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Benefícios do treinamento auditivo em usuários de aparelho de amplificação sonora individual - revisão sistemática

Resumo:

O presente estudo consiste em uma revisão sistemática de literatura com o objetivo de verificar se o treinamento auditivo produz benefícios aos pacientes usuários de aparelho de amplificação sonora individual. Os estudos foram selecionados a partir de critérios de inclusão previamente estabelecidos e a partir deste, os dados de interesse foram extraídos. Na busca, foram avaliados e selecionados apenas os estudos cujo título, resumo ou corpo do artigo tivesse relação com o objeto do presente estudo. Os artigos pesquisados demonstraram que o treinamento auditivo aplicado nas suas diferentes concepções, sendo formal, informal, com leitura orofacial ou estratégias de comunicação, analítico ou sintético, beneficia os usuários de aparelho de amplificação sonora individual, principalmente quando associado às tarefas com demanda cognitiva.

Descritores:
Auxiliares de Audição; Perda Auditiva; Reabilitação; Revisão Sistemática

Abstract:

The present study consists of a systematic review with the purpose of verifying the benefits of the auditory training to the hearing aid users. The studies were selected according to previously defined inclusion criteria and, from this selection, data of interest were extracted. Only studies with title, summary or part of the article connected to the object of this study were evaluated and selected. The researched articles demonstrate that the auditory training, carried out within its different conceptions, being formal, informal, with lip reading, or communication strategies, analytic or synthetic, benefits the hearing aid users, mainly when in combination with cognitive tasks.

Keywords:
Hearing Aids; Hearing Loss; Rehabilitation; Systematic Review

Introdução

O sentido da audição é muito importante para a comunicação humana. A perda auditiva pode trazer consequências para o indivíduo, dificultando sua comunicação oral e compreensão, implicando em sua qualidade de vida. A deficiência auditiva, torna o indivíduo limitado ou incapacitado para desempenhar seu papel na sociedade1. Magalhães FF, Mondelli MFCG. A avaliação da satisfação dos usuários de aparelho de amplificação sonora individual. Rev Cefac. 2011;13(3):552-8..

Um dos instrumentos utilizados para a reabilitação auditiva é o aparelho de amplificação sonora individual (AASI) cujos microfones captam o som do ambiente, os amplificadores aumentam a intensidade do som e o fornecem amplificados por meio do receptor ao indivíduo2. Silman S, Iório MCM, Mizhahi MM, Parra VM. Próteses auditivas: um estudo sobre seu benefício na qualidade de vida de indivíduos portadores de perda auditiva neurossensorial. Disturb. Com. 2004;16(2):153-65..

Os indivíduos com perda auditiva neurossensorial tem mais dificuldades em perceber a fala em ambientes ruidosos do que um indivíduo com audição normal ou com perda auditiva do tipo condutiva ou mista. A compreensão da fala, em ambientes competitivos ou ruidosos, ainda é um aspecto não contemplado pelo AASI, apesar dos constantes esforços dos fabricantes em relação aos redutores de ruído3. Oliveira JRM, Lopes ES, Alves AF. Percepção de fala dos deficientes auditivos usando aparelho de amplificação com algorítimo de redução de ruído. Braz. J Otorhinolaringol. 2010;76(1):14-7..

Para minimizar as dificuldades de compreensão da fala, principalmente em ambientes ruidosos, faz-se necessário realizar treinamento auditivo com os pacientes que fazem uso do AASI, com o objetivo de minimizar as deficiências no processamento da informação, as quais estão relacionadas às dificuldades de compreensão da fala em ambientes ruidosos e reverberantes, e de potencializar a identificação e a discriminação dos padrões sonoros.

Dessa forma, o treinamento auditivo irá exercitar as habilidades auditivas na tentativa de minimizar os déficits funcionais apresentados pelo indivíduo. São tarefas de escuta, em que o paciente irá desempenhar as funções de detecção auditiva, discriminação auditiva, reconhecimento auditivo e compreensão auditiva4. Megale RL, Iorio MCM, Schochat, E. Treinamento auditivo: avaliação do benefício em idosos usuários de prótese auditiva. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(2):101-6..

Um dos princípios do treinamento auditivo é desenvolver a neuroplasticidade, do Sistema Nervoso Central, a fim de gerar mudanças na morfologia e no desempenho auditivo após o treinamento e a estimulação da audição, permitindo que o paciente possa ressignificar cada som que escuta4. Megale RL, Iorio MCM, Schochat, E. Treinamento auditivo: avaliação do benefício em idosos usuários de prótese auditiva. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(2):101-6..

