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Associação entre severidade da disfunção temporomandibular, cervicalgia e limitação funcional da mandíbula

RESUMO

Objetivo:

investigar possível associação entre severidade da disfunção temporomandibular, cervicalgia e limitação funcional mandibular.

Métodos:

estudo seccional descritivo, em 32 indivíduos com disfunção temporomandibular, categorizados de acordo com o grau de severidade segundo o Índice de Fonseca. Utilizando-se o Critérios Diagnósticos de Pesquisa em Disfunção Temporomandibular, estabeleceram-se prováveis fatores etiológicos da disfunção e a intensidade de incapacidade funcional cervical e mandibular, avaliados pelo Índice de Incapacidade Relacionada à Dor no Pescoço e Questionário de Limitação Funcional Mandibular respectivamente. Os dados obtidos foram tratados estatisticamente, adotando-se nível de significância de 5%.

Resultados:

a média de idade foi de 33,8 anos, sendo 90,6% pertencentes ao gênero feminino. Quanto à severidade da disfunção, 56,3% possuíam o tipo severo, sendo moderada em 28,1%. Em 93,7%, verificou-se etiologia miogênica. A cervicalgia esteve presente em 90,6% dos pacientes, dos quais 59,4% apresentaram incapacidade leve e 25% moderada. Quanto à função mandibular, houve baixa limitação em 46,9%, moderada em 40,6%, tendo sido severa em 12,5%. Houve associação estatisticamente significante entre a cervicalgia e a função mandibular (p=0,011). Contudo, embora tenha havido aumento na incapacidade cervical e na limitação mandibular com o aumento da severidade da disfunção temporomandibular, estas associações não foram estatisticamente significantes (p=0,178 e p=0,102, respectivamente).

Conclusão:

é possível afirmar que há maior prevalência de disfunção temporomandibular de intensidade severa e de origem miogênica, e que a cervicalgia influencia diretamente a função mandibular, não estando necessariamente relacionada à severidade da disfunção temporomandibular. Da mesma forma, esta última também não apresenta relação direta com a limitação da função mandibular.

Descritores:
Articulação Temporomandibular; Síndrome da Disfunção da Articulação Temporomandibular; Cervicalgia

ABSTRACT

Purpose:

to investigate the possible association between the severity of the temporomandibular disorder, cervical pain, and mandibular function impairment.

Methods:

is a cross-sectional, descriptive study, conducted with 32 individuals with temporomandibular disorder, categorized by degree of severity, according to the Fonseca Index. Using the diagnosis criteria for temporomandibular disorder, the likely etiological factors for the disorder were established, as well as the intensity of the functional disability, resulting from cervical pain and of the mandibular impairment. The data obtained were statistically treated, adopting the significance level of 5%.

Results:

the mean age was 33.8 years, 90.6% being females. As for the degree of disorder, 56.3% presented severe TMD, followed by 28.1% showing a moderate one. The myogenic etiology was present in 93.7% of the patients. Cervical pain was present in 90.6% of them, of which, 59.4% presented a mild disability, and 25%, a moderate one. Considering the mandibular function, 46.9% of the patients presented a low, 40.6%, a moderate, and 12.5%, a severe impairment. There was a statistically significant association between cervical pain and mandibular function (p = 0.011). However, although there was an increase in cervical disability and in mandibular impairment as the severity of the TMD also increased, these associations were not statistically significant (p = 0.178 and p = 0.102, respectively).

Conclusion:

it can be stated that there is a higher prevalence of severe TMD and of myogenic origin, and that cervical pain influences, directly, the mandibular function, which is not necessarily related to the severity of the temporomandibular alteration. Likewise, such severity does not present a relationship to mandibular function impairment either.

Keywords:
Temporomandibular Joint; Temporomandibular Joint Disorder Syndrome; Cervical Pain

Introdução

A articulação temporomandibular (ATM) é uma das mais solicitadas do corpo humano, participando da fonação, mastigação e deglutição11. Bricot B. Posturologia clínica. 1 ed. São Paulo: Ícone; 2011.. Por funcionar de forma harmônica em um sistema pareado, com sincronia e funcionalidade, não deve ser vista somente como componente dessas funções, mas também como estrutura relacionada aos sistemas respiratório e postural. Tal relação se refere à proximidade anatômica com a coluna cervical e a cintura escapular, por meio de um sistema neuromioarticular comum11. Bricot B. Posturologia clínica. 1 ed. São Paulo: Ícone; 2011.

2. Moraes AR, Sanches ML, Ribeiro EC, Guimarães AS. Therapeutic exercises for the control of temporomandibular disorders. Dent Press J Orthod. 2013;18(5):134-9.
-33. Liao Giovanetti CO. Estudo da pressão plantar em indivíduos com e sem dor temporomandibular antes e depois de uma intervenção fisioterapêutica manual na coluna cervical [dissertação]. Guaratinguetá (SP): Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista; 2009., em que as posições estão inter-relacionadas, caracterizando uma unidade funcional33. Liao Giovanetti CO. Estudo da pressão plantar em indivíduos com e sem dor temporomandibular antes e depois de uma intervenção fisioterapêutica manual na coluna cervical [dissertação]. Guaratinguetá (SP): Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista; 2009.. Alterações na posição ou função de seus componentes podem levar a interferências não apenas no sistema estomatognático, mas também sobre o sistema postural, possibilitando a ocorrência de um processo de desvantagem biomecânica44. Amantéa DV, Novaes AP, Campolongo GD, Barros TP. A importância da avaliação postural no paciente com disfunção da articulação temporomandibular. Acta Ortop Bras. 2004;12(3):155-9.

