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Avaliação da utilização da tomografia computadorizada no trauma cervical penetrante

RESUMO

Objetivo:

avaliar a acurácia da tomografia computadorizada no diagnóstico de lesões do trauma cervical penetrante.

Métodos:

estudo retrospectivo descritivo observacional realizado através da revisão de prontuários de todos os pacientes vítimas de trauma cervical penetrante que foram operados e submetidos à tomografia computadorizada no pré-operatório.

Resultados:

a amostra final compreendeu 30 pacientes, sendo 96,7% do sexo masculino e a mediana de idade foi 28 anos. A maioria dos pacientes sofreu ferimento por arma de fogo (FAF) em 56,7% dos casos e 33,3% foram ferimentos por arma branca (FAB). A zona do pescoço mais acometido foi a zona II (77,8%) e no lado esquerdo (55,2%). Em relação às estruturas lesadas, a tomografia computadorizada (TC) mostrou 6,7% de lesões em vias aéreas e durante a operação encontrou-se 40% de alterações (p=0,002). A tomografia computadorizada detectou 10% de leões do esôfago e faringe, durante a operação encontrou-se 30% de lesões (p=0,013). Já, para análise de danos vasculares, a TC se mostrou, na maioria dos casos, fidedigna aos achados durante o procedimento operatório.

Conclusão:

apesar do grande uso da tomografia computadorizada no diagnóstico de lesões cervicais penetrantes, pode-se afirmar que este é um exame com baixa acurácia no diagnóstico de lesões de trato aerodigestivo, sendo importante uma correlação clínica para um bom diagnóstico. Já para lesões vasculares e de outras estruturas, a TC apresentou alto grau de sensibilidade e especificidade, sendo assim um bom exame a ser utilizado nesses casos.

Descritores
Lesões do Pescoço; Ferimentos e Lesões; Diagnóstico por Imagem; Tomografia Computadorizada por Raios X

ABSTRACT

Objective:

the study has the intention of evaluate the accuracy of computed tomography for the diagnosis of cervical lesions on penetrating neck trauma and also identify the most frequent mechanisms of trauma. Most injured structures, determine the age range and the most prevalent sex.

Methods:

observational descriptive retrospective study executed by the systematic retrospective review of medical records of all patients victims of penetrating neck trauma that went through surgery and CT scans, admitted into Hospital do Trabalhador, between January 2009 and December 2013.

Results:

the final sample was of 30 patients, 96.7% of the male sex, the median age was of 28 years old. Most patients suffered injuries by gun (56.7%) and 33,3% suffered stab wounds. The most stricken area of the neck was Zone II (77.8%) and the left side (55.2%). Regarding the structures injured, the CT showed 6.7% lesions on airways but the surgery showed 40% of damaged, with a value of p=0.002. As to damages of the esophagus and pharynx the CT detected 10% of lesions, while surgery found 30% of lesions, therefore with a significant value of p=0.013. As for the analysis the CT showed reliable. As for the analysis of vascular damage, the CT showed to be, in most cases, reliable to the findings during the surgical act.

Conclusion:

besides the great use of CT for the diagnosis of penetrating neck injuries we can say that this is an exam with low accuracy for the diagnosis of lesions of aerodigestive tract, therefore it is important a clinical correlation for a good diagnosis.as for the vascular lesions and of other structures, the CT had high sensibility and specificity, thus a good exam to be used in overall.

Key words
Neck Injuries; Wounds and Injuries; Diagnostic Imaging; Tomography; X-Ray Computed

