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Prevalência dos fatores instrínsecos e extrínsecos do processo de aprendizagem em crianças com epilepsia

Resumos

Objetivo

levantar a prevalência dos fatores intrínsecos e extrínsecos que podem interferir no processo de aprendizagem em crianças com epilepsia.

Métodos

este estudo descritivo foi realizado no Ambulatório de Neurologia Infantil do Hospital de Pediatria Professor Heriberto Bezerra (HOSPED) da UFRN. A obtenção dos dados ocorreu durante setembro/2009 a março/2010 por meio da aplicação de um questionário com pais e cuidadores de crianças com epilepsia. A amostra foi constituída por 41 crianças, seguindo os seguintes critérios de inclusão: a) pais ou cuidadores de crianças com diagnóstico inequívoco de epilepsia atendidas no ambulatório do HOSPED; b) crianças com idades entre 3 e 12 anos; e c) pais ou responsáveis assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

61% das crianças apresentaram diagnóstico de epilepsia pura. 59% tiveram sua primeira crise antes dos 03 anos de idade. 34% apresentavam crises do tipo generalizada. 51% apresentavam crises no período da pesquisa. 98% estavam em tratamento medicamentoso para controle das crises, sendo 55% monoterapia e 45% politerapia. 76% estavam inseridas na escola, sendo 50% em escolas públicas. 66% nunca repetiram o ano. 49% das crianças tiveram assiduidade escolar prejudicada em virtude das crises. 64% nunca foram excluídas da escola pelos professores devido a epilepsia e 85% dos pais afirmaram superproteger os filhos.

Conclusão

o estudo concluiu que, além da epilepsia, as crianças com essa patologia são também expostas a outros fatores, decorrentes da doença, que podem influenciar negativamente no processo de aprendizagem dessas crianças.

Epilepsia Parcial Contínua; Aprendizagem; Criança


Purpose

to raise the prevalence of intrinsic and extrinsic factors of the learning process in children with epilepsy.

Methods

this descriptive study was conducted at the Clinic of Neurology Children’s Hospital of Pediatrics Professor Heriberto Bezerra, HOSPED – UFRN. Data collection occurred during the September/2009 to March/2010 through a questionnaire with parents and carers of children with epilepsy. The sample comprised 41 children, according to the following inclusion criteria: a) parents or caregivers of children with an unequivocal diagnosis of epilepsy seen at the outpatient clinic of HOSPED; b) children aged between 3 and 12 years; and c) parents or guardian sign the consent form free and clear.

Results

61% of children were diagnosed with pure epilepsy. 59% had their first crisis before the age of 03. 34% presented generalized crisis type. 51% presented crisis during the survey period. 98% were on medications to control crisis, and from these children, 55% monotherapy and 45% polytherapy. 76% were at school, 50% inserted in public school. 66% never repeated the school year. 49% of children had school attendance affected because of the crisis. 64% have never been excluded from school by teachers because of epilepsy and 85% of parents affirmed to overprotect their children.

Conclusion

the study concluded that, in addition epilepsy, children with that pathology are also exposed to other factors, resulting from the disease, which may negatively affect these children learning process.

Epilepsia Partialis Continua; Learning; Child


INTRODUÇÃO

A epilepsia é uma das mais comuns desordens do cérebro, afetando cerca de 50 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, segundo estimativas do Ministério da Saúde, cerca de 157.070 casos novos são diagnosticados a cada ano (100/100.000), com uma prevalência de 11,9/1000 a 16,5/1000 de formas ativas da doença1. Machado MF, Rocha Neto OG, Carvalho JRSA. Epilepsia em remissão: estudo da prevalência e do perfil clínico-epidemiológico.Rev.Neurociênc. 2007;15(2):135-40.. E, na população pediátrica, ela se apresenta em 18,5 em cada 1000 crianças2. Zavala-Tecuapetla C, Sampieri AI, Calderón-Guzmán D, Carmona-Aparicio L. Principales mecanismos de acción farmacológica enlascrisis epilépticas díficiles de estabilizar.Acta Pediátr. Méx. 2011;32(2):125-7..A epilepsia é um distúrbio crônico caracterizado pela presença de crises recorrentes, resultantes de uma descarga excessiva de neurônios em determinada área do encéfalo comum na infância, repercutindo na cognição, linguagem e na escolarização da criança com epilepsia3. ZaniniRS. Linguagem e cognição da criança com epilepsia no contexto educacional. Atos Pesq. Educ. 2011;6(1):245-51..

