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Exposição ao ruído ocupacional pelos tripulantes de ambulâncias

Resumos

OBJETIVO:

descrever os níveis de pressão sonora a que os trabalhadores estão expostos durante a jornada de trabalho em ambulâncias e verificar possível associação do uso da sirene, das condições do trânsito e do período do dia em que foi realizada a medição.

MÉTODOS:

trata-se de estudo transversal descritivo dividido em duas etapas. Na primeira etapa foram realizadas medições do nível de pressão sonora na cabine da ambulância durante as viagens de emergência, e investigação da percepção do motorista sobre as condições do trânsito e uso da sirene. Na segunda etapa foi realizada análise da exposição de um trabalhador ao ruído durante a jornada de trabalho. Os dados foram analisados estatisticamente.

RESULTADOS:

a média do nível sonoro contínuo equivalente durante 12 viagens de emergência foi superior a 85 dB(A), valor acima do permitido pela Norma Regulamentadora 15, sendo que o ruído elevado esteve associado às condições do trânsito e uso da sirene (p<0,05). A dose de ruído em porcentagem durante os plantões de um motorista variou de 17.51% a 155.68%, ultrapassando o limite preconizado e também teve influência das condições do trânsito e uso da sirene.

CONCLUSÃO:

os níveis de pressão sonora a que os trabalhadores estão expostos durante a jornada de trabalho em ambulâncias são elevados e ultrapassam o que é estabelecido pela norma Brasileira. Dessa forma, verifica-se a necessidade do desenvolvimento de ações preventivas voltadas à saúde desses profissionais já que elevados níveis de ruído podem interferir negativamente na saúde auditiva e qualidade de vida dos trabalhadores.

Ruído Ocupacional; Perda Auditiva; Audição; Condições de Trabalho; Ambiente de Trabalho


PURPOSE:

to describe the sound pressure levels that workers are exposed during working hours in ambulances and verify possible association between the use of sirens, traffic conditions and time of the day that the measurement was taken.

METHODS:

in the first stage, it was measured the sound pressure level in the cabin of the ambulance during emergency trips, and performed the investigation of the driver's perception about traffic conditions and use of the siren. In the second stage, it was analyzed the noise exposure of a worker during the working hours. The data were analyzed statistically.

RESULTS:

the average of the equivalent continuous sound level for 12 emergency trips exceeded 85 dB (A) above the value allowed by the Regulatory Standard 15, and the loud noise was associated with traffic conditions and use of the siren (p <0.05). The noise dose in percentage during a driver shifts varied from 17,51% to 155,68%, exceeding the recommended limit and also had an influence on traffic conditions and siren's use.

CONCLUSION:

the sound pressure levels to which workers are exposed during working hours in ambulances are high and beyond what is established by the Brazilian standard. Thus, it is necessary to develop preventive health actions to this professionals since the high noise levels can adversely affect their hearing health and quality of life.

Noise, Occupational; Hearing Loss; Hearing; Working Conditions; Working Environment


Introdução

A evolução tecnológica trouxe contribuições para o desenvolvimento do homem em seu contexto social, cultural e biológico; contudo, também, vieram acompanhados de numerosos problemas, especialmente aqueles relacionados à atividade laboral, expondo-o à fragilidade física e emocional11. Camelo SHH, Angerami ELS. Riscos psicossociais no trabalho que podem levar ao estre: uma análise da literatura, São Paulo. Ciênc. Cuid. Saúde. 2008;7(2):232-40.. No ambiente de trabalho, os trabalhadores estão submetidos a inúmeros riscos físicos, biológicos, ergonômicos, entre outros, sendo o ruído um agente físico potencialmente causador de danos à saúde do trabalhador22. Leão RN, Dias FAM. Perfil audiométrico de indivíduos expostos ao ruído atendidos no núcleo de saúde ocupacional de um hospital do município de Montes Claros, Minas Gerais. Rev CEFAC. 2010;12(2):242-9..

O ruído não prejudica somente a audição, apesar deste efeito estar bem percebido e caracterizado33. Nunes CP, Abreu TRM, Oliveira VC, Abreu RM. Sintomas Auditivos e não auditivos em trabalhadores expostos a ruído. Rev. Baiana Saúde Pública. 2011;35(3):548-55.. Segundo estudos descritos na literatura, o ruído acarreta alterações auditivas e extra-auditivas, tais como: distúrbios de sono, transtorno cardiovascular, estresse, fadiga, tensão psicológica44. Balbinot A, Tamagna A. Avaliação da transmissibilidade da vibração em bancos de motoristas de ônibus urbanos: um enfoque no conforto e na saúde. Rev. Bras. Eng. Bioméd. 2002;18(1):31-8.