De acordo com a literatura, o treinamento auditivo ainda não é uma prática do usuário após a aquisição do AASI. Diante disso, a proposta de pesquisas sobre o assunto, torna-se necessária para verificar o benefício e a satisfação com o AASI a partir de evidências científicas. O estudo justifica-se ao verificar, por meio de uma revisão sistemática de literatura, se o treinamento auditivo produz desfechos benéficos para os usuários de AASI, Dessa forma, o objetivo do presente estudo é verificar os benefícios do treinamento auditivo em usuários de AASI.

Métodos

O método escolhido para o presente estudo é uma revisão sistemática sobre treinamento auditivo pós-adaptação do AASI na qual os estudos foram selecionados a partir de critérios de inclusão, previamente estabelecidos e, a partir dessa seleção, os dados de interesse foram extraídos. Na busca, foram avaliados e selecionados apenas os estudos cujo título, ou resumo, ou corpo do artigo tivesse relação com o objeto do presente estudo que é determinar se o treinamento auditivo produz desfechos benéficos para os usuários de AASI.

Para o levantamento dos descritores, foi utilizado o vocabulário estruturado dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), criado para a indexação de artigos de revistas científicas e outras publicações, bem como, para a utilização em levantamento bibliográfico nas bases de dados.

A coleta dos artigos foi realizada a partir das bases de dados Scielo, Medline, Lilacs e Direct Science no período de 2000 a 2013. Foram utilizados os seguintes descritores: Reabilitação Auditiva; Auxiliares de Audição; Treinamento Auditivo; Prótese Auditiva; Perda Auditiva; Hearing Loss; Speech Perception; Hearing Aids; Idoso; Plasticidade Neural; Testes Auditivos; Adults; Auditory Training, Aural Rehabilitation; Communication Skills; Presbiacusia; Leitura Labial; Cognição; Envelhecimento; Handicap Auditivo;

Os artigos foram analisados qualitativamente, de acordo com os critérios de inclusão e com a questão que pretende responder.

Após a escolha dos descritores, outro critério utilizado foi a inclusão de artigos em que o público alvo fosse composto, somente, de adultos e de idosos. De acordo com os critérios de exclusão, foram dispensados os artigos que se referiam às amostras e populações com limiares auditivos normais que realizaram terapia de processamento auditivo. Após a seleção dos resumos pertinentes à questão proposta, foi realizada a recuperação dos artigos em texto completo.

Revisão de Literatura

Ao final do levantamento deste estudo, foram encontrados 29 artigos nas bases de dados pesquisadas. No entanto, apenas 17 foram enquadrados nos critérios de inclusão classificados quanto ao tema proposto no estudo.

Convém ressaltar que uma revisão sistemática requer a inclusão de estudos com altos níveis de evidência, ou seja, revisões sistemáticas ou metanálises e ensaios clínicos randomizados. Ao adotar exclusivamente tal critério, o número de artigos científicos seria reduzido e outras informações relevantes não seriam consideradas, dado o reduzido número de trabalhos publicados que versam sobre treinamento auditivo tanto na literatura internacional e, principalmente, na nacional. Dessa forma, foram incluídos outros estudos que não se enquadram exclusivamente nas categorias citadas como ensaios clínicos não randomizados, estudos de delineamento clínico-coorte, quase-experimental, quase-experimental de série de casos e descritivo-transversal.

