Acessibilidade / Reportar erro

Tumor carcinóide do reto

Carcinoid tumor of the rectum

Resumo

The rectum is the second most common location of the carcinoid tumors of the gastrointestinal tract. It represents approximately one or two per cent of the rectal neoplasms. Metastases are less frequent and it presents a better prognosis than carcinoid tumors found in the digestive tract. Treatment is surgical and the technique to be used depends fundamentally on the size of the tumor and the degree of in the intestinal wall penetration. Lesions which are greater than one centimeter have been treated with local excision, while the ones greater than two centimeters have been submitted to a radical resection. This article presents a case of rectal carcinoid diagnosed and treated initially as adenocarcinoma by abdominal rectossigmoidectomy. There were no signs of recurrence after a period of five years and six months of post-surgical follow-up. Nowadays the validity of radical resection in the treatment of rectal carcinoids has been much questioned due to the fact that it has not shown a significant raise in survival rate when compared with patients who were submitted to a local resection.

Rectal carcinoid tumor; Surgical treatment; Survival


Rectal carcinoid tumor; Surgical treatment; Survival

RELATOS DE CASOS

Tumor carcinóide do reto

Carcinoid tumor of the rectum

Marcelo Fernandes Rangel, TCBC-PBI; Cássio Virgílio de Oliveira, ACBC-PBII; Leonardo Pires de Sá NóbregaIII

IProfessor Adjunto, Doutor do Departamento de Cirurgia do CCS da UFPB. Ex-Chefe do Serviço de Cirurgia Abdominal do Hospital de Câncer Napoleão Laureano

IICirurgião do Serviço de Cirurgia Abdominal do Hospital de Câncer Napoleão Laureano

IIIAluno de Graduação do Curso de Medicina do CCS da UFPB. Bolsista do PIBIC/CNPq/UFPB

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Marcelo Fernandes Rangel Rua Clodoaldo Gouveia, 66 58013-350 — João Pessoa-PB

ABSTRACT

The rectum is the second most common location of the carcinoid tumors of the gastrointestinal tract. It represents approximately one or two per cent of the rectal neoplasms. Metastases are less frequent and it presents a better prognosis than carcinoid tumors found in the digestive tract. Treatment is surgical and the technique to be used depends fundamentally on the size of the tumor and the degree of in the intestinal wall penetration. Lesions which are greater than one centimeter have been treated with local excision, while the ones greater than two centimeters have been submitted to a radical resection. This article presents a case of rectal carcinoid diagnosed and treated initially as adenocarcinoma by abdominal rectossigmoidectomy. There were no signs of recurrence after a period of five years and six months of post-surgical follow-up. Nowadays the validity of radical resection in the treatment of rectal carcinoids has been much questioned due to the fact that it has not shown a significant raise in survival rate when compared with patients who were submitted to a local resection.

Key words: Rectal carcinoid tumor; Surgical treatment; Survival.

INTRODUÇÃO

O termo Karzinoide foi introduzido na literatura por Oberndorfer, em 1907, ao descrever um tipo de neoplasia que se assemelhava ao adenocarcinoma, porém de evolução atípica, geralmente benigna1. Atualmente, estima-se que a incidência global de tumores carcinóides, nos Estados Unidos, seja de um a dois casos por 100.000 habitantes2. Entretanto, como grande parte de tais lesões apresenta comportamento biológico pouco agressivo, a verdadeira incidência desta neoplasia pode estar sendo subestimada2.

Uma análise recente de 8.305 casos demonstrou que o trato gastrintestinal foi a sede de 73,7%. Nesta série, as lesões retais representaram 12,8% de todos os tumores carcinóides identificados pelo Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos, entre janeiro de 1973 e dezembro de 19913.

Até o início da década de 1980, o apêndice cecal era a localização preferencial dos tumores carcinóides, seguindo-se o reto, íleo, pulmão, brônquios, cólon e estômago2. Atualmente, houve um decréscimo na incidência de carcinóides do apêndice cecal, e um aumento do número de carcinóides do pulmão e estômago3. A incidência de tumores retais permanece inalterada, mantendo-se na segunda posição entre as lesões do trato gastrintestinal, e na terceira entre todas as localizações2.

A presente publicação tem por finalidade relatar um caso de tumor carcinóide de reto, diagnosticado e tratado inicialmente como adenocarcinoma. O diagnóstico só foi definitivamente estabelecido pelo estudo histológico da peça cirúrgica.

