Acessibilidade / Reportar erro

Validade da punção biópsia por agulha fina nas doenças da glândula parótida

Fine needle aspirative biopsy in parotid gland diseases

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o método de punção biópsia aspirativa por agulha fina (PBAAF), técnica relativamente simples, de conhecida importância em cirurgia de cabeça e pescoço. Sua indicação em doenças das glândulas salivares, no entanto, especialmente na parótida, ainda é muito controversa na literatura. O diagnóstico pela PBAAF permite o adequado planejamento terapêutico e preparo do paciente. Muitos, porém, alegam que seu emprego acrescenta muito pouco à conduta terapêutica, além de ser procedimento doloroso e elevar o custo do tratamento. MÉTODO: Os autores analisaram os prontuários de 247 pacientes submetidos a parotidectomias, realizadas entre 1986 e 1998, comparando a punção aspirativa por agulha fina com o anatomopatológico definitivo. Isso foi possível em 211 casos. Houve predomínio do sexo feminino, com idade variando de dez a 84 anos. RESULTADOS: Os tumores benignos foram os mais prevalentes, correspondendo a 85,3% dos casos, com predomínio do adenoma pleomórfico. A punção por agulha fina permitiu diferenciar tumores benignos de malignos em 165 casos (78,1%) e acertou o diagnóstico histológico em 77,6 %. CONCLUSÕES: Concluímos que a PBAAF é um método eficiente e simples que fornece ao cirurgião diagnóstico das neoplasias na grande maioria das vezes e deve fazer parte, sempre que possível, da documentação pré-operatória.

Punção agulha fina; Parótida; Glândula salivar


BACKGROUND: Fine needle aspirative biopsy (FNAB) is an easy and reliable diagnotic method for head and neck tumors. However, its indication in salivary gland diseases is controversial. The knowledge of the histological tumor type allows a better therapeutic planning. On the other hand, for some authors, FNAB is a painful procedure that increases cost with little impaction treatment decision. METHODS: This is a retrospective study, including 247 cases of parotidectomies performed, from 1986 to 1998. We compared FNAB to histopathological diagnosis, in 211 patients in which comparison was possible. RESULTS: There were 57.8% female patients. Eigthy five percent were benign tumors, most of them pleomorfic adenoma. FNAB made a correct distinction between benign and malignant tumors in 165 cases, offering an exact histological diagnosis in 77.6%. CONCLUSIONS: FNAB is a reliable, sensitive and specific diagnostic method. Based in to our experience, we recommend its use.

Fine needle aspirative biopsy; Parotid; Salivary gland


ARTIGO ORIGINAL

Validade da punção biópsia por agulha fina nas doenças da glândula parótida

Fine needle aspirative biopsy in parotid gland diseases

Vergílius José F. Araújo Filho, TCBC-SPI; Dorival de Carlucci JúniorII; Adriana SondermannII; Maria Teresa A. S. MachadoIII; Paulo C. CarneiroIV; Alberto Rossetti Ferraz, TCBC-SPV

IMédico Assistente, Doutor da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HC-FMUSP

IIMédico Colaborador da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HC-FMUSP

IIIResidente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HC-FMUSP

IVProfessor Doutor do Departamento de Patologia da FMUSP

VProfessor Titular da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HC-FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Vergilius José Furtado de Araujo Filho Av. Angélica, 1814 Cj 601 01228-200 - São Paulo - SP Tel: (11) 3661-9137 Fax: (11) 3661-9307

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o método de punção biópsia aspirativa por agulha fina (PBAAF), técnica relativamente simples, de conhecida importância em cirurgia de cabeça e pescoço. Sua indicação em doenças das glândulas salivares, no entanto, especialmente na parótida, ainda é muito controversa na literatura. O diagnóstico pela PBAAF permite o adequado planejamento terapêutico e preparo do paciente. Muitos, porém, alegam que seu emprego acrescenta muito pouco à conduta terapêutica, além de ser procedimento doloroso e elevar o custo do tratamento.

MÉTODO: Os autores analisaram os prontuários de 247 pacientes submetidos a parotidectomias, realizadas entre 1986 e 1998, comparando a punção aspirativa por agulha fina com o anatomopatológico definitivo. Isso foi possível em 211 casos. Houve predomínio do sexo feminino, com idade variando de dez a 84 anos.

