impactar as escolhas de saúde da população1616 Purcarea VL. The impact of marketing strategies in healthcare systems. J Med Life. 2019;12(2):93-6. doi: 10.25122/jml-2019-1003.
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,1717 Castro GM, Rodrigues ACR, Carvalho LO, Trindade EMV. A relevância e influência dos avanços das Tecnologias da Informação e Comunicação para o comportamento e a ética médica. Brazilian Journal of Health Review. 2022;5(1):1921-8. doi: 10.34119/bjhrv5n1-169.
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.

A distribuição de conteúdo na internet pode influenciar a percepção pública da profissão e da própria imagem pessoal, e, em conformidade com pesquisa realizada com estudantes de medicina, o uso de redes sociais pode ter implicações positivas e negativas1313 Purim KSM, Tizzot ELA. Protagonismo dos Estudantes de Medicina no Uso do Facebook na Graduação. Rev. bras. educ. med. 2019;43(1):187-96. doi: 10.1590/1981-52712015v43n1RB20180139.
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A divulgação de imagens de pacientes nas redes sociais pelos estudantes, detectada na presente pesquisa, é preocupante e provavelmente reflete desconhecimento da legislação, códigos e normas e suas consequências11 Alves F, et al. Percepção de alunos de medicina sobre marketing médico. Rev. bras. educ. med. 2012;36(3):293-9. doi: 10.1590/S0100-55022012000500002.
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,88 Lima S, Silva S, Neves N, Crisostomo L. Avaliação do conhecimento de estudantes de medicina sobre sigilo médico. Rev. bioét. 2020;28(1): 98-110. doi: 10.1590/1983-80422020281372.
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,1818 Souza ES, Lorena SB, Ferreira CCG, Amorim AFC, Peter JVS. Ética e profissionalismo nas redes sociais: comportamentos on-line de estudantes de medicina. Rev. bras. educ. med. 2017;41:564-75. doi: 10.1590/1981-52712015v41n3RB20160096.
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. Por outro lado, pode ter sido motivado pela impulsividade e pela frequente veiculação nos espaços sociais virtuais e nas mídias leigas de casos concretos para aumentar audiência e angariar seguidores. Assim, deve-se educar o estudante quanto ao sigilo médico22 Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 179, 1º nov 2018 [acesso 16 maio 2022]. Seção 1. e a legislação55 Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal. Manual sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais: LGPD / Farid Buitrago Sánchez, Carlos Guilherme Figueiredo e Lia Freire, coordenadores. Brasília: CRM-DF, 2022. 24 p. [acesso 16 maio 2022]. para assegurar a confiabilidade e integridade das suas ações, bem como, reforçar o comportamento de segurança e políticas de privacidade para prevenção, monitoramento e mitigação de riscos66 Leme RS, Blank M. Lei Geral de Proteção de Dados e segurança da informação na área da saúde. Cad. Ibero-amer. Dir. Sanit. 2020;9(3):210-24. doi: 10.17566/ciads.v9i3.690
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No presente estudo, as postagens de imagens de pacientes não demonstraram diferenças estatísticas em relação ao sexo, instituição de ensino, ter cursado a Disciplina de Bioética, aprendizado pela internet e conhecer o CEEM ou o Manual de Publicidade Médica, e podem resultar de características sociocomportamentais de cada acadêmico. Este achado deve ser melhor investigado e serve de alerta para esclarecimento aos estudantes quanto a ética médica, devido risco da quebra de sigilo e de sanções no âmbito moral, jurídico e administrativo11 Alves F, et al. Percepção de alunos de medicina sobre marketing médico. Rev. bras. educ. med. 2012;36(3):293-9. doi: 10.1590/S0100-55022012000500002.
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,1717 Castro GM, Rodrigues ACR, Carvalho LO, Trindade EMV. A relevância e influência dos avanços das Tecnologias da Informação e Comunicação para o comportamento e a ética médica. Brazilian Journal of Health Review. 2022;5(1):1921-8. doi: 10.34119/bjhrv5n1-169.
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Os estudantes apresentaram maior percentual de desconhecimento das normativas vigentes sobre publicidade médica nos casos-problemas 1, 3, 4, 7 (Quadro 1, Figura 1) sendo que a ética médica nas mídias sociais (sites, blogs, Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, WhatsApp e similares) é tratada pela Resolução CFM nº 2.126/20151414 Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM N° 2.126/2015. Diário Oficial da União, 01 de outubro de 2015, Seção I, p. 131.. A ideia não é censurar ou cercear a atividade do profissional, mas estabelecer parâmetros para uma prática ética e saudável, evitando abusos e exposição desnecessária, respeitando o ser humano e a finalidade educativa da publicidade médica (artigo 111 do CEM)22 Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 179, 1º nov 2018 [acesso 16 maio 2022]. Seção 1..

A tendência do século XXI é a prestação de serviços médicos de modo híbrido, presencial e através da Telemedicina (Resolução CFM 2314 / 2022, no artigo 3º) cuja normativa também determina que “os dados e imagens dos pacientes, constantes no registro do prontuário devem ser preservados, obedecendo as normas legais e do CFM pertinentes à guarda, ao manuseio, à integridade, à veracidade, à confidencialidade, à privacidade, à irrefutabilidade e à garantia do sigilo profissional das informações”1515 Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.314/2022, que define e regulamenta a telemedicina no Brasil. Diário Oficial da União, 05 de maio de 2022, Seção I, p.227..

As limitações do presente estudo são seu delineamento, possíveis vieses de autosseleção e de respostas uma vez que o questionário foi distribuído para mídias sociais de estudantes de medicina e autopreenchido. Embora passível de críticas, seus achados revelam a importância do ensino da publicidade médica, e provoca a reflexão de que urge o treinamento da bioética digital e telepropedêutica para o futuro exercício da profissão médica22 Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 179, 1º nov 2018 [acesso 16 maio 2022]. Seção 1.,77 Conselho Federal de Medicina. Código de Ética do Estudante de Medicina/ Conselho Federal de Medicina. - Brasília, DF: CFM, 2018. 52p. [acesso 16 maio 2022]..

Pode-se incluir o Código de Ética Médica do Estudante de Medicina e as regras da publicidade profissional na Disciplina de Bioética ou correlata, devido sua magnitude, bem como, implementar atividades curriculares para treinar e avaliar estratégias adequadas de comunicação e de marketing digital, usando metodologias ativas, e estender seu ensino aos internatos e programas de residência médica. Contudo, cabe ao estudante de medicina ser protagonista do seu aprendizado1313 Purim KSM, Tizzot ELA. Protagonismo dos Estudantes de Medicina no Uso do Facebook na Graduação. Rev. bras. educ. med. 2019;43(1):187-96. doi: 10.1590/1981-52712015v43n1RB20180139.
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e do seu profissionalismo77 Conselho Federal de Medicina. Código de Ética do Estudante de Medicina/ Conselho Federal de Medicina. - Brasília, DF: CFM, 2018. 52p. [acesso 16 maio 2022].,88 Lima S, Silva S, Neves N, Crisostomo L. Avaliação do conhecimento de estudantes de medicina sobre sigilo médico. Rev. bioét. 2020;28(1): 98-110. doi: 10.1590/1983-80422020281372.
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,1818 Souza ES, Lorena SB, Ferreira CCG, Amorim AFC, Peter JVS. Ética e profissionalismo nas redes sociais: comportamentos on-line de estudantes de medicina. Rev. bras. educ. med. 2017;41:564-75. doi: 10.1590/1981-52712015v41n3RB20160096.
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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2022
  • Aceito
    13 Jun 2022
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