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Evasão no reteste da Triagem Auditiva Neonatal: relação com indicadores de risco para deficiência auditiva

RESUMO

Objetivo:

analisar o índice de evasão no reteste do programa de Triagem Auditiva Neonatal, verificar se a presença de Indicadores de Risco para Deficiência Auditiva o influencia e descrever quais Indicadores de Risco para Deficiência Auditiva ocorrem com maior frequência nestes casos.

Métodos:

participaram 1287 neonatos/lactentes, triados no período de junho de 2015 a junho de 2018, que obtiveram resultado “falha” na Triagem Auditiva Neonatal, encaminhados para o reteste e não compareceram. Foram observadas informações relacionadas a ocorrência dos Indicadores de Risco para Deficiência Auditiva.

Resultados:

o estudo constatou que o índice de evasão foi de 15,23%. A presença de indicadores de risco para deficiência auditiva não demonstrou associação com o não comparecimento a essa etapa do programa (p-valor= 0,087). Os indicadores de maior ocorrência nos casos de não comparecimento no reteste foram: medicação ototóxica e permanência em Unidade de Tratamento Intensivo por período maior que cinco dias.

Conclusão:

observou-se elevado índice de evasão no reteste. Verificou-se que a presença dos indicadores de risco não influenciou no índice de evasão do reteste. O uso de medicação ototóxica e a permanência em Unidade de Terapia Intensiva foram os indicadores mais frequentes naqueles que não compareceram ao reteste.

Descritores:
Triagem Neonatal; Recém-Nascido; Audição; Indicador de Risco

ABSTRACT

Purpose:

to analyze the evasion rate of the Newborn Hearing Screening program’s retest, to verify whether the presence of risk indicators for hearing loss influences it, and to describe which risk indicators for hearing loss occur more frequently in these cases.

Methods:

1,287 newborns/infants participated, who were screened between June 2015 and June 2018. All of them obtained "fail" as the Newborn Hearing Screening result, were referred to the retest and did not attend it. Information related to the occurrence of risk indicators for hearing loss was observed.

Results:

the study found that the evasion rate was of 15.23%. The presence of risk indicators for hearing loss did not show an association with non-attendance at this stage of the program (p-value = 0.087). The most frequent indicators in the cases of non-attendance at the retest were: ototoxic medication use and intensive care unit stay for more than five days.

Conclusion:

high evasion rate of the retest has been observed. It has been found that the presence of risk indicators did not influence the retest evasion rate. Use of ototoxic medication and stay at the intensive care unit were the most frequent indicators among those who did not attend the retest.

Keywords:
Newborn Screening; Newborn; Hearing; Risk Indicator

Introdução

Nos primeiros anos de vida, a audição é fundamental para o desenvolvimento típico da aquisição da linguagem oral. A privação auditiva nesse período, compromete não somente o desenvolvimento comunicativo como também, o desenvolvimento global infantil, acarretando prejuízos no âmbito social, cultural e intelectual do mesmo11. Yoshinaga-itano C, Sedey AL, Coulter DK, Mehl AL. Language of early-and later-identified children with hearing loss. Pediatrics. 1998;102(5):1161-71.,22. Pimperton H, Blythe H, Kreppner J, Mahon M, Peacock JL, Stevenson J et al. The impact of universal newborn hearing screening on long-term literacy outcomes: a prospective cohort study. Arch Dis Child. 2016;101(1):9-15..