Qualquer doença crônica na infância acarreta riscos ao desenvolvimento físico, psíquico e cognitivo da criança, aumentando a morbidade psicossocial4. Souza EAP. Questionário de qualidade de vida na epilepsia: resultados preliminares. Arq.Neuropsiquiatr.2001;59(3):541-4..Entretanto, a epilepsia, enquanto doença crônica parece afetar a criança mais do que outras enfermidades tais como a asma ou o diabetes5. Zanni KP, Maia Filho HS, Matsukura TS. Impacto da epilepsia no processo de escolarização de crianças e adolescentes.Rev. Bras. Educ. Espec. 2010;16(2):215-30., apresentando repercussão no comportamento e no aprendizado de crianças e adolescentes epilépticos6. Costa CRCM, Maia Filho HS, Gomes MM. Avaliação clínica e neuropsicológica da atenção e comorbidade com TDAH nas epilepsias da infância: uma revisão sistemática. J.EpilepsyClin.Neurophysiol. 2009;15(2):77-82.. Isso ocorre, provavelmente, porque a epilepsia, como citado acima, afeta diretamente o sistema nervoso e consequentemente pode trazer conflitos na percepção, no movimento, na consciência e em outras funções corticais, podendo comprometer a qualidade de vida daqueles que convivem com este transtorno7. Machado LDV, Frank JE, Tomaz C. Alteração de memória na epilepsia de lobo temporal. Brasília Méd. 2008;45(1):58-66.. Além dos sintomas físicos, os indivíduos com epilepsia sofrem também consequências psicológicas e cognitivas refletindo um maior impacto social e acadêmico na vida destes8. Chaix Y, Laguitton V, Lauwers-Cancès V, Daquin G, Cancès C, Démonet JF, et al.Reading abilities and cognitive functions of children with epilepsy: Influence of epileptic syndrome.Brain Dev. 2006;28:122-30..

Na epilepsia infantil estão envolvidos diversos fatores que podem comprometer o desenvolvimento da criança, tais como: fatores orgânicos (alteração neurológica de base e suas limitações física e cognitiva, a frequência das crises e o risco de acidentes, os efeitos colaterais dos medicamentos e das cirúrgicas), fatores psicológicos (preocupações familiares e pessoais, sentimentos de culpa e rejeição, desenvolvimento da personalidade), questões sociais (limitações no lazer e no trabalho, inserção social) e educacionais (desempenho escolar e profissionalização)9. Maia Filho HS, Gomes MM, Fontenelle LM.Epilepsia na infância e qualidade de vida. J.EpilepsyClin.Neurophysiol. 2004;10:87-92..

Acerca da escolarização, sabe-se que é alta a frequência de epilepsia na idade escolar e acrescentam que, na epilepsia infantil, as dificuldades acadêmicas estão ligadas a fatores orgânicos relacionados diretamente a própria enfermidade como a doença neurológica de base e suas limitações físicas e cognitivas, a idade de início, a frequência de crises, tipo de síndrome epiléptica e etiologia, grau de controle e respectiva frequência das crises e o risco de acidentes, além dos efeitos colaterais das terapêuticas medicamentosas e cirúrgicas. Porém, variáveis que podem estar envolvidas no processo de escolarização como baixa expectativa dos pais e professores quanto ao sucesso da criança, possibilidade de rejeição dos mestres e colegas de escola e alterações na autoestima da criança, também são fatores importantes que podem promoverum menor rendimento escolar da criança com epilepsia1010 . Guerreiro CA, Guerreiro MM, Cendes F, Lopes-Cendes I. Editores. Epilepsia. São Paulo: Lemos. 2000. In: ZaniniRS. Linguagem e cognição da criança com epilepsia no contexto educacional.Atos Pesqui. Educ. 2011;6(1):245-51..

Acreditando ser a epilepsia e suas consequências fatores de risco para o adequado desenvolvimento escolar das crianças com essa patologia, esta pesquisa objetivou levantar a prevalência dos fatores intrínsecos e extrínsecos do processo de aprendizagem em crianças com epilepsia.

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN com número do protocolo de aprovação 124/2009.

