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Evidências de validade do “Test of Narrative Language (TNL)” adaptado para o português brasileiro

RESUMO

Objetivo:

fornecer evidências psicométricas da versão do Teste de Linguagem Narrativa, examinando: a) equivalência e análise da consistência interna; b) diferenciação do desempenho por idade; c) validade de convergência; e, d) análise da dimensionalidade.

Métodos:

a versão adaptada do teste foi aplicada em 68 crianças, com idades entre cinco anos e seis anos e onze meses, em desenvolvimento típico, de escolas particulares e pública. Foi realizada análise dos dados para confiabilidade e validade do instrumento.

Resultados:

nos três itens de compreensão narrativa, melhores escores foram obtidos mediante história contada ilustrada em sequência lógica com cinco figuras, depois com cena única e, finalmente, sem qualquer figura. Nas três tarefas de produção narrativa, o melhor desempenho foi, primeiramente, na história contada sobre a cena única, depois com sequência lógica com cinco figuras e, por fim, sem figura. Os escores de todas as crianças da escola privada e das de seis anos, de escolas privadas e pública, não apresentaram diferença significante. O modelo de estrutura unifatorial explicou melhor a dimensionalidade do instrumento.

Conclusão:

evidências de confiabilidade e validade demonstraram sua indicação e o potencial dos resultados deve ser considerado para futura construção de medida padronizada para avaliação da narrativa oral.

Descritores:
Desenvolvimento da Linguagem; Linguagem Infantil; Testes de Linguagem; Narração; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose:

to furnish psychometric evidence of the Test of Narrative Language version, examining a) the equivalence and analysis of internal consistency; b) performance differentiation per age; c) convergent validity; and d) dimensionality analysis.

Methods:

the adapted test version was applied to 68 children with typical development, aged 5 to 6 years and 11 months, from private and public schools. The data were analyzed for the reliability and validity of the instrument.

Results:

in the three narrative comprehension items, the highest scores were obtained when the story was told with five pictures in a logical sequence, followed by the one with a single picture, and lastly, the one with no pictures. In the three narrative production tasks, the best performance was in the story told along with a single picture, followed by the five pictures in a logical sequence, and lastly, the one with no pictures. There was no significant difference in the scores of all private-school children and in those of the 6-year-old public- and private-school children. The single-factor structure better explained the instrument dimensionality.

Conclusion:

the reliability and validity evidence demonstrated its indication, and the potential of the results must be taken into account for future standardized construction to assess oral narrative.

Keywords:
Language Development; Child Language; Language Tests; Narration; Speech, Language and Hearing Sciences

Introdução

As relações sociais estão pautadas na comunicação. Quando descobre a função simbólica da linguagem, a criança inicia o desenvolvimento da narrativa, ampliando sua competência comunicativa. As narrativas evoluem e tornam-se mais complexas até que a criança seja narradora de fato, o que ocorre a partir de quatro anos11. Perroni MC. Desenvolvimento do discurso narrativo. São Paulo: Martins Fontes; 1992.. Para tanto, a linguagem oral circulante no meio sociointeracionista da criança deve ser variada em seus estilos. A diversidade das práticas comunicativas constitui fator crucial para o desenvolvimento das narrativas22. Silva ACF, Ferreira AA, Queiroga BAM. Development of oral narrative and level of mother's education. Rev. CEFAC. 2014;16(1):174-86., seja de relatos ou histórias, onde está em jogo a integração dos subsistemas linguísticos e habilidades cognitivas.

A narrativa oral apresenta uma definição clássica: “um método de recapitular experiências passadas fazendo corresponder uma sequência verbal de cláusulas à sequência de eventos que efetivamente ocorreram”33. Labov W, Waletzky J. Narrative analysis: oral versions of personal experience. In: Helm J, editor. Essays on the verbal and visual arts. Seattle: University of Washington Press; 1967. p.12-44.. A organização do conteúdo da narrativa, mediante eventos relacionados, se faz pelo uso de interconexões globais, macroestruturais, relativas à coerência44. Rungrojsuwan S. The development of narrative macrostructure of Thai children. rEFLections. 2019;26(2):1-23.,55. Norbury CF, Bishop DVM. Narrative skills of children with communication impairments. Int J Lang Commun Disord. 2003;38(3):287-313.. Por outro lado, as conexões locais, microestruturais, relacionadas à coesão, referem-se a dispositivos linguísticos relacionados à sintaxe44. Rungrojsuwan S. The development of narrative macrostructure of Thai children. rEFLections. 2019;26(2):1-23.,55. Norbury CF, Bishop DVM. Narrative skills of children with communication impairments. Int J Lang Commun Disord. 2003;38(3):287-313..

Dificuldades na produção ou compreensão de narrativas podem trazer problemas sociais e acadêmicos. A habilidade narrativa oral da criança servirá de base à interpretação das primeiras leituras e construções escritas66. Pinto G, Tarchi C, Bigozzi L. The relationship between oral and written narratives: a three-year longitudinal study of narrative cohesion, coherence, and structure. Br J Educ Psychol. 2015;85(4):551-69.. As relações entre narrativa oral e histórias escritas são notadas já nos primeiros anos escolares77. Pinto G, Tarchi C, Bigozzi L. Development in narrative competencies from oral to written stories in five to seven-year-old children. Early Child Res Q. 2016;36:1-10.,88. Almeida ANS, Freitag RMK. Narrativas de alfabetizandos e a competência linguística. Linguagem & Ensino. 2014;17(2):551-71.. A criança depende da alfabetização bem-sucedida para evoluir academicamente. Portanto, faz-se necessário o acompanhamento do desenvolvimento de habilidades em produção e compreensão da narrativa oral, por meio de distintas tarefas e contextos, eficazes o suficiente, para melhor direcionar as intervenções pedagógicas88. Almeida ANS, Freitag RMK. Narrativas de alfabetizandos e a competência linguística. Linguagem & Ensino. 2014;17(2):551-71.,99. Wajskop G. Linguagem oral e brincadeira letrada nas creches. Educação & Realidade. 2017;42(4):1355-74., ainda em fase pré-escolar, início do processo de alfabetização.

É reconhecida a escassez de instrumentos padronizados e atualizados para a avaliação dos componentes macro e microestruturais, da compreensão e produção da narrativa oral da criança, no português do Brasil1010. Silva LC, Lamônica DAC, Hage SRV. Instruments to assess children's language and speech translated and adapted into Brazilian Portuguese: an integrative literature review. Rev. CEFAC. 2021;23(2):e12520.. A falta destes instrumentos dificulta a identificação de comprometimentos nas habilidades de narrativa oral, e, por consequência, a intervenção que se possa fazer integrada à rotina escolar da criança, ou em casos mais graves, contando com o trabalho clínico do fonoaudiólogo. Uma forma de realizar esta avaliação, muito bem aceita pelas crianças por ser lúdica e prazerosa, envolve a contação e o reconto de histórias, conforme propõe o Teste de Linguagem Narrativa - Test of Narrative Language (TNL)1111. Gillam RB, Pearson NA. Test of Narrative Language (TNL). Austin: Pro-Ed; 2004. - elaborado para avaliar a aquisição de habilidades da narrativa oral em crianças de cinco anos a onze anos e onze meses de idade.