Em relação ao método utilizado nos artigos incluídos no presente estudo, destacam-se três revisões sistemáticas, sendo que duas versaram sobre a eficácia do treinamento auditivo5. Henshaw H, Fergusson MA. Efficacy of individual computer-based auditory training for people with hearing loss: A Systematic review of the evidence. Plos One. 2013;8(5):1-18. 6. Sweetow R, Palmer CV. A efficacy of individual auditory training in adults: A review of the evidence. J Am. Acad. Audiol .2005;16:494-504. e uma sobre a utilização de softwares para o treinamento auditivo de adultos e idosos usuários de AASI7. Vitti SV, Carvalho M, Blasca WQ, Sigulem D, Pisa IT. Softwares de treinamento auditivo para adultos e idosos usuários de aparelho auditivo. XIII Congresso Brasileiro em Informática em Saúde - CBIS 2012.. Além dessas, também foram incluídas duas revisões de literatura não sistemáticas, sendo uma sobre treinamento auditivo formal8. Boothroyd A. Adapting to changed hearing: the potencial role of formal training. J Am. Acad. Audiol. 2010;21:601-11. e outra sobre fatores associados ao treinamento auditivo9. Sweetow RW, Sabes JH. Auditory training and challenges associated with participacion and compliance. J Am. Acad. Audiol. 2010;21:586-93.. Dos estudos prospectivos, oito constituem-se em ensaios clínicos que desenvolveram programas de treinamento auditivo1010 . Miranda EC, Andrade NA, Gil D, Iório MCM. A efetividade do treinamento auditivo formal em idosos usuários de próteses auditivas no período de aclimatização. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(4):316-21. 1717 . Humes LE, Burk MH, Strauser LE, Kinney DL. Development and efficacy of a frequent-word auditory training protocol for older adults with impaired hearing. Ear Hear. 2009;30(5):613-27.; outro que possui delineamento misto (clínico-coorte)4. Megale RL, Iorio MCM, Schochat, E. Treinamento auditivo: avaliação do benefício em idosos usuários de prótese auditiva. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(2):101-6.. Além destes, outros três caracterizam-se por serem de delineamento quase-experimental1818 . Marques AC de O, Kozlowski L, Marques, JM. Reabilitação auditiva no idoso. Rev. Brás. Otorrinolaringol. 2004;70(6):806-11., quase-experimental de série de casos1919 . Marques ACO, Polato D, Mello JM, Vieira LF. Programa de reabilitação auditiva ao idoso portador de presbiacusia. J Bras Fonoaudiol. 2002;13(3):274-8. e descritivo-transversal2020 . Viacelli SNA, Costa-Ferreira MID. Perfil dos usuários de AASI com vistas a amplificação, cognição e processamento auditivo. Rev Cefac. 2013;15(5):1125-36..

Baseando-se nos artigos selecionados, é possível observar que a maioria refere-se ao treinamento auditivo como um forte aliado para a reabilitação auditiva de usuários de AASI. Na análise dos 17 artigos, observa-se que 12 dos inclusos na presente revisão têm como objetivo verificar a efetividade de um programa de treinamento auditivo em idosos usuários de AASI. Os estudos envolveram de 7 a 100 participantes com idades, entre 60 a 90 anos, em sua grande maioria. Tais trabalhos discorreram sobre o Treinamento Auditivo, sendo ele formal, informal, analítico ou sintético, bem como envolveram estratégias de comunicação para tais usuários4. Megale RL, Iorio MCM, Schochat, E. Treinamento auditivo: avaliação do benefício em idosos usuários de prótese auditiva. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(2):101-6. 5. Henshaw H, Fergusson MA. Efficacy of individual computer-based auditory training for people with hearing loss: A Systematic review of the evidence. Plos One. 2013;8(5):1-18. 1010 . Miranda EC, Andrade NA, Gil D, Iório MCM. A efetividade do treinamento auditivo formal em idosos usuários de próteses auditivas no período de aclimatização. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(4):316-21. 1111 . Ruschel CV, Carvalho CR, Guarinello AC. A eficiência de um programa de reabilitação audiológica em idosos com presbiacusia e seus familiares. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(2):95-8. 1313 . Miranda EC, Gil D. Iório CM. Formal auditory training in elderly hearing ais users. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2008;74(6):919-25. 1717 . Humes LE, Burk MH, Strauser LE, Kinney DL. Development and efficacy of a frequent-word auditory training protocol for older adults with impaired hearing. Ear Hear. 2009;30(5):613-27.. Dois trabalhos também mencionaram a necessidade de reduzir o handicap auditivo utilizando técnicas como o treinamento de Leitura Orofacial (LOF) 1818 . Marques AC de O, Kozlowski L, Marques, JM. Reabilitação auditiva no idoso. Rev. Brás. Otorrinolaringol. 2004;70(6):806-11. 1919 . Marques ACO, Polato D, Mello JM, Vieira LF. Programa de reabilitação auditiva ao idoso portador de presbiacusia. J Bras Fonoaudiol. 2002;13(3):274-8.. Outro estudo verificou a contribuição dos familiares no processo de reabilitação dos indivíduos usuários de AASI1111 . Ruschel CV, Carvalho CR, Guarinello AC. A eficiência de um programa de reabilitação audiológica em idosos com presbiacusia e seus familiares. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(2):95-8.. Os efeitos de um programa de reabilitação auditiva no que se refere às habilidades de ordenação e resolução temporal também foram abordados em um estudo1212 . Henning TR, Costa MJ, Rossi AG, Moraes AB. Efeitos da reabilitação auditiva na habilidade de ordenação temporal em usuários de próteses auditivas. J Soc. Bras. Fonoaudiol. 2010;24(1):26-33.. Por outro lado, um trabalho abordou o perfil dos usuários de AASI atendidos num centro de saúde com vistas à amplificação, cognição e processamento auditivo, indicando que a amplificação não deve ser considerada isoladamente2020 . Viacelli SNA, Costa-Ferreira MID. Perfil dos usuários de AASI com vistas a amplificação, cognição e processamento auditivo. Rev Cefac. 2013;15(5):1125-36.. Dois estudos revisam e discutem os softwares utilizados para o treinamento auditivo, apontando a existência dos recursos disponíveis no mercado7. Vitti SV, Carvalho M, Blasca WQ, Sigulem D, Pisa IT. Softwares de treinamento auditivo para adultos e idosos usuários de aparelho auditivo. XIII Congresso Brasileiro em Informática em Saúde - CBIS 2012. 8. Boothroyd A. Adapting to changed hearing: the potencial role of formal training. J Am. Acad. Audiol. 2010;21:601-11..