Esta pesquisa descritiva é um recorte da pesquisa intitulada “Reações de Pais de Crianças com Epilepsia com relação aos aspectos emocionais e de linguagem”; e foi realizado no Ambulatório de Neurologia Infantil do Hospital de Pediatria Professor Heriberto Bezerra (HOSPED) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), cuja obtenção dos dados ocorreu durante o período de setembro/2009 a março/2010.

A amostra foi constituída por 41 crianças com idade entre 3 e 12 anos (pré-escolares e escolares) e atendeu aos seguintes critérios de inclusão: a) pais e/ou cuidadores de crianças com diagnóstico inequívoco de epilepsia atendidas no ambulatório do HOSPED; b) crianças com idades entre 3 e 12 anos; e c) pais e/ou responsáveis assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foi aplicado um questionário estruturado com pais e/ou cuidadores de crianças com o diagnóstico de epilepsia que estivessem em sua rotina de consulta ambulatorial no HOSPED, sob a mediação da Fonoaudiologia e Psicologia. Inicialmente, este questionário foi testado em estudo piloto durante o mês de agosto de 2009.

O questionário aplicado (adaptado de AGUIAR et al, 2007)1111 . Aguiar BVK, Guerreiro MM, Mcbrian D, Montenegro MA. Seizure impact on the school attendance in children with epilepsy.Seizure. 2007;16:698-702. tem caráter objetivo, com perguntas relativas a crenças, sentimentos e reações diante da epilepsia, bem como a estimulação/desenvolvimento da linguagem e frequência/desempenho escolar. A coleta de dados referente à epilepsia foi obtida do prontuário do paciente.

Neste recorte, foram utilizadas as perguntas relativas aos dados de identificação da criança (idade, sexo e escolaridade), a epilepsia (diagnóstico, idade da primeira crise epiléptica, tipo de crise, frequência da crise e tipo de tratamento) e aos fatores externos interferentes no processo de aprendizagem (tipo de escola, assiduidade escolar, opinião e comportamento dos pais com relação a criança e desconhecimento do professor sobre a epilepsia).

Os responsáveis pelos participantes desta pesquisa foram informados quanto ao objetivo dela, sendo solicitada uma autorização por escrito dos mesmos por meio do termo de consentimento livre e esclarecido.

Foi realizada a análise descritiva dos dados, obtendo-se a frequência absoluta e relativa de todas as variáveis do estudo.

RESULTADOS

Os resultados serão divididos em descrição geral, fatores intrínsecos (dados da epilepsia) e fatores extrínsecos (dados do processo de aprendizagem e relacionamento familiar).

Decrição geral:

70 pais foram entrevistados, sendo que somente 41 (59%) questionários respondidos foram inclusos para a análise de dados da pesquisa em questão, devido aos critérios de inclusão e exclusão. Dessas 41 crianças filhas dos pais entrevistados, 28 (68%) são do sexo masculino e 13 (32%) são do sexo feminino. A maior prevalência de idade (68%) das crianças participantes foi entre 07 e 12 anos sendo estas enquadradas no nível escolar.

Fatores intrínsecos (dados da epilepsia):

O diagnóstico de Epilepsia pura é o mais frequente (61%). A maioria (59%) das crianças pesquisadas tiveram a sua primeira crise antes dos 03 anos. Foi encontrada uma maior prevalência de crises do tipo generalizada (34%) e de crianças que apresentam crises epilépticas atualmente (51%). Houve maior índice (98%) de crianças que, atualmente, tomam medicamentos para controlar as crises epilépticas e que estão em tratamento monoterápico (55%).

Fatores extrínsecos (dados do processo de aprendizagem e relacionamento familiar):

As crianças deste estudo, em sua maioria (76%), estão inseridas em escolas e 72% entraram na escola com idade entre 01 e 03 anos. Foi encontrado que 50% das crianças frequentam escolas públicas e regulares e que há uma prevalência (66%) da ausência de repetência escolar em crianças com epilepsia nessa pesquisa. A maioria (49%) das crianças, deste estudo, já tiveram sua assiduidade escolar prejudicada em decorrência das crises epilépticas. 64% das crianças com epilepsia deste estudo nunca passaram pela situação de exclusão escolar sugerida pelo professor e 85% dos pais de crianças com epilepsia apresentam comportamentos de superproteção com seus filhos.

DISCUSSÃO

A discussão seguirá a mesma organização exposta nos resultados.