A deficiência auditiva (DA) é o déficit sensorial que ocorre com maior frequência nos seres humanos33. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal. 2012. [acessado 2018 Dez 19]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_triagem_auditiva_neonatal.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 466 milhões de indivíduos sofrem com algum grau de DA, sendo que 34 milhões delas são crianças44. Geneva. World Health Organization. Global estimates on hearing loss. World Health Organization. 2018. [acessado 2018 Dez 19]. Available in: http://www.who.int/pbd/deafness/estimates/en/.
http://www.who.int/pbd/deafness/estimate...
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Apesar do avanço da tecnologia e das técnicas diagnósticas, a incidência de indivíduos que apresentam tal distúrbio está aumentando, e deverá crescer ainda mais nas próximas décadas, com a previsão de dobrar o número atual de deficientes auditivos até 205044. Geneva. World Health Organization. Global estimates on hearing loss. World Health Organization. 2018. [acessado 2018 Dez 19]. Available in: http://www.who.int/pbd/deafness/estimates/en/.
http://www.who.int/pbd/deafness/estimate...
. Entretanto, a OMS estima que 60% desses casos em crianças podem ser evitados por meio de medidas preventivas e estratégias de saúde pública55. Chadha S, Ciezaa A, Reyes K. Public health approach to hearing across the life course: a call-for papers. Bull World Health Organ. 2018;96(5):592..

A Triagem Auditiva Neonatal (TAN) é a estratégia padrão ouro, sendo a maneira mais eficaz de detectar neonatos e/lactentes suspeitos de DA na primeira infância66. Lewis DR. Evidências para a realização da Triagem Auditiva Neonatal Universal. In: Bevilacqua MC, Martinez MAN, Balen AS, Pupo AC, Reis ACM, Frota S (orgs). Tratado de Audiologia. São Paulo: Ed. Santos; 2011. p.495-513.. Este programa é pertencente à Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva, instituída por meio da Portaria GM/MS nº 2.073 de 2004. Sua realização é a primeira etapa de um programa de saúde auditiva e deve ser executada, preferencialmente, antes da alta hospitalar, com o intuito de possibilitar que o diagnóstico e a intervenção ocorram de forma precoce, uma vez que tais fatores sejam decisivos para o sucesso no desenvolvimento auditivo e linguístico de uma criança com DA77. Yoshinaga-Itano C. Levels of evidence: universal newborn hearing screening (UNHS) and early hearing detection and intervention systems (EHDI). J Commun Disord. 2004;37(5):451-65.. No Brasil, sua obrigatoriedade foi instituída em 2010, por meio da aprovação da Lei Federal 12.303/10.

Cabe ressaltar que a ocorrência da DA é até 10 vezes maior em neonatos de alto risco88. Farhat A, Ghasemi MM, Akhondian J, Mohammadzadeh A, Esmaeili H, Amiri R et al. Comparative study of hearing impairment among healthy and intensive care unit neonates in Mashhad, North East Iran. Iran J Otorhinolaryngol. 2015;27(4):273-7.. Na literatura99. Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health: COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8., são descritos 10 fatores caracterizados como Indicadores de Risco para Deficiência Auditiva (IRDA), sendo eles: preocupação dos pais quanto ao desenvolvimento dos filhos, da audição, fala ou linguagem, histórico de surdez na família, UTI por período maior que cinco dias ou uso de medicação ototóxica, ventilação mecânica, hiperbilirrubinemia com transfusão exosanguínea, baixo apgar nos primeiros minutos de vida (0 a 4 no primeiro minuto ou 0 a 6 no quinto minuto), peso ao nascer inferior a 1.500 gramas e prematuridade. Além desses, infecções congênitas, anomalias crânio-faciais, síndromes genéticas que tenham DA associada, distúrbios neurodegenerativos, infecções bacterianas ou virais pós-natais, traumatismo craniano e quimioterapia também são considerados IRDAs. Tais intercorrências são levadas em consideração para a escolha do protocolo de TAN mais adequada a cada caso.

Quanto ao resultado da TAN, esta é considerada positiva quando o neonato apresenta resultado insatisfatório, isto é, “falha” na triagem e apresenta suspeita de DA e, negativa, naqueles que demonstram resultado de “passa” no teste, obtendo alta audiológica. Nos casos de “falha” na TAN, torna-se necessário a realização do reteste, que deve ocorrer em até 30 dias após a alta hospitalar99. Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health: COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8.,1010. Joint Committee on Infant Hearing. American Academy of Pediatrics. Year 2007 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120(4):898-921..

