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Antioxidantes enterais em lesões de isquemia e reperfusão em ratos

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o papel do pré-tratamento com antioxidantes dietéticos em um modelo experimental de lesão intestinal de isquemia-reperfusão (I/R) em ratos. MÉTODOS: Noventa ratos Wistar adultos machos foram utilizados. Um segmento intestinal foi isolado baseado em seu pedículo vascular. Uma biópsia controle foi realizada e o pedículo foi seccionado e anastomosado novamente, garantindo um tempo de isquemia de 60 minutos, seguido por reperfusão. Biópsias sequenciais foram realizadas ao término do período isquêmico e a cada 15 minutos, durante a reperfusão. O tratamento consistiu de solução salina ou vitamina C ou vitamina E ou a associação destas. Avaliações quantitativa e qualitativa das biópsias foram realizadas. RESULTADOS: Os grupos tratados com vitamina E isolada ou associada com vitamina C apresentaram uma atenuação estatisticamente significativa da lesão de isquemia-reperfusão, com diminuição da perda de altura dos vilos e menor infiltração neutrofílica ao final do estudo quando comparados ao grupo controle e vitamina C exclusiva. CONCLUSÃO: Neste modelo experimental de isquemia-reperfusão, o pré-tratamento com vitamina E atenuou a lesão de I/R no intestino delgado, demonstrado pela diminuição da perda de altura dos vilos e pela atenuação da infiltração neutrofílica.

Isquemia; Reperfusão; Traumatismo por reperfusão; Microcirurgia; Antioxidantes


OBJECTIVE: To evaluate the role of pre-treatment with dietary antioxidants in an experimental model of intestinal injury of ischemia-reperfusion (I/R) in rats. METHODS: Ninety adult male Wistar rats were used. An intestinal segment was isolated based on its vascular pedicle. A control biopsy was performed and the pedicle was sectioned and sutured again, ensuring a time of 60 minutes of ischemia followed by reperfusion. Sequential biopsies were performed at the end of the ischemic period and every 15 minutes during reperfusion. The treatment consisted of saline, vitamin C, vitamin E or a combination of the latter two. Quantitative and qualitative assessments of the biopsies were performed. RESULTS: The groups treated with vitamin E alone or vitamin E combined with vitamin C showed a statistically significant attenuation of ischemia-reperfusion, with reduced loss of height of the villi and lower neutrophilic infiltration at the end of the study when compared to the control and vitamin C-exclusive groups. CONCLUSION: In this experimental model of ischemia-reperfusion, pre-treatment with vitamin E attenuated the I/R injury in the small intestine of Rats, demonstrated by reduced loss of height of the villi and the attenuation of neutrophil infiltration.

Ischemia; Reperfusion; Reperfusion injury; Microsurgery; Antioxidants


ARTIGOS ORIGINAIS

Antioxidantes enterais em lesões de isquemia e reperfusão em ratos

Enteral antioxidants in ischemia/reperfusion injuries in rats

Hugo Fontan KöhlerI; Iara Maria Silva DeluccaII; Lourenço Sbragia NetoIII

IMédico-Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - SP-BR

IIProfessora Assistente Doutora do Departamento de Histologia e Embriologia do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas- SP-BR

IIIProfessor Assistente Doutor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto- SP-BR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Hugo Fontan Kohler E-mail: hkohler75@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o papel do pré-tratamento com antioxidantes dietéticos em um modelo experimental de lesão intestinal de isquemia-reperfusão (I/R) em ratos.

MÉTODOS: Noventa ratos Wistar adultos machos foram utilizados. Um segmento intestinal foi isolado baseado em seu pedículo vascular. Uma biópsia controle foi realizada e o pedículo foi seccionado e anastomosado novamente, garantindo um tempo de isquemia de 60 minutos, seguido por reperfusão. Biópsias sequenciais foram realizadas ao término do período isquêmico e a cada 15 minutos, durante a reperfusão. O tratamento consistiu de solução salina ou vitamina C ou vitamina E ou a associação destas. Avaliações quantitativa e qualitativa das biópsias foram realizadas.

RESULTADOS: Os grupos tratados com vitamina E isolada ou associada com vitamina C apresentaram uma atenuação estatisticamente significativa da lesão de isquemia-reperfusão, com diminuição da perda de altura dos vilos e menor infiltração neutrofílica ao final do estudo quando comparados ao grupo controle e vitamina C exclusiva.

