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A curva de aprendizado em cirurgia retrógrada intrarrenal: Uma análise prospectiva

RESUMO

Introdução:

a cirurgia retrógrada intrarrenal (CRIR) é ferramenta em evolução. Sua curva de aprendizado não está bem estabelecida, apesar do uso comum dos ureteroscópios flexíveis atualmente. O objetivo é estimar o número de procedimentos necessários para se realizar CRIR consistentemente.

Material e Métodos:

Um residente de urologia teve suas primeiras 80 CRIR para tratamento de nefrolitíase analisadas quantitativa e qualitativamente. Os procedimentos foram divididos em 4 grupos contendo 20 cirurgias cada (I a IV), de acordo com sua ordem, para comparação.

Resultados:

Não houve diferença nos tamanhos dos cálculos entre grupos. Todas as variáveis qualitativas apresentaram variação significativa entre os grupos (p<0,001), exceto entre III e IV. Na análise quantitativa houve diferença entre os grupos I e IV no tempo de colocação do cateter duplo J (p=0,012). Houve uma diferença crescente no tempo de colocação da bainha (p<0,001) e no tempo operatório total (p=0,004). O tempo para o tratamento do cálculo (p=0,011) foi significativo apenas entre os grupos I, II e III. Houve diferença no tempo total de bainha apenas entre os grupos I e III (p=0,023). Taxa livre de cálculos não se alterou entre os grupos.

Discussão:

as diferenças observadas entres as variáveis qualitativas e quantitativas evidenciam a relação entre o número de cirurgias realizadas e a proficiência no procedimento. As comparações intergrupo mostram otimização sequencial dos parâmetros.

Conclusões:

estima-se que 60 é um número razoável de cirurgias para que se atinja o platô da curva de aprendizado.

Palavras-chave:
Ureteroscopia; Curva de Aprendizado; Nefrolitíase

ABSTRACT

Introduction:

retrograde intrarenal surgery (CRIR) is an evolving tool. Its learning curve is not well established, despite the common use of flexible ureteroscopes today. Our aim is to estimate the number of procedures needed for one to perform RIRS consistently.

Material and Methods:

a urology resident had his first 80 RIRS for nephrolithiasis analyzed quantitatively and qualitatively. The procedures were divided into 4 groups containing 20 surgeries each (I to IV), according to their order, for comparison.

Results:

there was no difference in stone sizes between groups. All qualitative variables varied significantly between groups (p<0.001), except between III and IV. In the quantitative analysis, there was a difference between groups I and IV in time for double-J catheter placement (p=0.012). There was an increasing difference in sheath placement time (p<0.001) and in total operative time (p=0.004). The time fot stone treatment (p=0.011) was significant only between groups I, II and III. There was difference in total sheath time only between groups I and III (p=0.023). Stone free status did not change between groups.

Discussion:

the differences between the qualitative and quantitative variables show the relation between number of surgeries performed and proficiency in the procedure. Intergroup comparisons show sequential optimization of parameters.

Conclusions:

we found that 60 is a reasonable number of surgeries to be performed in order to reach the plateau of RIRSs learning curve.

Keywords:
Ureteroscopy; Learning Curve; Nephrolithiasis

INTRODUÇÃO

Nos seus primeiros anos, o uso da ureteroscopia foi inicialmente limitado à avaliação diagnóstica do ureter distal. Todavia, o desenvolvimento e refinamento de ureteroscópios flexíveis tornam praticamente todas as áreas do trato urinário acessíveis11 Skolarikos A, Gravas S, Laguna MP, Traxer O, Preminger GM, De La Rosette J. Training in ureteroscopy: A critical appraisal of the literature. BJU Int. 2011;108:798-805. doi: 10.1111/j.1464-410X.2011.10337.x.
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. A despeito da versatilidade dos ureteroscópios modernos, o tratamento de cálculos renais permanece como indicação mais comum para o uso das técnicas ureteroscópicas.

Atualmente, o alvo da cirurgia retrógrada intrarrenal (CRIR) são cálculos com até 2cm. Em centros especializados pode-se ainda estender a indicação da mesma para o tratamento de cálculos maiores22 Sanguedolce F, Bozzini G, Chew B, Kallidonis P, de la Rosette J. The Evolving Role of Retrograde Intrarenal Surgery in the Treatment of Urolithiasis. Eur Urol Focus. 2017;3:46-55. doi: 10.1016/j.euf.2017.04.007.
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.

