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Sobrecarga familiar e crianças com transtornos do espectro do autismo: perspectiva dos cuidadores

Resumos

OBJETIVO:

avaliar a sobrecarga de familiares cuidadores de crianças com transtornos do espectro do autismo, segundo a percepção dos próprios cuidadores.

MÉTODOS:

participaram 20 sujeitos, de ambos os gêneros, com idades entre 22 e 60 anos (Média= 32,6), sendo dez familiares de crianças com transtornos do espectro do autismo e para compor o grupo controle dez familiares de crianças com transtornos de linguagem. As crianças apresentavam entre três e dez anos de idade (Média= 5,8). O grupo controle foi selecionado a partir do pareamento de idade, escolaridade e gênero das crianças. Todas as crianças encontravam-se em atendimento fonoaudiológico. Para avaliar a sobrecarga dos cuidadores foi utilizada a Escala Burden Interview e foram coletados dados sociodemográficos dos participantes. A análise estatística dos dados foi realizada a partir do teste de Mann-Whitney e da análise da Correlação Spearman (p< 0,05).

RESULTADOS:

a média do índice de sobrecarga do familiar cuidador de ambos os grupos foi 28, portanto, não foi observada diferença estaticamente significante e indicou que os G1 e G2 estavam moderadamente sobrecarregados. As características dos participantes também não foram significantes no índice de sobrecarga.

CONCLUSÃO:

cuidar de crianças com transtornos do espectro do autismo pode sobrecarregar seus familiares de modo semelhante ao de familiares de crianças com outros transtornos do desenvolvimento.

Autismo; Criança; Família; Qualidade de vida; Fonoaudiologia


PURPOSE:

to evaluate the burden of family caregivers of children with autism spectrum disorders, as perceived by themselves.

METHODS:

20 subjects participated, of both genders, aged between 22 and 60 years (mean = 32.6), ten families of children with autism spectrum disorders and, to compose the control group, ten family members of children with disorders language. The children were between three and ten years of age (Mean = 5.8). The control group was selected from the pairing of age, education and gender of children. In order to evaluate the caregiver burden Scale was used Burden Interview and sociodemographic data were collected from participants. The statistical analysis was performed from the Mann-Whitney and Spearman correlation analysis (p <.05).

RESULTS:

mean overload index of family caregivers of both groups was 28, therefore, no difference was observed statistically significant and indicated that the G1 and G2 were moderately overloaded. Participant characteristics were not significant in overload index.

CONCLUSIONS:

caring for children with autism spectrum disorders can overwhelm their families similarly to the relatives of children with other disorders of development.

Autism; Child; Family; Quality of Life; Speech, Language and Hearing Sciences


Introdução

A sobrecarga de cuidadores de pessoas com patologias crônicas é descrita como uma perturbação resultante do lidar com a dependência física e a incapacidade mental do indivíduo alvo da atenção e dos cuidados11. Braithwaite V. Caregiving burden, making the concept scientifically useful and policy relevant. Research on Aging. 1992;14(1):3-27.. Ao assumir o papel de tutor, cuidador ou responsável pelo bem-estar e prestação de cuidados a um familiar dependente, o familiar fica sujeito a tensão e a agentes stressores, mas também a ganhos, tais como sentir satisfação e bem-estar pelo que pode proporcionar a seu familiar22. Lawton M, Kleban M, Moss M, Rovine M, Glicksman A. Measuring caregiving appraisal. J Gerontol: Psychological sciences. 1989;44(3):61-71..

Alguns autores consideram que mudanças na estrutura familiar, como a maior participação das mulheres no mercado de trabalho e o aumento das taxas de divórcio trazem maiores dificuldades em relação às exigências de cuidar de pessoas com doenças crônicas graves33. Tessler RC, Gamache GM. Family experiences with mental illness. 1ª ed. Westport: Auburn House; 2000.. Nesse contexto, a literatura destaca os transtornos do espectro do autismo (TEA) como desordens do desenvolvimento da infância que pode ocasionar intenso estresse em seus cuidadores, especialmente nas mães, podendo ter, como uma de suas consequências, o desenvolvimento de um quadro depressivo materno, o que pode afetar negativamente, tanto a mãe quanto a criança44. Sanini C, Brum EHM, Bosa CA. Depressão materna e implicações sobre o desenvolvimento infantil do autismo. Rev. Bras. Cresc. e Desenv. Hum. 2010;20(3):809-15..