CONCLUSÃO: Neste modelo experimental de isquemia-reperfusão, o pré-tratamento com vitamina E atenuou a lesão de I/R no intestino delgado, demonstrado pela diminuição da perda de altura dos vilos e pela atenuação da infiltração neutrofílica.

Descritores: Isquemia. Reperfusão. Traumatismo por reperfusão. Microcirurgia. Antioxidantes.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the role of pre-treatment with dietary antioxidants in an experimental model of intestinal injury of ischemia-reperfusion (I/R) in rats.

METHODS: Ninety adult male Wistar rats were used. An intestinal segment was isolated based on its vascular pedicle. A control biopsy was performed and the pedicle was sectioned and sutured again, ensuring a time of 60 minutes of ischemia followed by reperfusion. Sequential biopsies were performed at the end of the ischemic period and every 15 minutes during reperfusion. The treatment consisted of saline, vitamin C, vitamin E or a combination of the latter two. Quantitative and qualitative assessments of the biopsies were performed.

RESULTS: The groups treated with vitamin E alone or vitamin E combined with vitamin C showed a statistically significant attenuation of ischemia-reperfusion, with reduced loss of height of the villi and lower neutrophilic infiltration at the end of the study when compared to the control and vitamin C-exclusive groups.

CONCLUSION: In this experimental model of ischemia-reperfusion, pre-treatment with vitamin E attenuated the I/R injury in the small intestine of Rats, demonstrated by reduced loss of height of the villi and the attenuation of neutrophil infiltration.

Key words: Ischemia. Reperfusion. Reperfusion injury. Microsurgery, Antioxidants.

INTRODUÇÃO

A restauração do fluxo sanguíneo para um tecido isquêmico pode levar a dano maior do que aquele originalmente causado pela isquemia, sendo este evento chamado de lesão de isquemia e reperfusão (I/R). O intestino delgado é especialmente suscetível à lesão de I/R1 e a sua ocorrência é associada com alta morbidez e mortalidade2. Apesar dos mecanismos envolvidos não estarem completamente elucidados, acredita-se, que mediadores de estresse oxidativo, como as espécies reativas de oxigênio (ROS), neutrófilos polimorfonucleares (PMN) e o óxido nítrico (NO) desempenhem um papel importante3. Devido ao envolvimento de ROS em lesão de IR, vários antioxidantes têm sido testados, entre eles, a vitamina C (ácido ascórbico) e a vitamina E.

O ácido ascórbico é um antioxidante hidrossolúvel com propriedades quelantes e redutoras e foi utilizado para prevenir a lesão de I/R4. A vitamina E (á-tocoferol) é um antioxidante não-enzimático lipossolúvel que estabiliza os ácidos graxos insaturados da membrana contra o estresse oxidativo. Desta forma, tecidos tratados com vitamina E têm uma capacidade aumentada de reduzir as ROS e proteger-se contra a peroxidação de lipídios na membrana5. As vitaminas C e E podem atuar de forma sinérgica, pois o ácido ascórbico é incapaz de reduzir o radical peroxil, mas pode regenerar o á-tocopherol a partir do radical tocoferoxil, reciclando o α-tocoferol6.

A I/R pode ocorrer em uma variedade de situações clínicas, uma delas sendo a transferência microcirúrgica de segmento jejunal. O retalho jejunal foi descrito inicialmente em 1957, e tem sido utilizado para reconstrução da faringe e do esôfago. Durante a transferência, um segmento isolado de jejuno é removido do abdômen e transferido para o pescoço7. Na situação clínica, a lesão de I/R pode ser observada aos dez minutos de reperfusão, com recuperação gradual até o 28º dia8.

O objetivo deste estudo é avaliar o impacto do pré-tratamento com vitaminas C e E em um modelo experimental do retalho jejunal, utilizando critérios morfométricos para avaliar a lesão de I/R.