Apesar da CRIR apresentar uma taxa livre de cálculos (TLC) inferior àquela de procedimentos mais invasivos, tais como nefrolitotomia percutânea, a mesma apresenta menor probabilidade de gerar lesões, uma vez que não penetra o córtex do rim3.

Uma das vantagens da CRIR é o potencial de atingir todas as partes do trato urinário, incluindo o sistema coletor renal. O desenvolvimento de aparelhos com diâmetros menores e flexibilidade aumentada, associada a um maior ângulo de deflexão e sistema óptico otimizado, aumentou a possibilidade de visualizar e tratar cálculos55 Galvin DJ, Pearle MS. The contemporary management of renal and ureteric calculi. BJU Int. 2006;98:1283-8. doi: 10.1111/j.1464-410X.2006.06514.x.
https://doi.org/10.1111/j.1464-410X.2006...

6 Best SL, Nakada SY. Flexible ureteroscopy is effective for proximal ureteral stones in both obese and nonobese patients: A two-year, single-surgeon experience. Urology. 2011;77:36-9. doi: 10.1016/j.urology.2010.05.001.
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https://doi.org/10.1089/end.1993.7.527...
-88 Harmon WJ, Sershon PD, Blute ML, Patterson DE, Segura JW. Ureteroscopy: Current practice and long-term complications. J Urol. 1997;157:28-32. doi: 10.1016/S0022-5347(01)65272-8.
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. Estudos prévios mostraram que a TLC da CRIR varia de 73,6% a 94,1%99 Cho SY. Current status of flexible ureteroscopy in urology. Korean J Urol. 2015;56:680-8. doi: 10.4111/kju.2015.56.10.680.
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.

Os modelos clássicos de aprendizagem cirúrgica, no contexto do desenvolvimento de novas tecnologias, tornam-se obsoletos. Cirurgias minimamente invasivas são realizadas com grande frequência, o que gera desafios adicionais relacionados às suas curvas de aprendizado iniciais, que são mais complexas1010 Brunckhorst O, Volpe A, van der Poel H, Mottrie A, Ahmed K. Training, Simulation, the Learning Curve, and How to Reduce Complications in Urology. Eur Urol Focus. 2016;2:10-8. doi: 10.1016/j.euf.2016.02.004.
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.

Sabe-se que os resultados da ureteroscopia dependem da disponibilidade de equipamento e da experiência do cirurgião11 Skolarikos A, Gravas S, Laguna MP, Traxer O, Preminger GM, De La Rosette J. Training in ureteroscopy: A critical appraisal of the literature. BJU Int. 2011;108:798-805. doi: 10.1111/j.1464-410X.2011.10337.x.
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. Para se obter bons resultados, treino adequado é mandatório. Entretanto, a curva de aprendizado para a CRIR não foi bem estabelecida ainda1111 Abboudi H, Khan MS, Guru KA, Froghi S, de Win G, Van Poppel H, et al. Learning curves for urological procedures: a systematic review. BJU Int. 2014;114:617-29. doi: 10.1111/bju.12315.
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. Potenciais desfechos para uso na definição da curva de aprendizado podem incluir a TLC, taxas de complicação, tempo cirúrgico, tempo de fluoroscopia, doses de radiação dispensada, danos ao equipamento e custos11 Skolarikos A, Gravas S, Laguna MP, Traxer O, Preminger GM, De La Rosette J. Training in ureteroscopy: A critical appraisal of the literature. BJU Int. 2011;108:798-805. doi: 10.1111/j.1464-410X.2011.10337.x.
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.

A experiência em ureteroscopia durante os programas de residência médica é importante para a manutenção e desenvolvimento de habilidades específicas. Cirurgiões com experiência em endourologia, urologistas ligados a serviços acadêmicos e/ou formados há poucos anos são mais propensos a usar CRIR para tratamento de cálculos urinários em detrimento de outras técnicas cirúrgicas. Esse achado é claramente correlacionado ao seu treinamento11 Skolarikos A, Gravas S, Laguna MP, Traxer O, Preminger GM, De La Rosette J. Training in ureteroscopy: A critical appraisal of the literature. BJU Int. 2011;108:798-805. doi: 10.1111/j.1464-410X.2011.10337.x.
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O propósito deste estudo é estimar o número mínimo de procedimentos necessário para que um cirurgião realize a CRIR de forma consistente.

