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Suturas mecânicas

Mechanic sutures

Resumo

The authors review the use of staplers in General Surgery, mainly in Gastroenterological Surgery highlighting safety and effectiveness. They emphasize that the mechanic anastomosis are a viable technique and in some conditions, the best way to perform the anastomosis. The use of staplers makes surgery faster and easier and complications are, generally related to surgeon's experience in using them. Although its costs are higher compared to handsewn suture, it can make the patient total cost lower.

Mechanic sutures; Staplers; Mechanic anastomosis


Mechanic sutures; Staplers; Mechanic anastomosis

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

Suturas mecânicas

Mechanic sutures

Alexandre Miranda Duarte, TCBC-RJI; Elizabeth Gomes dos Santos, TCBC-RJII

ICirurgião Geral do Serviço de Emergência do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro

IICirurgiã Geral do Serviço de Cirurgia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alexandre Miranda Duarte Rua Baronesa de Poconé, 141 B.1/701 — Lagoa 22471-270 — Rio de Janeiro-RJ E-mail: amduarte@uninet.com.br

ABSTRACT

The authors review the use of staplers in General Surgery, mainly in Gastroenterological Surgery highlighting safety and effectiveness. They emphasize that the mechanic anastomosis are a viable technique and in some conditions, the best way to perform the anastomosis. The use of staplers makes surgery faster and easier and complications are, generally related to surgeon's experience in using them. Although its costs are higher compared to handsewn suture, it can make the patient total cost lower.

Key words: Mechanic sutures; Staplers; Mechanic anastomosis.

INTRODUÇÃO

O objetivo do cirurgião ao realizar qualquer intervenção é que esta seja segura e eficiente. O procedimento deve ser o mais rápido possível, com o menor trauma tecidual, restaurando a função, e conseqüentemente diminuindo ao máximo as possibilidades de intercorrências no pós-operatório. A moderna cirurgia atinge estes objetivos de forma bastante satisfatória, porém, as complicações relacionadas às suturas ainda ocorrem com alguma freqüência.

Foi somente no final do século XIX, que as suturas gastrointestinais adquiriram confiabilidade, com o conhecimento básico dos princípios da cicatrização dos tecidos. Os fatores envolvidos no reparo tecidual relacionam-se não só à técnica, mas também ao paciente individualmente, e à área a ser operada. A presença de isquemia, edema, infecção e desnutrição são alguns dos elementos que retardam e prejudicam a cicatrização.

A variação na habilidade dos cirurgiões serviu de motivação para o desenvolvimento de dispositivos, que superando as diferenças individuais, permitissem que as técnicas fossem executadas adequadamente, e cujo resultado final fosse o melhor possível. Toda técnica deve ser reproduzida de forma confiável pelo maior número de cirurgiões para que seus resultados sejam adotados e reconhecidos como eficazes.

Humer Hultz, cirurgião húngaro, em 1908, foi o primeiro a utilizar sutura mecânica com esta finalidade. Apesar do grande sucesso na época, o dispositivo foi abandonado por suas desvantagens: peso excessivo e complexidade de uso.

Outro cirurgião húngaro, em 1924, Petz Aladar, desenvolveu um aparelho de sutura mecânica que foi conhecido como "pinças de Von Petz" para realização de suturas no aparelho digestório. Apesar de ampla aceitação em sua época, também caiu em desuso por ser de manuseio complexo e também muito pesado.

H. Friedrich, na Alemanha, em 1934, usou o primeiro instrumento de sutura do tipo "grampeador" que podia ser reutilizado por ser recarregável.

Todos esses dispositivos até aquela data eram utilizados com reservas, sendo necessária uma sutura invaginante, de segurança, sobre a linha de grampeamento, já que a pressão exercida pelos grampos podia provocar necrose dos tecidos grampeados.

Na década de 40, cirurgiões russos iniciaram pesquisas que levaram ao desenvolvimento de grampeadores mais eficientes. O primeiro a ser utilizado foi para cirurgia vascular. Os aparelhos eram individuais e desenvolvidos especialmente para uso em cada tipo especifico de cirurgia.