5. Ries LG, Bérzin F. Analysis of the postural stability in individuals with or without signs and symptoms of temporomandibular disorder. Braz Oral Res. 2008;22(4):378-83.
-66. Corrêa EG, Capeletti AM, Dega MR, Papa LP. Disfunção têmporo-mandibular e avaliação postural: uma abordagem interdisciplinar. Rev Eletrônica Saúde: Pesquisa e Reflexões. 2011;1(1): 1-7.

A disfunção temporomandibular (DTM) é um grupo de condições que caracterizam alterações estruturais e/ou funcionais do sistema mastigatório, envolvendo componentes articulares e musculares66. Corrêa EG, Capeletti AM, Dega MR, Papa LP. Disfunção têmporo-mandibular e avaliação postural: uma abordagem interdisciplinar. Rev Eletrônica Saúde: Pesquisa e Reflexões. 2011;1(1): 1-7. Como é marcada por diversos sinais e sintomas, a exemplo do aumento da sensibilidade dolorosa nos músculos cervicais e mastigatórios, ruídos articulares e irregularidades na função mandibular, incluindo, até mesmo, bloqueio dos movimentos, torna-se, portanto, uma disfunção do complexo muscular mastigatório-cervical77. Ries LGK, Graciosa MD, Medeiros DL, Pacheco SCS, Fassicolo CE, Graefling BCF et al. Influence of craniomandibular and cervical pain on the activity of masticatory muscles in individuals with Temporomandibular Disorder. CoDAS. 2014;26(5):389-94.. Possui etiologia de caráter multifatorial, pois há fatores sistêmicos, psicológicos (psicocomportamentais) e estruturais (alterações dentofaciais, lassidão ligamentar) que podem promover disfunções posturais da cabeça e do pescoço88. Matta MAP, Honorato DC. Uma abordagem fisioterapêutica nas desordens temporomandibulares: estudo retrospectivo. Rev Fisioter Univ São Paulo. 2003;10(2):77-83.. A hiperatividade dos músculos temporal e masseter, o bruxismo e o estresse podem aumentar o apertamento mandibular, sobrecarregando as articulações e servindo como fatores de risco99. Nicolakis P, Erdogmus B, Kopf A, Djaber-Ansari A, Piehslinger E, Fialka-Moser V. Exercise therapy for craniomandibular disorders. Arch Phys Med Rehabil. 2000;81(9):1137-42..

As alterações posturais também podem contribuir para o desenvolvimento ou perpetuação das DTM’s. Estudos relatam que desvios como anteriorização da cabeça, retificação da coluna cervical e assimetria de ombros influenciam em seu surgimento. O controle neuromuscular da região cervical e da mastigação participa ativamente no posicionamento da coluna cervical e dos movimentos mandibulares, podendo gerar alterações funcionais quando um deles está acometido1010. Bevilaqua-Grossi D, Chaves TC, Oliveira AS. Cervical spine signs and symptoms: perpetuating rather than predisposing factors for temporomandibular disorders in women. J Appl Oral Sci. 2007;15(4):259-64..

De acordo com a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor, a cervicalgia afeta 30% a 50% da população, sendo uma das queixas álgicas predominantes na prática médica1111. Silva MC, Fonseca MS, Cardoso RK, Spieker CV. Problemas musculoesqueléticos em docentes e servidores de um Curso de Educação Física do Rio Grande do Sul/Brasil. R Bras Ci Saúde. 2014;18(2):115-20.. Quando presente, gera postura antálgica que pode influenciar diretamente na biomecânica temporomandibular, visto que a articulação, quando afetada, busca por um posicionamento mais confortável na fuga da dor. Desse modo, o posicionamento da coluna cervical influencia diretamente na face, agindo na relação entre a maxila e a mandíbula1010. Bevilaqua-Grossi D, Chaves TC, Oliveira AS. Cervical spine signs and symptoms: perpetuating rather than predisposing factors for temporomandibular disorders in women. J Appl Oral Sci. 2007;15(4):259-64.,1212. Tosato JP, Gonzalez TO, Sampaio LMM, Corrêa JCF, Biasotto-Gonzalez DA. Prevalência de sinais e sintomas de disfunção temporomandibular em mulheres com cervicalgia e lombalgia. Arq Med ABC. 2008;32(Supl. 2):S20-2.. O espasmo muscular cervical possui diversas causas, mas pode ser também uma condição dolorosa gerada pela DTM, tornando a palpação do trapézio superior e do esternocleidoocciptomastoideo mais incômoda. Talvez, por este motivo, o limiar de dor à pressão dos músculos cervicais, observados por meio da algometria, é mais baixo nos indivíduos com DTM do que em indivíduos sem disfunção, corroborando a ideia de que há associação entre eles1313. Pozzebon D, Piccin CF, Silva AMT, Correa ECR. Temporomandibular dysfunction and craniocervical pain in professionals of the nursing area under work stress. Rev. CEFAC. 2016;18(2):439-48..