Em contrapartida, outro artigo de revisão apontou a necessidade de considerar os fatores negativos que podem afetar o processo global de reabilitação audiológica tais como: alterações da resolução temporal, deterioração das habilidades cognitivas (declínio da memória auditiva) e menor velocidade de processamento associado ao envelhecimento. Para minimizar tais ocorrências, o estudo também examinou as razões para a falta de cumprimento das opções terapêuticas, como fatores sociais e psicológicos que se apresentam ao longo do processo de reabilitação audiológica. Entre tais fatores é possível citar a negação do problema, as dificuldades encontradas durante a reabilitação diante da mudança dos hábitos de vida diária frente à família e amigos, além da falta de confiança nos profissionais habilitados9. Sweetow RW, Sabes JH. Auditory training and challenges associated with participacion and compliance. J Am. Acad. Audiol. 2010;21:586-93..

Diversos estudos abordam diferentes tipos de treinamento auditivo. Nos artigos selecionados observa-se que 6 estudos pesquisaram o treinamento auditivo formal, realizado em cabina acústica, utilizando basicamente tarefas de processamento auditivo central4. Megale RL, Iorio MCM, Schochat, E. Treinamento auditivo: avaliação do benefício em idosos usuários de prótese auditiva. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(2):101-6. 8. Boothroyd A. Adapting to changed hearing: the potencial role of formal training. J Am. Acad. Audiol. 2010;21:601-11. 1010 . Miranda EC, Andrade NA, Gil D, Iório MCM. A efetividade do treinamento auditivo formal em idosos usuários de próteses auditivas no período de aclimatização. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(4):316-21. 1212 . Henning TR, Costa MJ, Rossi AG, Moraes AB. Efeitos da reabilitação auditiva na habilidade de ordenação temporal em usuários de próteses auditivas. J Soc. Bras. Fonoaudiol. 2010;24(1):26-33. 1414 . Gil D, Iório MCM. Formal auditory training in adult hearing aid users. Clinics. 2010;65(2):165-74.. Entretanto, 2 artigos relataram o uso do treinamento auditivo informal, com materiais de avaliação contendo palavras, frases e gravação de sentenças1111 . Ruschel CV, Carvalho CR, Guarinello AC. A eficiência de um programa de reabilitação audiológica em idosos com presbiacusia e seus familiares. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(2):95-8. 1616 . Anderson S, White-Schwoch T, Parbery-Clark A, Kraus N. Reversal of age-related neural timing delays with training. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. 2013;110(13):4357-62.. Num dos artigos de revisão sistemática, foi abordado o tipo de treinamento que pode ser o analítico (bottom up), que inclui as tarefas auditivas propriamente ditas, ou o sintético (top down), que consiste nas estratégias de comunicação associadas às funções cognitivas de atenção, linguagem, memória e funções executivas. O mesmo artigo menciona, também, a possibilidade de combinar ambas as abordagens6. Sweetow R, Palmer CV. A efficacy of individual auditory training in adults: A review of the evidence. J Am. Acad. Audiol .2005;16:494-504.. Recentemente, tais abordagens tem sido referidas pelos estudiosos do processamento auditivo como guiadas pelo estímulo (bottom up) e guiadas pela tarefa (top down). A primeira representa a especialização hemisférica para processar um estímulo nas condições de escuta livre. Já a segunda, diz respeito à alternância de foco atencional 2121 . Alvarez AMMA, Sanchez ML, Carvalho IAM. Neuroaudiologia e linguagem. In: Fuentes D, Malloy-Diniz LF, Camargo CHP, Cosenza RM. Neuropsicologia teoria e prática. Porto Alegre: Artmed; 2008. P. 136-50..