Decrição geral:

Das 41 crianças filhas dos pais entrevistados, a maioria é do sexo masculino. Algumas pesquisas5. Zanni KP, Maia Filho HS, Matsukura TS. Impacto da epilepsia no processo de escolarização de crianças e adolescentes.Rev. Bras. Educ. Espec. 2010;16(2):215-30.,1212 . Melo PDF, Melo AN, Maia EMC. Transtornos de linguagem oral em crianças pré-escolares com epilepsia: screening fonoaudiológico.Pró-fono R Atual. Cient. 2010;22(1):55-60. também encontraram maior prevalência do sexo masculino em estudos realizados com crianças com epilepsia. Esses resultados aconteceram devido à epilepsia atingir mais meninos do que meninas1313 . Gomes MM, Carvalho VN. Estudos epidemiológicos.J. EpilepsyClin. Neurophysiol.2005;11(4):16-9..A maior prevalência de idade encontrada no estudo pode-se justificar, pois a epilepsia representa a desordem cerebral crônica mais comum na infância, sendo mais incidente nos dez primeiros anos, significando que as crianças são afetadas desde o início de sua vida escolar1414 . Roriz TMS. Epilepsia, estigma e inclusão social/escolar: reflexões a partir de estudos de casos. [Tese] Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto; 2009..

Fatores intrínsecos (dados da epilepsia):

O diagnóstico de Epilepsia pura é o mais frequente, porém também há crianças que apresentam diagnóstico de epilepsia e outra comorbidade. Isso se deve ao fato de que o estudo foi direcionado a crianças com Epilepsia, mas não excluiu aquelas com Epilepsia e outras desordens. Em estudo realizado5. Zanni KP, Maia Filho HS, Matsukura TS. Impacto da epilepsia no processo de escolarização de crianças e adolescentes.Rev. Bras. Educ. Espec. 2010;16(2):215-30., com crianças com epilepsia, foi constatado que 16 (21%) crianças não apresentavam outros problemas de saúde enquanto as 40 (79%) restantes apresentavam doenças crônicas, neurológicas ou problemas de comportamento e de aprendizado ou combinações de diversos quadros. É importante ressaltar que crianças com epilepsia são particularmente vulneráveis a transtornos de linguagem e, consequentemente, a problemas educacionais e desajustes emocionais1515 . Vinayan KP, Biji V, SanjeevV. Educational problems with underlying neuropsychological impairment are common in children with benign Epilepsy of childhood with centrotemporal spikes (BECTS). Seizure. 2005;14:207-12.. Essas consequências serão ainda piores se, junto ao diagnóstico de Epilepsia,vier o diagnóstico de outras comorbidades como Encefalopatia crônica não progressiva, Atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, entre outras encontradas neste estudo.

Quanto à idade de início das crises foi constatado que a maioria das crianças pesquisadas teve a sua primeira crise antes dos 03 anos. Outro estudo1212 . Melo PDF, Melo AN, Maia EMC. Transtornos de linguagem oral em crianças pré-escolares com epilepsia: screening fonoaudiológico.Pró-fono R Atual. Cient. 2010;22(1):55-60. encontrou maior prevalência de início das crises epilépticas antes dos 02 anos de idade. Esses resultados encontrados podem ser justificados, pois o sistema nervoso central ainda é imaturo nesse período, portanto as crianças pré-escolares são mais propensas às crises pela falta de sistemas inibitórios1616 . Ferreira DM, Toschi LS, Souza TO. Distúrbios de linguagem e epilepsia. Estudos. 2006;33(5/6):455-71.. Estima-se que 0,5 a 1% das crianças apresentará em algum momento da infância uma crise única não provocada, com um risco de recorrência de 23 a 78% até os 36 meses1717 . Lampert TD, Migott AMBM, Giacomini FL, Grando AN, Jeremias VW, Nunes ML, et al. Comparação da acurácia diagnóstica do questionário de rastreamento neurológico para epilepsia aplicado na população geral e numa coorte de crianças.Rev. AMRIGS. 2010;54(1):32-7..