A aplicabilidade do TNL tem sido observada na literatura mediante propósitos diferenciados. Sua importância foi destacada para identificar e analisar dificuldades na narrativa oral de crianças com diagnóstico de transtorno no desenvolvimento da linguagem1212. Domsch C, Richels C, Saldana M, Coleman C, Wimberly C, Maxwell L. Narrative skill and syntactic complexity in school-age children with and without late language emergence. Int J Lang Commun Disord. 2012;47(2):197-207., bem como de crianças bilíngues1313. Pearce WM, Williams C, Steed W. Dialectal grammatical differences in oral narratives of school-aged indigenous Australian children. Int J Speech Lang Pathol. 2015;17(4):335-45.,1414. Squires KE, Lugo-Neris MJ, Peña ED, Bedore LM, Bohman TM, Gillam RB. Story retelling by bilingual children with language impairments and typically developing controls. Int J Lang Commun Disord. 2013;49(1):60-74.. O TNL foi empregado para documentação da evolução da narrativa oral de crianças, participantes de programa de intervenção, visando ao seu desenvolvimento1515. Gillam S, Olszewski A, Fargo J, Gillam R. Classroom-based narrative and vocabulary instruction: results of an early-stage, nonrandomized comparison study. Lang Speech Hear Serv Sch. 2014;45(3):204-19.. O teste também foi abordado como uma das medidas de linguagem oral para verificar a eficácia do uso de outro instrumento rastreador de risco de distúrbio de linguagem1616. Timler GR. Use of the children's Communication Checklist-2 for classification of language impairment risk in young school-age children with attention-deficit/hyperactivity disorder. Am J Speech Lang Pathol. 2014;23(1):73-83.. E ainda, o TNL foi utilizado para investigação do desempenho de crianças em desenvolvimento típico, em versão adaptada para o português brasileiro1717. Costa GM, Rossi NF, Giacheti CM. Performance of Brazilian Portuguese speakers in The Test of Narrative Language (TNL). CoDAS. 2018;30(4):e20170148..

Recentemente, foi realizada a tradução e adaptação transcultural do TNL para o português brasileiro, cuja autorização, pessoal e intransferível, foi obtida no ano de 2015, mediante contrato formal entre a pesquisadora e a editora PRO-ED, Inc.1818. Santos G dos. Adaptação transcultural e evidências de validade do Test of Narrative Language para o português brasileiro [dissertation]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2019.. Foram seguidos passos fundamentais para a adaptação do teste1818. Santos G dos. Adaptação transcultural e evidências de validade do Test of Narrative Language para o português brasileiro [dissertation]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2019., que permitiram a avaliação da equivalência de item, semântica e conceitual, e, ainda, a realização do estudo-piloto visando ao refinamento do instrumento e preparar o avaliador1919. Zaccaron R, D'Ely RCSF, Xhafaj DCP. Estudo piloto: um processo importante de adaptação e refinamento para uma pesquisa quase experimental em aquisição de L2. Revista do GELNE. 2018;20(1):30-41.. Além do teste em si, o material referenciado para aplicação foi preservado e o manual foi traduzido, oferecendo condições para a boa condução do teste pelo aplicador e para correção e análise dos resultados, em conformidade com a proposta original. A partir de evidências de confiabilidade e validade de construto, a versão do português brasileiro indicou resultados favoráveis à aplicação do TNL para crianças em idade de alfabetização.

Esse estudo objetiva fornecer evidências das qualidades psicométricas de confiabilidade e validade da versão do TNL, para uso clínico, examinando: a) a equivalência e análise da consistência interna do instrumento; b) a diferenciação do desempenho por idade; c) a validade de convergência; e, d) a análise da dimensionalidade do instrumento.

Métodos

Aspectos Éticos

Para a condução do estudo, foram observados os preceitos éticos conforme Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº466 de 12/12/2012, do Ministério da Saúde. O protocolo da pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Neurologia Deolindo Couto, Brasil, sob o número 1.972.625.

A pesquisadora realizou reuniões presenciais nas escolas, para apresentar a proposta aos responsáveis pelas crianças. Aqueles que compareceram e autorizaram a participação, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, construído para o estudo e, ainda, responderam ao questionário para a classificação socioeconômica. O questionário voltado para o Critério de Classificação Econômica Brasil, elaborado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2015), é composto por 12 itens de conforto, grau de instrução do chefe de família e acesso a água encanada e rua pavimentada.

População de Estudo

No período de agosto a dezembro de 2017, foram recrutadas crianças na faixa etária de cinco anos a seis anos e onze meses, estudantes de quatro escolas particulares e uma escola pública do município do Rio de Janeiro.

A permissão da editora de um número reduzido de participantes, em torno de sessenta, ocasionou a restrição da aplicação do TNL em duas faixas etárias, em função de se obter evidências de validade. A escolha da faixa etária deveu-se à importante oportunidade, tanto para providências educacionais, quanto clínicas, no sentido de promover um melhor desenvolvimento da linguagem oral da criança com reflexos positivos em seu processo de alfabetização.

Critérios de Inclusão e Exclusão

Foi considerada a observação do professor acerca do desempenho acadêmico das crianças compatível com o ano escolar, bem como a inexistência de qualquer queixa ou dificuldade relacionada às alterações sensoriais, mentais, neurológicas, neuropsiquiátricas, linguísticas e/ou cognitivas. Também foi aferido o desenvolvimento linguístico-cognitivo das crianças, pelo emprego de avaliações do processamento fonológico, não-verbal de inteligência e da Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem (ADL)2020. Menezes MLN. Avaliação do desenvolvimento da linguagem. Rio de Janeiro (RJ): Editora Autor; 2004.. Tais avaliações foram realizadas em duas sessões com cada criança individualmente, de quarenta a cinquenta minutos, em momento e local conveniente à escola.

A Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem (ADL), a avaliação do processamento fonológico (acesso lexical, consciência fonológica e memória de trabalho) e o Teste de Linguagem Narrativa (TNL) foram aplicados pela pesquisadora fonoaudióloga. O Teste Não-Verbal de Inteligência - R2 foi aplicado por psicólogas, por serem de uso restrito deste profissional. As psicólogas aplicaram o teste, em parte da segunda sessão, na presença da pesquisadora por esta já conhecer as crianças e o ambiente escolar. Os resultados obtidos pelas crianças apresentaram-se de acordo com o esperado para sua faixa etária, por isso, não houve exclusão de participantes.

O Teste de Linguagem Narrativa (TNL)

O TNL avalia o conhecimento da estrutura de histórias, considerando os elementos constituintes da narrativa. O instrumento apresenta correlação significante entre idade e desempenho, tanto em compreensão, como em produção de narrativa, bem como, com outras medidas tradicionais de linguagem oral1111. Gillam RB, Pearson NA. Test of Narrative Language (TNL). Austin: Pro-Ed; 2004..

Para as crianças falantes do português brasileiro, a adaptação transcultural do TNL, realizada por outros autores, encontrou diferenças significantes no desempenho, de acordo com as idades, de crianças provenientes de escola pública2121. Rossi NF, Lindau TA, Gillam RB, Giacheti CM. Cultural adaptation of the Test of Narrative Language (TNL) into Brazilian Portuguese. CoDAS. 2016;28(5):507-16.. Não foram reportadas outras evidências de validade para o TNL. O emprego da versão realizada para o presente estudo, visando à investigação de evidências de validade1818. Santos G dos. Adaptação transcultural e evidências de validade do Test of Narrative Language para o português brasileiro [dissertation]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2019., dedicou-se a conhecer o desempenho no TNL de crianças de escola pública e particular.