Sabendo-se que há este padrão compensatório devido à dor e que posturas antálgicas são adotadas para minimizar sua percepção, o objetivo do estudo foi, além de verificar a prevalência do quadro álgico na região cervical em pacientes com DTM, também observar a associação entre cervicalgia, a severidade da disfunção e a possível limitação funcional da mandíbula. A hipótese investigada foi a existência de associação entre a severidade da DTM e a cervicalgia, entre a severidade da DTM e a função mandibular e da cervicalgia com a função mandibular. A observação de associação entre esses eventos pode tornar a abordagem terapêutica mais direcionada, incluindo o manejo da região cervical como mais uma possibilidade para o controle do quadro doloroso em indivíduos sintomáticos para DTM, o que pode influenciar significantemente nos resultados do tratamento.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia sob parecer no 1.007.712. Em atendimento à resolução no 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS), todos os pacientes foram devidamente informados dos objetivos desta pesquisa e concordaram em participar da mesma, tendo assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Trata-se de um estudo seccional descritivo com amostra não probabilística, conduzido inicialmente com 123 indivíduos sintomáticos para DTM, triados na Clínica de Dor do Ambulatório Magalhães Neto do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, na Clínica Escola da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Os participantes foram encaminhados por profissionais de saúde ou demanda espontânea após divulgação do estudo por cartaz.

A ferramenta STROBE foi utilizada para auxiliar na realização da pesquisa e na divulgação dos resultados. O recrutamento da amostra e a coleta de dados aconteceram durante o período de fevereiro a agosto de 2016. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idades entre 18 e 60 anos. Indivíduos portadores de doenças reumatológicas, espondiloses, tumores ou metástases, tuberculose óssea, com alterações neuropsicomotoras ou cognitivas que comprometessem o preenchimento dos questionários, que haviam sofrido trauma craniofacial e/ou cervical prévio, que haviam realizado tratamentos cirúrgico-ortopédicos craniomandibulares e/ou cervicais, ou aqueles que estavam realizando tratamento simultâneo para a região cervical (medicamentoso, fisioterapêutico, massoterapêutico, fonoaudiológico ou outros) foram excluídos da pesquisa.

Todos os pacientes foram orientados para a realização de avaliação clinicoanamnésica e sociodemográfica. Para este estudo foram aplicadas as seguintes ferramentas: 1) Índice Anamnésico de Fonseca1414. Fonseca DM, Bonfante G, Valle AL, Freitas SFT. Diagnóstico pela anamnese da disfunção craniomandibular. Rev Gaucha Odontol. 1994;42(1):23-8.; 2) Critérios Diagnósticos de Pesquisa em Disfunção Temporomandibular1515. Dworkin SF, LeResche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomandib Disord. 1992;6(4):301-55.,1616. Lucena LBS, Kosminsky M, Costa LJ, Góes PSA. Validation of the Portuguese version of the RDC/TMD Axis II questionnaire. Braz Oral Res. 2006;20(4):312-7.; 3) Índice de Incapacidade Relacionada à Dor no Pescoço1717. Pereira M, Cruz EB, Domingues L, Duarte S, Carnide F, Fernandes R. Responsiveness and interpretability of the Portuguese version of the Neck Disability Index in patients with chronic neck pain undergoing physiotherapy. Spine. 2015;40(22):E1180-6.; e 4) Questionário de Limitação Funcional Mandibular1818. Stegenga B, de Bont LG, de Leeuw R, Boering G. Assessment of mandibular function impairment associated with temporomandibular joint osteoarthrosis and internal derangement. J Orofac Pain. 1993;7(2):183-95.. Os instrumentos aplicados, sob forma de entrevista, bem como os exames físicos, foram realizados pelos dois pesquisadores principais, fisioterapeutas, previamente treinados e calibrados. A duração média de realização das avaliações foi de 40 minutos.

O Índice Anamnésico de Fonseca (IAF), por apresentar adequada confiabilidade e validade, foi utilizado para classificar e caracterizar a severidade dos sintomas da DTM1414. Fonseca DM, Bonfante G, Valle AL, Freitas SFT. Diagnóstico pela anamnese da disfunção craniomandibular. Rev Gaucha Odontol. 1994;42(1):23-8.,1919. Chaves TC, Oliveira AS, Grossi DB. Principais instrumentos para avaliação da disfunção temporomandibular, parte I: índices e questionários; uma contribuição para a prática clínica e de pesquisa. Fisioter. Pesqui. 2008;15(1):92-100.. É composto por dez questões e, para cada questão, são possíveis três respostas (não, às vezes e sim), para as quais são pré-estabelecidas três pontuações (0, 5 e 10, respectivamente). Com a somatória dos pontos atribuídos, obtêm-se um índice que permite a classificação dos pacientes em quatro diferentes categorias: sem DTM, DTM leve, DTM moderada e DTM severa.

A ferramenta Critérios Diagnósticos de Pesquisa em Disfunção Temporomandibular (RDC/TMD), criada por Dworkin e LeResche (1992)1515. Dworkin SF, LeResche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomandib Disord. 1992;6(4):301-55., e validada em português por Lucena et al. (2006)1616. Lucena LBS, Kosminsky M, Costa LJ, Góes PSA. Validation of the Portuguese version of the RDC/TMD Axis II questionnaire. Braz Oral Res. 2006;20(4):312-7., é largamente utilizada para o diagnóstico e classificação dos tipos mais comuns de DTM. Possui um sistema de eixo duplo, que permite a análise dos aspectos clínicos, colocados no Eixo 1, e dos fatores psicológicos e psicossociais, colocados no Eixo 2, possibilitando a categorização, de acordo com a etiologia, em muscular, discal e articular. Para medições mais precisas da amplitude do movimento mandibular, foi utilizado um paquímetro digital de precisão, de aço inoxidável (ZAAS Precision 150mm, Amatools, Piracicaba, SP, Brasil).