MÉTODOS

Modelo de lesão de isquemia-reperfusão jejunal

Ratos Wistar machos adultos entre 224 e 261 gramas (média de 237,5 g e desvio-padrão (SD) de 12,3 g) foram utilizados no procedimento. Após anestesia com ketamina e xilazina intraperitoneal, os animais foram colocados em decúbito dorsal horizontal sobre mesa aquecida e submetidos à laparotomia mediana. A temperatura corporal foi monitorada com sonda retal para evitar hipotermia. A artéria e veia mesentéricas superiores foram dissecadas e isoladas em sua origem em extensão suficiente para permitir a colocação de clampes vasculares e a realização de suturas. A área de estudo foi então selecionada de acordo com o suprimento arterial do intestino. A primeira escolha para biopsia foi a sexta arcada a partir da válvula ileocecal, sendo a sétima arcada a alternativa subsequente. Um fragmento, com espessura total da parede intestinal, foi retirado e enviado para biopsia controle (BC). Para evitar as variações de altura do vilo ao longo do intestino, um segmento jejunal de 3cm foi então dissecado, baseado em seu pedículo vascular, e isolado, seccionando-se qualquer circulação colateral para este. Todas os fragmentos para as biopsias foram obtidos deste segmento. A fim de simular um retalho microcirúrgico, um clampe microvascular foi colocado nos vasos mesentéricos que, logo a seguir, foram seccionados. Uma anastomose microvascular foi então realizada entre os cotos utilizando magnificação por microscópio Zeiss e fios de nylon 10-0. Após uma hora de isquemia, durante a qual foi realizada a anastomose vascular, um segundo fragmento (biopsia isquêmica - BI) foi retirado e os clampes removidos, restabelecendo o fluxo sanguíneo. Após a remoção dos clampes, foram realizadas quatro retiradas teciduais sucessivas: - aos quinze minutos de reperfusão (RB15), aos trinta minutos de reperfusão (RB30), aos quarenta e cinco minutos de reperfusão (RB45) e aos sessenta minutos de reperfusão (RB60). Cada amostra tinha comprimento aproximado de 0,4 cm e incluía toda a circunferência do segmento jejunal. Para simular as condições de transferência microvascular, o segmento escolhido para estudo foi mantido fora da cavidade abdominal, em temperatura ambiente (24º Celsius). Todos os animais foram submetidos à eutanásia ao final do procedimento.

Este experimento foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas.

Grupos de tratamento

Os animais foram distribuídos de forma randômica pelos seguintes grupos, cada um com quinze animais: Grupo T - submetidos à laparotomia mediana com preparação do retalho, sem isquemia e reperfusão; Grupo Controle - submetidos à laparotomia mediana, preparação do retalho, isquemia e reperfusão com coleta das amostras nos intervalos previamente determinados, mas não receberam qualquer tratamento; Grupo C - submetidos ao mesmo procedimento cirúrgico do Grupo Controle, associado à ingesta de ácido ascórbico, 250mg/kg, através de sonda enteral, por quatro dias, antes da operação; Grupo E - submetidos ao mesmo procedimento cirúrgico do Grupo Controle, mas receberam vitamina E na dose de 60mg/kg nos quatro dias anteriores à operação; Grupo C+E -submetidos ao mesmo procedimento cirúrgico do Grupo Controle. Estes animais receberam as duas drogas, nas mesmas doses dos Grupos Controle e E (250mg/kg de vitamina C e 60mg/kg de vitamina E) durante quatro dias; Grupo Validação C - Idêntico ao Grupo C, exceto que durante a manipulação da droga, o princípio ativo (ácido ascórbico) foi removido; Grupo Validação E - Idêntido ao Grupo E, com o princípio ativo (α-tocoferol) removido durante a manipulação da droga.

O propósito do Grupo T é validar o modelo e demonstrar que a lesão intestinal não é devida à manipulação cirúrgica, mas à lesão de isquemia-reperfusão. Os Grupos Validação C e E têm por objetivo demonstrar que o efeito das vitaminas C e E foi devido ao seu princípio ativo e não a outros componentes da fórmula, que foram mantidos, bem como, o diluente nas drogas administradas a estes animais.

Parâmetros de lesão

Foi utilizada análise tanto qualitativa quanto quantitativa para a avaliação de lesão de I/R. A altura dos vilos e a infiltração neutrofílica foram avaliados em cortes histológicos das biópsias intestinais. Todas as amostras foram avaliadas pelo mesmo histologista, que desconhecia a qual grupo ou tempo da biópsia o animal pertencia. Os cortes foram corados por técnicas histológicas de rotina utilizando hematoxilina e eosina. A classificação proposta por Chiu et al.9 foi utilizada para avaliação qualitativa. A altura dos vilos foi determinada em dez campos aleatórios utilizando um sistema óptico que permitia a medida da altura do vilo em micrômetros (μm). A infiltração neutrofílica foi avaliada pela contagem de células em 20 campos aleatórios.