O teste é composto por três tarefas de compreensão da narrativa oral e três tarefas para a produção de narrativa oral pela criança. As três tarefas de compreensão da narrativa oral são realizadas mediante três histórias contadas para a criança, apresentadas da seguinte maneira: a) História do “McDonald’s”, sem imagem, b) História “O Barco Quebrado”, com sequência lógica de cinco gravuras, e, c) História “O Dragão”, com única cena. As três tarefas para a produção de narrativa oral pela criança são executadas por meio dos seguintes contextos: a) reconto da história “McDonald’s”, sem imagem, b) criação de história a respeito de um menino “atrasado para a escola”, com sequência lógica de cinco gravuras, e, c) criação de história acerca de “extraterrestres”, com única cena. As tarefas são apresentadas de forma intercalada, sendo uma de compreensão e, logo após, uma de produção, conforme explicado a seguir.

Na tarefa um, sem imagem, intitulada “McDonald’s”, inicialmente, a pesquisadora indagava se a criança já havia comido no McDonald’s e o que gostava de pedir. Se a criança respondesse negativamente, o examinador dizia que McDonald’s é uma lanchonete, e esperava a nomeação dos seus lanches habituais, sem atribuir qualquer pontuação. Em seguida, informava que a criança escutaria uma história e que, posteriormente, deveria responder algumas perguntas e recontar tal história. Então, eram feitas 11 perguntas à criança, cabendo uma ou mais respostas em algumas delas, totalizando 15 pontos.

Na tarefa dois, sem imagem, era solicitado à criança o reconto da história “McDonald’s”, sem qualquer intervenção. A pontuação era atribuída no texto, onde constavam palavras-chave em negrito, seguidas por um espaço para marcação de 1 ponto caso a criança a tivesse narrado. Foram 26 palavras-chave destacadas na história, que totalizavam 26 pontos para a tarefa dois.

A tarefa três tratava-se da história “O Barco Quebrado”, lida para a criança mediante a apresentação de uma sequência lógica de cinco gravuras. A sequência lógica ficava exposta durante todo o tempo, enquanto a criança escutava a história e respondia a nove perguntas sobre itens e o estado mental dos personagens. Responder sobre nome e ações dos personagens e o local da história, por exemplo, indicava a coerência do conhecimento semântico-lexical acerca da história. A tarefa três totalizava 11 pontos.

Na tarefa quatro, para a história “Atrasado para a escola”, a pesquisadora pedia à criança que contasse uma história sobre cinco figuras em sequência, mostrando-as da esquerda para a direita, sem oferecer nenhuma dica. Eram pontuados 18 itens essenciais, esperados para essa narrativa, além de zero a dois pontos para elementos da macro e microestrutura divididos em eventos, gramática e história. Eventos diziam respeito às relações estabelecidas entre eles de modo temporal e causal. A pontuação para a gramática referia-se à adequação do tempo verbal utilizado e da estruturação frasal. Finalmente, era observada a coerência, organização e criatividade da história. A tarefa quatro totalizava 30 pontos.

A tarefa cinco contava a história intitulada “O Dragão”, utilizando ilustração de cena única. Eram feitas dez perguntas a respeito da cena exposta, sobre itens da história e o estado mental dos personagens. Perguntas sobre nome, local e fatos provocavam respostas objetivas sobre itens contidos nos eventos principais. Uma pergunta suscitava a expressão de estado mental do personagem. Era atribuído um ponto para cada resposta correta, totalizando 14 pontos.

Finalmente, na tarefa seis, era apresentada uma cena de extraterrestres. Era solicitado que a criança contasse uma história completa. A única intervenção possível era dizer: “me diz como essa história começa”. A pontuação total desta tarefa era de 34 pontos distribuídos, sempre de acordo com o protocolo original, entre os seguintes elementos da narrativa produzida: a) Cenário: onde e quando a história aconteceu; b) Personagens: identificação dos humanos e dos extraterrestres, e a respeito dos diálogos entre eles; c) Elementos da história: o problema, ações e eventos para resolução do problema, relações temporais e causais, consequência e finalização da história; d) Vocabulário e Gramática: descrição dos objetos, referência pessoal, tempo verbal e estruturação frasal adequados; e) História: coerência, organização e criatividade.

As tarefas de compreensão da narrativa e as de produção narrativa oral eram pontuadas separadamente. Foram gerados o escore bruto, o equivalente etário, o percentual e a nota padrão. O somatório das notas padrões resultava na pontuação composta. Esta, finalmente, determinava o índice de habilidade da linguagem narrativa (IHLN). Tal índice propõe a descrição da habilidade da linguagem narrativa como “muito superior” para pontuação igual ou acima de 130, e, “muito fraco” para igual ou abaixo de 70.

Procedimentos de Análise dos Dados

As evidências das qualidades psicométricas da versão do TNL, para aplicação com as crianças brasileiras, foram examinadas a partir dos procedimentos descritos abaixo.

A confiabilidade do teste foi avaliada por meio da equivalência, ou seja, da concordância entre duas avaliadoras, e por meio da consistência interna. Portanto, para a equivalência foi necessária a participação de duas avaliadoras independentes, treinadas pela pesquisadora para pontuar as respostas das crianças, seguindo orientações originais do manual do TNL. Destaca-se que tais avaliadoras não tiveram contato com as crianças, nem aplicaram o teste. A concordância entre as duas avaliadoras para a pontuação das respostas das crianças em cada subteste do TNL foi calculada por meio dos coeficientes: a) correlação de Pearson para o TNL total, linguagem compreensiva e linguagem expressiva, e b) Cohen’s Kappa, para cada item do teste. A análise de consistência interna do instrumento foi calculada por meio do coeficiente Alpha de Cronbach.

Evidências de validade foram apresentadas por meio do desempenho das crianças, considerando a idade e tipo de escola tanto para os escores de compreensão e produção de narrativa separadamente como para o escore total do TNL. Para cada nível de análise, foi realizada a Análise de Variância (ANOVA), tendo como fatores a idade e o tipo de escola das crianças.

Para exame de validade de convergência para a faixa etária de cinco a seis anos, foi realizada a análise de correlação de Pearson dos desempenhos das crianças no TNL com a ADL.

Para exame da estrutura do TNL, ou seja, a análise da dimensionalidade do instrumento, foram realizadas análises fatoriais exploratórias (AFE) e confirmatórias (AFC). Considerando a bidimensionalidade do TNL, expressão e compreensão da narrativa oral, foram realizadas duas AFE: uma sem a especificação do número de fatores e outra que determinava a distribuição em dois fatores. Em todas as análises foi empregado o Método de Análise de Componente Principal. A adequação da amostra foi avaliada pelo teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e do teste de esfericidade de Bartlett.