Dentre os indicadores de qualidade de um programa de TAN, considera-se os índices de adesão e evasão ao reteste, o qual deve ser realizado em pelo menos 90% dos neonatos que obtiveram resultados inconsistentes na triagem1010. Joint Committee on Infant Hearing. American Academy of Pediatrics. Year 2007 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120(4):898-921.. No entanto, este índice está longe de ser atingido na realidade brasileira. Estudos nacionais demonstram a ocorrência de baixa taxa de comparecimento ao reteste, dados que comprometem a eficácia do programa, uma vez que o pouco comprometimento dos pais em relação a finalização do diagnóstico impacta negativamente na continuidade das etapas do programa1111. Cavalcanti HG, Melo LPF, Buarque LFSFP, Guerra RO. Overview of newborn hearing screening programs in Brazilian maternity hospitals. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80(4):346-53.

12. Alvarenga KF, Gradet JM, Araújo ES, Bevilacqua MC. Newborn hearing screening: reasons for the evasion of families in the process of early detection. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):241-7.
-1313. Berni PS, Almeida EO, Amado BC, Almeida Filho N. Universal neonatal screening: index of retest effectiveness among newborns of a public hospital in Campinas - Brazil. Rev. CEFAC. 2010;12(1):122-7..

Atualmente, considera-se a alta taxa de evasão no reteste um dos maiores desafios para que a detecção e a intervenção ocorram em tempo oportuno, possibilitando bom prognóstico ao desenvolvimento comunicativo e educacional do neonato e/ou lactente. Pesquisa conduzida internacionalmente constata que este índice é maior em países subdesenvolvidos, no qual ainda existe precário desenvolvimento de medidas efetivas de saúde pública1414. Pasha YZ, Zamani M, Fard AH, Pasha EZ. Screening of hearing in newborn infants: follow-up and outcome after 40930 births in Babol, Northern Iran. Arch Iran Med. 2018;21(9):382-6..

A partir desse contexto, o objetivo da pesquisa foi analisar o índice de evasão no reteste no programa de Triagem Auditiva Neonatal e se a presença de Indicadores de Risco para a Deficiência Auditiva o influencia, além de descrever quais IRDAs ocorrem com maior frequência nestes casos.

Métodos

O delineamento deste estudo foi transversal quantitativo descritivo realizado em uma maternidade pública de um hospital universitário, durante o período de junho de 2015 a junho de 2018. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria sob o número de aprovação 2.538.043. Todos os responsáveis dos neonatos concordaram em participar do estudo a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), respeitando assim a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Foram incluídos no estudo, os neonatos e lactentes (com até três meses de idade) que realizaram a TAN, obtiveram o resultado de “falha” no procedimento e não compareceram ao reteste.

No período do estudo foram triados 7626 neonatos/lactentes no Programa de Triagem Auditiva Neonatal da referida instituição, sendo a casuística composta por 1287 neonatos/lactentes, que falharam na TAN e foram encaminhados a etapa de reteste. Observou-se nos prontuários do grupo amostral as informações relacionadas à presença de IRDAs.

O programa de TAN do hospital em questão contempla neonatos ainda na maternidade antes da alta hospitalar, ou no ambulatório de Audiologia do serviço. Para melhores condições do exame, o neonato estava em sono natural, no colo da mãe ou no berço. Conforme orientações internacionais1010. Joint Committee on Infant Hearing. American Academy of Pediatrics. Year 2007 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120(4):898-921. e nacionais99. Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health: COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8., todos os neonatos que não apresentavam IRDAs foram triados com o procedimento de EOAT, enquanto aqueles que apresentavam algum indicador foram submetidos ao PEATE-A. Ambos procedimentos realizados utilizaram o equipamento Accuscreen da Otometrics, no qual apresenta um critério automático de respostas. A resposta da TAN foi considerada “passa” nos casos de EOAT e/ou PEATE-a presentes e “falha” nos casos de ausência de resposta. Desta forma, os neonatos que obtiveram “falha” na triagem receberam encaminhamento para reteste, no período máximo de 15 dias. O protocolo de retestagem utilizado neste programa consistiu na realização do PEATE-A, por meio do equipamento supracitado. Em tais casos, o responsável pelo neonato havia, previamente, assinado um Termo de Responsabilidade, elaborado pelo programa de TAN, no qual o compromete e o responsabiliza ao retorno para a realização do reteste. Esta estratégia de assinatura do termo foi uma alternativa encontrada pelo serviço em questão para diminuir o índice de evasão no reteste da TAN1515. Bertuol B, Melo A, Corrêa BM, Biaggio EPV. Taxa de evasão no reteste da triagem auditiva neonatal: a relevância do Termo de Responsabilidade. Saúde. 2016;42(2):129-35..

