RESUMO
A termografia é um método auxiliar diagnóstico muito utilizado para avaliação de tecidos moles e consequente diagnóstico de dores neuropáticas ou de origem inflamatória. O objetivo deste trabalho foi descrever a utilização da termografia como método auxiliar no diagnóstico das dores neuropáticas, por meio de um relato de caso. Trata-se de uma mulher, de 43 anos de idade, com queixas de dor e sensibilidade nas arcadas dentárias superior e inferior esquerda, principalmente durante a ingestão de bebidas alcoólicas. Para avalição do caso foram aplicadas as avaliações termográficas, seguida da realização do Cold Stress Test. A simetria das imagens termográficas, assim como alterações localizadas, permitiu descartar problemas neuropáticos e diagnosticar dor orofacial de origem inflamatória. A termografia foi utilizada como instrumento auxiliar diagnóstico nas dores orofaciais e mostrou-se ser eficiente para essa finalidade. Além disso, por meio da termografia foi possível descartar alterações neuropáticas de origem periférica, como as neuropatias de fibras finas e neuropatias inflamatórias, contribuindo para o diagnóstico diferencial da paciente. Com o auxílio da termografia, foi possível identificar os pontos termoanatômicos e investigar as possíveis causas das dores orofaciais relatadas pela paciente, de uma forma não invasiva por meio de análises qualitativas e quantitativas.
Descritores:
Termografia; Neuralgia Facial; Dor Orofacial; Fonoaudiologia; Diagnóstico
ABSTRACT
Thermography is an auxiliary diagnostic method widely used to assess soft tissues and thus diagnose neuropathic or inflammatory pain. The objective of this paper was to report a case in which thermography was used as an auxiliary method to diagnose neuropathic pain. The patient in question is a 43-year-old woman with complaints of pain and sensitivity in the upper and lower left dental arches, particularly when consuming alcoholic beverages. The case was assessed with thermography, followed by the Cold Stress Test. The symmetry of the thermographic images and the localized changes helped rule out neuropathic problems and diagnose the orofacial inflammatory pain. The thermography was used as an auxiliary instrument to diagnose orofacial pain, proving to be efficient. Also, the thermography helped rule out changes originating in peripheral, small-fiber, and inflammatory neuropathies, aiding the patient’s differential diagnosis. The thermography also helped identify the thermo-anatomical points and, with the qualitative and quantitative analyses, noninvasively investigate the possible causes of the orofacial pain reported by the patient.
Keywords:
Thermography; Facial Neuralgia; Facial Pain; Speech, Language and Hearing Sciences; Diagnosis
Introdução
A dor constitui uma das principais razões que levam os indivíduos a procurar atendimento em saúde. Além de ser um importante sintoma clínico, também diz respeito a uma sensação e a uma experiência multidimensional, sendo, portanto, complexa e, na maioria das vezes, subjetiva11. Leeuw R. Dor orofacial: guia de avaliação, diagnóstico e tratamento. 4ª ed. Nova Odessa: Quintessence; 2010..
Dor orofacial define-se como toda dor que está diretamente associada aos tecidos moles e mineralizados, como por exemplo, pele, vasos sanguíneos, ossos, dentes, glândulas ou músculos presentes na cavidade oral e na face. Também pode ser referida na região de cabeça e/ou pescoço. Dentre as principais causas das dores orofaciais, estão os problemas odontogênicos, cefaleias, patologias neurogênicas, dores musculoesqueléticas, dores psicogênicas, câncer, infecções, fenômenos autoimunes e traumas teciduais11. Leeuw R. Dor orofacial: guia de avaliação, diagnóstico e tratamento. 4ª ed. Nova Odessa: Quintessence; 2010..
Variações de temperatura podem ocorrer no corpo humano por diversos fatores e estão diretamente relacionadas com o processo metabólico e atividade do Sistema Nervoso Simpático sobre os órgãos e sistemas, em especial o sistema vascular, devido à vasoconstrição que pode ocorrer no sistema, diminuindo a temperatura local, ou à vasodilatação, normalmente relacionada a lesões e a processos inflamatórios22. Côrte ACR, Hernandez AJ. Termografia médica infravermelha aplicada à medicina do esporte. Rev Bras Med Esporte. 2016;22(4):315-9..