Para as AFC, cuja finalidade é avaliar os índices de adequação de ajuste (goodness-of-fit) dos modelos exploratórios, foi utilizado o método de Maximum Likelihood with robust (Huber-White) standard errors (MLR). Os índices de ajuste absoluto (absolute fit) calculados foram: qui-quadrado (χ2); razão qui-quadrado/graus de liberdade (χ2/gl) e raiz-quadrada dos resíduos padronizados (SRMR). O índice de ajuste parcimonioso empregado foi o índice de raiz quadrada do erro ajustado (RMSEA). Finalmente, os índices de ajuste comparativo utilizados foram o índice de adequação de ajuste (CFI) e o índice de Tucker-Lewis (TLI).

Resultados

Das 34 crianças de cinco anos de idade, participantes do estudo, 15 eram de sexo masculino, todas estavam matriculadas na educação infantil (pré II), sendo 16 de escola privada. Sobre as 34 crianças de seis anos de idade, 23 eram de sexo masculino, oito ainda estavam matriculadas na educação infantil (pré II) e 26 no primeiro ano, sendo 17 em escola privada.

Os dados do perfil socioeconômico da população desse estudo, de acordo com o “critério de classificação econômica Brasil”2222. ABEP: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [homepage on the internet]. Critério de classificação econômica Brasil - Critério Brasil; 2015. [accessed on 2021 Jul 29]. Available at: http://www.abep.org/criterio-brasil
http://www.abep.org/criterio-brasil...
, retratam a desigualdade da sociedade brasileira, na qual a maioria das crianças da escola privada (acima de 77%) pertencia às classes A, B1 e B2, enquanto as matriculadas em escola pública (acima de 71,5%) pertenciam às classes C1, C2 e D-E. Ademais, enquanto quase a metade (43,7%) dos chefes de família das crianças provenientes da escola pública havia concluído a educação básica, todos os responsáveis pelas crianças de cinco anos e quase todos (85,7%) os responsáveis pelas crianças de seis anos da escola privada possuíam nível superior completo.

Os demais resultados serão apresentados em quatro seções: (a) evidências de confiabilidade do TNL; (b) evidências de validade com os dados de desempenho das crianças nas tarefas, quer de linguagem compreensiva, quer expressiva; (c) evidências de validade convergente para o TNL; e (d) análise da dimensionalidade do instrumento.

a) Evidências de Confiabilidade

Inicialmente, foi calculado o coeficiente de concordância entre duas avaliadoras independentes, empregando-se a Correlação de Pearson, para os escores de narrativa compreensiva (r=1,00), expressiva (r=0,86, p<0,01) e para a pontuação do total do teste (r=0,95, p<0,01) de respostas das crianças do TNL. Valores a partir de 0,60 são considerados fortes, e, a partir de 0,90, muito fortes.

Foi computado o coeficiente de concordância entre duas avaliadoras, para cada um dos itens do TNL, por meio do teste de Kappa de Cohen. Para os itens de linguagem compreensiva foi igual a 1,00, classificado como excelente, haja vista a objetividade requerida na resposta das crianças. O intervalo dos coeficientes Kappa para a linguagem expressiva revelou que 29% dos itens tiveram coeficiente abaixo daquele convencionado como aceitável.

A consistência interna do teste foi calculada por meio do coeficiente alpha de Cronbach. O resultado para a habilidade de linguagem narrativa (todo o teste) foi de 0,91, linguagem compreensiva de 0,83 e para a linguagem expressiva de 0,87.

b) Evidências de Validade: desempenho das crianças nas tarefas do TNL

Compreensão da Narrativa

Quanto às evidências de validade, o desempenho das crianças nas tarefas de compreensão da narrativa é apresentado na Tabela 1. Os resultados da ANOVA revelaram diferença significante para idade (F (1,64)=8,73, p<0,01), tipo de escola (F (1,64)=31,64, p<0,01) e tarefa (F (2,128)=41,44, p<0,01). Comparações post-hoc (Bonferroni) mostraram diferenças significantes entre as tarefas. As interações não foram significantes.

Tabela 1:
Desempenho das crianças nas tarefas de compreensão da narrativa (N= 68)

As crianças, independentemente da idade e do tipo de escola, obtiveram melhor desempenho, em ordem decrescente, no contexto de compreensão da história ouvida mediante a sequência lógica (Barco Quebrado), depois com a cena (Dragão) e, por último, sem figura (McDonald’s). Tal desempenho foi medido por meio de questionário com perguntas literais na presença das figuras, com exceção da tarefa um, na qual foi contada a História do McDonald’s sem figura alguma. A única pergunta inferencial identificada nos questionários foi na tarefa um: “O que você acha que eles deveriam fazer?”, após pedirem o lanche e a mãe ter percebido que deixou a carteira em casa. As crianças de cinco e seis anos do presente estudo, em sua maioria (79,4%), citaram duas ou mais ações apropriadas dos personagens. Apesar disto, as crianças compreenderam melhor as histórias contadas mediante imagens visuais. E, comparativamente, imagens dispostas em sequência lógica beneficiaram ainda mais do que uma única cena. A ilustração passo a passo da história, superposicionada à narrativa ouvida pela criança, foi eficazmente utilizada para o melhor funcionamento de toda arquitetura mental envolvida na tarefa de compreender narrativas orais. E ainda, cabe mencionar que a respeito da História do McDonald’s, sem imagens, todas as crianças afirmaram conhecer o McDonald’s, com exceção de quatro crianças, duas de escola particular e duas de escola pública, que declararam não conhecer nenhuma lanchonete.

Produção da Narrativa

Os escores nas tarefas de produção da narrativa são apresentados na Tabela 2. Os resultados da ANOVA revelaram diferença significante para idade (F (1,64)=18,22, p<0,01), tipo de escola (F (1,64)=14,17 p<0,01) e tarefa (F (2,128)=38,65, p<0,01). O teste Post hoc (Bonferroni) revelou diferença significante de todas as tarefas entre si. Houve interação significante apenas entre idade e tipo de escola (F (1,64) = 4,27, p=0,04). O teste Post hoc (teste t student, com correção de Bonferroni com valor de p<0,01) revelou que não havia diferença significante entre os escores das crianças de cinco e seis anos na escola privada (t(32)= 1,65, p=0,06), assim como não havia diferença entre os escores das escolas pública e privada aos seis anos (t(32 )= 1,26, p=0,22).

Tabela 2:
Desempenho das crianças nas tarefas de produção da narrativa (N= 68)

Compreensão e Produção da Narrativa

A Tabela 3 apresenta os escores dos índices de compreensão e expressão da narrativa. Importante destacar que todas as crianças desse estudo obtiveram o índice de habilidade da linguagem narrativa (IHLN) classificado como na “média” ou superior, padrão este compatível com o das crianças norte-americanas de mesma faixa etária.

Tabela 3:
Índices de compreensão e produção da narrativa

Os resultados da ANOVA revelaram diferença significante para idade (F (1,64) = 17,04, p<0,01), tipo de escola (F (1,64) = 29,64, p<0,01) e dimensão da narrativa (F (1,64) = 353,79, p<0,01). Houve interação significante, apenas, entre tipo de escola e dimensão da narrativa (F (1,64) = 7,48, p<0,01). Teste Post Hoc (teste t student, com correção de Bonferroni para p<0,01) revelou que havia diferença significante entre narrativa expressiva e compreensiva, tanto para escola pública (t (33) = 10,19, p<0,01) quanto privada (t (33) = 18,24, p<0,01), sendo os melhores escores atribuídos à narrativa compreensiva. De forma semelhante, havia diferença significante entre escola pública e privada, quando considerada a dimensão de narrativa compreensiva (t (66) = 5,34, p<0,01) e expressiva (t (66) = 3,24, p<0,01).