INTRODUÇÃO

As lesões cervicais penetrantes se constituem em um mecanismo de trauma importante, estando presente em 5-10% dos pacientes vítimas de trauma, com uma mortalidade estimada em 3-10% 11. Demetriades D, Skalkides J, Sofianos C, Melissas J, Franklin J. Carotid artery injuries: experience with 124 cases. J Trauma. 1989;29(1):91-4.. Os ferimentos penetrantes são mais comumente causados por arma de fogo, mecanismo que possui maior mortalidade 22. Bahten LCV, Duda JR, Zanatta PDS, Morais AL, Silveira F, Olandoski M. Ferimentos cervicais: análise retrospectiva de 191 casos. RevColBras Cir. 2003;30(5):374:81. 33. Ramasamy A, Midwinter M, Mahoney P, Clasper J. Learning the lessons from conflict: pre-hospital cervical spine stabilization following ballistic neck trauma. Injury. 2009;40(12):1342-5.. Anatomicamente, o pescoço é uma região que contém uma grande quantidade de estruturas importantes - vasculares, respiratórias, digestivas e nervosas - em um espaço pequeno e confinado 44. Cruvinel Neto J, Dedivitis RA. Fatores prognósticos nos ferimentos cervicais penetrantes. Braz j otorhinolaryngol. 2011;77(1):121-4.de maneira que ferimentos nessa região têm uma tendência a atingir diversas estruturas vitais. A avaliação e tratamento dos ferimentos penetrantes de pescoço são ainda de difícil manejo. Existe, atualmente, um grande debate em torno da conduta a ser adotada em tais lesões, e o manejo operatório vem sendo substituído por uma abordagem mais seletiva e conservadora 55. Golueke PJ, Goldstein AS, Sclafani SJ, Mitchell WG, Shaftan GW. Routine versus selective exploration of penetrating neck injuries: a randomized prospective study. J Trauma. 1984;24(12):1010-4. 66. Hussain Zaidi SM, Ahmad R. Penetrating neck trauma: a case for conservative approach. Am J Otolaryngol. 2011;32(6):591-6..

Os componentes cervicais mais frequentemente lesados no trauma penetrante são os correspondentes às lesões vasculares (21-27%), às da medula espinhal (16%) e às lesões do trato aerodigestivo (6-10%), como lesões da laringe ou traqueia e faringe ou esôfago 22. Bahten LCV, Duda JR, Zanatta PDS, Morais AL, Silveira F, Olandoski M. Ferimentos cervicais: análise retrospectiva de 191 casos. RevColBras Cir. 2003;30(5):374:81. 44. Cruvinel Neto J, Dedivitis RA. Fatores prognósticos nos ferimentos cervicais penetrantes. Braz j otorhinolaryngol. 2011;77(1):121-4. 77. McConnell DB, Trunkey DD. Management of penetrating trauma to the neck. Adv Surg. 1994;27:97-127.. Há um predomínio de pacientes jovens e do sexo masculino vítimas destas lesões, com faixa etária na terceira e quarta décadas de vida 22. Bahten LCV, Duda JR, Zanatta PDS, Morais AL, Silveira F, Olandoski M. Ferimentos cervicais: análise retrospectiva de 191 casos. RevColBras Cir. 2003;30(5):374:81., 88. Lourenção JL, Nahas SC, Margarido NF, Rodrigues Júnior AJ, Birolini D. Ferimentos penetrantes cervicais: análise prospectiva de 53 casos. RevHospClinFacMed São Paulo. 1998;53(5):234-41..

O diagnóstico pode ser realizado através do exame físico apenas ou auxiliado por exames complementares físico apenas ou auxiliado por exames complementares, como radiografia simples realizada em três incidências (lateral, ântero-posterior e transoral), tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM). Atualmente, diversos estudos apontam que o método de escolha seria a angiotomografia computadorizada, uma vez que é um exame relativamente rápido de ser realizado, de alta resolução e com uma sensibilidade de 98%, além disso, é um exame de fácil acesso e geralmente disponível na maioria dos serviços de trauma 99. Apffelstaedt JP, Müller R. Results of mandatory exploration for penetrating neck trauma. World J Surg. 1994;18(6):917-9; discussion 920..

A conduta nestes casos, ainda hoje, é controversa. A cervicotomia exploradora mandatória, anteriormente preconizada, está caindo em desuso, por levar a um grande número de procedimentos cirúrgicos não terapêuticos 11. Demetriades D, Skalkides J, Sofianos C, Melissas J, Franklin J. Carotid artery injuries: experience with 124 cases. J Trauma. 1989;29(1):91-4.. Os pacientes submetidos ao tratamento operatório imediato são aqueles que apresentam hemorragia intensa, instabilidade hemodinâmica, disfonia, escape aéreo, lesão evidente ou diagnosticada na TC, perfuração do platisma, lesões transcervicais por FAF e enfisema subcutâneo 1010. Tisherman SA, Bokhari F, Collier B, Cumming J, Ebert J, Holevar M, et al. Clinical practice guideline: penetrating zone II neck trauma. J Trauma. 2008;64(5):1392-405.. Os demais devem ser avaliados cuidadosamente através de exame físico e da tomografia, para, posteriormente ser realizado o tratamento cirúrgico, caso necessário 1111. Azuaje RE, Jacobson LE, Glover J, Gomez JA, Rodman GH Jr, Broadie TA, et al. Reliability of physical examination as a predictor of vascular injury after penetrating neck trauma. Am Surg. 2003;69(9):804-7..