RELATO DO CASO

Paciente masculino, 63 anos, branco, casado, médico, natural e procedente de João Pessoa, PB. Atendido referindo sangramento retal esporádico, de média intensidade e duração de dois dias, há aproximadamente 15 dias. Relato de constipação intestinal há dois anos, tendo realizado um enema opaco, considerado normal. Referia irmã falecida por neoplasia pancreática, além de outros casos de câncer na família, de diferentes topografias. Trouxe, na primeira consulta, resultado de exame anatomopatológico de biópsia de fragmento de mucosa retal obtido por retossigmoidoscopia, realizada em outro serviço, que revelava adenocarcinoma de média diferenciação, ulcerado. A colonoscopia demonstrou demais segmentos do cólon sem alterações. O estadiamento pré-operatório, realizado por meio de raios X do tórax, tomografia computadorizada do abdome e dosagem sérica do antígeno carcino-embriônico (CEA), além de exames hematológicos e bioquímicos rotineiros, indicava doença localizada. Com esse diagnóstico, foi submetido à retossigmoidectomia abdominal. Em virtude do biótipo do paciente e da localização da neoplasia (4cm da linha pectínea), o segmento do sigmóide foi ressecado em separado, por via abdominal. O reto foi evertido por via anal, para possibilitar a secção do mesmo há 2cm da margem anal, e confecção da sutura em bolsa para realização de anastomose coloanal mecânica com grampeador intraluminar (ILS 33). Evoluiu com fístula da anastomose, orientada no sentido cutâneo por dreno laminar colocado no espaço pré-sacro e identificada no 6º dia de pós-operartório (D.P.O.), porém sem repercussões clínicas. No 10º D.P.O. apresentou quadro de oclusão intestinal. Submetido à laparotomia para liberação de aderências, optou-se, na oportunidade, pela realização de transversostomia no ângulo hepático do cólon, no sentido de contornar o problema da fístula anastomótica, que fechou ao redor do 17º D.P.O. Após dois meses, procedeu-se ao fechamento da colostomia. O exame macroscópico da peça cirúrgica mostrou segmento de reto medindo 9,0cm de comprimento, superfície externa lisa e brilhante, e mucosa com lesão tumoral de 1,5 x 1,5cm, ulcerada. O estudo microscópico revelou crescimento neoplásico ulcerado, constituído por proliferação de células semelhantes, caracterizadas por núcleos redondos e ovais, hipercromáticos, com cromatina grosseiramente irregular. O citoplasma era róseo-pálido, às vezes, indistinto. As células dispunham-se sob a forma de trabéculas e cordões. O estroma circundante mostrava proliferação fibrosa e focos esparsos de infiltrado leucocitário. A neoplasia ultrapassava a muscularis mucosae, atingindo até a camada submucosa. Margens cirúrgicas livres. O diagnóstico histológico foi de tumor carcinóide de reto. O paciente encontra-se bem e sem sinais de recidiva após cinco anos e seis meses de seguimento pós-operatório.

DISCUSSÃO

O reto é a segunda localização mais freqüente dos tumores carcinóides do trato gastrintestinal, onde representam cerca de 1 a 2% das neoplasias retais3. São mais comuns na sexta década de vida, e apresentam-se geralmente como pequenas lesões nodulares e submucosas, assumindo, eventualmente, formas polipóides ou ulceradas.

Aproximadamente 50% dos casos são assintomáticos, sendo diagnosticados acidentalmente ou em exames proctológicos de rotina4. Quando sintomáticos, manifestam-se clinicamente por sangramento retal, dor e/ou constipação intestinal4. A presença de sinais e sintomas da síndrome carcinóide é rara.

Apesar das manifestações clínicas inespecíficas, o carcinóide do reto, dentre todos que acometem o trato gastrintestinal, é o único acessível a dois procedimentos extremamente simples de diagnóstico: o toque retal e a retossigmoidectomia. Ao toque, os carcinóides do reto apresentam consistência característica, e à endoscopia são descritos como lesões de coloração "amarelada", nodulares e submucosas, na maioria das séries publicadas4.

Do ponto de vista anatomopatológico, os tumores carcinóides são geralmente diagnosticados por suas características histopatológicas observadas à coloração convencional de H.E. Acham-se constituídos por massas sólidas e homogêneas de células pequenas, de citoplasma pálido ou granular e núcleo pequeno e redondo com nucléolo central. As mitoses são escassas. Os arranjos trabecular, insular ou misto são habituais. No entanto, alguns tipos de carcinóides mais raros e menos diferenciados, podem evidenciar o padrão de células caliciformes ou outros padrões, dificultando dessa forma, o diagnóstico diferencial com os adenocarcinomas, conforme neste caso. Os carcinóides puros, mesmo aqueles com aspecto glandulares exuberantes , revelam discretas atipias citológicas, que, quando presentes, são confinadas a pequenos focos. Aproximadamente 85% dos casos são compostos por células argentafins (Masson-Fontana+) e somente 15% são argirófilas (Grimelius +). Nos adenocarcinomas as atipias nucleares e o pleomorfismo nuclear são mais marcantes.

Nos casos de dúvida, torna-se necessária a realização de estudo imunohistoquímico. A coloração positiva para enolase-neurônio-específica, P-S100, sinaptofisina, cromogranina, dentre outros marcadores, permite um diagnóstico confiável dos tumores carcinóides e mesmo de outras neoplasias de células endócrinas, possibilitando inclusive uma avaliação funcional.