Um dos estudos, envolvendo o treinamento auditivo informal, incluiu a prática de LOF juntamente com o uso de estratégias de comunicação1111 . Ruschel CV, Carvalho CR, Guarinello AC. A eficiência de um programa de reabilitação audiológica em idosos com presbiacusia e seus familiares. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(2):95-8.. Estudos semelhantes apontam que a LOF e as estratégias de comunicação beneficiam o indivíduo na utilização da pista visual, fazendo parte da percepção da fala, facilitando a comunicação e melhorando a qualidade de vida destes indivíduos1818 . Marques AC de O, Kozlowski L, Marques, JM. Reabilitação auditiva no idoso. Rev. Brás. Otorrinolaringol. 2004;70(6):806-11. 1919 . Marques ACO, Polato D, Mello JM, Vieira LF. Programa de reabilitação auditiva ao idoso portador de presbiacusia. J Bras Fonoaudiol. 2002;13(3):274-8.. Dois artigos também associaram as tarefas cognitivas ao treinamento auditivo formal em adultos e idosos e concluíram que o treinamento auditivo pode restaurar, parcialmente, déficits cerebrais relacionados à idade, promovendo maior cognição e melhora da habilidade perceptiva1515 . Song JH, Skoe E, Banai K, Kraus N. Training to improve hearing speech in noise: Biological mechanisms. Cerebral Cortex. 2012;22:1180-90. 1616 . Anderson S, White-Schwoch T, Parbery-Clark A, Kraus N. Reversal of age-related neural timing delays with training. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. 2013;110(13):4357-62..

Outros trabalhos mostram diversos softwares criados para a aplicação do treinamento auditivo formal, que oferecem oportunidades de aprendizado audio-visual nos níveis de vogais, consoantes e sentenças8. Boothroyd A. Adapting to changed hearing: the potencial role of formal training. J Am. Acad. Audiol. 2010;21:601-11.. Entre os softwares citados, há os nacionais que são voltados para terapia do processamento auditivo, e os internacionais que são específicos para treinamento auditivo. No entanto, apontam a necessidade de mais pesquisas sobre o uso de softwares exclusivos para treinamento auditivo, com os quais poderão ser desenvolvidas estratégias dinâmicas e atualizadas para a reabilitação de usuários de AASI7. Vitti SV, Carvalho M, Blasca WQ, Sigulem D, Pisa IT. Softwares de treinamento auditivo para adultos e idosos usuários de aparelho auditivo. XIII Congresso Brasileiro em Informática em Saúde - CBIS 2012..

No que se refere à periodicidade, número de sessões e duração do treinamento auditivo, a maioria dos artigos elaborou seu programa de 7 a 8 semanas, em média de 1 a 2 vezes por semana, e com duração de 1h a 1h e 30min4. Megale RL, Iorio MCM, Schochat, E. Treinamento auditivo: avaliação do benefício em idosos usuários de prótese auditiva. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(2):101-6. 1010 . Miranda EC, Andrade NA, Gil D, Iório MCM. A efetividade do treinamento auditivo formal em idosos usuários de próteses auditivas no período de aclimatização. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(4):316-21. 1414 . Gil D, Iório MCM. Formal auditory training in adult hearing aid users. Clinics. 2010;65(2):165-74. 1616 . Anderson S, White-Schwoch T, Parbery-Clark A, Kraus N. Reversal of age-related neural timing delays with training. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. 2013;110(13):4357-62. 1919 . Marques ACO, Polato D, Mello JM, Vieira LF. Programa de reabilitação auditiva ao idoso portador de presbiacusia. J Bras Fonoaudiol. 2002;13(3):274-8..