Em razão da complexidade da abordagem destes casos e da importância do exame de imagem na avaliação do paciente, este estudo tem como objetivo avaliar a acurácia da tomografia computadorizada no diagnóstico de lesões cervicais no trauma cervical penetrante. Além disso, determinar a epidemiologia dos pacientes acometidos e reconhecer as regiões e estruturas mais comumente lesadas.

MÉTODOS

O Hospital do Trabalhador (HT) é um centro de referência no atendimento ao paciente traumatizado, localizado na cidade de Curitiba, Paraná. É responsável pela assistência de cerca de 60% da urgência e emergência traumatológica de Curitiba e região metropolitana, sendo considerado um Hospital de ensino, referência na formação de recursos humanos para a saúde 1212. Hospital do Trabalhador [homepage na Internet]. Tipos de atendimento no pronto socorro [acesso em 15 mai 2015]. Disponível em: http:www.hospitaldotrabalhador.saude.pr.gov.br
www.hospitaldotrabalhador.saude.pr.gov.b...
. A Unidade de Urgência e Emergência (Pronto Socorro - PS) funciona em mecanismo de admissão de pacientes com procura espontânea e referenciada (SIATE/SAMU). Em 2012, o PS atendeu 63.855 pacientes, sendo a maior porcentagem formada por vítimas de acidentes 1212. Hospital do Trabalhador [homepage na Internet]. Tipos de atendimento no pronto socorro [acesso em 15 mai 2015]. Disponível em: http:www.hospitaldotrabalhador.saude.pr.gov.br
www.hospitaldotrabalhador.saude.pr.gov.b...
.

Trata-se de um estudo retrospectivo, descritivo e observacional. Foram incluídos no estudo pacientes vítimas de trauma cervical penetrante, que realizaram tomografia computadorizada na admissão e posteriormente foram submetidos a procedimento cirúrgico para correção de possíveis lesões. A abordagem cirúrgica aberta foi considerada padrão-ouro neste estudo para comparação com os achados do exame de tomografia computadorizada. Foram analisados todos os prontuários de pacientes maiores de 18 anos de idade, admitidos no HT no período entre janeiro de 2009 e dezembro de 2013.

Coletamos os dados epidemiológicos da amostra do estudo, como idade e sexo, mecanismo de trauma, sinais e sintomas na admissão, exames complementares realizados, achados da tomografia computadorizada, achados cirúrgicos, tratamento instituído, complicações e lesões associadas ao trauma cervical. Os dados foram coletados, conferidos e submetidos à análise estatística. Consideramos p<0,05 como estatisticamente significativo.

RESULTADOS

A amostra final compreendeu 30 pacientes que preencheram os critérios de inclusão, 96,7% do sexo masculino e 3,3% do sexo feminino. A faixa etária variou entre 14 e 66 anos, sendo que a mediana foi 28 anos. Em relação ao mecanismo do trauma, 56,7% sofreram ferimento por arma de fogo (FAF) e 33,3%, ferimento por arma branca (FAB), outros mecanismos foram responsáveis por 10% das lesões. Em relação à localização da entrada da lesão, a zona 2 do pescoço foi o local mais frequentemente atingido, em 77,8%, seguido da zona 1, em 22,2%. Os ferimentos no lado esquerdo corresponderam a 55,2% da amostra, 34,5% no lado direito e 10,3% de lesões anteriores.

Dados pré admissionais mostraram que a maioria dos pacientes possuía dados vitais estáveis (86,3%), 87% dos pacientes estavam normotensos no exame préhospitalar e 13% hipotensos. A via aérea estava pérvia em 79,3% dos casos, 10,3% necessitaram intubação orotraqueal e ventilação mecânica assistida. Apenas 13,7% dos pacientes apresentaram escore menor que 8 na Escala de Coma de Glasgow (ECG) à admissão hospitalar, os demais 88,3% apresentaram ECG maior que 11.

Ao exame físico hospitalar foram avaliados os sinais mais comuns em trauma cervical penetrante, sendo que em 65,5% da amostra houve sangramento ativo da lesão, 17,2% hematomas, 6,9% apresentaram estridor e apenas um apresentou disfonia. Enfisema subcutâneo foi observado em 27,6% dos casos.