Análise estatística

Os dados estão apresentados como média e desvio-padrão (DP). Os testes de Spearman e Pearson foram utilizados para avaliar a correlação entre variáveis. A comparação entre múltiplas médias foi realizada pela técnica de análise de variância (ANOVA). Se as variâncias eram iguais, o teste de Tukey foi utilizado, enquanto o teste de Dunnett foi aplicado para variâncias diferentes. Um valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significante. A distribuição das variáveis contínuas foi comparada com a normal.

RESULTADOS

Análise qualitativa

Um aumento progressivo da lesão de I/R foi observado em todos os grupos, com uma significante migração do grau zero para o grau cinco com o passar do tempo, sendo demonstrada uma correlação estatisticamente significativa entre o tempo e o escore de Chiu (Figura 1).


Altura dos vilos

A altura dos vilos demonstrou um decréscimo progressivo ao longo do período de estudo (Figura 2). Uma correlação estatisticamente significativa foi encontrada entre o intervalo de biopsia e a altura dos vilos em todos os grupos. O coeficiente de correlação e o valor de p estão demonstrados na tabela1.


Comparações de altura dos vilos foram realizadas dentro de cada grupo em diferentes intervalos e também entre os diferentes grupos no mesmo intervalo. Inicialmente, o Grupo Controle foi comparado com aqueles de validação. Não houve qualquer diferença estatisticamente significativa entre eles, em qualquer intervalo (Tabela 2). No Grupo Controle, a altura dos vilos caiu de 363,55+/- 35,89 na BC para 129,16 +/- 27,17 na RB60, e este decréscimo foi estatisticamente significativo (p<0,001,). A primeira diferença estatisticamente significativa foi observada na comparação com RB15, que apresentava altura de 296,87+/-46,13, p=0,004 (Figura 2).

Para o Grupo C, um padrão similar foi observado com a altura dos vilos variando entre 336,61+/-44,63 na BC e 134,05+/-36,22 na RB60 (p<0,001), sendo RB15 a primeira biópsia a apresentar diferença significativa, p<0,001(Figura 2).

Os animais tratados com vitamina E tiveram altura vilar média de 343,93+/-46,79 na CB e 154,12+/-31,88 na RB60 (p<0,001), mas, ao contrário dos anteriores, a primeira diferença significativa foi com a BI, p<0,001(Figura 2).

Animais tratados com vitaminas C e E repetiram o padrão observado no Grupo E. A altura média dos vilos variou de 332,37+/-48,96 na CB a 156.23+/-29,63 na RB60 (p<0,001) e a primeira diferença estatisticamente significativa ocorreu na IB, p<0,001 (Figura 2).

Na biópsia controle, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos, com altura média dos vilos variando entre 363,55+/-35,89 no Grupo Controle e 332,37+/-42,00 no Grupo CE, p=0,235 (Figura 2). Na BI, diferenças significativas em relação ao Grupo Controle (338,53+/-45,08) podiam ser observadas nos Grupos E (249,00+/-35,34, p<0,001) e C+E 240,07+/-44,26, p<0,001. Na RB15, a única diferença significativa ocorreu entre o Grupo Controle (296,87+/-46,13) e o Grupo C+E (230,99+/-46,38, p=0,029. Na RB30, os animais dos Grupos E e C+E apresentaram diferença estatisticamente significativa em relação ao Grupo Controle p<0,001, e esta diferença manteve-se significativa na RB45 p=0,020 para o Grupo C+E e p=0,037 para o Grupo E, e na RB60 p=0,032 para o Grupo E e p=0,025 para o Grupo C+E,. Estes dados podem ser comparados na figura 2.

Infiltração neutrofílica

O número de neutrófilos infiltrados demonstrou um aumento progressivo e significativo durante o período de reperfusão, não havendo diferença estatisticamente significativa entre os Grupos Controle e de Validação (Tabela 2). O número de neutrófilos infiltrados na mucosa e submucosa foi comparado para os diferentes intervalos de tempo e tratamento. Encontrou-se uma correlação estatisticamente significativa entre os tempos das amostras e a infiltração neutrofílica. O coeficiente de correlação e o valor de p para cada grupo estão na tabela 1.

Em todos os grupos houve um aumento progressivo no número de neutrófilos infiltrados. Nos Grupos Controle e E, este aumento foi estatisticamente significativo em relação à biópsia controle a partir de RB30, enquanto nos Grupos C e C+E, esta diferença ocorreu a partir de RB15 (Figura 3).