Os TEA são descritos como condições com diferentes graus de gravidade e sintomatologia, caracterizados por desordens nas áreas de comunicação e interação social e pela presença de comportamentos e interesses restritos, estereotipados e repetitivos55. AMERICAN PSICHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico estatístico de transtornos mentais. (DSM-V) 5ªed. rev. Porto Alegre: Artmed; 2013.. Pesquisadores relataram que o comprometimento no desenvolvimento apresentado por crianças com transtornos do espectro do autismo pode ter diversas implicações para a dinâmica familiar66. Dardas LA, Ahmad MM. Coping Strategies as Mediators and Moderators between Stress and Quality of Life among Parents of Children with Autistic Disorder. Stress Health. 2013; Jul 19. doi: 10.1002/smi.2513. [Epub ahead of print].
https://doi.org/10.1002/smi.2513...

7. Gardiner E, Iarocci G. Unhappy (and happy) in their own way: a developmental psychopathology perspective on quality of life for families living with developmental disability with and without autism. Res Dev Disabil. 2012;33(6):2177-92.

8. Burgess S, Turkstra LS. Quality of Communication Life in Adolescentes with High Functioning Autism and Asperger Syndrome: A Feasibility Study. Lang Speech Hear Ser. 2010;41(4):474-87.
- 99. Shu BC. Quality of life of family caregivers of children with autism: The mother's perspective. Autism. 2009;13(1):81-91., desde a sobrecarga física e mental decorrente de atribuições da vida cotidiana88. Burgess S, Turkstra LS. Quality of Communication Life in Adolescentes with High Functioning Autism and Asperger Syndrome: A Feasibility Study. Lang Speech Hear Ser. 2010;41(4):474-87. , 99. Shu BC. Quality of life of family caregivers of children with autism: The mother's perspective. Autism. 2009;13(1):81-91., altos níveis de estresse e baixo índice de qualidade de vida para seus familiares1010. Zablotsky B, Anderson C, Law P. The association between child autism symptomatology, maternal quality of life, and risk for depression. J Autism Dev Disord. 2013;43(8):1946-55., até a possibilidade de desenvolver a capacidade de adaptação e resiliência77. Gardiner E, Iarocci G. Unhappy (and happy) in their own way: a developmental psychopathology perspective on quality of life for families living with developmental disability with and without autism. Res Dev Disabil. 2012;33(6):2177-92.. São relatadas mudanças nas atividades de vida diária e no funcionamento psíquico de seus membros, sobrecarga de tarefas e exigências especiais1111. Fávero MAB, Santos MA. Autismo Infantil e Estresse Familiar: Uma revisão sistemática da literatura. Psicologia: Reflexão e Crítica. 2005;18(3):358-69.. Estes aspectos podem interferir em aspectos da vida pessoal, familiar, laboral, e social e podem predispor o cuidador a conflitos1212. Martins T, Ribeiro JP, Garrett C. Estudo de validação do Questionário de avaliação da sobrecarga para cuidadores informais. Psicologia, Saúde & Doenças. 2003;4(1):131-48. , 1313. Ghanizadeh A, Alishahi MJ, Ashkani H. Helping families for caring children with autistic spectrum disorders. Arch Iran Med. 2009;12(5):478-82..

Para a assistência à saúde da criança é preciso maior interação com a família e com a história de vida da criança1414. Leão CDA, Caldeira AP, Oliveira MMC. Atributos da atenção primária na assistência à saúde da criança: avaliação dos cuidadores. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. 2011;11(3):323-34.. A avaliação da sobrecarga do cuidador por meio de sua própria percepção contribui para a análise a respeito do real impacto que essa condição determina em suas vidas e é um importante fator na promoção de saúde e bem-estar1515. Pereira JRT. Aplicação do questionário de qualidade de vida em pessoas com deficiência intelectual. Psicologia em Pesquisa. 2009;3(01):59-74., e merecendo por parte dos profissionais de saúde e educação uma atenção particular.