Por ocasião do diagnóstico, a presença de metástases de carcinóides retais é menos freqüente, quando comparados aos localizados nos demais segmentos do trato gastrintestinal. Muitas vezes esses tumores são diagnosticados em fase precoce, seja acidentalmente, em exame proctológico de rotina, ou logo que determinem sangramento retal, conforme ocorreu nesse caso.

Estão ainda associados a um prognóstico mais favorável, conforme demonstrado por Modlin e Sandor3, quando verificaram uma pequena percentagem (14,2%) de tumores avançados, em 625 casos de carcinóides retais. O estudo demonstrou ainda que a sobrevida de cinco anos foi de 81% para os pacientes com doença localizada, 47% para os casos com metástases locorregionais, e 18% para os pacientes com metástases a distância. A sobrevida global de cinco anos atingiu a taxa de 72,2%.

A ocorrência de metástases depende ainda de fatores como o tamanho do tumor e o grau de penetração na parede intestinal. Mani et al., numa avaliação de mais de 200 casos de carcinóides retais, concluíram que o tamanho do tumor e a invasão da camada muscular representam os critérios de maior valor preditivo, no sentido de definir a natureza maligna da lesão, e oferecer o tratamento mais adequado de acordo com o estádio da neoplasia, condicionando um aumento nos índices de sobrevida.

Reforçando este aspecto, Modlin e Sandor3 verificaram igualmente que mais de 60% dos carcinóides do reto diagnosticados por biópsia medem menos que 1,0cm, e estão associados à disseminação mestastática em menos de 2% dos casos. Por outro lado, para lesões medindo entre 1,0 e 1,9cm, e lesões maiores que 2cm, a ocorrência de metástases foi evidenciada em 10 a 15% e 60 a 80% dos casos, respectivamente.

Assim, para os tumores com até 1cm no seu maior diâmetro, o tratamento mais adequado é a ressecção local. Nos casos de lesões de 2cm ou mais, a terapêutica de escolha é a ressecção radical, variando a técnica a ser empregada de acordo com a localização do tumor no reto2. Segundo Modlin e Sandor3, os carcinóides do reto com 2cm ou mais de diâmetro, ou quando demonstradas evidências de invasão da camada muscular, devem ser tratados como adenocarcinomas.

No nosso caso, provavelmente a melhor opção seria a excisão local. Entretanto, o diagnóstico pré-operatório de adenocarcinoma impunha uma retossigmoidectomia, no mínimo, como terapêutica cirúrgica de escolha. A ressecção do sigmóide é mandatória nos adenocarcinomas retais, no sentido de assegurar a radicalidade oncológica. A tática cirúrgica empregada (eversão do reto) foi definida e utilizada em virtude da proposta pré-operatória de preservação esfincteriana. Obviamente, havia a possibilidade de amputação abdominoperineal do reto, na dependência do estadiamento cirúrgico, que revelou doença localizada. Desta forma, independentemente do tipo histológico da neoplasia, a tentativa de uma técnica de preservação esfincteriana estava absolutamente autorizada, e foi realizada, com sucesso, por meio de sutura mecânica.

Embora a maioria dos autores seja unânime em afirmar que a ressecção anterior baixa ou a amputação abdominoperineal do reto representem as melhores alternativas no tratamento dos carcinóides retais maiores que 2cm, o valor desses procedimentos tem sido questionado nos dias atuais. Alguns estudos, embora retrospectivos, não demonstraram aumento significativo na taxa de sobrevida de pacientes submetidos a ressecções radicais, em comparação aos casos tratados por excisão local (apud Kulke e Mayer)2.

Assim, parece lícito afirmar que um tratamento individualizado, considerando critérios como o tamanho do tumor, grau de penetração na parede intestinal, idade do paciente e presença de doenças associadas, seja mais adequado para definição da melhor terapêutica cirúrgica nos casos de tumores carcinóides do reto.

Recebido em 7/2/2000

Aceito para publicação em 30/8/2000

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Abdominal do Hospital do Câncer Napoleão Laureano – João Pessoa-PB.

  • 1. Oberndorfer S. Karzinoide Tumoren des Dünndarms. Frankf Z Pathol 1907; 1:425-9.
  • 2. Kulke MH, Mayer RJ. Carcinoid Tumors. N Engl J Med 1999; 340: 858 68.
  • 3. Modlin IM, Sandor A. An analysis of 8305 cases of carcinoide tumors. Cancer 1997: 79:813-29.
  • 4. Jetmore AB, Ray JE, Gathright JB et al. Rectal carcinoids: the most frequent carcinoid tumor. Dis Colon Rectum 1992; 35:717-25.
  • 5. Mani S, Modlin IM, Ballantyne GH et al. Carcinoids of the rectum. J Am Coll Surg 1994; 179:231-48.
  • Endereço para correspondência:

    Dr. Marcelo Fernandes Rangel
    Rua Clodoaldo Gouveia, 66
    58013-350 — João Pessoa-PB
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2001

    Histórico

    • Aceito
      30 Ago 2000
    • Recebido
      07 Fev 2000
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br