Narrativa Oral (Escore Total)

O desempenho das crianças no escore total do teste demonstrou correlação significante entre o TNL e idade (r=0,41, p<0,01). Por meio da ANOVA, foi comparado o desempenho das crianças em narrativa oral, por meio da média (M) e desvio padrão (DP), tendo como fatores a idade e o tipo de escola. Na escola privada, as 16 crianças de cinco anos, obtiveram os seguintes escores: M=0,54 e DP=0,07; enquanto que, as 17 crianças de seis anos, apresentaram M=0,59 e DP=0,09. O total das 33 crianças de escola privada foi de M=0,57 e DP=0,09. Na escola pública, foram encontrados escores para as 35 crianças (M=0,46 e DP=0,10), sendo 18 crianças de cinco anos (M=0,40 e DP=0,07) e 17 crianças de seis anos (M=0,53 e DP=0,08). Para o total das 68 crianças, a M=0,52 e DP=0,11; sendo que as crianças de cinco anos obtiveram M=0,47 e DP=0,10, enquanto as de seis anos, M=0,56 e DP=0,09.

Em suma, os resultados da ANOVA revelaram diferença significante para idade (F (1,64)= 19,428, p<0,01) e tipo de escola (F (1,64)=31,87, p<0,01). As crianças de seis anos tiveram desempenho melhor do que as de cinco anos. As crianças que estudavam em escola particular tiveram melhor desempenho do que seus pares de escola pública. Não houve interação significante entre idade e tipo de escola (F (1,64)=3,79, p=0,06).

c) Evidências de validade convergente para o Teste de Linguagem Narrativa

Foi examinada a relação entre o TNL e a ADL, por meio do teste de correlação de Pearson. Foi observada correlação significante entre os escores totais do TNL e da ADL (r=0,39, p=0,01), como entre os escores de linguagem expressiva do TNL e da ADL (r=0,34, p<0,01). No entanto, não foi observada correlação estatisticamente significante entre os escores de linguagem receptiva do TNL e da ADL (r=0,10, p=0,41).

d) Análise da Dimensionalidade do TNL

Análise Fatorial Exploratória (AFE)

O método de extração, por meio da análise de componente principal para o TNL, foi utilizado para a primeira AFE, baseada no Eigenvalue (3,202), com 53,36% de variância explicada. Tal análise, realizada sem a especificação de fatores, apresentou a solução de um fator, o qual incluiu todos os subtestes do TNL (KMO = 0,81; Teste de Esfericidade de Bartlett χ (15) = 130,02, p<0,01). As cargas fatoriais, para cada subteste, foram as seguintes: a) de compreensão (McDonald’s=0,84; Barco Quebrado=0,74; Dragão=0,73); e, b) de produção (Extraterrestres=0,74; McDonald’s=0,72; Atrasado para a Escola=0,60).

A segunda AFE, realizada com Método de Análise de Componente Principal, Rotação Oblíqua (Promax) e número fixo de dois fatores, apresenta a solução descrita na Tabela 4 (análise fatorial com fatores fixos), a qual incluiu todos os subtestes do TNL (KMO = 0,83; Teste de Esfericidade de Bartlett χ (15) = 130,02, p<0,01). O componente 1, com eigenvalue de 3,202, tem um percentual de variância explicada de 53,36; o componente 2, com eigenvalue de 0,904, tem um percentual de variância explicada de 15,06.

Tabela 4:
Análise fatorial com fatores fixos*

Análise Fatorial Confirmatória (AFC)

Na Tabela 5, são apresentados os índices de adequação de ajuste para os modelos exploratórios para o TNL: modelo unifatorial e o modelo bifatorial. Embora o modelo bifatorial também apresente bons índices de ajuste, isso não ocorre com o índice RMSEA.

Tabela 5:
Índices de adequação de ajuste do Teste de Linguagem Narrativa

Discussão

O objetivo deste estudo foi obter evidências de validade para o português brasileiro, para uso clínico, do TNL. As evidências de validade com os dados de desempenho das crianças são discutidas a seguir, considerando somente as tarefas de compreensão, somente as de produção, e, quanto à interação entre tipo de escola e dimensão da narrativa. Na sequência foram abordadas as evidências de validade convergente para o TNL e, finalmente, foi debatida a dimensionalidade do instrumento.

Tarefas de Compreensão da Narrativa

O melhor desempenho das crianças de seis anos nas tarefas de compreensão do TNL indica a evolução esperada com o avanço da idade, corroborando a literatura2323. Prando ML, Jacobsen GM, Gonçalves HA, Siqueira LS, Moraes AL, Pureza J et al. Discurso narrativo oral infantil. In: Fonseca RP, Prando ML, Zimmermann N, editors. Avaliação de linguagem e funções executivas em crianças - Tarefas para Avaliação Neuropsicológica. São Paulo (SP): Memmon; 2016. p. 106-38.. A maior amplitude de vocabulário receptivo nessa idade, pode facilitar a compreensão das palavras e a relação entre elas para o estabelecimento do significado do texto ouvido. Além disso, as crianças de seis anos respondem mais precisamente às perguntas do que crianças de quatro anos e seis meses, inclusive àquelas de maior complexidade referentes à resolução do problema da história e à sua consequência2424. Brandão ACP, Spinillo AG. Aspectos gerais e específicos na compreensão de textos. Psicologia: Reflexão e Crítica. 1998;11(2):0.. Parece haver uma evolução contínua desde os quatro anos, que não depende somente de aspectos linguísticos, como a relação e integração entre os enunciados e o conhecimento de mundo.

O presente estudo corrobora achados de melhores resultados entre as crianças provenientes de escolas privadas na tarefa do discurso narrativo oral infantil2323. Prando ML, Jacobsen GM, Gonçalves HA, Siqueira LS, Moraes AL, Pureza J et al. Discurso narrativo oral infantil. In: Fonseca RP, Prando ML, Zimmermann N, editors. Avaliação de linguagem e funções executivas em crianças - Tarefas para Avaliação Neuropsicológica. São Paulo (SP): Memmon; 2016. p. 106-38.. Este dado indica que as crianças provenientes da escola pública parecem ter menos oportunidades de acesso à diversidade de bens culturais, o que pode restringir a construção do conhecimento de mundo. Problemas no desenvolvimento da linguagem oral têm sido reportados às influências socioeconômicas em população menos favorecida, caracterizando atraso ou empobrecimento do vocabulário e da sintaxe2525. Dockrell JE, Marshall CR. Measurement issues: assessing language skills in young children. Child Adolesc. Psychiatry Ment. Health. 2015;20(2):116-25.,2626. High PC, Klass P. Literacy promotion: an essential component of primary care pediatric practice. Pediatrics. 2014;134(2):404-9.. Por outro lado, tem sido constatada evolução na qualidade da narrativa oral, após tutela promovida pela avaliadora, tanto para as crianças provenientes de escola privada, como pública2727. Silveira HG, Brocchi BS, Perissinoto J, Puglisi ML. Tutoring effects in the narrative skills of typically developing children. CoDAS. 2019;31(2):1-8.. Isto é, mediante a tutela, todas as crianças demonstraram habilidades potenciais em zona de desenvolvimento proximal2828. Vygotsky LS. A formação social da mente. São Paulo (SP): Martins Fontes; 1991..

