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Diagnóstico epidemiológico de evisceração em cirurgia geral

Epidemiological diagnosis of evisceration in general surgery

Resumos

OBJETIVO: Quantificar a experiência clínica do Serviço de Cirurgia Geral do Complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre, criando um diagnóstico epidemiológico de demanda e traçando um perfil do paciente de risco de evisceração, através da análise do manejo e conduta mais adequados. MÉTODO: No período de 2000 a 2001, foram estudados prospectivamente 1182 pacientes submetidos a laparotomias, dos quais 13 evoluiram com evisceração. RESULTADOS: Dos 13 pacientes eviscerados, 69,2% eram homens, com idade média de 55,9 anos. A neoplasia foi a patologia de base mais prevalente (61,5%), e o tempo médio de evisceração foi de 12,1 dias. A albumina sérica média encontrada foi de 2,8 g/dl e a sutura contínua a técnica de fechamento mais utilizada no Serviço. CONCLUSÃO: O perfil do paciente eviscerado nesta série,inclui homens com mais de 50 anos e obesos, com doença maligna e hipoalbuminemia. Esses pacientes têm maior probabilidade de desenvolver complicações locais, tais como infecção e aumento da pressão intra-abdominal, contribuindo para a deiscência total da parede abdominal. A análise destes fatores deve ser imperiosa na decisão de ancoragem primária dessa população.

Deiscência da ferida operatória; Cicatrização de feridas; Diagnóstico


BACKGROUND: To quantify the clinical experience and epidemiological diagnosis of eviscerations, creating a profile of risk factors. METHODS: During the years 2000 to 2001, 1182 patients were studied, including 13 with eviscerations, followed prospectively by research protocol. RESULTS: Of 13 cases of evisceration, 69,2% were men, with mean age of 55,9 years. Neoplasic disease was the most frequent base disease (61,5%) and the mean time of evisceration was 12,1days. The mean albumin serum level found was 2.8g/dl and continuous suture was the most frequent abdominal wall closure technique. CONCLUSION: The profile of patient for evisceration include men, obeses, older than 50 years with malignant disease and hipoalbuminemia. These patient have high risk to develop local complications such as infection and elevation of intra-abdominal pressure, and, abdominal wall dehiscence. The analisis of risks factors must be mandatory in decision of primary ancorage of this population.

Surgical wound dehiscence; Wound healing; Diagnostic


ARTIGO ORIGINAL

Diagnóstico epidemiológico de evisceração em cirurgia geral

Epidemiological diagnosis of evisceration in general surgery

Giuliano BorileI; Denis Souto Valente AsCBC-RSI; Melissa Manfroi Dal PizzolII; Rodrigo DreherI; Carlos Cleber Alves NunesIII

IMédico, Cirurgião-Geral, Residente em Cirurgia Plástica do CHSC

IIAcadêmica do 6º ano de Medicina da Fundação Faculdade Federal Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA)

IIIProfessor de Cirurgia Geral da FFFCMPA, Coordenador de Equipe Cirúrgica do CHSC

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Giuliano Borile Rua Dr. Timóteo 632/502 CEP: 90540-040 Porto Alegre - RS E-mail: giuliano.borile@globo.com Tel. (051) 33436550 / 99058042

RESUMO

OBJETIVO: Quantificar a experiência clínica do Serviço de Cirurgia Geral do Complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre, criando um diagnóstico epidemiológico de demanda e traçando um perfil do paciente de risco de evisceração, através da análise do manejo e conduta mais adequados.

MÉTODO: No período de 2000 a 2001, foram estudados prospectivamente 1182 pacientes submetidos a laparotomias, dos quais 13 evoluiram com evisceração.

RESULTADOS: Dos 13 pacientes eviscerados, 69,2% eram homens, com idade média de 55,9 anos. A neoplasia foi a patologia de base mais prevalente (61,5%), e o tempo médio de evisceração foi de 12,1 dias. A albumina sérica média encontrada foi de 2,8 g/dl e a sutura contínua a técnica de fechamento mais utilizada no Serviço.

CONCLUSÃO: O perfil do paciente eviscerado nesta série,inclui homens com mais de 50 anos e obesos, com doença maligna e hipoalbuminemia. Esses pacientes têm maior probabilidade de desenvolver complicações locais, tais como infecção e aumento da pressão intra-abdominal, contribuindo para a deiscência total da parede abdominal. A análise destes fatores deve ser imperiosa na decisão de ancoragem primária dessa população.