Os dados inseridos em uma planilha eletrônica foram: taxa de evasão na etapa de reteste, isto é, o não comparecimento no reteste após a falha na TAN; e a ocorrência de diferentes IRDA dos neonatos e/ou lactentes que não compareceram à tal etapa de diagnóstico audiológico prevista no programa de saúde auditiva. Estes dados foram submetidos à análise estática por meio do teste Qui-quadrado de Pearson, além da análise descritiva dos resultados.

Resultados

Da amostra total de 7627 neonatos triados no hospital em questão, no período avaliado, 16% (n=1287) necessitaram reavaliação e, portanto, foram encaminhados para o reteste. O índice de evasão no reteste da TAN atingido foi de 15,2% da amostra, isto é, 196 neonatos não aderiram a continuidade das etapas do programa, não comparecendo ao reteste.

Na Figura 1, é possível observar o fluxograma amostral de neonatos triados pelo programa de TAN entre os anos de 2015 e 2018.

Figura 1:
Fluxograma amostral dos neonatos triados pelo programa de Triagem Auditiva Neonatal: necessidade de reteste, evasão no reteste e ocorrência de indicadores de risco

A seguir, foi analisado se a presença de Indicadores de Risco para a Deficiência Auditiva influenciou o comparecimento para a realização do reteste, por meio do teste Qui-quadrado de Pearson, em neonatos/lactentes de um programa de TAN público (Tabela 1). A partir desta análise, constatou-se que não houve influência significativa da variável presença de IRDA quanto à adesão a etapa de reteste deste programa.

Figura 2:
Ocorrência dos Indicador de Risco para a Deficiência Auditiva no total de neonatos/lactentes que não compareceram ao reteste (n=29)

A Figura 2 apresenta os diferentes IRDAs encontrados nos neonatos/lactentes que não compareceram ao reteste da TAN. O indicador de maior ocorrência registrada foi o de medicação ototóxica, seguido pela permanência em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por período maior que cinco dias. Cabe ressaltar que os IRDA poderiam estar associados.

Tabela 1:
Comparecimento para a realização do reteste da Triagem Auditiva Neonatal: relação com a ocorrência dos indicadores de risco (n=1287 neonatos/lactentes)

Discussão

Dados coletados entre os anos de 2015 a 2018 possibilitaram estimar um índice de evasão aquém do estimado pelas diretrizes nacionais e internacionais99. Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health: COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8.,1010. Joint Committee on Infant Hearing. American Academy of Pediatrics. Year 2007 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120(4):898-921. para a etapa de reteste da TAN. Dessa forma, esse estudo observou uma expressiva taxa de abandono nessa etapa. Ressalta-se a relevância desse dado quando se considera os impactos da DA não diagnosticada no desenvolvimento do neonato/lactente. Além disso, evidenciou-se que não houve influência da presença dos IRDAs no índice de evasão do reteste e o uso de medicação ototóxica foi apontado como o indicador de maior ocorrência naqueles que não compareceram ao reteste.