A análise térmica permite ao profissional observar as alterações fisiológicas que podem ocorrer no corpo humano a partir da variação da temperatura, auxiliando assim, a identificação do tipo e do local da dor com maior precisão22. Côrte ACR, Hernandez AJ. Termografia médica infravermelha aplicada à medicina do esporte. Rev Bras Med Esporte. 2016;22(4):315-9..
As dores orofaciais podem ser caracterizadas como dores agudas ou dores crônicas. No primeiro caso, quando o paciente queixa-se de uma dor facial aguda e essa está associada a doenças rapidamente identificáveis, como, por exemplo, fraturas, tumores, cáries dentárias, sinusopatias, ou infecções, o diagnóstico não se torna um problema, independente das dificuldades terapêuticas pertinentes a cada caso. Em contrapartida, pacientes que se referem a dores orofaciais persistentes, difusas ou crônicas, sem anormalidades evidentes, fazem parte de uma população mais difícil de se diagnosticar e tratar33. Loeser JD. Tic douloureux and atypical facial pain. J Can Dent Assoc. 1985;51(12):917-23..
Na prática clínica, a identificação de dores neuropáticas é uma tarefa difícil e complexa. Achados anormais no exame físico neurológico do paciente com dor são sugestivos de dor neuropática. No exame físico, realizam-se a inspeção e a palpação da área da dor. Uma avaliação precisa dos nervos cranianos e do tônus muscular também deve ser realizada. Sempre que possível, um exame de neuroimagem deve ser realizado, como a Tomografia do Crânio e/ou a Ressonância Magnética do Crânio44. Schestatsky P. Definition, diagnosis and treatment of neuro- pathic pain. Rev HCPA. 2008;28(3):177-87..
Além dos métodos citados, identifica-se a termografia como um método diagnóstico por imagem não invasivo e indolor, que pode ser realizado pelo profissional fonoaudiólogo. É um método capaz de detectar a radiação infravermelha, produzir e gravar imagens que evidenciam a dinâmica da atividade microcirculatória da superfície cutânea em tempo real. A análise termográfica abrange os sistemas vascular, nervoso e musculoesquelético, fato esse que permite a avaliação de processos inflamatórios, condições endócrinas, neurológicas e oncológicas55. Maciel RN, Brioschi ML, Haddad DS, Arita ES, Corrêa CF, Balbinot LF. Dor orofacial crônica: diagnóstico por termografia infravermelha. Ribeirão Preto: Tota; 2016..
A termografia tem sido utilizada atualmente no processo de avaliação e documentação das patologias de tecidos moles, incluindo nervos periféricos, raízes nervosas, tendões, músculos e vasos sanguíneos, assim como disfunções articulares e ósseas. Além disso, fornece informações adicionais sobre algumas condições que não podem ser identificadas em testes radiológicos, eletroneuromiográficos ou em exames laboratoriais, como por exemplo, os casos dos pontos de gatilho da Dor Miofascial66. Balbinot LF. Termografia computadorizada na identificação de Trigger Points miofasciais [thesis]. Florianópolis (SC): Universidade do Estado de Santa Catarina; 2006..
De acordo com os benefícios e as diversas aplicabilidades da Termografia, o objetivo do presente trabalho foi descrever a utilização da termografia como método auxiliar no diagnóstico das dores neuropáticas, por meio de um relato de caso.
Apresentação do Caso
O presente estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil, sob o número 3.947.281 - CAAE 26117719.6.0000.5137. Este trabalho refere-se a um relato de caso realizado com uma mulher, de 43 anos de idade, que aceitou participar da pesquisa de forma voluntária, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e possui como queixa principal dor e sensibilidade orofacial.
A paciente procurou atendimento fonoaudiológico, relatando como principal queixa episódios de dor e sensibilidade nas arcadas dentárias inferior e superior do lado esquerdo, tal dor ocorria após a ingestão de bebidas alcoólicas, apertamento dentário noturno e enxaqueca.
Segundo a paciente, o apertamento dentário ocorria há três anos, enquanto a sensibilidade e a dor após a ingestão de bebidas alcoólicas apareceram há um ano, com episódios de desaparecimento eventual dos sintomas.
A informante relatou que seu problema iniciou-se com uma dor nos dentes, tanto na arcada superior quanto na inferior do lado esquerdo. As regiões do corpo em que se apresentavam os sintomas eram do lado esquerdo da face. Eventualmente também apresentava dores na cintura escapular do lado esquerdo.