Com relação aos tipos de crises epilépticas, foi encontrada uma maior prevalência de crises do tipo generalizada. Em estudo realizado5. Zanni KP, Maia Filho HS, Matsukura TS. Impacto da epilepsia no processo de escolarização de crianças e adolescentes.Rev. Bras. Educ. Espec. 2010;16(2):215-30. foi observado que 28 (50%) crianças apresentavam epilepsiasgeneralizadas, 26 (46,4%) epilepsias localizadas e as 2 (3,6%) restantes apresentavam epilepsias indeterminadas se focais ou generalizadas. A longo prazo, as crianças com epilepsia generalizada, mesmo com bom controle de suas crises e com potencial cognitivo normal, apresentaram riscos significantes de desenvolvimento de dificuldades de linguagem e de aprendizagem1818 . Wheless JW, Simos PG, Butler IJ. Language dysfunction in epileptic conditions.Semin.Pediatr.Neurol. 2002;9(3):218-28..

Foi coletada uma maior prevalência de crianças que apresentam crises epilépticas atualmente. Em estudo realizado5. Zanni KP, Maia Filho HS, Matsukura TS. Impacto da epilepsia no processo de escolarização de crianças e adolescentes.Rev. Bras. Educ. Espec. 2010;16(2):215-30.os dados referentes à frequência de crises, mostraram que 14 (25%), das 56 crianças das escolas especiais e regulares, apresentaram controle das crises com o uso da medicação, seguidos de 10 (17,8%) crianças apresentando entre 1 a 3 crises por dia e 16 (28,5%) crianças apresentado frequência de crises variando entre 4 a 11 crises por ano e 1 a 3 crises por mês. Esta divergência dos resultados encontrados neste estudo com a literatura pesquisada se deve, provavelmente, ao fato de que muitas epilepsias infantis são benignas e caminham para remissão ou controle das crises com tratamento apropriado1919 . Boer HM. Qualidade de vida para pessoas com epilepsia. Neurociências: Epilepsia. Tradução Paula Teixeira Fernandes. Com Ciência. Disponível em: http://www.comciencia.br SBPC/Labjor, Brasil; 2002. Acesso em: 05 de Março de 2012.
http://www.comciencia.br SBPC/Labjor...
. Estudiosos2020 . McNellisAM, Johnson CS, Huberty TJ, Austin JKA. Factors associated with academic achievement in children with recent-onset seizures.Seizure. 2005;14(5):331-9. apontam a longa duração da epilepsia, crises mais frequentes e início precoce das crises como principais fatores associados ao baixo rendimento escolar.

Quanto à realização atual do tratamento medicamentoso para a epilepsia, houve um maior índice de crianças que, atualmente, tomam medicamentos para controlar as crises epilépticas. Outro estudo5. Zanni KP, Maia Filho HS, Matsukura TS. Impacto da epilepsia no processo de escolarização de crianças e adolescentes.Rev. Bras. Educ. Espec. 2010;16(2):215-30.encontrou apenas 2 (3,5%) das 56 crianças participantes não utilizando medicação no momento da coleta de informações. Em estudo realizado2121 . Fonseca LC, Tedrus GMAS, Tonelotto JMF, Antunes TA, Chiodi MG. Desempenho escolar em crianças com epilepsia benigna da infância com pontas centrotemporais.Arq.Neuropsiquiatr. 2004;62(2-B):459-62. com 20 crianças portadoras de epilepsia benigna da infância com pontas centrotemporais, não foi observado interferência do uso de medicação antiepiléptica nos resultados do Teste de Desempenho Escolar. Quando a epilepsia tem início na infância o uso de medicamentos anti-epilépticos se inicia concomitantemente ao desenvolvimento cognitivo e psicossocial da criança e este processo pode ter implicações ao longo dos demais ciclos de vida2222 . Loring DW. Cognitive side effects of antiepileptic drugs in children. Psychiatr.Times. 2005;22(10):1-6..

Quanto ao tipo de tratamento realizado foi encontrado que a maioria das crianças utilizam somente um medicamento (monoterapia) para controle das crises epilépticas. Estudos5. Zanni KP, Maia Filho HS, Matsukura TS. Impacto da epilepsia no processo de escolarização de crianças e adolescentes.Rev. Bras. Educ. Espec. 2010;16(2):215-30.,1212 . Melo PDF, Melo AN, Maia EMC. Transtornos de linguagem oral em crianças pré-escolares com epilepsia: screening fonoaudiológico.Pró-fono R Atual. Cient. 2010;22(1):55-60. também encontraram maior prevalência de crianças utilizando um medicamento. Apesar do resultado do estudo ter encontrado maior prevalência de monoterapia para o controle das crises epilépticas vale ressaltar que a politerapia possui impacto relativamente severo na função cognitiva quando comparado ao uso de monoterapia, possivelmente devido à potencialização do problema de tolerabilidade de fármacos2323 . Tzitiridou M, Panou T, Ramantani G, Kambas A, Spyroglou K, Panteliadis C. Oxcarbazepinemonotherapy in benign childhood epilepsy with centrotemporal spikes: a clinical and cognitive evaluation.Epilepsy Behav. 2005;7:458-67.. Assim, é preciso atentar-se para a utilização desse tipo de tratamento visto que o mesmo pode ser um forte causador das dificuldades de aprendizagem da criança com epilepsia.