O Índice de Incapacidade Relacionada à Dor no Pescoço (NDI), idealizado por Vernon e Mior (1991)2020. Vernon H, Mior S. The Neck Disability Index: a study of reliability and validity. J Manipulative Physiol Ther. 1991;14(7):409-15., foi adaptado para o português por Cook et al. (2006)2121. Cook C, Richardson JK, Braga L, Menezes A, Soler X, Kume P et al. Cross-cultural adaptation and validation of the Brazilian Portuguese version of the Neck Disability Index and Neck Pain and Disability Scale. Spine. 2006;31(14):1621-7., e validado por Pereira et al. (2015)1717. Pereira M, Cruz EB, Domingues L, Duarte S, Carnide F, Fernandes R. Responsiveness and interpretability of the Portuguese version of the Neck Disability Index in patients with chronic neck pain undergoing physiotherapy. Spine. 2015;40(22):E1180-6.. É utilizado para avaliar o grau de incapacidade funcional da região cervical associada a situações agudas ou crônicas de dor. É composto por dez sessões com seis respostas cada, totalizando o máximo de 50 pontos. O valor obtido é expresso em percentual, permitindo a classificação em cinco categorias: sem incapacidade ou com incapacidade leve, moderada, severa ou completa.

O Questionário de Limitação Funcional Mandibular (MFIQ), criado por Stegenga et al. (1993)1818. Stegenga B, de Bont LG, de Leeuw R, Boering G. Assessment of mandibular function impairment associated with temporomandibular joint osteoarthrosis and internal derangement. J Orofac Pain. 1993;7(2):183-95., possui um sistema de pontuação que o caracteriza como índice, permitindo a classificação da severidade da limitação funcional relacionada à DTM1818. Stegenga B, de Bont LG, de Leeuw R, Boering G. Assessment of mandibular function impairment associated with temporomandibular joint osteoarthrosis and internal derangement. J Orofac Pain. 1993;7(2):183-95.. Apresenta 17 questões para as quais são possíveis cinco respostas. A pontuação total é obtida somando-se os valores das respostas em cada questão. O coeficiente obtido é confrontado a condições do conjunto de respostas para se obter a graduação do acometimento, podendo ser baixa, moderada ou severa.

O banco de dados foi criado no Excel 2007 e analisado no software R 3.3.1. Foi analisada a frequência absoluta e relativa para as medidas em escala qualitativa e, para verificar a associação entre variáveis nominais, foi utilizado o teste Exato de Fisher. O nível de significância estabelecido foi de 5%.

Resultados

Após a triagem, dos 123 pacientes que realizaram inscrição no serviço de Fisioterapia do Ambulatório da instituição de origem, 91 foram excluídos com base nos critérios definidos previamente. Não houve êxito no contato com 24 pacientes por meio dos números telefônicos fornecidos pelos próprios; 14 se encontravam no pós-operatório recente de cirurgia ortognática; 13 tinham iniciado abordagem fisioterapêutica para DTM que incluía técnicas para cervical; 11 apresentavam diagnóstico de disfunção cervical (espondiloartrose e hérnia cervical); nove abandonaram a pesquisa ainda na primeira fase; três tinham diagnóstico de fibromialgia; três estavam realizando exames pré-operatórios para cirurgia ortognática; três estavam em tratamento para DTM em outras instituições; três apresentavam outro diagnóstico (alteração da fonação); dois apresentavam alterações cognitivas; dois tiveram diagnóstico de fratura em mandíbula); um apresentava artrite reumatoide em quadro agudo; um se encontrava em tratamento odontológico; um era portador de paralisia facial; e, por fim, um paciente apresentava síndrome de Eagle. Assim, após a aplicação dos critérios de exclusão, a amostra selecionada para a realização da pesquisa totalizou 32 pacientes. Houve predominância do gênero feminino, sendo 29 mulheres (90,6%) e apenas três homens (9,4%), com média de idade de 33,8 anos (DP=11,39).

As características clínicas apresentadas pelos pacientes, após avaliação por meio do IAF, RDC/TMD, NDI e MFIQ, estão explicitas na Tabela 1. Em relação ao RDC/TMD, vale ressaltar que cada indivíduo apresentou pelo menos um fator etiológico. Porém, quando foi verificada a possibilidade de mais de um fator, observou-se que 22 pacientes apresentaram duas ou três etiologias possíveis (Tabela 1).

Tabela 1:
Características clínicas da população de estudo, avaliadas por meio das ferramentas de diagnóstico utilizadas

Nas Tabelas 2, 3 e 4, verifica-se o resultado da associação entre as variáveis qualitativas utilizadas para a categorização da DTM. Na Tabela 2, na qual pode ser vista a associação entre a severidade da DTM (IAF) e a cervicalgia (NDI), observa-se que, embora não tenha sido estatisticamente significante (P=0,178), houve aumento da incapacidade cervical à medida que a severidade se tornou maior. Na associação entre a severidade da DTM (IAF) com a função mandibular (MFIQ) (Tabela 3), verificou-se uma proporção de crescimento direta entre ambas, embora também sem significância estatística (P=0,102). Porém, quando se associou a cervicalgia (NDI) com a limitação funcional da mandíbula (MFIQ) (Tabela 4), observou-se uma relação diretamente proporcional, estatisticamente significante (P=0,011), entre ambas.