5. Seixas N. Prospective study of hearing damage among newly hired construction workers. University of Washington. 2002;206:685-718.
- 66. Silva JLL, Silva ME, Sousa JL, Souza RF. O Estresse Provocado pelo Ruído como Risco Ocupacional entre Trabalhadores em Vulnerabilidade. Rev. pesq.: cuid. Fundam. 2012;9-12., nervosismo, dificuldade no relacionamento social, tontura, irritabilidade, alterações no sistema nervoso, cardiovascular, pulmonar, metabólico e endócrino77. Fernandes DC. Aspectos gerais acerca da poluição Sonora. Fórum Ambiental da Alta Paulista. [periódico na internet] 2011 [acesso em 2014 jun]; 4(7):[aproximadamente 8 p.]. Disponível em: http://www.amigosdanatureza.org.br/publicacoes/index.php/forum_ambiental/article/view/145/146
http://www.amigosdanatureza.org.br/publi...
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Nos centros urbanos, sabe-se que as principais fontes de ruído são os veículos automotores. Atualmente, a exposição ocupacional ao ruído gerado pelo tráfego de veículos, é um fator preocupante para a saúde auditiva dos motoristas profissionais e vem sendo alvo de muitos estudos 88. Lacerda A, Figueiredo G, Neto JM, Marques JM. Achados audiológicos e queixas relacionadas à audição dos motoristas de ônibus urbano. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2010;15(2):161-6.

9. Bisi RF, Coifman JDS, Ferreira MIDC, Mitre EI. Correlação entre o perfil audiométrico, idade e o tempo de atividade em motoristas de ônibus. Rev CEFAC. 2013;15(4):749-56.

10. Giuliani A. O nível de ruído próximo aos motoristas de ônibus urbano na cidade de Porto Alegre, RS. Rev. Liberato. 2011;17(2):1-106.

11. Rodrigues AMS. O Cuidado com a saúde auditiva em motoristas de ônibus urbano em uma empresa de transporte coletivo no Rio de Janeiro. [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal Fluminense; 2011
- 1212. Rossi MM. Influência da perda auditiva em motoristas de ônibus aposentados. [tese]. São Paulo (SP): Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2011 .

A exposição contínua ao ruído de tráfego pode ter como consequência a perda auditiva induzida por ruído (PAIR), podendo acometer profissionais motoristas de diversas categorias1313. Guardiano JAS, Chagas TZ, Junior HS. Avaliação da perda auditiva em motoristas de ônibus de Curitiba. Rev. CEFAC. 2014;16(1):50-4. , 1414. Rocha SC, Santos RG, Frota S. Perfil audiométrico e de emissões otoacústicas evocadas por produto de distorção em gestores de trânsito expostos a monóxido de carbono e ruído. Rev CEFAC. 2013;15(2):287-96. e demais trabalhadores com exposição elevada, como é caso dos tripulantes da ambulância1515. Silva GLL, Gomez MVSG, Zaher VL. Perfil Audiológico de Motoristas de Ambulância de Dois Hospitais na Cidade de São Paulo - Brasil. Arq. Int. Otorrinolaringol. 2006;10(2):132-40..

A perda auditiva induzida por ruído é a diminuição gradual da acuidade auditiva, decorrente da exposição continuada a níveis elevados de ruído1616. Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva, Boletim 1, 1994: Perda auditiva induzida pelo ruído relacionada ao trabalho.. A Norma Regulamentadora n.º15 (NR-15)1717. BRASIL. Ministério do Trabalho. Portaria n. 3.214 de 08 de junho de 1978. Descreve a Norma Regulamentadora nº. 15 (NR-15) - Atividades e Operações Insalubres. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 1978 Jun 08; Suplemento. Disponível em: http://www.mte.gov.br/legislacao/normas _regulamentadoras/nr_15.pdf Acesso em: 29 de maio de 2011 às 18:50.
http://www.mte.gov.br/legislacao/normas ...
, da Portaria n.º 3.214/1978, estabelece os limites de exposição ao ruído contínuo ou intermitente e para ruídos de impacto, vigentes no país. A exposição máxima permitida para um ruído de 85 dB(A) é de oito horas por dia.

Muitos estudos descritos na literatura abordam os níveis de ruído e achados audiológicos em motoristas profissionais1818. Bisi RF, Coifman JDS, Ferreira MIDC, Mitre EI . Correlação entre perfil audiométrico, idade e o tempo de atividade em motoristas de ônibus. Rev CEFAC. 2013;15(4):749-56.