Com base nos estudos de Ravitch e Steichen em 1965, empresas nos EUA entraram no mercado, oferecendo grampeadores mais leves e de concepção mais moderna que ofereciam maior segurança na sutura, e que foram baseados nos modelos russos. Logo em seguida desenvolveram sistemas de cartuchos descartáveis com várias aplicações. Assim os aparelhos em si podiam ser usados mais de uma vez mudando-se apenas a unidade de recarga que poderia conter grampos de tamanhos diferentes.

Em 1972 foi usado o grampeador descartável para pele. E a partir da década de 80, surgiram os grampeadores para uso intraluminal.

As vantagens promovidas pelo uso dos grampeadores foram muito apreciadas, o que motivou pesquisa e desenvolvimento de aparelhos de múltiplos usos. A sutura mecânica é mais rápida que a manual. Isso reduz o tempo operatório, o que é bastante significativo para pacientes clinicamente graves quando submetidos a cirurgias. Outra vantagem, é o seu uso no caso de anastomoses em localizações anatômicas desfavoráveis para a sutura manual, como nos casos de anastomoses retais baixas ou esofagianas. O custo da utilização da sutura mecânica é elevado e sua indicação deve ser baseada na real vantagem de seu emprego.

É de grande importância para o resultado final da sutura, seja a mesma feita manual ou mecanicamente, alguns cuidados como: hemostasia bem feita, dissecção e preparo adequado das bordas a serem suturadas, boas condições de aporte sanguíneo e ausência de tensão na linha de sutura. Nestas condições, vários estudos têm comprovado que não há uma substancial diferença entre o resultado final de uma sutura manual e a feita por grampeadores. Da mesma forma, a literatura mostra não haver diferenças significativas no aparecimento de complicações assim como mostra que o uso dos grampeadores é eficaz e seguro.

PRINCÍPIOS BÁSICOS DE FUNCIONAMENTO DOS GRAMPEADORES

A realização de suturas mecânicas envolve a tecnologia de aplicação de grampos de forma seqüencial e ordenada, visando promover a fixação segura dos tecidos e garantindo sua integridade e vascularização. A concepção de Hultz de utilizar grampos, que ao serem aplicados, assumem o formato de "B" permanece até hoje. O que foi aprimorado diz respeito ao desenho do equipamento de aplicação e ao desenvolvimento de materiais como o titânio que é inerte e bem tolerado pelos tecidos. Os grampos tornaram-se progressivamente mais delicados reduzindo a reação tecidual no local de sua aplicação. Outro avanço é a aplicação em seqüência de duas, ou até mesmo três, fileiras de grampos intercalados garantindo o aporte sanguíneo ao tecido.

É de grande importância para o cirurgião o conhecimento sobre como manipular estes materiais para conseguir os melhores resultados. A sutura mecânica isoladamente não é hemostática. A pressão exercida pelos grampeadores mais recentes é de 8g/mm2. Esta pressão é suficiente para que pequenos vasos passem por entre as linhas dos grampos permitindo a manutenção da vascularização e como conseqüência a vitalidade das bordas a serem suturadas. Nos casos em que houver sangramento da linha de sutura este deverá ser coibido com eletrocoagulação ou mesmo com pontos.

Existe também a questão do princípio básico sobre as suturas do tubo digestório que devem ter invertidas as bordas suturadas, motivo pelo qual, muitos cirurgiões aplicam uma "sobre-sutura" após o uso do grampeador. Estudos experimentais mostraram, entretanto, que quando não é necessário fazer a hemostasia, esta segunda sutura de inversão é dispensável.