Comparando os dados observados na angiotomografia computadorizada, com os dados da cervicotomia, considerada padrão-ouro neste estudo, encontramos lesões das artérias carótidas em 6,7% da amostra na tomografia e 16,7% na cervicotomia. A tomografia revelou que 16,7% das veias jugulares estavam lesadas, na cervicotomia foram encontradas 23,3% de lesões. Ao exame de imagem, evidenciou-se que 13,3% das artérias vertebrais estavam lesadas, e 3,3% à cervicotomia ( Tabela 1). Foram encontradas lesões em outras artérias durante o ato operatório em 10% dos casos e na tomografia, 3,3%. O estudo tomográfico das vias aéreas evidenciou 6,7% de alterações, enquanto, durante a cervicotomia, encontrouse 40% de lesões (p=0,002). Possuíam lesões de esôfago e faringe 10% dos pacientes submetidos à angiotomografia, comparado a 30% na cervicotomia (p=0,013). Constatamos lesões na tireoide em 20,7% da amostra submetida ao exame tomográfico, enquanto na cervicotomia, constatamos 10,3% (p=0,375).

Com o tratamento das lesões vasculares encontradas na cervicotomia exploratória, em 26,7% dos pacientes foi necessária sutura de veias e em 23,3%, sutura de artérias. Não foram utilizados enxertos, mas fizeram uso de ligadura e prótese em 3,3% dos pacientes e duas pessoas receberam dreno. Foi realizada traqueostomia em 33,3% dos casos, sutura de laringe em 20%, sutura em outros locais, como faringe em um caso e esôfago em dois

casos. Constatou-se lesão simultânea de laringe com esôfago em um paciente e traqueia associada à laringe também em um paciente.

As complicações pós-operatórias encontradas foram déficit neurológico, fistula esôfago-cutânea, sangramento e infecção da ferida operatória ( Tabela 2).

Tabela 1
Comparação das lesões encontradas na angiotomografia e na cervicotomia.

DISCUSSÃO

Os ferimentos cervicais penetrantes são de alta complexidade devido à presença de uma grande quantidade de estruturas vitais alojadas em um pequeno espaço, levando, assim, a altas taxas de morbidade. Além disso, estes ferimentos podem ser interpretados como uma das evidências do aumento da violência urbana e, portanto, merecem destaque nos serviços de trauma 77. McConnell DB, Trunkey DD. Management of penetrating trauma to the neck. Adv Surg. 1994;27:97-127. 99. Apffelstaedt JP, Müller R. Results of mandatory exploration for penetrating neck trauma. World J Surg. 1994;18(6):917-9; discussion 920..

O pescoço é uma região de grande importância no manejo no trauma; seus ferimentos podem ser penetrantes, quando ultrapassam o músculo platisma, ou superficiais. Anatomicamente o pescoço é dividido em três zonas (I, II e III). A zona I é delimitada pela cartilagem cricoide, o esterno e as clavículas. Nesta região localizamse estruturas, como artérias e veias subclávias, artéria carótida comum, traqueia, esôfago, ducto torácico, nervos laríngeo recorrente e vago. A zona II é a que possui maior incidência de lesões 22. Bahten LCV, Duda JR, Zanatta PDS, Morais AL, Silveira F, Olandoski M. Ferimentos cervicais: análise retrospectiva de 191 casos. RevColBras Cir. 2003;30(5):374:81.e tem como limite inferior a cartilagem cricoide e superior, o ângulo da mandíbula, sendo que as principais estruturas aí encontradas são: laringe, faringe, artérias carótidas e veias jugulares. A zona III localiza-se entre o ângulo da mandíbula e a base do crânio e contém as artérias carótidas interna e externa, artéria vertebral e tronco simpático 77. McConnell DB, Trunkey DD. Management of penetrating trauma to the neck. Adv Surg. 1994;27:97-127. 1313. Gardner E, Gray DJ, O'Rahilly R. Anatomia: estudo regional do corpo humano. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1988..

Segundo Munera et al. 1414. Munera F, Danton G, Rivas LA, Henry RP, Ferrari MG. Multidetector row computed tomography in the management of penetrating neck injuries. Semin Ultrasound CT MR. 2009;30(3):195-204., os ferimentos penetrantes do pescoço acarretam a uma taxa de mortalidade que varia entre 2 e 10% e uma morbidade de 5%. As lesões de carótida e artérias vertebrais são os principais

Tabela 2
Complicações pós-operatórias.

fatores que determinam o prognóstico dos pacientes, sendo responsáveis por um grande número de complicações e sequelas decorrentes do trauma, e há controvérsias quanto ao melhor método para diagnosticar estas lesões 1414. Munera F, Danton G, Rivas LA, Henry RP, Ferrari MG. Multidetector row computed tomography in the management of penetrating neck injuries. Semin Ultrasound CT MR. 2009;30(3):195-204. 1515. Múnera F, Soto JA, Palacio D, Velez SM, Medina E. Diagnosis of arterial injuries caused by penetrating trauma to the neck: comparison of helical CT angiography and conventional angiography. Radiology. 2000;216(2):356-62..