Fatores extrínsecos (dados do processo de aprendizagem e relacionamento familiar):

A maioria das crianças deste estudo estão inseridas em escolas. Foi constatado, em estudo longitudinal2424 . Berg AT, Smith SN, Frobish D, Levy SR, Testa FM, Beckerman B et al. Special education needs of children with newly diagnosed epilepsy. Dev MedChild Neurol. 2005;47:749–53., o qual acompanhou 613 crianças ao longo de cinco anos após receberem o diagnóstico de epilepsia, que 525 (85%) estavam na escola e que destas 315 (60%) já haviam utilizado algum tipo de serviço relacionado à educação especial como classes especiais em escolas regulares ou salas de recursos ou frequentavam escolas especiais. Um estudo de casos1414 . Roriz TMS. Epilepsia, estigma e inclusão social/escolar: reflexões a partir de estudos de casos. [Tese] Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto; 2009., no momento da seleção dos sujeitos-participantes, encontrou que 35% das crianças com epilepsia não frequentavam qualquer ambiente escolar. Porém, é importante ressaltar que essas crianças estavam inclusas naquelas com grau de comprometimento maior (ausência de linguagem verbal e atraso no desenvolvimento motor).

Nesta pesquisa, houve um maior índice de crianças que entraram na escola com idade entre 01 e 03 anos. Não foram encontrados estudos referentes a esse fator. Ressalta-se aqui a importância da realização de estudos que possibilitem um foco maior nestas questões escolares em crianças com epilepsia, inclusive quanto à idade de inserção escolar, visto que este aspecto exerce forte influência no processo de aprendizagem da criança.

Foi encontrada uma maior prevalência de crianças que frequentam escolas públicas e regulares. Este resultado deve-se, possivelmente, ao fato de que a maioria dos entrevistados possuíam baixa renda, porém, sabe-se que, devido a estigmas e preconceitos, o diagnóstico de epilepsia favorece atitudes de exclusão, restringindo inclusive a participação em escolas regulares1414 . Roriz TMS. Epilepsia, estigma e inclusão social/escolar: reflexões a partir de estudos de casos. [Tese] Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto; 2009.. Além disso, percebe-se também que as escolas, de maneira geral, não demonstram aptidão/interesse em lidar com crianças com epilepsia e que apesar de muitas vezes o quadro da epilepsia não ser nem limitante e nem incapacitante, devido aos estigmas do grupo social, essas crianças são colocadas, inadvertidamente, na educação especial (escolas especiais ou salas especiais), entendendo-se que elas têm necessidades educativas especiais1414 . Roriz TMS. Epilepsia, estigma e inclusão social/escolar: reflexões a partir de estudos de casos. [Tese] Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto; 2009.. Um estudo2525 . Tidman L, Saravanan K, Gibbs J. Epilepsy in mainstream and special educational primary school settings. Seizure. 2003;12:47-51. investigou a prevalência de utilização de serviços de educação especial pelas crianças com epilepsia e encontrou, como resultado, frequência de epilepsia 30 vezes mais elevada em crianças que frequentavam escolas especiais ou classes especiais dentro de escolas regulares do que em alunos de escolas regulares.

A ausência de repetência escolar em crianças com epilepsia foi prevalente nesta pesquisa. Esse resultado contradiz a literatura, já que crianças com epilepsia constituem-se como um grupo educacional vulnerável apresentando risco elevado para desenvolver transtornos específicos do aprendizado e consequentemente comprometimentos no rendimento acadêmico, além de ajustamento psicossocial pobre, o que pode resultar em abandono da escola2626 . Sturniolo MG, Galletti F. Idiopatic epilepsy and school achievement. Arch Dis Child.1994;70:424-8.. Provavelmente, esse fato se justifica, porque, desde o ano de 2011, o Ministério da Educação (MEC) homologou a recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE) que acaba com a reprovação escolar nos três primeiros anos do ensino fundamental e cria o Ciclo de Alfabetização e Letramento.