A classe social das crianças e o nível de escolaridade dos responsáveis não devem ser concebidos como únicos fatores a influenciar a qualidade de compreensão narrativa das crianças. O tempo de frequência na pré-escola e o ambiente familiar como, por exemplo, os meios de estimulação à linguagem e a qualidade de interação entre pais e filhos também podem ser considerados2929. Dias NM, Bueno JOS, Pontes JM, Mecca TP. Linguagem oral e escrita na Educação Infantil: relação com variáveis ambientais. Psicologia Escolar e Educacional. 2019;23:1-10.,3030. Souza MSL, Cáceres-Assenço AM. Do vocabulary and narrative skills correlate in preschoolers with typical language development? CoDAS. 2021;33(6):1-7..

Com relação ao contexto das tarefas de compreensão, o pior desempenho das crianças foi na História do McDonald’s, contada sem figura. Acredita-se que os bons recursos imagéticos são integrados ao texto ouvido, sendo essenciais para crianças de três a quatro anos de idade3131. Repina TA. Development of imagination. In: Zaporozehts AV, Elkonin DB, editors. The psychology of preschool children. Cambridge: MIT Press; 1971. p. 255-77.. Parece que, para as crianças de cinco e seis anos do presente estudo, a ausência de imagens pode ter dificultado o entendimento da história do McDonald’s.

O melhor desempenho na compreensão da história foi alcançado mediante a exposição da sequência lógica, sobre a História do Barco Quebrado. As imagens serviram como um auxiliar mnemônico na medida em que representavam explicitamente a resposta à determinadas perguntas.

Logo em seguida, a melhor média obtida foi na compreensão narrativa de cena única, que parece ter provocado o mesmo efeito das imagens de sequência lógica, porém em menor intensidade. A História do Dragão trouxe dois problemas, sendo o principal explicitado na cena, em que o dragão cospe labaredas de fogo em direção à Michele, quando ela está pegando o ouro do baú. Quando foram perguntadas sobre quais foram os problemas dessa história, a maioria (60,3%) das crianças de cinco e seis anos de idade referiu-se a apenas um deles, e, destas 83% responderam o problema explícito na cena. Ficou evidente a influência da cena nas respostas das crianças, apesar de a tarefa de registrar, integrar e processar todas as informações da história ter sido mais difícil nessa tarefa do que mediante a sequência lógica.

O uso de imagens visuais, simultaneamente à escuta da história, beneficia a compreensão das narrativas orais, porque facilita o processamento das informações3232. Spinillo AG. O efeito da representação pictográfica na produção de narrativas. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 1991;7(3):311-26.

33. Spinillo AG. Era uma vez... e foram felizes para sempre: esquema narrativo e variações experimentais. Temas em Psicologia. 1993;1(1):67-77.
-3434. Joffe VL, Cain K, Maric N. Comprehension problems in children with specific language impairment: does mental imagery training help? Int J Lang Commun Disord. 2007;42(6):648-64.. A compreensão auditiva de histórias tem interferência direta das habilidades de memória operacional, conhecimento gramatical, inferência e teoria da mente, como exposto em um estudo3535. Kim Y-SG. Direct and mediated effects of language and cognitive skills on comprehension of oral narrative texts (listening comprehension) for children. J Exp Child Psychol. 2016;141:101-20..

Refletindo sobre as habilidades mencionadas acima3535. Kim Y-SG. Direct and mediated effects of language and cognitive skills on comprehension of oral narrative texts (listening comprehension) for children. J Exp Child Psychol. 2016;141:101-20., percebe-se que a justaposição das imagens visuais às informações auditivas das histórias contadas promove melhor funcionamento das mesmas. Assim, as imagens visuais propiciaram a não sobrecarga da memória operacional, facilitação da compreensão de referentes pessoais (ela), espaciais (lá), temporais (quando chegou...) e causais (...porque caiu na lama), confirmação das inferências acerca de determinadas resoluções para o problema da história, e, teoria da mente no que tange à suposição dos estados mentais dos personagens mediante expressões faciais explícitas.

Os questionários do TNL continham perguntas literais para avaliar a recuperação das informações fundamentais da história. É importante haver um balanceamento da quantidade e qualidade das perguntas relacionadas aos elementos macroestruturais. Ademais, não houve perguntas que investigassem a compreensão de elementos microestruturais, como, por exemplo, a compreensão de elementos anafóricos. Em tarefas de compreensão, pretende-se verificar as representações mentais construídas, por meio das quais a criança se apropriará da história ouvida. A questão que se coloca é: qual a melhor forma de investigá-las? O questionário tem sua validade, mas o reconto da história também seria interessante, à medida que oportuniza a avaliação da organização que a criança faz das ideias relevantes, para lhe conferir sentido.

Tarefas de Produção da Narrativa

Ao refletir sobre a ausência de diferença significante entre a produção narrativa das crianças de cinco e seis anos de idade da escola privada, pode-se pensar que talvez a criança de cinco anos narre mais, enquanto a criança de seis narra melhor. A criança de cinco anos começa a utilizar mais conectivos3636. Soares SM, Silva BC. Relações temporais na narrativa infantil em dados de fala de português brasileiro. Linguagens & Cidadania. 2017;19(n especial):1-13. e seu vocabulário está mais enriquecido, porém ainda precisa organizar melhor os elementos produzidos em sua narrativa3737. Hudson JA, Shapiro LR. From knowing to telling: the development of children's scripts, stories, and personal narratives. In: McCabe A, Peterson C, editors. Developing narrative structure. Hillsdale: Lawrence Erlbaum Associates; 1991. p. 89-136.. Comparativamente, as crianças de seis anos de idade, tendo se apropriado dos ganhos inerentes ao seu desenvolvimento linguístico-cognitivo, começam a dominar a macroestrutura básica em suas produções narrativas3838. Berman R. On the ability to relate events in narrative. Discourse Process. 1988;11(4):469-97..

Chamou atenção que os escores obtidos pelas crianças de seis anos de idade nas escolas pública e privada não tenham apresentado diferença significante. Parece que o fator “alfabetização” marca essa diferença, proporcionando evolução na linguagem expressiva, especialmente, para as crianças de cinco anos de escola pública, favorecendo sua habilidade em produzir melhores narrativas aos seis anos de idade.

O contexto das tarefas com imagens visuais propiciou narrativas mais bem elaboradas do que na ausência destas, corroborando outros estudos3131. Repina TA. Development of imagination. In: Zaporozehts AV, Elkonin DB, editors. The psychology of preschool children. Cambridge: MIT Press; 1971. p. 255-77.,3232. Spinillo AG. O efeito da representação pictográfica na produção de narrativas. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 1991;7(3):311-26.. É, ainda, interessante destacar o melhor resultado da produção narrativa mediante cena única, em comparação com imagens de sequência lógica, haja vista a primeira oferecer um suporte menor para a estrutura da história.