Recomendações internacionais apontam que para garantir a efetividade do programa de TAN, é preciso que a reavaliação seja realizada em pelo menos 90% dos neonatos que falharam na triagem1010. Joint Committee on Infant Hearing. American Academy of Pediatrics. Year 2007 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120(4):898-921.. No presente estudo, o programa atingiu a taxa de 84,8% de cobertura desses neonatos, uma vez que a taxa de evasão na condição de retestagem foi de 15,2% (Figura 1). O índice de evasão no reteste desta pesquisa apresentou taxa similar a encontrada em outro estudo, que também obteve 15,2% como taxa de evasão na referida etapa1616. Lima PT, Goldbach GM, Monteiro CM, Ribeiro MG. A triagem auditiva neonatal na Rede Municipal do Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet. 2015;20(1):57-63..Entretanto, pesquisas adicionais demonstram elevados índices de evasão ao reteste, atingindo 24%1717. Faistauer M, Augusto TAM, Floriano M, Tabajara CC, Martini CM, Schmidt VB et al. Implementação do programa de triagem auditiva neonatal universal em hospital universitário de município da região Sul do Brasil: resultados preliminares. Rev AMRIGS. 2012;56(1):22-5. e, até 29%1818. Januário GC, Lemos SMA, de Lima Friche AA, Alves CR. Quality indicators in a newborn hearing screening service. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81(3):255-63.. Tais índices são preocupantes, uma vez que demonstram quebra na continuidade do programa e no acompanhamento audiológico dos neonatos com IRDA.

Esses dados refletem a dificuldade presenciada pelos serviços nacionais quanto ao cumprimento de tais medidas de efetividade. Desigualdades sociais podem representar fatores que dificultam a realização dos testes de triagem neonatal conforme as recomendações previstas, um estudo observou que a realização de tais testes é maior para os neonatos de etnia branca, cujo os responsáveis possuem plano de saúde de instituições privadas e que possuem maior renda econômica, além disso, melhores resultados são esperados para as regiões sul e sudeste quando comparados às regiões norte e nordeste1919. Mallmann MB, Tomasi YT, Boing AF. Neonatal screening teste in Brazil: prevalence rates and regional and socioeconomic inequalities. J Pediatr. 2019;S0021-7557(18):30816-7.. Cabe ressaltar, que todos os locais citados previamente são maternidades públicas brasileiras de diferentes estados da região sul e sudeste.

Apesar do índice de adesão dos familiares quanto a continuidade das etapas do programa de TAN ser essencial para que se consigam resultados satisfatórios no decorrer do desenvolvimento infantil2020. Alvarenga KF, Belavilacqua MC, Melo TM, Lopes AC, Moret ALM. Families participation in Hearing Health Programs: a descriptive study. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(1):49-53., a realização da TAN ainda demonstra baixa cobertura de triagem quando comparado aos demais testes de triagem neonatal. Um estudo realizado no sul do Brasil evidenciou que 96,5% da população analisada havia sido submetido ao teste do pezinho, enquanto apenas 65,8% afirmaram a realização da TAN1919. Mallmann MB, Tomasi YT, Boing AF. Neonatal screening teste in Brazil: prevalence rates and regional and socioeconomic inequalities. J Pediatr. 2019;S0021-7557(18):30816-7..

Ainda que a universalidade da TAN esteja prevista há anos99. Lewis DR, Marone SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health: COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8.,1010. Joint Committee on Infant Hearing. American Academy of Pediatrics. Year 2007 position statement: principles and guidelines for early hearing detection and intervention programs. Pediatrics. 2007;120(4):898-921., é notório a dificuldade que os serviços nacionais apresentam para garantir a eficácia deste indicador de qualidade1111. Cavalcanti HG, Melo LPF, Buarque LFSFP, Guerra RO. Overview of newborn hearing screening programs in Brazilian maternity hospitals. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80(4):346-53..