Alguns estudos sobre treinamento auditivo formal envolveram as seguintes habilidades: figura-fundo, fechamento auditivo, processamento auditivo temporal (resolução e ordenação temporal), separação e integração binaural e escuta dicótica. O Cronograma de treinamento auditivo foi estruturado conforme o número de sessões. Em geral, 7 realizadas semanalmente. Sendo elas: 1ª sessão: Figura-fundo para sons verbais (frases) - Teste de identificação de sentenças sintéticas (SSI)- orelha direita; 2ª sessão: Figura-fundo para sons verbais (frases) - Teste de identificação de sentenças sintéticas (SSI) - orelha esquerda; 3ª sessão: Figura-fundo para sons verbais (dígitos) - Teste Dicótico de Dígitos (DD) - orelha direita; 4ª sessão: Figura-fundo para sons verbais (dígitos) -Teste Dicótico de Dígitos (DD) - orelha esquerda; 5ª sessão: Figura-fundo para sons não-verbais - Teste Dicótico Não-Verbal - orelha esquerda e Figura-fundo para sons verbais (dígitos) - Testes Dicótico de Dígitos - orelha direita; 6ª sessão: Figura-fundo para sons não-verbais - Teste Dicótico Não-Verbal - orelha direita e Figura-fundo para sons verbais (dígitos) - Teste Dicótico de Dígitos - orelha esquerda; 7ª sessão: Integração Binaural - para sons verbais (dígitos) - Teste Dicótico de Dígitos e para sons não-verbais - Teste Dicótico Não-Verbal4. Megale RL, Iorio MCM, Schochat, E. Treinamento auditivo: avaliação do benefício em idosos usuários de prótese auditiva. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(2):101-6. 1010 . Miranda EC, Andrade NA, Gil D, Iório MCM. A efetividade do treinamento auditivo formal em idosos usuários de próteses auditivas no período de aclimatização. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(4):316-21. 1313 . Miranda EC, Gil D. Iório CM. Formal auditory training in elderly hearing ais users. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2008;74(6):919-25..

Nos estudos referentes à LOF e estratégias de comunicação, foram realizadas em média 5 sessões que consistiam na apresentação dos fonemas labiais (/p, /b/), na 1ª sessão; dentoalveolares (/t, /d/), na 2ª sessão; palatoalveolares (/f, /v/), na 3ª sessão; palatais (/m, /n, /l/), 4ª sessão, e velares (/k, /g, /r, /s, /S/), na 5ª sessão, em palavras dissílabas e trissílabas, bem como em frases. Em cada sessão, foram aplicadas três diferentes estratégias de comunicação, sendo elas: "Preste atenção no falante, não só nos lábios, mas também nos gestos e expressões", "O rosto do falante deve estar sempre à frente", "Tente relaxar, a tensão interfere na habilidade de leitura labial", "Aprenda a olhar as ideias, não só as palavras isoladas", entre outras1818 . Marques AC de O, Kozlowski L, Marques, JM. Reabilitação auditiva no idoso. Rev. Brás. Otorrinolaringol. 2004;70(6):806-11. 1919 . Marques ACO, Polato D, Mello JM, Vieira LF. Programa de reabilitação auditiva ao idoso portador de presbiacusia. J Bras Fonoaudiol. 2002;13(3):274-8..

O treinamento auditivo associado às tarefas cognitivas também foi abordado por outros estudos, com a duração de 8 semanas, em que as tarefas de discriminação da fala, figura-fundo e fechamento auditivo foram realizadas a partir do exercício de memória auditiva e das estratégias de comunicação em que os participantes receberam dicas úteis para se adaptarem a diferentes situações do cotidiano1515 . Song JH, Skoe E, Banai K, Kraus N. Training to improve hearing speech in noise: Biological mechanisms. Cerebral Cortex. 2012;22:1180-90. 1616 . Anderson S, White-Schwoch T, Parbery-Clark A, Kraus N. Reversal of age-related neural timing delays with training. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. 2013;110(13):4357-62..

Quanto ao estudo que envolveu as habilidades de ordenação e resolução temporal, foram citadas as seguintes tarefas: treinamento auditivo musical (TAM), que contemplou as habilidades auditivas de processamento temporal, atenção seletiva por meio de figura-fundo de sons instrumentais, de frequência e duração dos sons, escuta direcionada, ritmo e fechamento auditivo1212 . Henning TR, Costa MJ, Rossi AG, Moraes AB. Efeitos da reabilitação auditiva na habilidade de ordenação temporal em usuários de próteses auditivas. J Soc. Bras. Fonoaudiol. 2010;24(1):26-33..