MATERIAIS E MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, sendo realizado sem patrocínio de terceiros.

Um médico residente do terceiro ano em urologia (último ano do programa de residência no Brasil), que já realizara mais de 250 ureterolitotripsias endoscópicas semirrígidas, teve suas primeiras CRIR analisadas por dois endourologistas experientes. No momento da cirurgia, um dos endourologistas atuou como primeiro assistente. O segundo permaneceu como observador, fora de campo cirúrgico.

Foi realizada uma cistoscopia inicial em todos os pacientes, que foram posicionados em litotomia. Dois fios-guia hidrofílicos de 0,035mm (ZIPwireTM - Boston Scientific - Marlborough, MA) foram inseridos pelo meato ureteral e progredidos até a pelve renal com auxílio de fluoroscopia intraoperatória.

Após o posicionamento dos fios-guia, uma bainha ureteral de 11 ou 13FR foi inserida até o nível da pelve renal (NavigatorTM - Boston Scientific - Marlborough, MA). Foram utilizadas bainhas de comprimento 45cm e 35cm para pessoas do sexo masculino e feminino, respectivamente. Na rotina do serviço, bainhas de acesso ureteral são rotineiramente utilizadas em todos os indivíduos submetidos à CRIR. Paciente nos quais o posicionamento adequado da bainha não foi possível foram submetidos à passagem de cateter duplo J, com postergamento da cirurgia. Nestes casos, a remoção do cálculo era feita após duas semanas.

O ureteroscópio flexível (Flex-X2S- Karl Storz - Tuttlingen - Germany) era então introduzido através da bainha até o nível da pelve renal. Usou-se solução fisiológica 0,9% para irrigação. Após a visualização do cálculo, inseria-se uma fibra de laser 200micra através do canal de trabalho do aparelho. A fonte de energia para fragmentação foi um sistema produtor de laser Holmiun 10w (Dornier Medilas® H20 - Germany).

Uma sonda de nitinol para captura de cálculos (Zero TipTM - Boston Scientific) foi usada para remoção dos fragmentos. A colocação do cateter duplo J após o tratamento do cálculo foi feita em todos os casos.

Todos os procedimentos foram realizados em um centro hospitalar único ao longo de um ano. Caso o residente não fosse capaz de concluir a cirurgia, o cirurgião orientador terminaria o procedimento.

Um total de 80 cirurgias foi analisado pelos dois endourologistas experientes que assistiram os procedimentos. As cirurgias foram divididas em 4 grupos, de acordo com a ordem de realização: da primeira à vigésima (Grupo I), da vigésima primeira à quadragésima (Grupo II), da quadragésima primeira à sexagésima (Grupo III) e da sexagésima primeira à octogésima (Grupo IV).

Realizou-se uma análise qualitativa utilizando-se uma ferramenta de avaliação previamente publicada1212 Vassiliou MC, Feldman LS, Andrew CG, Bergman S, Leffondré K, Stanbridge D, et al. A global assessment tool for evaluation of intraoperative laparoscopic skills. Am J Surg. 2005;190:107-13. doi: 10.1016/j.amjsurg.2005.04.004.
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que engloba 5 parâmetros: manejo de tecidos, destreza bimanual, percepção de profundidade, autonomia e eficiência (Tabela 1). Análise quantitativa foi realizada com base no tempo necessário para: posicionamento da bainha, tratamento do cálculo, posicionamento do cateter duplo J, tempo total de bainha ureteral e tempo cirúrgico total.

Tabela 1
Escala de classificação global da ferramenta de avaliação intraoperatória.

Tabela 2
Análise qualitativa.

Tabela 3
Análise quantitativa.

Tabela 4
Estado livre de cálculos pós-operatório.

Os grupos foram avaliados pelo teste de Kolmogorov-Smirnov para confirmação de distribuição normal. Todas as variáveis apresentaram distribuição normal, sendo posteriormente comparadas por ANOVA. Após, utilizou-se o pós-teste de Tukey para comparações intergrupo.

Duas semanas após a remoção do cateter duplo J, todos os pacientes submetidos ao tratamento realizaram tomografia de abdome total para avaliação de litíase residual. O estado livre de cálculos foi definido como ausência de cálculos maiores que 2mm.