Vários estudos objetivaram identificar as possíveis causas que justificam o não comparecimento à etapas consecutivas do programa, dentre elas, as mais frequentes foram: esquecimento, não sabiam que possuíam atendimento marcado2121. Kanji A, Krabbenhof K. Audiological follow-up in a risk-based newborn hearing screening programme: An exploratory study of the influencing factors. S Afr J Commun Disord. 2018;65(1):587-93., falta de transporte público, agendamento em horário de trabalho2222. Luz I, Ribas A, Kozlowski L, Willig M, Berberian AP. Newborn hearing screening in a public maternity ward in Curitiba, Brazil: determining factors for not retesting. Int Arch Otorhinolaryngol. 2016;20(4):300-4., desinteresse, dificuldade em conciliar o agendamento com a rotina familiar1212. Alvarenga KF, Gradet JM, Araújo ES, Bevilacqua MC. Newborn hearing screening: reasons for the evasion of families in the process of early detection. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):241-7., baixa frequência às consultas pré-natais; possuir mais de um filho e a ausência de companheiro2323. Fernandes JC, Nozawa MR. Effectiveness study of the universal newborn hearing screening. Cien Saude Colet. 2010;15(2):353-61..

Neste contexto, o presente estudo buscou analisar a influência dos IRDAs no índice de evasão do reteste do programa de TAN. Não houve associação entre o índice de evasão no reteste e a presença de IRDA (Tabela 1). Esses resultados indicam que possuir quaisquer indicadores de risco na história clínica do neonato não provocam maior preocupação familiar quanto a possível DA e suas repercussões ao desenvolvimento infantil. Além disso, esses resultados sugerem que mesmo com a assinatura do termo de responsabilidade, os responsáveis pelos neonatos não comparecem para a avaliação.

Este estudo foi pioneiro no que se refere a análise da variável IRDAs e sua influência na taxa de evasão ao reteste, pois, tradicionalmente, a literatura aborda os IRDAs em sua relação com o resultado da triagem. Entretanto, para garantir a qualidade e eficácia do programa de TAN, faz-se necessário a análise dessa variável, visando obter informações acerca de como tais variáveis podem afetar as demais etapas do programa.

Infere-se que tal resultado obtido ocorra pela falta de conhecimento da família do neonato/lactente acerca dos programas de TAN e o impacto que os IRDAs podem exercer na saúde auditiva do indivíduo futuramente2222. Luz I, Ribas A, Kozlowski L, Willig M, Berberian AP. Newborn hearing screening in a public maternity ward in Curitiba, Brazil: determining factors for not retesting. Int Arch Otorhinolaryngol. 2016;20(4):300-4..

Estudos brasileiros demonstram altas taxas de desconhecimento familiar quanto a importância da TAN2222. Luz I, Ribas A, Kozlowski L, Willig M, Berberian AP. Newborn hearing screening in a public maternity ward in Curitiba, Brazil: determining factors for not retesting. Int Arch Otorhinolaryngol. 2016;20(4):300-4.,2424. Freitas TVD, Lewis DR, de Nóbrega GB. Processo de triagem auditiva neonatal e o impacto dos resultados. Distúrb. Comun. 2014;26(4):725-33.,2525. Sabbag JC, Lacerda ABM. Neonatal Hearing Screening in primary health care and family health care. CoDAS. 2017;29(4):e20160102.. Em um deles, 81,2% dos pais e/ou responsáveis relataram não possuir conhecimento prévio sobre o programa e nenhum dos nomes e termos utilizados na área2424. Freitas TVD, Lewis DR, de Nóbrega GB. Processo de triagem auditiva neonatal e o impacto dos resultados. Distúrb. Comun. 2014;26(4):725-33.. Ademais, outro estudo demonstra taxa similar, reportando que apenas 30% das gestantes receberam informações relacionadas a TAN durante o pré-natal, sendo tais informações provindas predominantemente de médicos, seguido pelo fonoaudiólogo2525. Sabbag JC, Lacerda ABM. Neonatal Hearing Screening in primary health care and family health care. CoDAS. 2017;29(4):e20160102..