No momento em que procurou atendimento fonoaudiológico, relatou não estar fazendo acompanhamento médico, porém, mencionou que já procurou atendimento odontológico e com acupunturista para tentar solucionar o seu problema. Relatou fazer uso de medicamentos para alívio da dor, apresentando melhora dos sintomas.
Na avaliação crânio-cervical relatou sentir dores nas costas, presença de apertamento dentário noturno, dor na região dos dentes molares superiores e inferiores na arcada dentária esquerda. Em relação ao período de piora das dores, a paciente relatou piora ao acordar e ao entardecer, diariamente.
Em relação aos hábitos e episódios que provocam e desencadeiam a dor, foram mencionados pela paciente o uso de bebidas alcoólicas, estresse e preocupação. Na avaliação utilizando a Escala Visual Analógica (EVA)77. Martinez JE, Grassi DC, Marques LG. Analysis of the applicability of different pain questionnaires in three hospital settings: outpatient clinic, ward and emergency unit. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):304-8., a paciente relatou sentir dois “tipos” de dores diferentes. A primeira acontecia quando havia apertamento dentário e foi caracterizada pela paciente como uma dor espontânea de grau sete, segundo a escala EVA. Já o segundo tipo de dor mencionado pela paciente, ocorria após a ingestão de bebidas alcoólicas, aparecendo minutos depois do início da ingestão, sempre na mesma região, caracterizada como uma dor muito intensa, grau nove, segundo a escala EVA.
A paciente procurou profissionais como o ortodontista, neurologista, acupunturista e fonoaudiólogo para a realização de alguns tratamentos em busca do alívio da dor. Segundo ela, já havia realizado alguns procedimentos, como por exemplo, estimulação elétrica, acupuntura, fez uso de medicamentos e começou a praticar exercícios físicos. Durante o tratamento com o ortodontista, começou a fazer o uso de placa oclusal miorrelaxante e realizou também um tratamento para dessensibilização dentária, uma vez que, em função do apertamento dentário, a paciente tinha apresentado retração gengival, além disso, foi realizada a radiografia dentária da paciente que se mostrou sem alterações.
Inicialmente, suspeitou-se de uma alteração de origem neurológica, uma vez que, a paciente relatou apresentar dores a partir de estímulos inócuos, além disso, não foram encontradas alterações na radiografia, e suas dores eram fortes e paroxísticas.
Partindo dessas informações e da primeira impressão, decidiu-se usar a Termografia infravermelha e o Cold Stress Test para confirmar ou descartar alguma alteração neurológica, como por exemplo, a Neuralgia do trigêmeo88. Cunha TM, Giublin ML, Andrade Filho ACC, Siqueira JTT. Enfim, o que é dor e quais são seus mecanismos? In: Siqueira JTTS, Henriques AA, Kraychete DC, editors. 100 perguntas chave em dor. São Paulo: Permanyer Brasil Publicações; 2014. p.1-8..
O Cold Stress Test (teste de estresse ao frio) foi utilizado com o principal objetivo de confirmar ou descartar neuropatia de fibras finas. Além disso, o teste em questão contribui para o diagnóstico diferencial, pois analisa o sistema neurovegetativo simpático. Para realização do teste, a paciente deve permanecer com uma das mãos imersa em água com a temperatura entre 10 e 20ºC (graus celsius)99. Heimbecher CT, Ulbricht L. Termografia aplicada ao fenômeno de Raynaud: artigo de revisão bibliométrica. Pan Am J Med Thermol. 2018;4:15-23..
Para realização e captura das imagens termográficas, foi seguido o protocolo de preparação do indivíduo segundo diretrizes da Academia Americana de Termologia1010. AAT: American Academy of Thermology. Guidelines for neuromusculoskeletal infrared medical thermography and sympathetic skin response (SSR) studies. [homepage on the internet]; [accessed 2020 nov 4]. Available at: https://aathermology.org/organization-2/guidelines/guidelines-for-neuro-musculoskeletal-thermography/
https://aathermology.org/organization-2/...
. A paciente passou pelo período de aclimatização de 20 minutos. Para captura das imagens, foi utilizada uma câmera termográfica (ThermoCAM® c2; FLIR® Systems, Inc. Wilsonville), fixada em um tripé estando paralela à face fotografada.