Em nossa pesquisa, houve predominância do sexo masculino, com 96,7% dos casos, outro estudo mostrou uma prevalência masculina também em torno de 90% 22. Bahten LCV, Duda JR, Zanatta PDS, Morais AL, Silveira F, Olandoski M. Ferimentos cervicais: análise retrospectiva de 191 casos. RevColBras Cir. 2003;30(5):374:81.. Foi compatível também a faixa etária de 28 anos, ou seja, a maioria de adultos jovens 22. Bahten LCV, Duda JR, Zanatta PDS, Morais AL, Silveira F, Olandoski M. Ferimentos cervicais: análise retrospectiva de 191 casos. RevColBras Cir. 2003;30(5):374:81.. Em relação às zonas mais acometidas, a zona II do pescoço foi o local com maior frequência de lesões (77,8%), evidência semelhante à encontrada nos estudos revisados 77. McConnell DB, Trunkey DD. Management of penetrating trauma to the neck. Adv Surg. 1994;27:97-127. 1616. Meyer JP, Barrett JA, Schuler JJ, Flanigan DP. Mandatory vs selective exploration for penetrating neck trauma. A prospective assessment. Arch Surg, 1987;122(5):592-7. 1818. Biffl WL, Moore EE, Rehse DH, Offner PJ, Franciose RJ, Burch JM. Selective management of penetrating neck trauma based on cervical level of injury. Am J Surg. 1997;174(6):678-82..

Sabe-se que o exame clínico pode ser suficiente na identificação das estruturas lesadas no trauma cervical, levando, assim, ao diagnóstico. Como achados de exame físico, 70% dos pacientes com lesões vasculares apresentaram sangramento, porém tipo 'babação' na admissão, não se caracterizando como com sangramento arterial ou hematoma em expansão, o que permitiu fazer a investigação por imagem. Nas lesões de vias aéreas, esôfago e faringe, não obtivemos sinais específicos, entretanto, as lesões de esôfago são inicialmente assintomáticas até o momento em que o quadro torna-se grave 1010. Tisherman SA, Bokhari F, Collier B, Cumming J, Ebert J, Holevar M, et al. Clinical practice guideline: penetrating zone II neck trauma. J Trauma. 2008;64(5):1392-405. 1919. Weigelt JA, Thal ER, Snyder WH 3rd, Fry RE, Meier DE, Kilman WJ. Diagnosis of penetrating cervical esophageal injuries. Am J Surg. 1987;154(6):619-22. 2020. Asensio JA, Chahwan S, Forno W, MacKersie R, Wall M, Lake J, et al. Penetrating esophageal injuries: multicenter study of the American Association for the Surgery of Trauma. J Trauma. 2001;50(2):289-96..

A angiotomografia é um método não invasivo, eficaz e facilmente disponível para avaliação do trauma de pescoço, reduzindo significativamente o número de explorações cirúrgicas, assim como, cervicotomias não terapêuticas, e, por isso, vem substituindo exames anteriormente realizados como arteriografia ou ressonância magnética 2121. Woo K, Magner DP, Wilson MT, Margulies DR. CT angiography in penetrating neck trauma reduces the need for operative neck exploration. Am Surg. 2005;71(9):754-8..

Estudos comprovam que a angiotomografia tem uma alta capacidade diagnóstica principalmente na identificação de lesões de artérias e veias do pescoço, apresentando uma especificidade de aproximadamente 100% e sensibilidade de 90%. Fato que foi comprovado em nosso estudo, uma vez que a tomografia identificou lesões de vasos, que, na maioria das vezes, foram corroboradas durante a cervicotomia 1515. Múnera F, Soto JA, Palacio D, Velez SM, Medina E. Diagnosis of arterial injuries caused by penetrating trauma to the neck: comparison of helical CT angiography and conventional angiography. Radiology. 2000;216(2):356-62. 2222. Stuhlfaut JW, Barest G, Sakai O, Lucey B, Soto JA. Impact of MDCT angiography on the use of catheter angiography for the assessment of cervical arterial injury after blunt or penetrating trauma. AJR Am J Roentgenol. 2005;185(4):1063-8..