Descritores: Deiscência da ferida operatória; Cicatrização de feridas; Diagnóstico.

ABSTRACT

BACKGROUND: To quantify the clinical experience and epidemiological diagnosis of eviscerations, creating a profile of risk factors.

METHODS: During the years 2000 to 2001, 1182 patients were studied, including 13 with eviscerations, followed prospectively by research protocol.

RESULTS: Of 13 cases of evisceration, 69,2% were men, with mean age of 55,9 years. Neoplasic disease was the most frequent base disease (61,5%) and the mean time of evisceration was 12,1days. The mean albumin serum level found was 2.8g/dl and continuous suture was the most frequent abdominal wall closure technique.

CONCLUSION: The profile of patient for evisceration include men, obeses, older than 50 years with malignant disease and hipoalbuminemia. These patient have high risk to develop local complications such as infection and elevation of intra-abdominal pressure, and, abdominal wall dehiscence. The analisis of risks factors must be mandatory in decision of primary ancorage of this population.

Key Words: Surgical wound dehiscence; Wound healing; Diagnostic.

INTRODUÇÃO

A deiscência da ferida operatória constitui-se na ruptura parcial ou total de seus planos constituintes, enquanto que a ruptura de todas as camadas da parede abdominal com extrusão ou exposição das vísceras abdominais denomina-se evisceração. Apesar do grande avanço técnico e do conhecimento da biologia da cicatrização, sua incidência permanece inalterada (1-3%), demonstrando também os mesmos índices de morbidade e mortalidade do início dos anos oitenta (9-49%)1,2.

Diversos fatores estão implicados em sua etiologia, agindo de forma sinérgica. A falta de significância clínica dos ensaios experimentais, no entanto, dificultam o estudo de fatores de risco de forma independente. Dentre os fatores sistêmicos destacam-se anemia, hipoalbuminemia, desnutrição, obesidade, neoplasias, icterícia, uremia, uso de corticóides, entre outros. Entretanto, verifica-se uma tendência da literatura em destacar os fatores locais (mecânicos) como causadores principais. Entre eles, destacam-se: o fechamento inadequado da parede abdominal, o aumento da pressão intra-abdominal e a cicatrização deficiente1,2,3.

O objetivo deste estudo é quantificar a experiência clínica do Serviço de Cirurgia Geral da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (SCG-CHSC) em deiscências de ferida operatória e eviscerações, criando um diagnóstico epidemiológico de demanda do paciente eviscerado que inclui uma análise do manejo e conduta mais adequados à nossa realidade.

MÉTODO

Durante o período de janeiro de 2000 a junho de 2001 foram efetuadas 1182 laparotomias em quatro das seis equipes cirúrgicas do SCG-CHSC. Neste período ocorreram 13 deiscências totais/eviscerações, as quais foram acompanhadas prospectivamente seguindo protocolo de pesquisa. Todos os pacientes protocolados estiveram internados por períodos variados e foram seguidos por no mínimo 90 dias a contar da data da cirurgia. O protocolo incluiu a avaliação de dados de caracterização e identificação do paciente, doença de base, co-morbidades, apresentação da evisceração, técnica de fechamento da parede abdominal e o seguimento desta complicação.

Os pacientes que não apresentaram deiscência de todas as camadas da parede abdominal foram excluídos do protocolo, bem como aqueles submetidos a herniorrafias e procedimentos cirúrgicos abdominais de menor porte.

RESULTADOS

Treze pacientes desenvolveram deiscência total da parede abdominal de um total de 1182 casos (1,1%). Nove ocorreram em homens (69.2%) e quatro em mulheres (30,7%). A idade média dos pacientes foi de 55,9 anos (38 a 78 anos).

Neoplasia foi a doença de base em oito pacientes (61,5%) sendo as mais freqüentes o adenocarcinoma de cólon (30,7%) e carcinoma epidermóide de esôfago (30,7%). A evisceração ocorreu em doenças benignas em cinco casos (38,4%), estando a cirurgia bariátrica relacionada a duas.

O tempo médio de ocorrência da deiscência foi de 12,1 dias (variação de 3 a 21 dias), apresentando-se clinicamente como evisceração súbita em 53,8% e bloqueada em 46,1%. A infecção esteve presente na maioria dos casos (69,2%).