A temperatura da sala foi mantida a 23 ºC (com variação de no máximo 1 ºC), durante todo o período de realização do exame e o período mínimo de aclimatização. Para o monitoramento da temperatura da sala, utilizou-se um termômetro colocado sobre uma mesa, próximo ao campo de visão das examinadoras. Em relação a umidade do ar, foi realizado o controle no ambiente do exame e mantido valores entre 45% e 50% de umidade relativa do ar. A sala de realização do exame tinha 12 m², estando as janelas fechadas e a lâmpada presente no ambiente era fluorescente. A distância mantida entre a máquina termográfica e a face foi de 70 centímetros.
A paciente foi orientada sobre o procedimento e todas as dúvidas que surgiram foram sanadas, durante a realização da anamnese. Para facilitar o processo de captura das imagens e o período de aclimatização, foi solicitado que a paciente mantivesse o cabelo preso e protegido por touca, ficasse de top sem alça e descalça, usando um propé. Para garantir a mesma posição da cabeça durante a realização da captura das imagens, foi colocado na parede, atrás da paciente, um banner de um metro de largura por um metro e meio de comprimento, quadriculado, sendo cada quadrado de 10 centímetros de lado e a posição dos ombros controlada em relação às linhas do quadriculado.
As imagens frontais foram tiradas respeitando a janela térmica de 27º a 37ºC. Durante todo o período de avaliação, a paciente foi orientada a não encostar ou coçar a região facial, além disso, os músculos mastigatórios e faciais deveriam ser mantidos relaxados e os dentes desocluídos.
Foram analisados quatorze pontos termoanatômicos, propostos por Haddad1111. Haddad DS. Correlação clínica e termográfica do ponto-gatilho miofascial nos músculos da mastigação [thesis]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2011., separadamente e agrupados em hemiface direita e hemiface esquerda, conforme demonstrado na Figura 1.
Para realização do Cold Stress Test, a paciente foi orientada a colocar a mão esquerda envolta em um plástico em uma vasilha com água a 15 ºC, durante cinco minutos, e a cada minuto uma imagem da face foi capturada. A temperatura da água foi controlada por um termômetro culinário (Termômetro Culinário Digital Espeto Alimentos Cozinha - Store 7D).
Sendo assim, o T0 corresponde ao período de aclimatização, ou seja, antes do início o Cold Stress Test, T1 corresponde ao primeiro minuto do teste e assim sucessivamente, até o tempo 5 (Figura 2).
Após a captura das imagens em JPEG (Joint Photographic Experts Group), as imagens foram armazenadas e analisadas usando o programa Thermofy-Visionfy, a escala de cores escolhida para análise foi a “Termoguiado 1”, utilizando como referências os pontos termoanatômicos utilizados na pesquisa de Haddad1212. Haddad DS. Estudo da distribuição térmica da superfície cutânea facial por meio de termografia infravermelha: termoanatomia da face [dissertation]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2014.. Os valores mínimos (T min), médios (T méd) e máximos (T máx) foram obtidos. Além disso, foram obtidas também a diferença entre os pontos do lado esquerdo e direito e a média da temperatura total da hemiface direita e esquerda.
Os dados em questão foram tabulados em uma base de dados Microsoft Excel® (Microsoft Corporation®, Redmond, WA) para análise quantitativa.
Resultados
Partindo do objetivo, resolveu-se realizar a termografia juntamente com o Cold Stress Test para excluir ou confirmar a presença de dor orofacial que fosse de origem neurológica, como por exemplo, a neuropatia de fibras finas (NFF) ou neuropatia inflamatória, uma vez que as queixas da paciente eram compatíveis com uma alteração de origem periférica, em função do relato de dor a estímulos inócuos, dor paroxística e de grau elevado, segundo a escala EVA.
Na análise qualitativa das imagens da paciente durante o Cold Stress Test, evidenciaram-se alterações localizadas na imagem termográfica, o que foi interpretada como de origem inflamatória, como, por exemplo, nos casos das dores de origem miofascial. Se as alterações fossem de origem neuropática, as imagens termográficas apresentariam padrões regionais que seguiriam todo o caminho dos nervos faciais, o que não foi possível observar nas imagens da paciente. Após a realização do Cold Stress Test e com a percepção da simetria de temperaturas nas extremidades das mãos (Figura 3), descartou-se a presença de neuropatias de fibras finas.