RESULTADOS: Os tumores benignos foram os mais prevalentes, correspondendo a 85,3% dos casos, com predomínio do adenoma pleomórfico. A punção por agulha fina permitiu diferenciar tumores benignos de malignos em 165 casos (78,1%) e acertou o diagnóstico histológico em 77,6 %.

CONCLUSÕES: Concluímos que a PBAAF é um método eficiente e simples que fornece ao cirurgião diagnóstico das neoplasias na grande maioria das vezes e deve fazer parte, sempre que possível, da documentação pré-operatória.

Descritores: Punção agulha fina; Parótida, Glândula salivar.

ABSTRACT

BACKGROUND: Fine needle aspirative biopsy (FNAB) is an easy and reliable diagnotic method for head and neck tumors. However, its indication in salivary gland diseases is controversial. The knowledge of the histological tumor type allows a better therapeutic planning. On the other hand, for some authors, FNAB is a painful procedure that increases cost with little impaction treatment decision.

METHODS: This is a retrospective study, including 247 cases of parotidectomies performed, from 1986 to 1998. We compared FNAB to histopathological diagnosis, in 211 patients in which comparison was possible.

RESULTS: There were 57.8% female patients. Eigthy five percent were benign tumors, most of them pleomorfic adenoma. FNAB made a correct distinction between benign and malignant tumors in 165 cases, offering an exact histological diagnosis in 77.6%.

CONCLUSIONS: FNAB is a reliable, sensitive and specific diagnostic method. Based in to our experience, we recommend its use.

Key words: Fine needle aspirative biopsy; Parotid; Salivary gland.

INTRODUÇÃO

A punção biópsia aspirativa por agulha fina (PBAAF) é uma técnica relativamente fácil e segura no diagnóstico da maioria das neoplasias em cabeça e pescoço. Em determinadas doenças, como tumores metastáticos de origem indeterminada ou recorrências clínicas, tem sido empregada com freqüência maior que as biópsias cirúrgicas e com exatidão semelhante. O procedimento vem ganhando grande importância, com comprovada utilidade clínica em afecções específicas e com mínimas complicações1,2.

Nos últimos anos, a aplicabilidade da PBAAF tem sido ampliada. Em moléstias das glândulas salivares há quem conteste a sua utilidade clínica, afirmando que não traz benefícios claros na decisão terapêutica3. Shaha et al.4 em 1990 já descreviam o uso da PBAAF como procedimento inicial em tumores das glândulas salivares, citando ser possível diferenciar tumores benignos de malignos pela citologia em 93% dos casos e concordando com o histopatológico em 74%5.

O exame clínico da glândula parótida, assim como o imagenológico, fornecem detalhes importantes como orientação terapêutica, entretanto não revelam a exata natureza do nódulo6.

Visando avaliar a importância da PBAAF nas doenças da glândula parótida, realizamos estudo retrospectivo das parotidectomias realizadas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo pela Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço – HCFMUSP-DCCP.

MÉTODO

No período de 12 anos foram realizadas 247 parotidectomias pela DCCP - HCFMUSP. Em 211 casos foi possível realizar, retrospectivamente, correlação entre a citologia obtida através da PBAAF pré-operatória e o histopatológico definitivo. Nessa pesquisa, não houve preocupação com evolução ou tipo de tratamento realizado.

A PBAAF foi realizada, como descrito por Zajicek7, sem anestesia local, com aspiração realizada por seringa de 10ml e agulha (30x6) através de múltiplas passagens pelo tumor. Com o aspirado foram realizados esfregaços que são corados pelos métodos de Papanicolaou, Giemsa ou hematoxilina-eosina.

Os resultados citológicos foram agrupados em benignos, malignos, neoplasia epitelial bem diferenciada e inconclusivos, e pelo tipo histológico sugerido pela PBAAF, sendo comparados com o histopatológico do produto da parotidectomia (Tabela 1).

A neoplasia epitelial bem diferenciada (NEBD) é um diagnóstico citológico que praticamente afasta outras hipóteses como processos inflamatórios ou linfoepitelias, porém não permite diferenciar neoplasias epiteliais benignas de malignas, e foi então colocada como um grupo à parte. Esses casos não fizeram parte do cálculo de acurácia e foram analisados e discutidos separadamente.