RESULTADOS

A média de idade dos pacientes foi de 41 ± 12,5 anos, sendo 39 (48,7%) pacientes do sexo masculino e 41 (51,3%) do sexo feminino. Não houve diferença nos tamanhos dos cálculos entre os grupos: 11,4 ± 7,3mm vs. 8,0 ± 3,8mm vs. 11,1 ± 5,2mm vs. 13,7 ± 7,7mm (p=0,12, grupos I, II, III e IV respectivamente).

Todas as variáveis qualitativas tiveram variação significativa entre os grupos (p<0,001), exceto entre III e IV.

Na análise quantitativa houve diferença entre os grupos I e IV no tempo de colocação do cateter duplo J (p=0,012). Houve uma diferença crescente no tempo para: colocação da bainha (p<0,001) e tempo operatório total (p=0,004). O tempo para o tratamento do cálculo (p=0,011) foi significativo apenas entre os grupos I, II e III. Houve diferença no tempo total de bainha apenas entre os grupos I e III (p=0,023).

Nos primeiros 2 grupos, apenas 18 dos 20 pacientes alcançaram o estado livre de cálculos em cada um deles. Nos grupos 3 e 4, todos os pacientes ficaram livres de cálculos. Não houve diferença significativa entre essas taxas em qualquer comparação intergrupo.

Não houve complicações intraoperatórias. No período pós-operatório precoce, 2 casos de intolerância ao cateter duplo J foram relatados em cada grupo e a retirada do cateter duplo J precisou ser antecipada, resolvendo o quadro. Não houve complicações Clavien III-IV. O cirurgião assistente não precisou concluir a cirurgia em nenhum caso. Nenhum dano ao equipamento foi observado durante as cirurgias.

DISCUSSÃO

A curva de aprendizado é uma questão importante em cirurgia1313 Mottrie A, Novara G. Is surgery a never-ending learning process? BJU Int. 2014;114:472-3. doi: 10.1111/bju.12694.
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. É considerada uma representação da melhoria do desempenho de um cirurgião ao longo do tempo11 Skolarikos A, Gravas S, Laguna MP, Traxer O, Preminger GM, De La Rosette J. Training in ureteroscopy: A critical appraisal of the literature. BJU Int. 2011;108:798-805. doi: 10.1111/j.1464-410X.2011.10337.x.
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. A curva de aprendizado cirúrgico representa o período em que um cirurgião em treinamento acha o procedimento mais difícil e leva mais tempo para concluí-lo. Costuma haver maior índice de complicações e menor eficácia devido à inexperiência. O ponto em que a inclinação da curva muda ou não há nenhuma outra melhoria no desempenho define o estágio em que a competência técnica foi atingida1414 Abboudi H, Khan MS, Guru KA, Froghi S, De Win G, Van Poppel H, et al. Learning curves for urological procedures: A systematic review. BJU Int. 2014;114:617-29. doi: 10.1111/bju.12315.
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.

Realizaram-se várias tentativas para quantificar a curva de aprendizado para procedimentos urológicos, incluindo procedimentos minimamente invasivos e endoscópicos1010 Brunckhorst O, Volpe A, van der Poel H, Mottrie A, Ahmed K. Training, Simulation, the Learning Curve, and How to Reduce Complications in Urology. Eur Urol Focus. 2016;2:10-8. doi: 10.1016/j.euf.2016.02.004.
https://doi.org/10.1016/j.euf.2016.02.00...
.

As tecnologias operatórias urológicas estão em constante evolução. O número de procedimentos necessários para atingir o platô da curva de aprendizado variou para diferentes procedimentos e foi frequentemente afetado por experiências anteriores. Em urolitíase é essencial determinar a curva de aprendizado para cada técnica cirúrgica. Isso permite a avaliação do progresso dos cirurgiões no treinamento, garantindo a competência em cada componente do procedimento. Antes de promover aprendizado em uma nova técnica, seria imperativo saber quantos casos um cirurgião deve realizar para ser competente na mesma11 Skolarikos A, Gravas S, Laguna MP, Traxer O, Preminger GM, De La Rosette J. Training in ureteroscopy: A critical appraisal of the literature. BJU Int. 2011;108:798-805. doi: 10.1111/j.1464-410X.2011.10337.x.
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,1414 Abboudi H, Khan MS, Guru KA, Froghi S, De Win G, Van Poppel H, et al. Learning curves for urological procedures: A systematic review. BJU Int. 2014;114:617-29. doi: 10.1111/bju.12315.
https://doi.org/10.1111/bju.12315...
.