Foi possível identificar o padrão simétrico nas imagens termográficas, por meio de uma análise qualitativa, fato que ajudou a descartar alterações que fossem de origem neuropática, levando-se a pensar em uma alteração localizada. Na Figura 4 foi possível evidenciar um ponto termográfico hiperradiante no lado esquerdo, lado no qual a paciente relatava os episódios de dor e desconforto, o ponto em questão apresentou-se bem definido e com temperatura aumentada em relação à face da paciente, levando à necessidade de se investigar uma alteração localizada na hemiface esquerda, terço inferior.
Por fim, ainda nas imagens analisadas, é importante destacar a região frontal da hemiface esquerda, onde foi evidenciada uma área hiperradiante e que não apresentava simetria quando comparada com a hemiface direita, achado este que pode ser relacionado com os quadros de enxaqueca relatados pela informante.
Imagem frontal da paciente após a realização do Cold Stress Test. Podem-se observar o ponto termográfico na hemiface esquerda, terço inferior e a área hiperradiante na hemiface direita, região frontal do terço superior da face
Além do que foi encontrado no Cold Stress Test, foi possível identificar, por meio da análise da soma de todos os pontos termoanatômicos das hemifaces direita e esquerda do T0 (aclimatização) até o T5 (5º minuto do Cold Stress Test), que as variações médias de temperatura foram de 33,6ºC até 34,7ºC, identificando uma variação máxima de 1,1ºC. A menor temperatura média encontrada, diz respeito a média da hemiface esquerda no tempo 1, ou seja, no primeiro minuto do Cold Stress Test, já a maior temperatura encontrada diz respeito a média da hemiface direita no terceiro minuto do Cold Stress Test (Figura 5)
Média das temperaturas, em ºC, da hemiface direita e da hemiface esquerda, do T0 (aclimatização) ao T5 (5º minuto do Cold Stress Test)
No que diz respeito às análises comparativas de cada ponto termoanatômico de hemiface direita com hemiface esquerda em cada tempo de análise, foi possível identificar que, no T0, os pontos termoanatômicos que tiveram variações de temperatura que ultrapassaram 0,3ºC (diferença de temperatura considerada normal)1212. Haddad DS. Estudo da distribuição térmica da superfície cutânea facial por meio de termografia infravermelha: termoanatomia da face [dissertation]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2014. foram os seguintes pontos, Temporal, Comissura Palpebral Medial, Nasolabial, Comissura Labial e Labial.
No T1 (1º minuto do Cold Stress Test), foi possível identificar que os pontos termoanatômicos que tiveram variação de temperatura que ultrapassaram 0,3 ºC foram os seguintes: Comissuras Palpebrais Laterais e Nasolabiais. No T2 e T3 esses pontos foram o Nasolabial e Comissuras Labiais. Com relação ao T4, os pontos que sofreram alteração foram os Temporais, Comissuras Palpebrais Laterais e os Nasolabiais. Pode-se observar ainda, que no quinto minuto do Cold Stress Test os pontos Temporais, Comissuras Palpebrais Mediais, Comissuras Palpebrais Laterais, Nasolabiais e Comissuras Labiais sofreram alterações de temperatura que ultrapassaram 0,3 ºC
Com isso, foi possível analisar quantitativamente que a paciente em questão apresentou variações de temperatura mais persistentes nos pontos de análises localizados no terço inferior da face, local no qual ela relatou a presença de dor.
Após o descarte de neuropatias por meio dos resultados obtidos, foi realizado o encaminhamento da paciente para uma reavaliação odontológica, na qual a mesma foi diagnosticada com dor odontogênica, ou seja, dor orofacial de origem inflamatória, localizada na arcada inferior da hemiface esquerda, fato esse que confirmou a presença do ponto hiperradiante evidenciado na Figura 4.
Discussão
A termorregulação do corpo humano é controlada pelo sistema nervoso neurovegetativo e pode ser descrita de duas maneiras diferentes. A primeira delas diz respeito a informações obtidas através dos receptores periféricos dos nervos sensitivos aferentes que estão presentes na pele. Essa informação percorre o trajeto até as vias superiores do sistema neurovegetativo, em especial no tronco encefálico e regiões corticais superiores. A informação, então, é retransmitida para o hipotálamo e a resposta é elaborada e enviada pelas fibras motoras eferentes até os músculos lisos dos vasos conectados à pele1313. Brioschi ML, Teixeira MJ, Silva MF. Princípios e indicações da termografia médica. São Paulo: Andreoli; 2010..