As lesões císticas foram consideradas inconclusivas por possuírem áreas sólidas pouco representadas citologicamente.

A sensibilidade para neoplasia maligna foi definida pela formula:

VP/VP + FN,

a especificidade por:

VN/VN + FP

e a acurácia por:

VP + VN/total (sem casos de NEBD).

Onde:

VP = número de casos verdadeiro-positivo para malignidade.

VN = número de casos verdadeiro-negativo para malignidade

FP = número de casos falso-positivos para malignidade

FN = número de casos falso-negativos para malignidade

RESULTADOS

O sexo feminino predominou, correspondendo a 57,8% dos casos, com maior incidência entre as quarta e sexta décadas e média de idade 45 anos, variando de dez a 84 anos. A citologia encontrou 73% de casos benignos e 9% de malignos, sendo que a NEBD esteve presente em apenas 19 casos (9%) e destes apenas três (15,8%) foram malignos.

O diagnóstico histológico foi benigno em 180 casos (85,3%), sendo em sua maioria adenoma pleomórfico, 123 casos (68,3%). Nestes, a citologia sugeriu o diagnóstico preciso de adenoma pleomórfico em 101 casos (82,1%).

A PBAAF forneceu diagnóstico correto, isto é, diferenciou benignos e malignos, em 165 dos 211 casos (acurácia de 86%), com sensibilidade de 85% e especificidade de 96,1% (Tabela 1). Em 149 casos (77,6%) o diagnóstico histológico definitivo foi sugerido pela citologia, excluídos os resultados de NEBD (Tabela 2).

Houve seis casos de falso-negativos, com o diagnóstico citológico benigno e o histopatológico definitivo de neoplasia maligna. Em 18 casos a citologia foi inconclusiva sendo que destes cinco (27,8%) foram malignos (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A PBAAF não é uma técnica nova, sua utilidade em tumores de glândulas salivares tem sido freqüentemente debatida e, segundo alguns autores, sua grande importância está no auxílio ao acompanhamento destes tumores e não como procedimento diagnóstico que norteie a indicação cirúrgica4. Spiro et al.8 realizaram 144 punções de 1930 a 1968 com um índice de 17% de falso-negativos, o que os fez interromper o procedimento. Mais recentemente Olsen9 da Mayo Clinic salientou a controvérsia do método relatando altos índices de falso-positivos e falso-negativos em seu estudo, sendo que a principal limitação estava na distinção entre tumores benignos e malignos.

Estudos mais recentes sugerem índices de acurácia próximos de 95%, enquanto a sensibilidade para tumores benignos varia de 88 a 98% com especificidade ao redor de 94%10. Para os tumores malignos a sensibilidade é menor oscilando de 58 a 96% e especificidade entre 71 a 88%.

Alguns aspectos dos tumores podem dificultar o diagnóstico citológico: lesões císticas, alto grau de diferenciação, lesões altamente celulares com elementos mucóides e pouco estroma, atipia em epitélio não neoplásico reativo e outros4,11.

Nosso estudo forneceu dados comparáveis com dados internacionais, tivemos acurácia de 86% com 85% de sensibilidade para neoplasias malignas e especificidade de 96,1% (Tabela 4). O diagnóstico histológico foi corretamente sugerido pelo citológico (PBAAF) em 77,6% dos casos. Valores semelhantes foram obtidos por vários autores4,10,12-16. Encontramos três casos de falso-positivos, especificidade de 96,1%, mas em seis casos (2,8%) o diagnóstico de benigno estava errado. Felizmente não houve comprometimento da indicação cirúrgica, mas é um índice muito alto caso pretenda-se decidir a indicação terapêutica preferencialmente por este exame.

Em 19 casos tivemos a NEBD como diagnóstico citológico, sendo que em sua maioria o diagnóstico histológico foi de adenoma pleomórfico. Nos três casos classificados como malignos, o anatomopatológico era: carcinoma mucoepidermóide, carcinoma adenocístico e dermatofibrossarcoma. Este resultado demonstra a limitação do método, que em alguns casos é incapaz de discernir entre neoplasias benignas e malignas, mas tem valor, por exemplo, no diagnóstico de doenças de tratamento não cirúrgico, como as sialoadenites.