O tratamento cirúrgico da urolitíase mudou radicalmente nos últimos 20 anos1515 Berardinelli F, Cindolo L, De Francesco P, Proietti S, Hennessey D, Dalpiaz O, et al. The surgical experience influences the safety of retrograde intrarenal surgery for kidney stones: a propensity score analysis. Urolithiasis. 2017;45:387-92. doi: 10.1007/s00240-016-0919-0.
https://doi.org/10.1007/s00240-016-0919-...
. A CRIR refere-se ao tratamento cirúrgico de patologias do trato urinário superior com uma abordagem ureteroscópica retrógrada99 Cho SY. Current status of flexible ureteroscopy in urology. Korean J Urol. 2015;56:680-8. doi: 10.4111/kju.2015.56.10.680.
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. O conceito de acesso endoscópico aos sistemas coletores renais para o diagnóstico e tratamento de doenças do trato urinário superior foi introduzido pela primeira vez por V. Marshall, que descreveu pela primeira vez em 1964 a navegação na pelve renal com um fibroscópio flexível rudimentar. Hoje, a CRIR é considerada uma das opções de primeira linha para a remoção ativa de cálculos renais22 Sanguedolce F, Bozzini G, Chew B, Kallidonis P, de la Rosette J. The Evolving Role of Retrograde Intrarenal Surgery in the Treatment of Urolithiasis. Eur Urol Focus. 2017;3:46-55. doi: 10.1016/j.euf.2017.04.007.
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.

A CRIR consiste em algumas etapas com muitas variantes propostas na literatura22 Sanguedolce F, Bozzini G, Chew B, Kallidonis P, de la Rosette J. The Evolving Role of Retrograde Intrarenal Surgery in the Treatment of Urolithiasis. Eur Urol Focus. 2017;3:46-55. doi: 10.1016/j.euf.2017.04.007.
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. Recentemente, as diretrizes da Associação Europeia de Urologia para urolitíase mostraram um amplo espectro de indicadores para o tratamento ativo da nefrolitíase: cálculos em crescimento, cálculos em pacientes de alto risco para formação dos mesmos, cálculos obstrutivos, infecções, cálculos causando dor ou hematúria, cálculos de tamanho maior que 15mm, preferência do paciente, comorbidade e situação social dos indivíduos em relação à profissão ou viagens99 Cho SY. Current status of flexible ureteroscopy in urology. Korean J Urol. 2015;56:680-8. doi: 10.4111/kju.2015.56.10.680.
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.

A eficácia da CRIR em urolitíase depende da experiência do cirurgião e das características do cálculo: composição, dureza, número, tamanho e localização anatômica. Nos últimos anos, o crescimento da experiência e o refinamento da tecnologia levaram mais cirurgiões a indicar CRIR para tratar cálculos renais maiores22 Sanguedolce F, Bozzini G, Chew B, Kallidonis P, de la Rosette J. The Evolving Role of Retrograde Intrarenal Surgery in the Treatment of Urolithiasis. Eur Urol Focus. 2017;3:46-55. doi: 10.1016/j.euf.2017.04.007.
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.

A ferramenta que usamos para avaliação das habilidades cirúrgicas foi desenvolvida por um grupo canadense em 2004. A Avaliação Operatória Global de Habilidades Laparoscópicas (GOALS) consiste em uma escala de classificação global de 5 itens: percepção de profundidade (quão confortável o operador trabalha com um sistema ótico monocular, que fornece uma imagem bidimensional em um monitor), destreza bimanual (otimização do uso de ambas as mãos), eficiência (fluidez e andamento do procedimento), manuseio de tecidos (manipulação conveniente dos mesmos, que inclui o uso adequado de instrumentos) e autonomia (independência técnica do cirurgião). A ferramenta é viável e confiável1212 Vassiliou MC, Feldman LS, Andrew CG, Bergman S, Leffondré K, Stanbridge D, et al. A global assessment tool for evaluation of intraoperative laparoscopic skills. Am J Surg. 2005;190:107-13. doi: 10.1016/j.amjsurg.2005.04.004.
https://doi.org/10.1016/j.amjsurg.2005.0...
.