A segunda maneira está relacionada a uma resposta do tronco encefálico, em relação a um reflexo somatocutâneo ou víscerocutâneo. Impulsos que são gerados em glândulas e tecidos como músculos, ossos e articulações podem gerar alterações funcionais cutâneas que estão relacionadas à temperatura, sudorese, tônus e sensibilidade. Enfermidades viscerais e somáticas podem influenciar o metabolismo, temperatura e outras propriedades da pele por meio desse arco reflexo1313. Brioschi ML, Teixeira MJ, Silva MF. Princípios e indicações da termografia médica. São Paulo: Andreoli; 2010..
De acordo com o proposto pela literatura em relação à temorregulação do corpo humano, foi possível evidenciar que a paciente em questão apresentou o sistema nervoso neurovegetativo dentro dos padrões de normalidade, e portanto, não foi evidenciada a presença de neuropatia de fibras finais ou neuropatia inflamatória. Durante a realização do Cold Stress Test, a mudança de temperatura seguiu um padrão funcional, ou seja, uma extremidade foi resfriada e outras aquecidas com o intuito de preservar e manter a homeostase corporal.
Além disso, foi possível identificar que a paciente apresentou alteração funcional cutânea da temperatura, em decorrência da inflamação causada pelo problema dentário. Como foi descrito também na literatura, tais alterações viscerais e somáticas podem influenciar na mudança de temperatura e também na sensibilidade, o que ocorreu com a paciente. Foi possível identificar um ponto hiperradiante no terço inferior da hemiface esquerda, fato esse que evidencia um aumento da temperatura nesse local, além disso, foram relatados pela paciente episódios de dor e aumento da sensibilidade nesse local em questão.
É importante esclarecer ainda que, para manter a termorregulação normal, o sistema nervoso neurovegetativo central, por meio do hipotálamo, controla o fluxo sanguíneo cutâneo de maneira uniforme e simétrica, fato esse que resulta em um padrão térmico de ambos os lados do corpo, direito e esquerdo, simétrico, portanto, quando existe uma alteração do estado normal, mudanças qualitativas e quantitativas aparecem na imagem termográfica1414. Uematsu S. Thermographic imaging of cutaneous sensory segment in patients with peripheral nerve injury. Skin temperature stability between sides of the body. J Neurosurg. 1985;62(5):716-20..
De acordo com o proposto na literatura e após a análise das imagens termográficas da paciente, foi possível observar que as imagens das mãos no momento do Cold Stress Test mantiveram um padrão simétrico, indicando que o sistema nervoso neurovegetativo central encontrava-se dentro dos padrões de normalidade. Além disso, foi possível evidenciar que, as demais imagens termográficas apresentaram algumas assimetrias que puderam ser observadas e analisadas qualitativamente, em alguns pontos, como por exemplo, nas imagens cervicais e no terço inferior da hemiface esquerda.
Segundo Haddad1111. Haddad DS. Correlação clínica e termográfica do ponto-gatilho miofascial nos músculos da mastigação [thesis]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2011., o sistema nervoso neurovegetativo central controla o fluxo sanguíneo cutâneo de maneira uniforme e simétrica, o que resulta em um padrão térmico direito e esquerdo simétrico. Ao se encontrar mudanças qualitativas e quantitativas na distribuição térmica, ou seja, as imagens tornaram-se assimétricas, um padrão de anormalidade nas imagens termográficas pôde ser identificado1515. Weber M. Dor muscular e temperatura muscular [dissertation]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2016..
As assimetrias indicaram alterações de origem miofascial, uma vez que a paciente relatou apresentar dor e apertamento dentário. Segundo Haddad1212. Haddad DS. Estudo da distribuição térmica da superfície cutânea facial por meio de termografia infravermelha: termoanatomia da face [dissertation]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2014., a confirmação diagnóstica de alterações neurológicas e musculoesqueléticas por meio da termografia, é baseada no desequilíbrio térmico local entre os músculos de lados opostos. Sendo assim, tal assimetria da temperatura faz equivalência a presença de dor miofascial 1515. Weber M. Dor muscular e temperatura muscular [dissertation]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2016..