Tabela 2:
Associação entre a severidade da Disfunção Temporomandibular (Índice Anamnésico de Fonseca) e a cervicalgia (Neck Disability Index)
Tabela 3:
Associação entre a severidade da Disfunção Temporomandibular (Índice Anamnésico de Fonseca) e a limitação funcional da mandíbula (Questionário de Limitação Funcional Mandibular)
Tabela 4:
Associação entre a cervicalgia (Neck Desability Index) e a limitação funcional da mandíbula (Questionário de Limitação Funcional Mandibular)

Discussão

Neste estudo, teve-se como objetivo verificar a possível associação entre as variáveis qualitativas utilizadas para a categorização da DTM, o quadro álgico na região cervical e os movimentos funcionais mandibulares. Os dados obtidos nos mostram que, em pacientes portadores de DTM, o comprometimento da função cervical, que tem como principal elemento a dor, esteve presente em 90,6% dos pacientes examinados, enquanto a limitação funcional da mandíbula, com restrição dos movimentos mandibulares, foi observada em sua totalidade. Esse resultado, bastante significativo, reforça a ideia da relação bastante estreita entre as três condições. Contudo, entre as hipóteses delineadas para este estudo, houve associação estatisticamente significante apenas entre a cervicalgia e a função da mandíbula, demonstrando que quanto maior a incapacidade cervical maior foi a limitação mandibular.

Houve expressivo predomínio de mulheres, com prevalência de 90,6%. Na literatura1313. Pozzebon D, Piccin CF, Silva AMT, Correa ECR. Temporomandibular dysfunction and craniocervical pain in professionals of the nursing area under work stress. Rev. CEFAC. 2016;18(2):439-48.,2222. Steenks MH, Wijer ADE. Disfunções da articulação temporomandilar. 1 ed. São Paulo: Santos, 1996., também tem sido relatada maior prevalência do sexo feminino, numa proporção que varia de 3:1 a 9:1. Donnarumma et al. (2010)2323. Donnarumma MDC, Muzilli CA, Ferreira C, Nemr K. Disfunções temporomandibulares: sinais, sintomas e abordagem multidisciplinar. Rev. CEFAC. 2010;12(5):788-94. relataram predominância feminina em 85,6% da amostra, Corrêa et al. (2011)66. Corrêa EG, Capeletti AM, Dega MR, Papa LP. Disfunção têmporo-mandibular e avaliação postural: uma abordagem interdisciplinar. Rev Eletrônica Saúde: Pesquisa e Reflexões. 2011;1(1): 1-7 encontraram 90%, Portinho et al. (2012)2424. Portinho CP, Collares MVM, Faller GJ, Fraga MM, Pinto RA. Perfil dos pacientes com disfunção temporomandibular. Arq Catarin Med. 2012;41(Supl. 1):95-9. 85,2% e Ferreira et al. (2016)2525. Ferreira CLP, Silva MAMR, Felício CM. Signs and symptoms of temporomandibular disorders in women and men. CoDAS. 2016;28(1):17-21. 82,3%. Ciacanglini et al. (1999)2626. Ciancaglini R, Testa M, Radaelli G. Association of neck pain with symptoms of temporomandibular dysfunction in the general adult population. Scand J Rehabil Med. 1999;31(1):17-22. explicam que essa diferença ocorre, em parte, pelo fato de as mulheres serem mais preocupadas com a saúde e buscarem serviços especializados mais precocemente e em maior número que os homens. Além disso, há a questão hormonal, já que as mulheres apresentam uma lassidão ligamentar maior e possui articulações mais flexíveis e menos densas que os homens2525. Ferreira CLP, Silva MAMR, Felício CM. Signs and symptoms of temporomandibular disorders in women and men. CoDAS. 2016;28(1):17-21.. A média de idade de 33,8 anos, deste estudo, foi semelhante à relatada por outros autores. Donnarumma et al. (2010)2323. Donnarumma MDC, Muzilli CA, Ferreira C, Nemr K. Disfunções temporomandibulares: sinais, sintomas e abordagem multidisciplinar. Rev. CEFAC. 2010;12(5):788-94. encontraram média de 35 anos, Portinho et al. (2012)2424. Portinho CP, Collares MVM, Faller GJ, Fraga MM, Pinto RA. Perfil dos pacientes com disfunção temporomandibular. Arq Catarin Med. 2012;41(Supl. 1):95-9. de 38,9 anos, Ferreira et al. (2016)2525. Ferreira CLP, Silva MAMR, Felício CM. Signs and symptoms of temporomandibular disorders in women and men. CoDAS. 2016;28(1):17-21. de 33,04 anos e, finalmente, Torres et al. (2012)2727. Torres F, Campos LG, Fillipini HF, Weigert KL, Vecchia GFD. Efeitos dos tratamentos fisioterapêutico e odontológico em pacientes com disfunção temporomandibular. Fisioter Mov. 2012;25(1):117-25. de 34,3 anos, com descrições na literatura que mostram maior prevalência de DTM entre as idades de 20 e 40 anos.