As tarefas atribuídas ao cuidador muitas vezes sem orientação adequada e o suporte das instituições que atendem ao familiar sob cuidados, têm impacto sobre sua qualidade de vida1616. Amendola F, Oliveira MAC, Alvarenga MRM. Qualidade de vida dos cuidadores de pacientes dependentes no programa de saúde da família. Texto Contexto Enferm. 2008;17 (2):266-72.. Assim, a compreensão das interações da família com a doença permite ao profissional perceber que os cuidadores familiares também precisam de cuidados, de orientações e de estratégias para alívio do estresse. Desse modo, poderão ter melhores condições de vida e, consequentemente, poderão propiciar um cuidado com mais qualidade ao familiar doente1717. Manoel MF, Teston EF, Waidman MAP, Decesaro MN, Marcon SS. As relações familiares e o nível de sobrecarga do cuidador familiar. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2013;17(2):346-53.. A atuação junto a tais aspectos é um desafio para os profissionais da saúde e da educação, que demanda atenção intersetorial1818. Barros MEB, Vieira LFD, Bergamin MP, Scarabelli RS. As articulações saúde e trabalho: relato de experiência em um hospital público, Vitória, Espírito Santo. Cad Saúde Colet. 2006;14:451-68. para promoção da saúde geral das famílias e da comunidade1414. Leão CDA, Caldeira AP, Oliveira MMC. Atributos da atenção primária na assistência à saúde da criança: avaliação dos cuidadores. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. 2011;11(3):323-34.. Nessa perspectiva, este estudo teve o objetivo de avaliar a sobrecarga de familiares cuidadores de crianças com transtornos do espectro do autismo, segundo a percepção dos próprios cuidadores.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa transversal, que foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista Campus de Marília, protocolo n° 2048/2009. Todos os participantes foram consultados sobre sua concordância em participar da pesquisa e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram avaliados 20 familiares, sendo dez familiares de crianças com transtornos do espectro do autismo (G1), com idades entre 22 e 65 anos (média= 32,6). Para compor o grupo controle participaram dez familiares de crianças com transtornos de linguagem (G2). Os critérios de inclusão para os familiares foram: ser alfabetizado; ter grau de parentesco; morar e ser responsável pela criança com transtornos do espectro do autismo ou com transtornos de linguagem, exercendo o papel de principal cuidador. A descrição das características dos participantes encontra-se na Tabela 1.

As crianças e pré-adoslescentes apresentavam entre três e dez anos de idade (média= 5,8) e deveriam estar em terapia fonoaudiológica duas vezes por semana há pelo menos três meses e no máximo dois anos em processo terapêutico na mesma clínica escola de uma cidade de médio porte do interior paulista. Os diagnósticos das crianças com transtornos do espectro do autismo foram estabelecidos por psiquiatra, segundo critérios específicos44. Sanini C, Brum EHM, Bosa CA. Depressão materna e implicações sobre o desenvolvimento infantil do autismo. Rev. Bras. Cresc. e Desenv. Hum. 2010;20(3):809-15. , 1919. Organização Mundial de Saúde. Classificação de transtornos mentais de comportamento da CID-10: critérios diagnósticos para pesquisa (10a ed.). Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.. As crianças com transtornos de linguagem passaram por avaliação fonoaudiológica na própria clínica-escola e seus familiares foram selecionados a partir do pareamento por idade, gênero e escolaridade das crianças.

Para levantar dados sobre os sujeitos desta pesquisa foi elaborado um questionário especificamente para esta pesquisa. Os dados referentes às crianças envolveram idade, gênero, escolaridade, diagnóstico médico e tempo de terapia fonoaudiológica. Em relação aos cuidadores verificou-se idade, gênero, grau de parentesco, número de filhos, estado conjugal, escolaridade, profissão e renda familiar calculada em salários mínimos.

Na avaliação da sobrecarga dos familiares cuidadores foi utilizada a Versão brasileira da Escala Burden Interview2020. Scazufca M. Brazilian version of the Burden interview scale for the assessment of burden of care in carers of people with mental illnesses. Rev Bras Psiquiatr. 2002; 24:12-7., que verifica a sobrecarga dos cuidadores de indivíduos com incapacidades mental e física. A escala inclui 22 perguntas que englobam as áreas de saúde, vida social e individual, situação financeira, estabilidade emocional e relações interpessoais.