Em nossa série conseguimos verificamos que uma boa taxa livre de cálculo pode ser atingida até que rapidamente, mas ainda há bastante espaço para aquisição e refinamento da habilidade e eficiência cirúrgica. No presente estudo, não houve complicações maiores mesmo no inicio da curva de aprendizado o que também é uma informação extremamente importante.

Cho e cols. mostraram que 56 casos foram necessários para se atingir um platô na curva de aprendizado. Uma revisão retrospectiva foi realizada para 100 pacientes que foram submetidos a CRIR em sessão única. Casos com cálculos múltiplos e localizações diversas no mesmo rim foram preditores significativos para menor TLC. A curva de análise de soma cumulativa tendeu a ser plana até o 25º caso e mostrou um padrão crescente, mas diminuiu novamente até o 56º caso. Após esse ponto, a eficácia da fragmentação atingiu um platô1616 Cho SY, Choo MS, Jung JH, Jeong CW, Oh S, Lee SB, et al. Cumulative sum analysis for experiences of a single-session retrograde intrarenal stone surgery and analysis of predictors for stone-free status. PLoS One. 2014;9. doi: 10.1371/journal.pone.0084878.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.008...
.

Berardinelli e cols. mostraram que a experiência do cirurgião influencia os resultados da CRIR. Foram separadas 381 cirurgias em 2 grupos e realizou-se uma análise retrospectiva. No primeiro grupo, os pacientes foram tratados por 2 cirurgiões na fase inicial da curva de aprendizado; no segundo grupo, os casos foram operados por endourologistas experientes. O tempo operatório e as complicações gerais foram menores no segundo grupo. Uma diferença não significativa foi encontrada para TLC1515 Berardinelli F, Cindolo L, De Francesco P, Proietti S, Hennessey D, Dalpiaz O, et al. The surgical experience influences the safety of retrograde intrarenal surgery for kidney stones: a propensity score analysis. Urolithiasis. 2017;45:387-92. doi: 10.1007/s00240-016-0919-0.
https://doi.org/10.1007/s00240-016-0919-...
.

Komori e cols. revisaram os registros médicos de 219 pacientes submetidos a CRIR de 2005 a 2013. Para comparar as complicações após a introdução da cirurgia, os pacientes foram divididos em quatro grupos com base na experiência do cirurgião. As taxas de complicações diminuíram nos grupos mais experientes. Descobriu-se que é necessária a realização de cerca de 100 cirurgias para reduzir complicações graves. Todas as complicações foram reduzidas, exceto a urossepse1717 Komori M, Izaki H, Daizumoto K, Tsuda M, Kusuhara Y, Mori H, et al. Complications of Flexible Ureteroscopic Treatment for Renal and Ureteral Calculi during the Learning Curve. Urol Int. 2015;95:26-32. doi: 10.1159/000368617.
https://doi.org/10.1159/000368617...
.

As limitações do nosso trabalho incluem não eliminar as diferenças interpessoais: como este estudo foi realizado com a avaliação de um único cirurgião, pode ser difícil generalizar os achados. A ferramenta de avaliação selecionada foi inicialmente projetada para laparoscopia, portanto, não leva em conta questões específicas da endourologia, como controle de irrigação e uso de fluoroscopia. Além disso, o cálculo amostral também é mais complexo, pois não há artigos prévios prospectivos similares para serem usados de base de cálculo.

A taxa livre de cálculos permaneceu semelhante nos quatro grupos, de forma que, a experiência do médico em treinamento não influenciou sobremaneira o resultado pós-operatório, mas com o treinamento adequado os resultados e performance cirúrgicos foram melhorados tanto qualitativa como quantitativamente.

CONCLUSÃO

A CRIR com instrumentos flexíveis para tratamento de cálculos é uma técnica relativamente nova. Como há poucos estudos sobre sua curva de aprendizado, há necessidade de mais estudos para sua melhor caracterização.

Em nossa série, após 60 casos operados, todas as variáveis não apresentaram melhora adicional. Portanto, parece que 60 casos são uma estimativa razoável da experiência necessária para atingir o platô da curva de aprendizado para a CRIR.

REFERENCES

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2021
  • Aceito
    04 Jun 2022
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