Desta forma, destaca-se a importância da equipe multidisciplinar, em especial o papel do médico, constituindo uma importante estratégia que facilite a disseminação de informações que dizem respeito a importância do programa e do diagnóstico precoce da DA, uma vez que tem-se conhecimento da influência da informação proveniente de médicos pediatras2323. Fernandes JC, Nozawa MR. Effectiveness study of the universal newborn hearing screening. Cien Saude Colet. 2010;15(2):353-61.. A indicação médica da TAN pode ser destacada como um fator contribuinte ao comparecimento ao reteste. No entanto, é abordado pela literatura a falta de conhecimento adequado por parte de tais profissionais sobre diagnóstico precoce da DA2626. Campos AC, Shirane HY, Takemoto PV, Lourenço EA. Universal newborn hearing screening: knowledge of pediatricians and neonatologists in the city of Jundiaí, São Paulo, Brazil. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80(5):379-85., demonstrando a necessidade de maior diálogo entre a equipe médica e fonoaudiológica. Além disso, ressalta-se a importância e a necessidade de que o fonoaudiólogo integre, conjuntamente aos demais profissionais, a equipe responsável pela realização do pré-natal nas instituições nacionais de saúde, uma vez que ele seja o profissional apto a conscientizar e orientar a população sobre os aspectos da DA33. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal. 2012. [acessado 2018 Dez 19]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_triagem_auditiva_neonatal.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
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A falta de um discurso integrado entre as equipes nas maternidades é característica de um sistema de saúde fragmentado. Por este motivo, cabe ao fonoaudiólogo e à equipe multidisciplinar realizarem o trabalho de orientação das gestantes, desde o pré-natal, quanto a possíveis alterações vivenciadas no período neonatal, em especial sobre os IRDAs2727. Todd NW. Universal newborn hearing screening follow-up in two Georgia populations: newborn, mother and system correlates. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2006;70(5):807-15..

Quanto a ocorrência dos IRDAs nos casos de evasão do reteste, o indicador registrado com maior frequência foi a utilização de medicação ototóxica, seguido pela permanência em UTI <5 dias e ventilação mecânica (Figura 2). Pesquisas adicionais sugerem que tais indicadores apresentam maior ocorrência devido ao fato de que intercorrências perinatais são comumente observadas nas maternidades2828. Wroblewska-Seniuk K, Greczka G, Dabrowski P, Szyfter-Harris J, Mazela J. Hearing impairment in premature newborns - Analysis based on the national hearing screening database in Poland. PLoS One. 2017:14;12(9):e0184359.,2929. Oliveira CS, Daiane B, Santiago DB, Valente JSP, Borja ALVF, Bernardi APA. Prevalence of risk indices for hearing loss in 'failure' results of newborn hearing screening. Rev. CEFAC. 2015;17(3):827-35.. Entretanto, um aspecto importante a ser considerado é que os indicadores podem variar de acordo com as características de cada serviço. Por exemplo, serviços que são de referência para gestantes de alto risco possivelmente possuem UTI, logo, a permanência por mais de cinco dias em conjunto com medicação ototóxica será um indicador ocorrente. Esse é o caso da maternidade em questão.

Devido à falta de conhecimento de gestantes, lactantes e familiares quanto à importância da TAN, os programas de saúde auditiva infantil devem criar medidas de saúde coletiva que visam contribuir com a capacitação dos profissionais atuantes na atenção básica. Acrescenta-se a necessidade de ampliar a integração dos programas de TAN com as funções de saúde pública. Uma medida interessante seria a elaboração de novos protocolos de orientações, que possam ser implementados no nível primário de atenção à saúde, dentro do período pré-natal, com o objetivo de sensibilizar e conscientizar a população sobre esta questão, em especial com a divulgação dos IRDAs.

Conclusão

O índice de evasão no reteste verificado no presente estudo encontra-se aquém do estimado pelas diretrizes nacionais e internacionais (JCOIH e COMUSA), atingindo a taxa de 15,2%. Verificou-se que a presença de IRDA não influenciou o índice de evasão no reteste. Além disso, o uso de medicação ototóxica seguido pela permanência em UTI por período maior que cinco dias foram os IRDAs mais frequentes no grupo amostral dos neonatos/lactentes que não compareceram a etapa do reteste.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2019
  • Aceito
    01 Ago 2019
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