Dentre os pacientes sintomáticos para DTM selecionados para a realização desta pesquisa, a maior prevalência verificada foi de DTM severa, presente em 56,3%, seguida por moderada em 28,1%. De forma semelhante, Torres et al. (2012)2727. Torres F, Campos LG, Fillipini HF, Weigert KL, Vecchia GFD. Efeitos dos tratamentos fisioterapêutico e odontológico em pacientes com disfunção temporomandibular. Fisioter Mov. 2012;25(1):117-25. verificaram que 60% dos pacientes eram portadores de DTM severa e 40% moderada. Por outro lado, a análise descritiva de Biasotto-Gonzalez et al. (2008)2828. Biasotto-Gonzalez DA, Andrade DV, Gonzalez TO, Martins MD, Fernandes KPS, Corrêa JCF et al. Correlação entre disfunção temporomandibular, postura e qualidade de vida. Rev Bras Crescimento Desenvol Hum. 2008;18(1):79-86. demonstrou que 68,36% dos componentes da amostra apresentaram disfunção leve, 23,47% moderada e apenas 8,16% severa. Maior prevalência de DTM leve também foi descrita por Corrêa et al. (2011)66. Corrêa EG, Capeletti AM, Dega MR, Papa LP. Disfunção têmporo-mandibular e avaliação postural: uma abordagem interdisciplinar. Rev Eletrônica Saúde: Pesquisa e Reflexões. 2011;1(1): 1-7, em 49,5% dos pacientes, por Nunes et al. (2015)2929. Nunes AM, Martinez EM, Lopes PRR, Bittencourt MAV, Canedo PMM. Associação entre flexibilidade da cadeia muscular posterior e severidade de disfunção temporomandibular. Rev Ciênc Méd Biol. 2015;14(3):394-9., em 49,12%, e por Menezes et al. (2008)3030. Menezes MS, Bussadori SK, Fernandes KPS, Biasotto-Gonzalez DA. Correlação entre cefaléia e disfunção temporomandibular. Fisioter. Pesqui. 2008;15(2):183-7., em 46,1%. Vale ressaltar que os estudos supracitados, que apresentaram maior prevalência do grau leve, foram realizados com amostra composta por alunos universitários e não por indivíduos sintomáticos e/ou diagnosticados com DTM que tenham buscado atendimento em serviços especializados. Além disto, todos os estudos citaram o questionário de Fonseca (IAF) como um instrumento de fácil aplicação na categorização da severidade das DTM’s.

A utilização do RDC/TMD, embora mais complexa, é também muito importante para a identificação dos prováveis fatores etiológicos da DTM. O preenchimento do questionário é demorado e requer muita atenção, além do emprego de um algoritmo para a categorização dos mesmos. Neste trabalho, a presença de mais de uma etiologia foi verificada na maior parte dos pacientes, sendo que 56,3% apresentavam duas e 12,5% três. Em análise semelhante, Pozzebon et al. (2016)1313. Pozzebon D, Piccin CF, Silva AMT, Correa ECR. Temporomandibular dysfunction and craniocervical pain in professionals of the nursing area under work stress. Rev. CEFAC. 2016;18(2):439-48. encontraram valores muito parecidos, estando a etiologia mista presente em 53,85% dos pacientes. Milanesi et al. (2013)3131. Milanesi JM, Weber P, Pasinato F, Corrêa ECR. Severidade da desordem temporomandibular e sua relação com medidas cefalométricas craniocervicais. Fisioter Mov. 2013;26(1):79-86. encontraram valor um pouco inferior, mas ainda relevante, de 46,9% apresentando duas etiologias. Quanto à estrutura, o comprometimento muscular esteve presente em 93,7% dos pacientes desta pesquisa, enquanto alterações articulares e discais estiveram presentes em 65,6% e 18,7%, respectivamente. Milanesi et al. (2013)3131. Milanesi JM, Weber P, Pasinato F, Corrêa ECR. Severidade da desordem temporomandibular e sua relação com medidas cefalométricas craniocervicais. Fisioter Mov. 2013;26(1):79-86. publicaram prevalência semelhante, com 87,5% da amostra apresentando DTM miogênica. Por outro lado, Pozzebon et al. (2016)1313. Pozzebon D, Piccin CF, Silva AMT, Correa ECR. Temporomandibular dysfunction and craniocervical pain in professionals of the nursing area under work stress. Rev. CEFAC. 2016;18(2):439-48. relataram valor inferior de pacientes com a DTM miogênica, estando presente em apenas 46,15% da amostra.