Complicações são raras, embora hematomas, pequenos sangramentos e dor local tenham sido descritos. Não tivemos nenhum caso de implante tumoral no local, tampouco encontramos este relato em literatura.

O uso apropriado das informações torna a PBAAF um teste sensível e de baixo custo para o diagnóstico das lesões das glândulas salivares. É simples e relativamente fácil. Permite diferenciar tumores salivares de não salivares, acompanhar pacientes de alto risco cirúrgico e preparar o médico e o paciente para o melhor tratamento4,6,16.

Acreditamos que a PBAAF é um bom método diagnóstico, importante na abordagem inicial de pacientes com massas em topografia de glândula parótida, que fornece informações valiosas no planejamento terapêutico e aconselhamento do doente e, sempre que possível, deve ser incluído na documentação pré-operatória.

Recebido em 24/4/2000

Aceito para publicação em 18/1/2001

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HC-FMUSP.

  • 1. Tabbara SO, Frierson HF, Fechner RE. Diagnostic problems in tissues previously sampled by fine needle aspiration. Am J Clin Pathol, 96:76-80, 1991.
  • 2. Zurrida S, Alasio L, Tradati N et al. Fine needle aspiration of parotid masses. Cancer, 72(8):2306-11, 1993.
  • 3. Batsakis JG, Sneige N, El-Naggar AK. Fine needle aspiration of salivary glands: its utility and tissue effects. Ann Otol Rhinol Laryngol, 101:85-8, 1992.
  • 4. Shaha AR, Webber C, Dimaio T et al. Needle aspiration biopsy in salivary gland lesions. Am J Surg, 160:373-6, 1990.
  • 5. Layfield LJ, Tan P, Glasgow BJ. Fine needle aspiration of salivary gland lesion: comparison with frozen sections and histologic findings. Arch Pathol Lab Med, 11:364-53, 1987.
  • 6. Weinberger MS, Rosenberg WW, Meurer WT et al Fine needle aspiration of parotid gland lesions. Head Neck, 14:483-7, 1992.
  • 7. Zajicek J. Aspiration biopsy cytology. Part I: cytology of supradiaphragmatic organs. George L.Wied. Chicago (IL). p1-29,1974.
  • 8. Spiro RH, Huvos AG, Strong EW. Cancer of the parotid gland. Am J Surg, 130:452-9, 1975.
  • 9. Olsen KS. The parotid lump don't biopsy it! An approach to avoiding misadventure. Postgrad Med, 81(4):225-9 232-4, 1987.
  • 10. Heller KS, Dubner S, Chess Q et al. Value of fine needle aspiration biopsy of salivary gland masses in clinical decision - making. Am J Surg, 164:667-670, 1992.
  • 11. Cardillo MR - Salivary gland masses: the diagnostic value of fine needle aspiration cytology. Arch Anat Cytol Path. 38(1-2):26-32, 1990.
  • 12. Califano L, Zupi A, Giardino C. Accuracy in the diagnosis of parotid tumors. J Cranio-Max Fac Surg, 20:354-9, 1992.
  • 13. Lau T, Balle VH, Bretlau P - Fine needle aspiration biopsy in salivary gland tumors. Clin Otolaryngol, 11(2):75-77, 1986.
  • 14. Megerian CA, Maniglia AJ. Parotidectomy: a ten year experience with fine needle aspiration and frozen section biopsy correlation. ENT Journal, 73(6):377-80, 1994.
  • 15. Pitts DB, Hilsinger Jr RL, Karandy E et al. Fine-needle aspiration in the diagnosis of salivary gland disorders in the community hospital setting. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 118:479-82, 1992.
  • 16. Rodriguez HP, Silver CE, Moisa II et al Fine needle aspiration of parotid tumors. Am J Surg, 1989, 158:342-4.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Vergilius José Furtado de Araujo Filho
    Av. Angélica, 1814 Cj 601
    01228-200 - São Paulo - SP
    Tel: (11) 3661-9137
    Fax: (11) 3661-9307
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2001

    Histórico

    • Aceito
      18 Jan 2001
    • Recebido
      24 Abr 2000
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br