Tabela 1:
Características dos familiares cuidadores e das crianças

Para a aplicação da escala de sobrecarga do cuidador, foram realizadas entrevistas em grupo com os cuidadores na própria clínica-escola, durante o horário de terapia fonoaudiológica das crianças. A examinadora primeiramente explicou a finalidade do questionário e os cuidadores que desejaram participar, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Após foram dadas as instruções com relação ao preenchimento das respostas do questionário de sobrecarga e de caracterização dos participantes. A instrução do questionário informa que há uma lista de afirmativas que refletia como as pessoas se sentiam quando cuidavam da outra pessoa. Depois de cada afirmativa, o participante deve indicar com que frequência se sentia daquela maneira: nunca, raramente, algumas vezes, frequentemente, ou sempre nas questões de 1 a 21 e: nem um pouco, um pouco, moderadamente, muito, ou extremamente na questão 22 e que não existem respostas certas ou erradas.

Figura 1:
Versão brasileira da Escala de Sobrecarga do Cuidador - (Burden Interview- BI) 2020. Scazufca M. Brazilian version of the Burden interview scale for the assessment of burden of care in carers of people with mental illnesses. Rev Bras Psiquiatr. 2002; 24:12-7.

Na análise dos dados primeiramente cada indivíduo recebeu um escore. Para isso, as respostas de cada sujeito foram pontuadas em uma escala que varia de 0 a 4, de acordo com a presença ou intensidade da resposta obtida. As questões referentes aos itens 1 ao 22 eram pontuadas como: 0- nunca; 1 - raramente; 2 - algumas vezes; 3 - frequentemente; 4 - sempre; e do item 22 como: 0- nem um pouco; 1-um pouco; 2- moderadamente; 3- muito e 4- extremamente, esta última questão avalia a intensidade de sobrecarga no cuidador. Todas as perguntas foram pontuadas e o escore final, que pode variar de 0 (menor sobrecarga) a 88 (maior sobrecarga), foi obtido a partir da soma total de todas as respostas, podendo variar de 0 a 88. Quanto maior o escore final, maior a sobrecarga do cuidador, sendo: < que 21 pontos - ausência de sobrecarga; de 21 a 40 pontos - sobrecarga moderada; 41 a 60 pontos - variação entre sobrecarga moderada a severa e > ou igual a 61 - sobrecarga severa.

Foi realizada também a análise estatística dos dados, por meio do Teste de Mann - Whitney, para verificar se existe diferença significante entre ambos os grupos pesquisados. Para verificar o grau de relacionamento entre as variáveis: escolaridade, salários mínimos, idade das crianças e tempo de terapia com o valor da sobrecarga utilizou-se o Teste Análise de Correlação de Spearman, Adotou-se o nível de significância de 5% (p < 0,05) para aplicação dos testes estatísticos.

Resultados

A Tabela 2 apresenta as médias e o desvio-padrão dos escores obtidos a partir da Escala Burden Interview de sobrecarga dos cuidadores. Além disso, a Tabela 1 mostra os resultados relativos à análise comparativa dos G1 e G2.

Tabela 2:
Escores individuais, médias, desvios-padrão e comparação dos escores de sobrecarga apresentados pelos dois grupos de familiares

Os G1 e G2 apresentaram escore 28, o que indica sobrecarga moderada. A comparação entre os indivíduos, segundo os grupos (G1 e G2) foi realizada por meio do teste de Mann-Whitney. Verificou-se que não houve diferença significante quando se comparou os índices de sobrecarga dos G1 com o G2 ( Tabela 2).

A Tabela 3 apresenta os resultados referentes ao grau de relacionamento entre a sobrecarga dos G1 e G2 e as variáveis escolaridade, salários mínimos, idade das crianças e tempo de terapia.

Tabela 3:
Resultado da análise entre as variáveis independentes e o escore dos G1 e G2 obtids na Escala Burden Interview

Como pode ser observado na Tabela 3, a análise das correlações entre a sobrecarga dos familiares e as variáveis escolaridade, salários mínimos, idade das crianças e tempo de terapia demonstrou resultados estatisticamente não significantes.

Discussão

Os resultados observados nesta pesquisa possibilitaram analisar aspectos relativos à sobrecarga de familiares de crianças com transtornos do espectro do autismo e de crianças com transtornos de linguagem, que recebiam atendimento fonoaudiológico em uma clínica-escola. Tais dados mostram como os familiares deste estudo relatam sentir-se quando cuidam da criança com transtornos do espectro do autismo e constituem importante elemento para o planejamento de intervenções dirigidas a crianças com transtornos do espectro do autismo e seus familiares.