Como dito anteriormente, a função cervical se mostrou comprometida na grande maioria dos pacientes portadores de DTM, demonstrando a proximidade existente entre estas duas condições. Essa relação também é citada por outros autores, os quais afirmaram que a maioria dos pacientes com DTM apresentam dor em outras partes do corpo, sendo a região cervical a de maior acometimento, achado de grande relevância na prática clínica77. Ries LGK, Graciosa MD, Medeiros DL, Pacheco SCS, Fassicolo CE, Graefling BCF et al. Influence of craniomandibular and cervical pain on the activity of masticatory muscles in individuals with Temporomandibular Disorder. CoDAS. 2014;26(5):389-94.,3232. Correia LMF, Guimarães AS, Teixeira ML, Rodrigues LL. Evaluation of body painful areas in patients with muscular temporomandibular disorder: a retrospective study. Rev Dor. 2015;16(4):249-53.,3333. Tosato JP, Caria PHF. Electromyographic activity assessment of individuals with and without temporomandibular disorder symptoms. J Appl Oral Sci. 2007;15(2):152-5.. Assim, analisando-se os resultados desta provável associação, na presente pesquisa, observou-se que, embora sem significância estatística (p=0,178), ocorre agravamento da incapacidade cervical à medida que há aumento na severidade da DTM, ou seja, pacientes com DTM severa ou moderada tendem a apresentar maior comprometimento cervical que pacientes com DTM leve (Tabela 2). De forma semelhante, Bevilaqua-Grossi et al. (2007)1010. Bevilaqua-Grossi D, Chaves TC, Oliveira AS. Cervical spine signs and symptoms: perpetuating rather than predisposing factors for temporomandibular disorders in women. J Appl Oral Sci. 2007;15(4):259-64. descreveram que, ao avaliarem sinais e sintomas de cervicalgia em mulheres com DTM, encontraram associação diretamente proporcional entre ambas. Uma possível justificativa para estes achados é o fato de que indivíduos com DTM, em geral, apresentam alteração no padrão mastigatório pelo acometimento do músculo temporal anterior e estímulos nociceptivos da região craniomandibular influenciam no aumento da assimetria de ativação dessa musculatura, gerando desequilíbrio e consequente disfunção77. Ries LGK, Graciosa MD, Medeiros DL, Pacheco SCS, Fassicolo CE, Graefling BCF et al. Influence of craniomandibular and cervical pain on the activity of masticatory muscles in individuals with Temporomandibular Disorder. CoDAS. 2014;26(5):389-94.. Além disto, indivíduos com dor orofacial na musculatura mastigatória tendem a apresentar maior deficiência muscular no pescoço3434. Da Costa DR, De Lima Ferreira AP, Pereira TA, Porporati AL, Conti PC, Costa YM et al. Neck disability is associated with masticatory myofascial pain and regional muscle sensitivity. Arch Oral Biol. 2015;60(5):745-52.. Todos estes autores, contudo, ressaltam que a influência do grau de severidade e o período de duração da dor craniomandibular e cervical, tanto na DTM quanto na atividade dos músculos mastigatórios, precisam de maiores investigações.

Em relação à função mandibular, sabe-se que indivíduos com DTM apresentam alteração no padrão mastigatório, uma vez que estímulos nociceptivos da região craniomandibular podem influenciar no aumento da assimetria de ativação da musculatura mastigatória, desencadeando a disfunção mandibular77. Ries LGK, Graciosa MD, Medeiros DL, Pacheco SCS, Fassicolo CE, Graefling BCF et al. Influence of craniomandibular and cervical pain on the activity of masticatory muscles in individuals with Temporomandibular Disorder. CoDAS. 2014;26(5):389-94.. Nesta pesquisa, na busca pela associação entre severidade da DTM e função mandibular (Tabela 3), verificou-se uma proporção de crescimento direta entre ambas. Pacientes sem DTM ou com DTM leve apresentaram pouca limitação mandibular. Entre os indivíduos com DTM moderada, 55,6% apresentaram baixa limitação e 44,4% cursaram com limitação moderada. Já no grupo de pacientes com DTM severa, 27,8% apresentaram pouca limitação, 50% limitação moderada e 22,2% limitação severa da função mandibular. Essa interpretação sugere uma piora da função mandibular à medida que a severidade da DTM aumenta. Porém, após análise estatística, não foi significativa esta associação (p=0,102). Avaliando o tipo de restrição da função mandibular, Portinho et al. (2012)2424. Portinho CP, Collares MVM, Faller GJ, Fraga MM, Pinto RA. Perfil dos pacientes com disfunção temporomandibular. Arq Catarin Med. 2012;41(Supl. 1):95-9. relataram que 38,9% dos pacientes avaliados apresentaram desvios mandibulares na abertura ou fechamento, 22,2% possuíam instabilidade articular, 14,8% cursaram com travamentos e 11,1% apresentaram sub-luxação.

Ao abordarem a reabilitação da função mandibular por meio de técnicas de terapia manual em pacientes com DTM, Silva et al. (2011)3535. Silva GR, Martins PR, Gomes KA, Mambro TR, Abreu NS. O efeito de técnicas de terapias manuais nas disfunções craniomandibular. Rev Bras Cien Med Saúde. 2011;1(1):17-22. citaram a utilização da fisioterapia com manobras de reposicionamento articular cervical e concluíram que essa abordagem foi eficaz não somente para aumentar a amplitude de movimento da mandíbula, mas também para a redução do quadro de cervicalgia. Oliveira et al. (2010)3636. Oliveira KB, Pinheiro ICO, Freitas DG, Gualberto HD, Carvalho NAA. A abordagem fisioterapêutica na disfunção da articulação temporomandibular: revisão de literatura. Med Reabil. 2010;29(3):61-4. se posicionam em consonância ao afirmarem a íntima relação da coluna cervical com a ATM e ao relatarem cinesioterapia, terapia manual e estabilização cervical como abordagens fisioterapêuticas importantes. Neste estudo, a limitação funcional da mandíbula esteve presente na totalidade dos pacientes avaliados. Quando se buscou sua associação com a cervicalgia (Tabela 4), foi observada relação diretamente proporcional e estatisticamente significante entre ambas (p=0,011), havendo maior comprometimento da função mandibular à medida que a incapacidade cervical apresentada pelo paciente se mostrou com maior gravidade. Observou-se que indivíduos sem incapacidade cervical apresentaram pouca limitação funcional mandibular, enquanto os que possuíam incapacidade cervical completa demonstraram muita limitação. Em consonância com esse resultado, Rosa et al. (2011)3737. Rosa GMMV, Serafim AD, Bitencourt H, Varella PO, Maia PM, Gaban GA et al. Análise dos sinais e sintomas de desordem crânio-cervical em uma paciente portadora de disfunção têmporo-mandibular: um estudo de caso. Rev Inspirar Mov Saúde. 2011;3(5):16-20. descreveram que a restrição de movimento, causada por dores orofaciais de origem muscular, pode evidenciar também o provável envolvimento das estruturas articulares cervicais, comprometendo a função mandibular. Viana et al. (2015)3838. Viana MO, Lima EICBMF, Menezes JNR, Olegario NBC. Avaliação de sinais e sintomas da disfunção temporomandibular e sua relação com a postura cervical. Rev Odontol UNESP. 2015;44(3):125-30. verificaram que o aumento da lordose cervical parece provocar maior dificuldade em abrir a boca, reforçando a estreita relação entre cervicalgia e disfunção mandibular.