Na BC e BI, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Houve uma diferença significativa entre os Grupos C e C+E quando comparado ao Grupo E e Controle em RB15 e RB30 (Tabela 3). Em RB45, não houve diferença significativa entre os grupos (p=0,2087). Em RB60, uma diferença significativa foi observada entre os Grupos C, E e C+E (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A vitamina C tem sido amplamente estudada em lesão de I/R devido à sua capacidade antioxidante. Em uma pesquisa utilizando um modelo experimental em coelhos com vitamina C, manitol e N-acetilcisteína, demonstrou-se que o fluxo na artéria mesentérica superior foi melhorado pelas três drogas, mas apenas a vitamina C e o manitol tiveram ação protetora direta na mucosa do intestino delgado na avaliação histopatológica, com redução significativa da lesão de isquemia e reperfusão10. Estes resultados foram confirmados por outro artigo que demonstrou uma melhora na lesão morfológica após a administração de ácido ascórbico11. Outro estudo avaliou o papel de antioxidantes não-enzimáticos utilizando a medida dos níveis de malondialdeido (MDA) e glutationa da mucosa intestinal, bem como, um escore histopatológico qualitativo. Ele demonstrou um significativo efeito protetor da vitamina C e do manitol, com decréscimo da lesão de mucos e do acúmulo de MDA, entretanto, o uso de vitamina E não demonstrou diferença nestes parâmetros. Os autores sugerem que a vitamina C e o manitol podem ser úteis na prevenção da lesão intestinal de IR devido à sua efetividade e facilidade de uso12. Ambos os artigos utilizaram a vitamina C por via intravenosa e demonstraram um efeito protetor adequado. Uma diferença fundamental é como a lesão foi avaliada, pois ambos utilizaram medidas qualitativas e não quantitativas. Também podemos apontar uma diferença significativa nas doses utilizadas no presente trabalho e Byrka-Owczarek10 (250mg/kg) e aquela utilizada por Günel12 (10mg/kg). Esta diferença de dosagem pode explicar as diferenças de resultados. Entretanto, a glicina mantém o mesmo perfil protetor de ação quando utilizada em diferentes doses13. A segurança na administração da vitamina C também tem sido questionada pelo seu papel contraditório na lesão de IR. Em um modelo de lesão hepática por IR, o ácido ascórbico demonstrou ter propriedades anti e pró-oxidantes. Após lesão de IR a frio, uma razão diminuída de glutationa reduzida por oxidação e um aumento dos níveis de peroxidação lipídica e edema mitocondrial pode ser prevenida por exposição ao ácido ascórbico na dose de 0,5mM, enquanto que dose de 2,0mM aumenta a lesão tecidual14.

Em um estudo com pacientes submetidos ao reparo cirúrgico de aneurisma de aorta abdominal ou enxerto infrainguinal, a administração pré-operatória de ascorbato de sódio aumentou a diferença arteriovenosa de hidroperóxidos lipídicos (LH), interleucina-6 e fator de crescimento vascular endotelial durante a isquemia. Refletiu-se isto em um aumento de LH, do fator de crescimento vascular endotelial e da creatina fosfoquinase durante a reperfusão. Os achados destes autores sugerem que o ascorbato de sódio pode promover dano oxidativo lipídico induzido pelo ferro durante a fase isquêmica da operação5. Talvez, o ácido ascórbico em dose terapêutica possa ter um efeito negativo na lesão de isquemia-reperfusão por aumentar a atividade inflamatória, sendo, então, indicado o uso de doses menores. O uso do ácido ascórbico mostrou-se inefetivo na prevenção da peroxidação lipídica no soro e na mucosa intestinal16.

A administração do α-tocoferol antes da isquemia mostrou um efeito protetor no fígado de ratos contra a lesão de I/R tanto do ponto de vista histopatológico quanto bioquímico17.

A administração pré-operatória de drogas também já foi demonstrada como uma modalidade efetiva de reduzir a lesão de I/R. Selênio, taurina e α-tocoferol foram administrados por quatro dias antes da oclusão e reperfusão de artérias viscerais em ratos. Os animais tratados com selênio, ou a associação das três drogas, mostraram melhor pressão arterial média e reperfusão das artérias viscerais do que os do grupo controle ou demais tratamentos18. A suplementação oral de glutamina por um período de 48 horas antes da lesão de I/R demonstrou capacidade de prevenir o dano intestinal e melhorar a recuperação19. Em um estudo clínico20, o uso pré-operatório da vitamina E, administrada por via parenteral, reduziu de forma significativa a lesão de I/R hepática, com um bom perfil de segurança, com e redução de concentração de enzimas hepáticas e do tempo em unidade de terapia intensiva20. O antioxidante natural resveratrol, administrado de forma pré-operatória, também demonstrou eficácia no tratamento da lesão de I/R intestinal em um modelo experimental21.