19. Karimi A, Kazerooni F, Nasiri S, Oliaei M. Noise induced hearing loss risk assessment in truck drivers. Noise and Health.2010;12(46):49-52.
- 2020. Guerra MR, Lourenço PMC, Bustamante-Teixeira MT, Alves MJM. Prevalência de perda auditiva induzida por ruído. Rev. Saúde Pública. 2005:39(2):238-44.. Um estudo realizado em uma cidade da província de Fars, Irã, investigou a audição de 500 caminhoneiros por audiometria tonal liminar. Os resultados indicaram que os prejuízos da audição dos motoristas ocorrem mais cedo nas frequências de 4 e 8 kHz. Além disso, evidenciaram que as condições de trabalho dos motoristas de caminhão podem ter efeito prejudicial bilateral, simétrico e atingir todas as frequências, principalmente 4.000 Hz1919. Karimi A, Kazerooni F, Nasiri S, Oliaei M. Noise induced hearing loss risk assessment in truck drivers. Noise and Health.2010;12(46):49-52..

Estudo com 1.113 motoristas de ônibus com média de tempo de serviço de 4,6 anos observou presença de perda auditiva neurossensorial bilateral na faixa de frequência de 3 a 6 kHz com tendência de maior alteração dos limiares auditivos na orelha esquerda na faixa de frequência de 0.5 a 2,0 kHz. Os trabalhadores com mais idade e tempo de serviço foram os mais afetados1818. Bisi RF, Coifman JDS, Ferreira MIDC, Mitre EI . Correlação entre perfil audiométrico, idade e o tempo de atividade em motoristas de ônibus. Rev CEFAC. 2013;15(4):749-56..

Outro estudo realizado com 28 motoristas de ambulâncias do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo mostrou que 50% dos profissionais apresentaram PAIR e 35,7% apresentaram o fenômeno do recrutamento. Observou-se ainda relação estatisticamente significante entre as variáveis: "Grau da perda auditiva na orelha esquerda x Grau da perda auditiva na orelha direita"; "Presença do recrutamento x Grau da perda auditiva na orelha esquerda" e "Presença do recrutamento x Grau da perda auditiva na orelha direita"1515. Silva GLL, Gomez MVSG, Zaher VL. Perfil Audiológico de Motoristas de Ambulância de Dois Hospitais na Cidade de São Paulo - Brasil. Arq. Int. Otorrinolaringol. 2006;10(2):132-40..

Estima-se que 25% da população trabalhadora exposta ao ruído seja portadora da PAIR em algum grau2121. Lopes G, Russo ICP, Fiorini AC. Estudo da Audição e Qualidade de vida em Motoristas de Caminhão. Rev CEFAC. 2007;4(9):532-42., o que reforça a necessidade de reavaliar as condições de trabalho dos profissionais que atuam em ambulâncias e verificar os níveis de pressão sonora a que estes indivíduos estão expostos. Os trabalhadores expostos a níveis de pressão sonora elevados devem ser alertados dos efeitos que esta exposição acarreta, com intuito de melhorar a relação trabalho e saúde2222. Mello A. Alerta ao Ruído Ocupacional [dissertação]. Porto Alegre (RS): Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica; 1999..

Apesar de ser o agravo mais frequente à saúde dos trabalhadores, ainda são pouco conhecidos seus dados de prevalência no Brasil. Isso reforça a importância da notificação, que torna possível o conhecimento da realidade e dimensiona as ações de prevenção e assistência necessárias2121. Lopes G, Russo ICP, Fiorini AC. Estudo da Audição e Qualidade de vida em Motoristas de Caminhão. Rev CEFAC. 2007;4(9):532-42..

Assim, o objetivo do presente estudo é descrever os níveis de pressão sonora (NPS) a que os trabalhadores estão expostos durante a jornada de trabalho em ambulâncias e verificar possível associação do uso da sirene, das condições do trânsito e do período do dia em que foi realizada a medição.

Métodos

Trata-se de estudo descritivo transversal, realizado em uma unidade de suporte móvel de um serviço particular de urgência e emergência na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. A pesquisa foi analisada e aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais sob o número 12711013.5.0000.5149.

A ambulância analisada obedece ao padrão utilizado pela maioria dos serviços de urgência e emergência da cidade de Belo Horizonte (MG) em termos de especificações técnicas, dimensões físicas, detalhes do interior da cabine e sirene. Trata-se de ambulância da marca Mercedes-Benz, modelo Sprinter 315 CDI, 4 portas, diesel, manual e ano de fabricação 2008. O modelo é um padrão Sprinter com teto alto.

Para obter uma medida do ruído na cabine da ambulância durante as viagens de emergência foi utilizado um medidor de nível de pressão sonora digital com datalogger da marca Instrutherm modelo DEC-490 com microfone tipo 2. As medições foram realizadas nas frequências de 63 Hz a 8 kHz e o equipamento foi programado para coletar dados no modo "fast", utilizando a curva de ponderação "A", conforme recomendações da NBR 10.1512323. Norma Regulamentadora n.º15 (NR-15), da Portaria n.º 3.214/1978 (BRASIL, 1978) e ISO 5128. Utilizou-se espuma protetora no microfone para minimizar efeitos do vento.