Segundo suas configurações os grampeadores são de aplicações internas (órgãos internos) ou externa (pele); com ou sem lâmina cortante, lineares ou circulares. Cada um deles com calibre e tamanho diferente. Seu uso é especifico e o resultado final da sutura também é dependente do uso do aparelho adequado para cada caso, obedecendo às variações entre o diâmetro, distância entre os grampos e tamanho dos mesmos. Tecidos espessos pedem grampos com hastes longas, e, por outro lado, o delicado tecido vascular exige o uso de grampeadores com hastes finas e curtas, colocados mais próximos uns dos outros.

TIPOS DE GRAMPEADORES

Atualmente existem equipamentos concebidos para uso nos mais variados procedimentos englobando, praticamente, todas a especialidades cirúrgicas. A cirurgia laparoscópica com suas necessidades específicas também levou ao desenvolvimento de novos aparelhos de sutura que possam ser usados naquele tipo de acesso.

Podemos dividi-los em alguns tipos básicos:

1. Grampeadores simples – cutâneos, de hemostasia ou de fixação.

2. Grampeadores que suturam apenas.

3. Grampeadores que suturam e cortam – anastomoses.

Grampeadores Simples

São aqueles em que os grampos são aplicados um a um de forma a aproximar superfícies ou fixar estruturas. Neste grupo temos os grampeadores cutâneos usados para o fechamento da pele. Estes possuem configuração completamente diferente daqueles que são usados em vísceras. Possuem forma de ++ e devem ser retirados no pós-operatório. São apresentados em diversos tipos e tamanho e podem ser usados inclusive para fixação de retalhos de pele.

Há também os clipes hemostáticos, que podem tanto ser de uso em cirurgia convencional como em videolaparoscopia. Temos também os grampos de fixação, como aqueles usados para fixar telas em herniorrafias realizadas por laparoscopia.

Grampeadores que Suturam

Seu uso está em geral relacionado situações em que há necessidade de suturas contínuas. São utilizados quando há necessidade do fechamento de um segmento ou coto. Sua aplicação é ampla na cirurgia do tubo digestório, sendo de grande utilidade em diversas cirurgias, tais como no fechamento do reto nas ressecções anteriores ou no procedimento de Hartmann. Podem ser usados também em procedimentos no tórax, como em biópsias apicais, ressecções em cunha e fechamento de brônquios.

Grampeadores que Suturam e Cortam

Este grupo de aparelhos associa a capacidade de corte à capacidade de suturar, permitindo a realização de anastomoses entre vísceras ocas.

Podem ser divididos em dois grupos: lineares cortantes e circulares.

• Grampeadores Lineares Cortantes: servem não só para seccionar e suturar mas também para realização de anastomoses. A presença da lâmina, que corta o tecido ao mesmo tempo em que a sutura é realizada pela aposição seqüencial dos grampos, facilita a confecção de anastomoses na maioria das vezes laterolaterais. São de grande utilidade na execução de gastroenteroanastomoses e enteroenteroanastomoses. Em cirurgias que demandam grande número de suturas, estes aparelhos encontram grande aplicabilidade, como nas gastrectomias e na cirurgia bariátrica. Podem, também, ter desenho adaptado a procedimentos laparoscópicos, por exemplo em ligaduras de pedículos de órgãos, como o baço e o rim.

• Grampeadores Circulares: são compostos de duas partes: uma menor removível, chamada ogiva, que é fixada em um dos segmentos a serem anastomosados e a outra maior e circular, que introduzida pelo outro segmento a ser anastomosado, encaixa-se à ogiva. Ao mesmo tempo em que sutura, uma lâmina circular interna corta o tecido a ser anastomosado. São utilizados para anastomoses entre vísceras ocas. Suas principais aplicações são nas anastomoses colorretais e esofagojejunais. São equipamentos com diâmetros variados. O calibre mais utilizado para as anastomoses esofagojejunais é o de 25mm. Já para as anastomoses colônicas o mais utilizado é o de calibre 29 . Existem grampeadores com calibres que variam entre 23 e 33mm, e que devem ser escolhidos levando-se em conta o diâmetro do segmento a ser anastomosado. Um cuidado que se deve ter após o grampeamento, é a verificação da integridade dos anéis seccionados, que não devem ter rupturas, o que significa que nenhum ponto da sutura ficou sem grampos. Algumas vezes, quando as condições de sutura não são totalmente favoráveis, impõe-se uma sutura manual de segurança.