Entre seis e sete anos, a criança enriquece sua narrativa por meio da imaginação de elementos ou eventos ausentes nas imagens3131. Repina TA. Development of imagination. In: Zaporozehts AV, Elkonin DB, editors. The psychology of preschool children. Cambridge: MIT Press; 1971. p. 255-77.. A cena pode ter trazido liberdade maior à criança à medida que recorreu à sua experiência de vida e representações mentais provocadas pela cena para narrar a história.

As cinco imagens da sequência lógica, mostradas simultaneamente, além de mais numerosas, explicitaram o enredo passo a passo. Por isso, provavelmente, a criança não utilizou ou utilizou poucos elementos coesivos ao articular cada evento, reiniciando sua fala a cada quadrinho. Pode-se destacar que diferentes contextos de produção da narrativa influenciam o modo pelo qual a mesma será produzida.

Já o reconto da história ouvida sem figuras, sobre o McDonald’s, exigiu da criança habilidades de memória de trabalho para, então, organizar e expressar linguisticamente o resgate das informações mais importantes. Na ausência de figuras que auxiliassem o resgate das informações, as crianças do presente estudo apresentaram o pior desempenho. O TNL 23939. Gillam RB, Pearson NA. Test of Narrative Language (TNL-2). Austin: Pro-Ed; 2017., publicado em 2017 pelos mesmos autores do TNL, incluiu uma figura para realização desta mesma tarefa.

Recente estudo ilumina essa discussão, por ter avaliado os tipos de tarefa de conto e reconto de história, ambos com figuras, em crianças de quatro a cinco anos de idade4040. Kapantzoglou M, Fergadiotis G, Restrepo MA. Language sample analysis and Elicitation technique effects in bilingual children with and without language impairment. J Speech Lang Hear Res. 2017;60(10):2852-64.. Maior diversidade lexical foi observada no reconto de história e, maior complexidade da sentença, no conto de história. Na aplicação do TNL, não houve possibilidade de comparação da mesma tarefa de reconto da História do McDonald’s sem figura, com outra tarefa de reconto com figura, ou de geração de história sem figura.

Além disto, nesta tarefa de produção da narrativa do TNL só foi levado em consideração um único índice para pontuação: a diversidade lexical. Segundo os autores do TNL1111. Gillam RB, Pearson NA. Test of Narrative Language (TNL). Austin: Pro-Ed; 2004., a criança deve dizer a palavra ou sinônimo aceitável, sem a necessidade de estar na mesma sentença ou na mesma ordem da história original. Nas demais tarefas de produção, com a sequência lógica (Atrasado para a Escola) e com a cena (Extraterrestres), outros índices também foram avaliados, tais como: a) gramaticalidade (complexidade das sentenças com estabelecimento de relações coesivas temporais e causais, conjugação verbal e presença de erros), b) diversidade lexical (vocabulário e referentes), c) pistas de contextualização (cenário e personagens), e, d) demais elementos da história (desenvolvimento, conclusão, sentido e criatividade). Sendo assim, não foi possível uma melhor comparação entre o desempenho nas tarefas com e sem figura, por não terem sido analisados os mesmos índices nas produções narrativas das crianças. Tal como estudo mencionado anteriormente4040. Kapantzoglou M, Fergadiotis G, Restrepo MA. Language sample analysis and Elicitation technique effects in bilingual children with and without language impairment. J Speech Lang Hear Res. 2017;60(10):2852-64., sugere-se avaliar tipos distintos de tarefa com mesma eliciação (conto e reconto de história, ambos com figuras). Enfim, não foi possível concluir que as crianças do presente estudo apresentaram pior desempenho na tarefa do reconto da história do McDonald’s, devido ao tipo da tarefa, à ausência de figuras ou ao tipo de pontuação empregada.

Cabe mencionar que há outras tarefas a título de comparação como, por exemplo, o relato, contemplado no TNL 2, publicado em 20173939. Gillam RB, Pearson NA. Test of Narrative Language (TNL-2). Austin: Pro-Ed; 2017. e elaborado pelos mesmos autores do TNL. As principais diferenças entre o TNL e TNL 2 são as inclusões, neste último, da solicitação de relato e da figura para a tarefa de reconto da história do McDonald’s. Se a criança apresentar baixo desempenho em determinada avaliação da narrativa, somente por meio de um tipo de tarefa e de um mesmo contexto, não se deve concluir que há dificuldade em narrar. Criar ou recontar uma história é diferente de relatar uma experiência de vida. A narrativa de relato revela a representação que o sujeito constrói a respeito de suas próprias experiências no meio em que vive.

O TNL propôs uma análise aprofundada da macro e microestrutura nas tarefas de produção, com exceção da atribuição de estados mentais aos personagens. O protocolo facilitou a pontuação objetiva das tarefas por direcionar a atenção do avaliador para determinados itens agrupados dos componentes macroestruturais da história. No entanto, a partir das evidências de confiabilidade para produção narrativa, foi observado que o manual poderia disponibilizar mais exemplos de respostas aceitáveis, bem como, a instrução para os examinadores principiantes deveria ser mais pormenorizada sobre como pontuar o teste.

Tarefas de Compreensão e Produção da Narrativa

Quanto à interação entre escola e dimensão da narrativa acredita-se que os escores obtidos pelas crianças das escolas públicas e privada estão mais próximos em produção do que em compreensão, porque a análise da produção narrativa possui critérios micro e macroestruturais semelhantes. Em todas as tarefas, a análise se deu a partir das palavras-chave que deveriam constar na macroestrutura da história criada pela criança. Em duas tarefas, Atrasado para Escola e Extraterrestres, também foi avaliada a presença dos elementos microestruturais distribuídos entre os itens nomeados como eventos ou elementos da história, vocabulário e gramática e o sentido da história.

Já a análise da compreensão narrativa, além de não ter investigado o entendimento dos elementos microestruturais, apresentou variabilidade na quantidade e qualidade das questões de cunho macroestrutural, provocando, também, maior variabilidade nas respostas das crianças.

Finalmente, quanto às evidências de validade, demonstradas pelo desempenho das crianças no escore total obtido no teste, indicou-se que o TNL realiza a discriminação do desempenho da narrativa entre as idades pesquisadas.

As evidências de validade convergente para o TNL sugeriram correlação fraca entre os seus escores de linguagem receptiva e da ADL, devido aos aspectos diferenciados da linguagem compreensiva, considerados em cada teste, sem relação entre si. Enquanto a ADL contém questões objetivas que requerem habilidades linguísticas, principalmente em nível semântico-lexical, o TNL avalia a dimensão compreensiva da linguagem aplicada às histórias criadas para o próprio teste.

Análise da Dimensionalidade do TNL

A melhor forma de explicar os achados a respeito da dimensionalidade do TNL seria considerar os resultados da AFE com número fixo de dois fatores. Tomando o fator 1 como sendo de compreensão, foi possível observar que os três testes propostos para avaliar compreensão (McDonald’s, Barco Quebrado e Dragão), de fato, apresentaram maior carga neste fator. No entanto, as tarefas McDonald’s e Dragão apresentaram cargas fatoriais moderadas no fator nomeado produção.

Foi observado que nessas tarefas (McDonald’s e Dragão) houve perguntas a respeito das tentativas dos personagens para lidar com a situação apresentada, ao contrário da tarefa Barco Quebrado, cujo questionário não apresentou tais perguntas. Provavelmente essa diferença refira-se à importância desse elemento da macroestrutura (tentativas) para o desenvolvimento do enredo na produção narrativa.