Em humanos, tanto a vitamina C quanto a vitamina E diminuem em situações de estresse oxidativo. Em pacientes com infarto do miocárdio, há um decréscimo significativo nos níveis de vitamina E após a reperfusão, que não ocorre em falhas de reperfusão. O nível sérico de vitamina C, entretanto, não demonstrou diferença entre estes dois grupos. Isto oferece evidência para o consumo de vitamina E durante a fase de reperfusão após infarto miocárdico, sendo este um sinal de reperfusão22.

O número de neutrófilos infiltrados na mucosa aumenta durante o período de reperfusão. Neutrófilos polimorfonucleares têm sido implicados na lesão de IR e sua depleção já foi testada como forma de melhorar o dano intestinal3. A sua simples contagem, utilizando microscopia óptica, pode ser um indicador de lesão de IR. Tanto a vitamina C quanto a vitamina E demonstraram diminuir a lesão de IR pulmonar, mas não preveni-la, pois inibem a ativação de PMN, mas não a produção de espécies reativas de oxigênio por outras fontes23. A associação das vitaminas C e E mostrou um efeito benéfico na lesão de I/R do retalho epigástrico de ratos, aumentando, de forma significativa, a viabilidade do retalho24. O papel da infiltração neutrofílica também foi demonstrada ficando evidenciada a melhora da lesão de IR com ventilação com oxigênio a 100%25. Neste estudo, os grupos E e C+E apresentaram maior altura de vilos e menor infiltração neutrofílica, apontando, desta forma, para uma correlação entre o dano à mucosa e a infiltração neutrofílica.

A administração de drogas antes da ocorrência do episódio de isquemia também demonstrou bons resultados. O pré-tratamento com vitamina C oral mostrou atenuação da lesão de I/R em um modelo experimental. Seu uso por cinco dias melhorou a capacidade de contração muscular, reduziu a infiltração neutrofílica, o edema tissular e o burst do ciclo respiratório dos neutrófilos26. O uso por período prolongado (cinco dias) no pré-operatório de L-arginina e do éter metil de L-nitro-arginina atenuou a lesão de isquemia e reperfusão em um modelo experimental em ratos, com diminuição da infiltração leucocitária, através de marcadores bioquímicos, como o nível sérico de óxido nítrico27, sendo tal efeito observado quando de seu uso no período pré-isquêmico imediato28.

No presente estudo, houve um decréscimo progressivo na altura dos vilos e um aumento da infiltração neutrofílica durante o período de reperfusão do experimento, bem como, uma significativa diminuição do dano à mucosa nos animais tratados com vitamina E ou C+E. Tal benefício não pôde ser demonstrado em animais tratados com vitamina C isolada. Esta melhora na altura dos vilos não foi previamente demonstrada em outros artigos e pode dever-se à forma de administração da vitamina E. Na maioria dos artigos, a vitamina E é administrada durante o período isquêmico através de injeção subcutânea. Neste trabalho, utilizou-se a via enteral no pré-operatório, o que pode ter permitido um aumento nos depósitos tissulares de vitamina E e sua ação mais efetiva durante a reperfusão como retentor de ROS. Em relação à vitamina C, o experimento não demonstrou qualquer benefício significativo de sua administração isolada. Nesta pesquisa, um aumento significativo na infiltração neutrofílica pôde ser observada em todos os grupos, mas, novamente, com diferentes respostas ao tratamento. Os grupos tratados com vitamina E ou C+E demonstraram significativamente menos neutrófilos infiltrando a mucosa ao final do período de estudo.

Infere-se, portanto, que a nutrição pré-operatória com vitamina E diminui a lesão de I/R do intestino delgado de ratos submetidos a um modelo experimental do retalho microvascular de jejuno. Sua administração é fácil e segura. Nenhum benefício pôde ser demonstrado, neste modelo, para o uso de vitamina C.

Recebido em 11/02/2011

Aceito para publicação em 04/05/2011

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhum

Trabalho realizado no Departamento de Histologia e Embriologia do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas- SP-BR.

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  • Endereço para correspondência:
    Hugo Fontan Kohler
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      11 Fev 2011
    • Aceito
      04 Maio 2011
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