Como já mencionado, a maioria dos estudos pesquisados foi de delineamento clínico em que se prevê algum tipo de mensuração, antes e após a realização do experimento, comparado a um grupo controle que realizou as mesmas medidas, porém sem o tratamento. Dessa forma, as avaliações consistiram, basicamente, dos questionários de autoavaliação: Hearing Handicap Inventory for the Elderly (HHI-E) e Abbreviated Profile of Hearing Aid Benefit (APHAB); audiometria tonal; pesquisa de relação sinal/ruído; teste de reconhecimento de sentenças no ruído; pesquisa do índice de reconhecimento de fala não sensibilizado; testes de padrões sequenciais de duração e padrões sequenciais de frequência; testes de escuta direcionada, teste monótico de fala no ruído e teste de percepção de fala com monossílabos e dissílabos, além de avaliação eletrofisiológica por meio de teste de potencias evocados de longa latência 4. Megale RL, Iorio MCM, Schochat, E. Treinamento auditivo: avaliação do benefício em idosos usuários de prótese auditiva. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(2):101-6. 1010 . Miranda EC, Andrade NA, Gil D, Iório MCM. A efetividade do treinamento auditivo formal em idosos usuários de próteses auditivas no período de aclimatização. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(4):316-21. 1212 . Henning TR, Costa MJ, Rossi AG, Moraes AB. Efeitos da reabilitação auditiva na habilidade de ordenação temporal em usuários de próteses auditivas. J Soc. Bras. Fonoaudiol. 2010;24(1):26-33. 1414 . Gil D, Iório MCM. Formal auditory training in adult hearing aid users. Clinics. 2010;65(2):165-74. 1818 . Marques AC de O, Kozlowski L, Marques, JM. Reabilitação auditiva no idoso. Rev. Brás. Otorrinolaringol. 2004;70(6):806-11. 1919 . Marques ACO, Polato D, Mello JM, Vieira LF. Programa de reabilitação auditiva ao idoso portador de presbiacusia. J Bras Fonoaudiol. 2002;13(3):274-8..

A maioria desses artigos referem que houve melhora significante no teste de percepção da fala em monossílabos e dissílabos, testes de padrões de duração e frequência e tarefas de nomeação.

De acordo com a literatura pesquisada e com as evidências clínicas, um programa de treinamento auditivo eficaz poderia envolver tarefas de interação binaural, fechamento auditivo e figura-fundo, resolução temporal, ordenação temporal e estímulos dicóticos, associadas as funções cognitivas de atenção, linguagem, memória e funções executivas envolvendo tanto as abordagens guiadas pelo estímulo (bottom up) e guiadas pela tarefa o (top down). Além disso, as estratégias de comunicação e LOF podem ser fortes aliadas nesse processo. O processo de reabilitação poderia constar de, no mínimo, 8 sessões realizadas semanalmente, com a duração de 45 minutos a 1 hora.

Apesar de alguns estudos comprovarem a eficácia do treinamento auditivo formal, critica-se a utilização dos instrumentos padronizados de testagem em reabilitação, pois retiram a possibilidade de nova avaliação com medidas comportamentais. Salienta-se, então, a necessidade de recursos específicos para a realização do treinamento auditivo formal para o usuário de AASI como softwares e outros recursos áudio visuais.

Como instrumentos de medida, propõe-se a utilização de testes de processamento auditivo como fala no ruído, testes de resolução temporal como Randon Gap Detection Test (RGDT) e Gaps in Noise (GIN) e dicótico de dígitos. Os três primeiros oferecem informações sobre o processo de decodificação, comumente alterado nos usuários de AASI, e o último tem se mostrado útil ao identificar a existência ou não de interferência binaural. Além desses, as medidas pré e pós- treinamento auditivo poderiam envolver potenciais evocados de longa latência, bem como a utilização de questionários de satisfação.

Conclusão

Os artigos mencionados no presente estudo demonstram que o treinamento auditivo aplicado nas suas diferentes concepções, sendo formal, informal, com LOF ou estratégias de comunicação, analítico ou sintético, beneficia os usuários de AASI, principalmente quando envolve tarefas com demanda cognitiva.

Referências

  • 1
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  • 2
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2014
  • Aceito
    07 Abr 2015
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