Quanto à falta escolar em decorrência de crises epilépticas, antes ou durante as aulas, foi constatado que a maioria das crianças já tiveram sua assiduidade escolar prejudicada. Crianças com epilepsia podem estar sujeitas a atitudes de rejeição social, marcada por estigmas e desconhecimento sobre a epilepsia. Essas atitudes ocorrem muitas vezes no próprio ambiente familiar e na área da saúde, havendo restrições à participação em atividades para crianças sem epilepsia, como a própria frequência escolar1414 . Roriz TMS. Epilepsia, estigma e inclusão social/escolar: reflexões a partir de estudos de casos. [Tese] Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto; 2009..

A maioria das crianças com epilepsia deste estudo nunca passaram pela situação de exclusão escolar sugerida pelo professor. Em um estudo realizado2727 . GuilhotoLMFF, NobreC, Silva, ARCO, Tavares C. Ação Educativa de Professores de Ensino Fundamental sobre Epilepsia na Periferia do Município de São Paulo União de Extremos – Especialistas e Educadores.J. epilepsyclin. neurophysiol. 2007;13(3):143-7., em uma escola estadual de ensino fundamental do estado de São Paulo, com o objetivo de aplicar um questionário sobre epilepsia antes e após uma aula expositiva presencial sobre o tema “Epilepsia para professores”;, foi constatado que, no momento pré-aula, mais de 50% dos professores entrevistados acertaram as questões sobre esta comorbidade. Supõe-se que esse conhecimento dos professores acerca da Epilepsia justifique o resultado desse estudo. Visto que a ausência de preconceitos, gerados pela falta de conhecimento, permite a inclusão de alunos com epilepsia em sala de aula.

Quanto à superproteção dos pais entrevistados nesse estudo, foi visto que a maioria deles têm esse tipo de relacionamento com seus filhos que apresentam Epilepsia. As características da epilepsia afetam diretamente a relação pais e filhos, aumentando os comportamentos de ansiedade e superproteção dos pais. Consequentemente, a dinâmica familiar traz uma alta prevalência de comportamentos alterados, dificuldades de aprendizagem, alterando o ajustamento psicossocial da criança e sua qualidade de vida2828 . Fernandes PT, Souza EAP. Protocolos de Investigação de Variáveis Psicológicas na Epilepsia Infantil.Psicol. teor.pesqui. 2001;17(2):195-7..

Há a necessidade de a clínica e a escola realizarem um trabalho de orientação e acompanhamento não só das crianças, como também dos pais, uma vez que estes também necessitam de esclarecimentos. Eles estão envolvidos emocionalmente de forma direta com seus filhos, há a ação natural de querer protegê-los, privando-os de estímulos tão necessários ao desenvolvimento da linguagem e do processo de aprendizagem, como sair de casa, contato com outras crianças, brincar em lugares externos, passear na casa de amigos. Eles interferem diretamente no processo de interação e nos aspectos extrínsecos para o adequado desenvolvimento da aprendizagem.

Percebe-se, então, que é imperativo que pais, professores e profissionais da saúde, em especial os clínicos que acompanham essas crianças, estejam atentos às consequências geradas pela epilepsia, buscando atender as demandas dessas crianças, prevenindo maiores danos ao desenvolvimento psicossocial, linguístico, emocional e educacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados da pesquisa comprovaram que as crianças com epilepsia estão expostas a diversos fatores decorrentes da doença e dos estigmas que a acompanham, os quais podem influenciar negativamente no processo de aprendizagem dessas crianças. Sendo possível concluir que, como toda desordem crônica, a epilepsia infantil é uma enfermidade complexa que traz repercussões importantes em diversos âmbitos da vida da criança e, em especial, as crianças com epilepsia apresentam maior vulnerabilidade para o desenvolvimento de problemas acadêmicos.

Dessa forma, é necessário desenvolver maiores estudos para investigar e reconhecer quais variáveis estão envolvidas com as dificuldades apresentadas pelas crianças epilépticas e que podem, direta ou indiretamente, influenciar seu funcionamento psicossocial, em suas habilidades sociais e educacionais; além de implantar programas de conscientização sobre a epilepsia para a população, em especial, pais e professores; e de acompanhar as crianças com essa patologia em seu desenvolvimento escolar.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2012
  • Aceito
    25 Jan 2013
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