Haddad1212. Haddad DS. Estudo da distribuição térmica da superfície cutânea facial por meio de termografia infravermelha: termoanatomia da face [dissertation]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2014., em sua pesquisa, estabeleceu os pontos termoanatômicos da face, assim como, as temperaturas máximas, médias e mínimas de referência para análise termográfica. Foram propostos pela autora 28 pontos termoanatômicos, sendo que 14 desses pontos estão presentes na vista frontal, sete na vista lateral direita e sete na vista lateral esquerda. Além disso, a autora evidenciou que alterações de temperatura que sofressem uma variação superior a 0,3ºC do proposto como normalidade, deveria ser tratado como uma alteração anormal da temperatura, mostrando um padrão assimétrico da mesma. Esses padrões de assimetria existem geralmente devido à presença de alterações simpáticas, presença de lesões traumáticas, alterações vasculares ou inflamatórias, que foi o caso da paciente tratada neste estudo1212. Haddad DS. Estudo da distribuição térmica da superfície cutânea facial por meio de termografia infravermelha: termoanatomia da face [dissertation]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2014..
Sendo assim, o relato de caso em questão, assim como todos os achados qualitativos e quantitativos, corroboram com os dados propostos na literatura.
Conclusão
A termografia foi utilizada como instrumento auxiliar diagnóstico em um caso clínico de dor orofacial e mostrou-se eficiente para essa finalidade. Por meio da termografia, foi possível descartar alterações neuropáticas de origem periférica, bem como as neuropatias de fibras finas e neuropatias inflamatórias, contribuindo para o diagnóstico diferencial da paciente. Com o auxílio da termografia, foi possível identificar os pontos termoanatômicos e, por meio deles, investigar precisamente as possíveis causas das dores orofaciais relatadas pela paciente, de uma forma não invasiva e com análises qualitativas e quantitativas.
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1Leeuw R. Dor orofacial: guia de avaliação, diagnóstico e tratamento. 4ª ed. Nova Odessa: Quintessence; 2010.
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2Côrte ACR, Hernandez AJ. Termografia médica infravermelha aplicada à medicina do esporte. Rev Bras Med Esporte. 2016;22(4):315-9.
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3Loeser JD. Tic douloureux and atypical facial pain. J Can Dent Assoc. 1985;51(12):917-23.
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4Schestatsky P. Definition, diagnosis and treatment of neuro- pathic pain. Rev HCPA. 2008;28(3):177-87.
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5Maciel RN, Brioschi ML, Haddad DS, Arita ES, Corrêa CF, Balbinot LF. Dor orofacial crônica: diagnóstico por termografia infravermelha. Ribeirão Preto: Tota; 2016.
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6Balbinot LF. Termografia computadorizada na identificação de Trigger Points miofasciais [thesis]. Florianópolis (SC): Universidade do Estado de Santa Catarina; 2006.
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7Martinez JE, Grassi DC, Marques LG. Analysis of the applicability of different pain questionnaires in three hospital settings: outpatient clinic, ward and emergency unit. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):304-8.
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8Cunha TM, Giublin ML, Andrade Filho ACC, Siqueira JTT. Enfim, o que é dor e quais são seus mecanismos? In: Siqueira JTTS, Henriques AA, Kraychete DC, editors. 100 perguntas chave em dor. São Paulo: Permanyer Brasil Publicações; 2014. p.1-8.
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9Heimbecher CT, Ulbricht L. Termografia aplicada ao fenômeno de Raynaud: artigo de revisão bibliométrica. Pan Am J Med Thermol. 2018;4:15-23.
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10AAT: American Academy of Thermology. Guidelines for neuromusculoskeletal infrared medical thermography and sympathetic skin response (SSR) studies. [homepage on the internet]; [accessed 2020 nov 4]. Available at: https://aathermology.org/organization-2/guidelines/guidelines-for-neuro-musculoskeletal-thermography/
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11Haddad DS. Correlação clínica e termográfica do ponto-gatilho miofascial nos músculos da mastigação [thesis]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2011.
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12Haddad DS. Estudo da distribuição térmica da superfície cutânea facial por meio de termografia infravermelha: termoanatomia da face [dissertation]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2014.
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13Brioschi ML, Teixeira MJ, Silva MF. Princípios e indicações da termografia médica. São Paulo: Andreoli; 2010.
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14Uematsu S. Thermographic imaging of cutaneous sensory segment in patients with peripheral nerve injury. Skin temperature stability between sides of the body. J Neurosurg. 1985;62(5):716-20.
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15Weber M. Dor muscular e temperatura muscular [dissertation]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2016.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Dez 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
14 Out 2021 -
Aceito
19 Nov 2021