Em relação às vias aéreas e trato digestivo, sabese que são lesões associadas a traumas de alta morbimortalidade, podendo levar à complicações como mediastinite e sepse, sendo assim, de suma importância o seu diagnóstico. Em nosso estudo, a tomografia computadorizada mostrou ser um exame com baixa sensibilidade diagnóstica para esse tipo de lesão, sendo que em 54% dos casos o exame radiológico não identificou lesões de vias aéreas ou do trato digestivo, que foram identificadas durante a exploração cirúrgica, apresentando significância estatística (p=0,002 e p=0,013, respectivamente).

Para o tratamento das lesões penetrantes de vasos cervicais, a preferência foi pelo reparo cirúrgico em detrimento da ligadura vascular, exceto em caso de coma associado à ausência de fluxo anterógrado 2323. Rathlev NK, Medzon R, Bracken ME. Evaluation and management of neck trauma. Emerg Med Clin North Am. 2007;25(3):679-94, viii.. No presente estudo, 100% das lesões arteriais foram tratadas com reconstrução do vaso sanguineo.

As lesões de vias aéreas foram manejadas com intubação orotraqual pré-hospitalar em 16,67%, a traqueostomia foi realizada em 75% dos pacientes, 50% necessitou sutura de laringe/traqueia. Há necessidade de intervenção precoce em lesões de via aérea no trauma cervical penetrante e a intubação está indicada na maioria dos casos, a sutura primária está indicada no tratamento das pequenas lesões 2424. Grewal H, Rao PM, Mukerji S, Ivatury RR. Management of penetrating laryngotracheal injuries. Head Neck. 1995;17(6):494502..

Evidenciamos neste estudo que a tomografia computadorizada não demonstrou ser uma das melhores opções para realizar o diagnóstico de lesões de vias aéreas e trato digestivo no trauma cervical penetrante. O que ressalta a necessidade de um alto índice de suspeição e a correlação com dados do exame físico para um diagnóstico mais fidedigno de alterações envolvendo estas estruturas 11. Demetriades D, Skalkides J, Sofianos C, Melissas J, Franklin J. Carotid artery injuries: experience with 124 cases. J Trauma. 1989;29(1):91-4. 99. Apffelstaedt JP, Müller R. Results of mandatory exploration for penetrating neck trauma. World J Surg. 1994;18(6):917-9; discussion 920. 1111. Azuaje RE, Jacobson LE, Glover J, Gomez JA, Rodman GH Jr, Broadie TA, et al. Reliability of physical examination as a predictor of vascular injury after penetrating neck trauma. Am Surg. 2003;69(9):804-7. 2525. Sekharan J, Dennis JW, Veldenz HC, Miranda F, Frykberg ER. Continued experience with physical examination alone for evaluation and management of penetrating zone 2 neck injuries: results of 145 cases. J Vasc Surg. 2000;32(3):483-9. 2727. Ferguson E, Dennis JW, Vu JH, Frykberg ER. Redefining the role of arterial imaging in the management of penetrating zone 3 neck injuries. Vascular. 2005;13(3):158-63.. No entanto, este é um exame disponível na maioria dos serviços de trauma, além de ser um exame não invasivo, de realização relativamente rápida e que pode avaliar diversas estruturas ao mesmo tempo. A angiotomografia também é o exame de escolha para o diagnóstico de danos vasculares no trauma cervical penetrante, o que não nos permite reduzir a importância do exame.

Foram encontradas algumas limitações ao longo do estudo no que diz respeito ao preenchimento dos prontuários e do livro de registro da tomografia computadorizada durante alguns períodos de tempo. Os pacientes incluídos no estudo fazem parte de um grupo seleto de indivíduos, os quais se encontravam estáveis durante a abordagem inicial para a realização do exame de imagem e, portanto, caracterizam um viés para a pesquisa. Assim sendo, ressaltamos a importância da realização de outros estudos acerca do tema, principalmente no que diz respeito ao diagnóstico de lesões de vias aéreas e digestivas.

Concluindo, apesar do grande uso da tomografia computadorizada no diagnóstico de lesões cervicais penetrantes, pode-se afirmar que este é um exame com baixa acurácia no diagnóstico de lesões de trato aerodigestivo, sendo importante uma correlação clínica para um bom diagnóstico. Já para lesões vasculares e de outras estruturas, a TC apresentou alto grau de sensibilidade e especificidade, sendo assim um bom exame a ser utilizado nesses casos.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2015
  • Aceito
    05 Abr 2015
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