Quanto aos participantes, observou-se que a maioria (85%) dos cuidadores responsáveis por respaldar as crianças eram do gênero feminino1212. Martins T, Ribeiro JP, Garrett C. Estudo de validação do Questionário de avaliação da sobrecarga para cuidadores informais. Psicologia, Saúde & Doenças. 2003;4(1):131-48. e 80% eram mães, sendo que apenas dois eram pais e um era avô, corroborando os dados de outros estudos2121. Saviani-Zeoti F, Petean EBL. A Qualidade de Vida de Pessoas com Deficiência Mental Leve. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 2008;24(3):305-11. , 2222. Schawartz C, Ravinovitz S. Life satisfaction of people with intellectual disability living in community residences: perceptions of the residents, theis parents and staff members. J Intellect Disabil Res. 2003;47(2):75-84.. Com relação à ocupação profissional das mães, 40% delas trabalhavam fora e as demais (40%) trabalhavam como professora, doméstica, copeira e operária. Em outro estudo, os autores observaram que mães de crianças autistas apresentaram dificuldade em prosseguir com sua carreira profissional, devido ao tempo excessivo da demanda de cuidados que a criança necessita2323. Ute T, Kuhlthau K, Perrin JM. Employment, child care, and mental health of mothers caring for children assisted by technologt. Pediatrics. 1999;103:1235-42..

Os aspectos investigados dizem respeito a implicações para a vida pessoal do familiar, satisfação com as demandas de cuidado e sobrecarga financeira relacionada à criança. A partir destes achados verificou-se que o índice médio de sobrecarga do cuidador, de ambos os grupos foi o mesmo com pontuação 28, portanto estavam moderadamente sobrecarregados. Tais achados corroboram descrições da literatura sobre comprometimentos na qualidade de vida de familiares de crianças com transtornos do espectro do autismo1010. Zablotsky B, Anderson C, Law P. The association between child autism symptomatology, maternal quality of life, and risk for depression. J Autism Dev Disord. 2013;43(8):1946-55. , 2424. Lee LC, Harrington RA, Louie BB, Newschaffer CJ. Children with autism: quality of life and parental concerns. J Autism Dev Disord. 2008;38(6):1147-60.. As consequências e limitações na vida pessoal do cuidador correspondem a um conjunto de situações, as quais podem provocar alterações e impacto na vida pessoal, como diminuição de tempo disponível, saúde afetada, e ainda, a necessidade de alterar um conjunto de hábitos para poder dar respostas às necessidades do familiar1212. Martins T, Ribeiro JP, Garrett C. Estudo de validação do Questionário de avaliação da sobrecarga para cuidadores informais. Psicologia, Saúde & Doenças. 2003;4(1):131-48..

Na comparação dos G1 e G2, os dados evidenciam que a sobrecarga de familiares que cuidam de crianças com transtornos do espectro do autismo é semelhante à sobrecarga de familiares de crianças com outros transtornos crônicos do desenvolvimento, como ocorre em alguns casos de alterações da linguagem. Além disso, nesta pesquisa as correlações entre a sobrecarga dos familiares e as variáveis escolaridade, salários mínimos, idade das crianças e tempo de terapia não foram estatisticamente significantes. Estes resultados são coerentes com as afirmações de outros autores que observaram que houve diferença significante na sobrecarga familiar em função do tipo de diagnóstico de pacientes crônicos com outros transtornos psiquiátricos e comportamentais2525. Hadrys T, Adamowski T, Kiejna A. Mental disorder in Polish families: is diagnosis a predictor of caregiver's burden? Soc Psychiatry Epidemiol. 2011;46:363-72.. Por outro lado, alguns autores descreveram diferenças significantes na sobrecarga de familiares de pessoas com diferentes diagnósticos crônicos e correlações entre as variáveis sociodemográficas dos familiares2626. Barroso S, Bandeira M, Nascimento E. Fatores preditores de sobrecarga subjetiva de familiares de pacientes psiquiátricos atendidos na rede pública de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Caderno Saúde Pública. 2009;25(9):1957-68.. Na presente pesquisa, atenta-se para a possível influência do tamanho da amostra ao observar a diferença não significante, no que se refere a variáveis sociodemográficas. Além disso, especificamente nos casos estudados o suporte oferecido pelo atendimento fonoaudiológico poderia ter amenizado tais diferenças, o que necessita ser investigado de forma mais aprofundada em outros trabalhos.