Tomando o fator 2 como sendo de produção, foi notado que dois dos testes propostos para avaliar produção (Extraterrestres e Atrasado para a Escola), de fato, apresentaram maior carga neste fator. No entanto, a tarefa McDonald’s, proposta para avaliar produção, apresentou carga fatorial mais alta no fator compreensão.

A tarefa McDonald’s avaliou a produção narrativa por meio do reconto da história. No entanto, tal produção não foi avaliada em sua microestrutura e organização das ideias, mas na exatidão das palavras utilizadas para resgatar as informações originais da história. O reconto, chamado também de reprodução da história, tem sido considerado uma tarefa de compreensão da narrativa, na qual verifica-se a fidelidade das informações com o texto original2424. Brandão ACP, Spinillo AG. Aspectos gerais e específicos na compreensão de textos. Psicologia: Reflexão e Crítica. 1998;11(2):0.. Sendo assim, enfatiza-se que no TNL o reconto da história do McDonald’s verificou e pontuou exatamente este aspecto. Portanto, o modo de análise deste reconto no TNL corroborou o que vem sendo considerado como uma tarefa de compreensão da narrativa oral.

Apesar da tarefa Extraterrestres, de produção, ter carga fatorial alta no fator produção, observa-se que a mesma apresenta carga fatorial moderada em compreensão. Este último resultado pode se referir ao grau de compreensão da cena, expresso na narrativa gerada pela criança. Antes mesmo de narrar, é preciso que a criança integre os diversos elementos da cena, verifique se esses são estímulos visuais conhecidos, armazenados em sua memória, observe as expressões faciais dos personagens, acesse seu conhecimento de mundo para construir a unificação perceptiva da cena e elaborar sua narrativa. Portanto, a tarefa de produção narrativa depende da compreensão da cena em toda a sua complexidade. Talvez, se o sistema de correção da tarefa tivesse considerado as palavras-chave obrigatórias à narrativa, poderia mitigar o efeito da compreensão relativa à apresentação de uma única cena.

É sugerido que a avaliação da compreensão narrativa explore mais as representações mentais que as crianças vão fazendo ao longo da história e mais perguntas inferenciais no questionário. Por outro lado, foi esperado que a avaliação da produção narrativa cobrasse, além de todos os elementos contemplados no protocolo, a presença de palavras-chave relacionadas à cena única, tal como o fez na tarefa mediante sequência lógica.

A relação estreita entre linguagem compreensiva e expressiva impõe certas dificuldades para distingui-las em tarefas de narrativa oral. No entanto, é possível avaliar predominantemente a compreensão ou a produção narrativa oral, embora haja interferência de uma dimensão na outra. É possível também avaliar o funcionamento específico de cada nível linguístico em ambas as dimensões. A narrativa oral é uma tarefa única, que coloca em jogo o funcionamento linguístico-cognitivo em toda a dimensão da linguagem oral. Portanto, torna-se mister refletir sobre o modo de avaliação (tarefa e contexto), a seleção precisa dos indicadores e o sistema de análise que melhor expressem a dimensão avaliada. Assim, prejuízos podem ser observados na produção narrativa, ao mesmo tempo em que a compreensão narrativa está preservada.

Na análise fatorial confirmatória, espera-se que os índices de ajuste absoluto e comparativo tenham os valores de χ2/gl menores que dois ou três; que o índice SRMR deva ser menor ou igual a 0,08 para indicar boa adequação; e, que o RMSEA seja menor ou igual a 0,07 para indicar um bom ajuste. Os índices CFI e TLI devem ser maiores que 0,90 ou 0,95, ou devem estar próximos a estes valores. Neste estudo, tanto o modelo unifatorial quanto o bifatorial atenderam aos valores propostos. Portanto, pelo princípio da parcimônia, o melhor modelo para o TNL seria aquele de estrutura unifatorial. Desta maneira, para as crianças brasileiras, com idades entre cinco e seis anos, o TNL seria um instrumento que avaliaria a habilidade geral de narrativa.

A literatura mundial acerca da narrativa oral infantil é vasta, do ponto de vista do desempenho das crianças, obtido por meio de testes e tarefas diversas. Porém, é escassa quando o objeto de estudo é o próprio teste ou tarefas. Neste sentido, o presente estudo contribuiu para a análise dos meios de avaliação da narrativa oral infantil, tendo o TNL como seu objeto e, como seu objetivo, o fornecimento das evidências de suas qualidades psicométricas de confiabilidade e validade da versão do TNL, para uso clínico. Ainda assim, a restrição do número de participantes do estudo e da faixa etária, de cinco anos a seis anos e onze meses, foram limitações que poderão ser reparadas com novas pesquisas acerca do tema.

Importante o examinador, mediante critérios pré-determinados, verificar qual a forma e contexto em que criança demonstrou melhor e pior compreensão e produção da narrativa. Assim, um teste de narrativa deve auxiliar na investigação do nível de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal2828. Vygotsky LS. A formação social da mente. São Paulo (SP): Martins Fontes; 1991.. Essa investigação permite a análise dos aspectos facilitadores e complicadores das narrativas, constitutivos da construção do diagnóstico diferencial dos transtornos de linguagem. E, desta forma, indica o direcionamento do planejamento terapêutico ou educacional, por compreender demandas pontuais.

Mais que avaliar a narrativa oral, é olhar para quem narra, como sujeito biopsicossocial, respeitando seu bem-estar. Somente após a identificação das necessidades de aprimoramento das habilidades de narrativa oral das crianças é que se torna possível uma intervenção mais eficaz. Daí, também, decorre a relevância de um teste de narrativa oral estandardizado, voltado para a população brasileira.

Conclusão

Os resultados do presente estudo sugerem que o TNL, adaptado para o português brasileiro, é válido para avaliação da narrativa oral do público-alvo para o qual se destinou. Considerando a interdependência entre compreensão e produção, foram discutidas possibilidades de predominância na avaliação de uma ou outra dimensão da linguagem. Os contextos de avaliação foram analisados a partir do quanto e como favoreceram o desempenho das crianças nas seis tarefas do teste. Evidenciou-se maior dificuldade na ausência de imagens tanto para compreender, quanto para produzir narrativas.

O potencial dos resultados deve ser considerado para futura construção de medida padronizada para avaliação da narrativa. A proposta do TNL de avaliar a compreensão e a produção narrativa, mediante três tarefas para cada dimensão, confirmou a importância dessa quantidade e diversificação para que melhor o examinador entenda a competência da criança. As formas, contextos e critérios definidores para avaliação da narrativa oral devem ser combinados de modo a favorecer a comparação do desempenho da criança entre todas as tarefas. Assim, acredita-se na possibilidade da avaliação narrativa oral promover dados consistentes para o diagnóstico diferencial dos transtornos da linguagem oral, para o plano de cuidado na clínica fonoaudiológica e para a análise de programa de desenvolvimento da linguagem oral em ambiente educacional.

Agradecimentos

O artigo faz parte da Tese de Doutorado da autora, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRJ. A autora agradece a orientação da Profa. Jane Correa e a autorização das escolas e responsáveis, que possibilitaram a grandiosa participação das crianças. Muito grata pelo tempo e colaboração delas!

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2021
  • Aceito
    23 Dez 2021
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