É importante salientar que a relação entre a região cervical e a ATM parece decorrer da interação anatômica e neurofisiológica existente entre ambas, e alterações isoladas em cada função (respiração, fonação, mastigação e deglutição) interferem na fisiologia de todo sistema estomatognático3737. Rosa GMMV, Serafim AD, Bitencourt H, Varella PO, Maia PM, Gaban GA et al. Análise dos sinais e sintomas de desordem crânio-cervical em uma paciente portadora de disfunção têmporo-mandibular: um estudo de caso. Rev Inspirar Mov Saúde. 2011;3(5):16-20.. Além disto, dores na região orofacial podem comprometer o funcionamento da região cervical3939. Armijo Olivo S, Magee DJ, Parfitt M, Major P, Thie NM. The association between the cervical spine, the stomatognathic system, and craniofacial pain: a critical review. J Orofac Pain. 2006;20(4):271-87.. Para Weber et al. (2012)4040. Weber P, Corrêa ECR, Ferreira FS, Soares JC, Bouzan GP, Silva AMT. Frequência de sinais e sintomas de disfunção cervical em indivíduos com disfunção temporomandibular. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(2):134-9., o diagnóstico de DTM evidenciou maior frequência de cervicalgia e menor amplitude de movimento mandibular, provavelmente mais em consequência da inervação comum do complexo trigeminocervical e da hiperalgesia dos indivíduos com DTM do que da alteração postural craniocervical. Por outro lado, Tosato e Caria (2007)3333. Tosato JP, Caria PHF. Electromyographic activity assessment of individuals with and without temporomandibular disorder symptoms. J Appl Oral Sci. 2007;15(2):152-5. afirmaram que qualquer alteração postural na região cervical pode levar a uma modificação na biomecânica da ATM, uma vez que a mandíbula é um osso móvel, ou seja, a cervicalgia pode levar a uma postura antálgica da cabeça, alterando o movimento mandibular. Assim, diante desta relação entre cervicalgia e DTM, sugere-se que os dados sobre a região cervical sejam considerados por todos os profissionais que tratam a ATM, fazendo uma abordagem além da região orofacial.

O presente estudo apresentou como limitação o tamanho da amostra, uma vez que o Serviço de Fisioterapia no qual foi realizada a coleta de dados não configura um centro especializado em abordar pacientes que apresentam DTM ou dor orofacial. Mesmo com divulgação extensa, a presença de indivíduos que preenchiam os critérios de inclusão foi reduzida. Houve grande número de exclusões, sobretudo em função da rigorosidade dos critérios na tentativa de eliminar ao máximo os aspectos confundidores. O número reduzido de indivíduos em algumas categorias das variáveis estudadas pode ter mascarado a relevância estatística de associações propostas neste estudo.

Por outro lado, em função da proximidade anatômica e da estreita relação existente entre a musculatura que envolve as regiões cervical, mandibular e da ATM, este estudo buscou estabelecer interdependência entre as alterações funcionais apresentadas por estas estruturas, contribuindo para crescimento científico nesta área. Embora maior relação tenha sido verificada entre os processos álgicos na região cervical e as alterações na função mandibular, a severidade da DTM também pareceu estar intimamente relacionada. Assim, a real melhora na qualidade de vida de pacientes com DTM deve ser obtida com a realização de uma abordagem terapêutica que também inclua exercícios de alongamentos e fortalecimentos da musculatura cervical, além de manobras articulares na ATM e na coluna cervical.

Conclusão

No presente estudo, de acordo com a metodologia empregada, verificou-se que a cervicalgia esteve presente em 90,6% dos pacientes portadores de DTM examinados. Contudo, ao ser avaliada a associação entre estas duas condições, observou-se que, embora tenha sido crescente a intensidade da cervicalgia à medida que o grau de severidade da DTM aumentou, não houve associação estatisticamente significante. O mesmo ocorreu ao ser avaliada a associação entre a severidade da DTM e a função mandibular. Por outro lado, observou-se associação estatisticamente significante entre cervicalgia e função mandibular, tendo havido maior limitação funcional da mandíbula em pacientes que apresentavam maior incapacidade cervical.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2019
  • Aceito
    14 Fev 2020
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