Equipamentos estão sendo adaptados para novos procedimentos em cirurgia vascular e urológica. Novos aparelhos continuam a ser desenvolvidos. Destacam-se no momento dois equipamentos. O primeiro, desenhado para o tratamento de hemorróidas, está sendo bastante utilizado nos Estados Unidos mas ainda não conta com estudos críticos suficientes dos especialistas para sua completa aceitação na prática diária. O outro tem desenho adaptado para uso endoscópico, indicado para ressecção de lesões polipóides em sua base.

COMPLICAÇÕES

Assim como em todas as cirurgias, cuidados essenciais devem ser tomados quando empregamos grampeadores mecânicos.

As complicações mais freqüentes de seu uso são: sangramento, fístula e estenose. Essas complicações estão intimamente relacionadas aos cuidados prévios no preparo das bordas dos tecidos a serem suturados, às condições intrínsecas do paciente e ao conhecimento do cirurgião no uso dos aparelhos de sutura mecânica.

Vários estudos já mostraram que o sangramento é habitualmente a intercorrência mais simples de se resolver, costumam ser autolimitados e raramente requerem nova intervenção.

A fistula, complicação mais grave, quase sempre aparece do terceiro ao sétimo dia de pós-operatório, de modo semelhante às anastomoses manuais. Esta complicação pode ser minimizada ou mesmo evitada se após a confecção da sutura, o cirurgião verificar a integridade da anastomose através da integridade dos "anéis" que ficam nos grampeadores circulares, e também através de manobras em que se procura por escapamentos pela linha de sutura. Isto também deve ser feito quando usamos grampeadores lineares. Caso seja identificado algum vazamento, este deve ser corrigido com sutura simples.

A estenose é uma complicação mais tardia e está relacionada com o uso inadequado do grampeador (calibres incompatíveis), mas pode estar relacionada com reação cicatricial. Várias séries de revisão mostraram ser a estenose a complicação encontrada com mais freqüência nas anastomoses feitas por grampeadores. Muitas destas estenoses são relacionadas à radioterapia, principalmente em anastomoses pélvicas. Na maioria das vezes é passível de tratamento conservador (dilatações). Somente em raros casos é necessária uma nova cirurgia.

CONCLUSÃO

A tecnologia é parceira indissociável da moderna cirurgia. O cirurgião deve estudar e praticar para poder escolher, com segurança, quando utilizar determinada técnica ou determinado instrumento. A indústria de equipamentos médicos exerce sobre nós sedutora pressão que deve ser administrada com sabedoria. As empresas investem em pesquisa e procuram incessantemente por melhorias e inovações nos produtos que comercializam. Por outro lado, o Sistema de Saúde é ávido pela redução de custos, e cria barreiras para o uso destes materiais.

Não há dúvidas que os equipamentos de sutura mecânica encarecem um procedimento. Talvez esta seja a maior barreira para sua plena utilização. Entretanto, deve-se ter em mente que, os gastos no tratamento de uma complicação podem ser muito maiores que o preço do equipamento que deixou de ser utilizado. Cabe ao cirurgião fazer a análise do custo e do benefício para indicar sua aplicação. Existem situações em que os grampeadores são fundamentais; outras em que são dispensáveis. O cirurgião deveria poder exercer com independência esta escolha, unicamente baseada, no melhor resultado final para o seu paciente.

Recebido em 13/08/2002

Aceito para publicação em 13/09/2002

Trabalho realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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  • Endereço para correspondência:

    Alexandre Miranda Duarte
    Rua Baronesa de Poconé, 141 B.1/701 — Lagoa
    22471-270 — Rio de Janeiro-RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2002

    Histórico

    • Aceito
      13 Set 2002
    • Recebido
      13 Ago 2002
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