Em relação aos demais fatores sistêmicos, a hipoalbuminemia ocorreu na maioria dos casos (76,9%), com a média de albumina sérica de 2,8g/dl. Trinta e oito por cento dos pacientes foram considerados obesos, segundo Índice de Massa Corporal (IMC médio de 32,4) (Tabela 1).

Nesta série não se identificaram casos de evisceração na presença de icterícia e em usuários crônicos de corticosteróides.

A determinação dos fatores locais (Tabela 2) evidenciou o uso de fio de poliglactina 1-0 em todos os casos (100%) com a técnica de sutura contínua interrompida em 76,9%. Em (23,1%) o abdome foi fechado com pontos separados. As incisões, em todos os casos, foram medianas trans-umbilicais. Sessenta por cento dos casos apresentaram infecção da ferida operatória antes da evisceração, bem como seroma em 38,4%. Em nenhum caso foi identificado hematoma. O aumento da pressão intra-abdominal esteve presente na maior parte dos casos com presença de íleo adinâmico em 46,1% e tosse em 38%. Nenhum paciente apresentou ascite ao diagnóstico.

Nenhum dos 13 casos de evisceração, independentemente dos fatores de risco, recebeu ancoragem primária (colocação de pontos de ancoragem previamente à evisceração) no momento do fechamento da parede abdominal.

DISCUSSÃO

A literatura tende a destacar os fatores locais (mecânicos) como os principais responsáveis pela evisceração. Destacam-se três fatores locais que exercem papel determinante na deiscência total: o fechamento inadequado da parede, o aumento da pressão intra-abdominal e a deficiência da cicatrização. A deiscência é atribuída em maior grau a combinação desses fatores do que a algum independentemente1,3,4.

A sutura sob técnica contínua, aplicada rotineiramente neste Serviço, parece contribuir para um fechamento adequado da parede abdominal e manutenção de taxas aceitáveis de evisceração. Esta técnica permite a distribuição uniforme da tensão ao longo da incisão, impedindo pontos de tensão isolados em cada nó, como na sutura com pontos separados 5,6.

Neste estudo, os principais responsáveis pelo aumento da pressão intra-abdominal no pós-operatório precoce foram o íleo adinâminco e a tosse. Outros fatores como vômitos e ascite, juntamente com os citados anteriormente, precedem a evisceração em várias séries6-8. Julgamos a importância da identificação dos pacientes sob risco de desenvolverem tais complicações, uma vez que são potencialmente evitáveis.

Em relação ao uso de fio absorvível na laparorrafia, a literatura destaca a importância deste encontrar-se íntegro no período crítico das duas primeiras semanas, período em que o fio contribui quase que exclusivamente para a manutenção do fechamento da parede abdominal. Nesta série, o período médio da apresentação da evisceração ocorreu dentro do período crítico de 14 dias, sempre com uso de fio polifilamentar absorvível (poliglactina 1-0), corroborando o fato de que a quebra do fio se dá classicamente no local do nó e não pela absorção precoce do fio9-11.

Estudos recentes advogam que o processo de deiscência inicia-se muito antes da instalação da infecção da ferida e seus sinais e sintomas locais. Estes estudos afirmam que é difícil identificar o grau de infecção responsável pela alteração do processo cicatricial, sugerindo que somente infecções como fasceítes necrotizantes podem ser diretamente responsabilizadas pela evisceração1,12. Entretanto, esses dados não correspondem aos achados desta série que evidenciou infecção local em 70% dos casos, na ausência de fasceíte.

Neste estudo, o perfil do paciente com evisceração inclui homens obesos com idade superior a 50 anos, doença maligna e hipoalbuminemia. Estes achados são citados na literatura como fatores de risco sistêmicos que contribuem de forma sinérgica para o retardo do processo cicatricial, atraso na fibroplasia e diminuição da força tênsil na ferida operatória1,13,14.

A evisceração é um evento resultante da interação de fatores locais e sistêmicos que resulta na falência total do processo de cicatrização e fechamento da parede abdominal. A análise destes fatores deve ser imperiosa na decisão de ancoragem primária dessa população.

Recebido em 10/03/2003

Aceito para publicação em 28/07/2003

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral (SCG) do Complexo Hospitalar Santa Casa (CHSC) de Porto Alegre, RS.

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  • Endereço para correspondência:
    Giuliano Borile
    Rua Dr. Timóteo 632/502
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2003

    Histórico

    • Aceito
      28 Jul 2003
    • Recebido
      10 Mar 2003
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