Neste estudo, o fato de ambos os grupos apresentarem um índice moderado de sobrecarga pode estar relacionado ao suporte social que auxilia nas estratégias de enfrentamento e pode influenciar positivamente na percepção da sobrecarga2727. Raina P, O'donnell M, Rosenbaum P, Brehaut J, Walter SD, Russel D et al. The health and well-being of caregivers of children with cerebral palsy. Pediatrics. 2005;115:626-36., visto que, os cuidadores aqui estudados participam semanalmente do grupo de orientação e escuta para pais da clínica-escola onde as crianças recebem atendimento.

Como colocaram outros autores2828. Camargos ACR, Lacerda TTB, Viana SO, Pinto LRA, Fonseca MLS. Avaliação da sobrecarga do cuidador de crianças com paralisia cerebral através da escala Burden Interview. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. 2009;9:31-7., também vale considerar a possibilidade de os resultados deste estudo terem sido influenciados pelo fato de os familiares entrevistados ficarem com algum receio, ou até mesmo com vergonha de responder honestamente sobre sua relação com a tarefa de cuidar da criança com transtornos do espectro do autismo e com transtornos de linguagem. Além disso, outras variáveis podem estar relacionadas à qualidade de vida dos participantes deste estudo, como a intensidade de problemas de comportamento apresentados pela criança88. Burgess S, Turkstra LS. Quality of Communication Life in Adolescentes with High Functioning Autism and Asperger Syndrome: A Feasibility Study. Lang Speech Hear Ser. 2010;41(4):474-87. , 2929. Davis K, Gavidia-Payne S. The impact of child, family, and professional support characteristics on the quality of life in families of young children with disabilities. J Intellect Dev Disabil. 2009;34(2):153-62., o suporte de outros familiares2929. Davis K, Gavidia-Payne S. The impact of child, family, and professional support characteristics on the quality of life in families of young children with disabilities. J Intellect Dev Disabil. 2009;34(2):153-62. e de profissionais oferecido à criança e sua família66. Dardas LA, Ahmad MM. Coping Strategies as Mediators and Moderators between Stress and Quality of Life among Parents of Children with Autistic Disorder. Stress Health. 2013; Jul 19. doi: 10.1002/smi.2513. [Epub ahead of print].
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7. Gardiner E, Iarocci G. Unhappy (and happy) in their own way: a developmental psychopathology perspective on quality of life for families living with developmental disability with and without autism. Res Dev Disabil. 2012;33(6):2177-92.
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Outro aspecto que cabe colocar é que o instrumento utilizado neste estudo demonstrou ser eficaz no sentido de levantar dados importantes acerca da sobrecarga de cuidadores de crianças com transtornos do espectro do autismo e com transtornos de linguagem. Contudo, deve-se ter em vista que a relevância de serem realizados outros estudos com um número maior de participantes com o propósito de confirmar ou não se há diferenças estatisticamente significantes entre as populações estudadas. Sugere-se ainda o desenvolvimento de estudos longitudinais e análises que comparem dados de familiares de crianças com transtornos do espectro do autismo e dados de familiares de crianças sem queixas de desenvolvimento.

Conclusão

Os resultados observados mostraram que não houve diferença quanto à média do índice de sobrecarga do familiar cuidador de crianças com TEA e de crianças com transtornos de linguagem. Além disso, os dados revelaram que ambos os grupos de familiares estavam moderadamente sobrecarregados. Assim, os achados do presente estudo sugerem que cuidar de crianças com transtornos do espectro do autismo pode sobrecarregar seus familiares de modo semelhante ao de familiares de crianças com outros transtornos do desenvolvimento.

Por fim, destaca-se que o conhecimento dos fatores que influenciam a sobrecarga de cuidadores é mais um dado a ser agregado no planejamento de atenção e intervenção e pode auxiliar na elaboração de estratégias de orientação e assistência aos pacientes e seus cuidadores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2013
  • Aceito
    30 Maio 2014
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