O equipamento foi posicionado na cabine traseira da ambulância na cadeira ocupada pelo técnico de enfermagem, enfermeiro ou médico socorrista. Foram realizadas medições durante 20 viagens de emergência, cujo tempo de duração variou de 15 a 37 min. Essas medições foram realizadas em diferentes dias, períodos e em diferentes plantões, sendo que a cada viagem o motorista informava sobre as condições do trânsito "bom" ou "ruim"; e sobre o uso da sirene "ligada" ou "desligada". Como se trata de uma empresa de urgência e emergência a média de viagens realizadas por plantão varia dependendo da demanda de chamadas. No caso em estudo, as 20 viagens foram avaliadas em três dias de trabalho de diferentes profissionais.

Posteriormente foi realizada análise da exposição de um trabalhador ao ruído durante a jornada de trabalho. Foi determinada a dose diária expressa em porcentagem da exposição ocupacional ao ruído durante quatro plantões de um motorista da unidade de suporte móvel: plantão noturno durante a semana, diurno durante a semana, noturno final de semana e diurno final de semana. Os plantões tinham duração média de 12 horas e não foram considerados os períodos de descanso do trabalhador. O cálculo da dose foi baseado em todo o período do plantão.

Para determinação da dose de exposição ao ruído foi utilizado o dosímetro de ruído da marca Simpsom modelo 897, fixado durante toda a coleta de dados no lado esquerdo do motorista. O equipamento ficou preso na lateral do cinto do indivíduo avaliado, passando-se o fio por dentro da camisa, a fim de preservar os movimentos necessários para a atividade do motorista. O microfone saiu pela abertura da gola e foi fixado próximo a área auditiva esquerda.

O dosímetro utilizado na pesquisa fornece e armazena as medidas do nível de pressão sonora equivalente, ao mesmo tempo em que faz a dosimetria. Selecionaram-se parâmetros específicos de medição conforme recomendação da NR 15 anexos I e II, como tempo de resposta "slow" e a escala de compensação A, pois esta indica que os níveis medidos estão sendo ponderados pelas frequências de acordo com a subjetividade do ouvido humano. Portanto, os resultados são em dB(A). Suas características técnicas atendem às especificações do padrão dois, das normas ISO 1999 (1989) e ANSI SI-4-1971 para uso geral em trabalho de pesquisa de campo.

Para entrada, processamento e análise quantitativa dos dados, foi utilizado o software SPSS, versão 16.0. Para fins de análise descritiva, foi feita distribuição de frequência das variáveis categóricas envolvidas nos dados em estudo e análise das medidas de tendência central e de dispersão das variáveis contínuas.

Na análise estatística foram empregados os testes t-Student nos casos de variáveis quantitativas contínuas com distribuição normal e Qui-quadrado ou Exato de Fischer na análise das variáveis categóricas. Para verificação da distribuição das variáveis quantitativas foi utilizado o teste de normalidade Shapiro-Wilk. O nível de significância considerado foi de 5% (p<0.05).

Resultados

As medições do nível sonoro equivalente (Leq) durante as viagens de emergência realizadas pela ambulância em diferentes períodos do dia variaram de 75,28 dB(A) obtida em boas condições de trânsito, no período noturno e sem uso de sirene a 99,73 dB(A) que foi obtida em condições de trânsito intenso, no período diurno e com uso de sirene.

A média do nível sonoro equivalente (Leq) baseada na medição realizada nas 20 viagens foi 85,85 dB(A) (±7,9), com mínimo de 75,2 dB(A) e máximo de 99,7dB(A), conforme visualizado na Figura 1.

Figura 1:
Nível Sonoro equivalente nas 20 viagens realizadas na ambulância

Para análise deste parâmetro foi utilizado o teste de normalidade Shapiro-Wilk e verificou-se distribuição normal da variável nível de ruído.

As análises do nível sonoro equivalente nas viagens categorizado segundo o uso da sirene, condições do trânsito e período do dia podem ser visualizadas na Tabela 1.

Tabela 1:
Nível sonoro equivalente nas viagens categorizado segundo o uso da sirene, condições do trânsito e período do dia

Os resultados obtidos a partir da medição da dose de ruído do motorista da ambulância durante a jornada de trabalho em diferentes plantões são demonstrados na Tabela 2.

Tabela 2:
Nível sonoro equivalente e dose de ruído em porcentagem durante os plantões de um único motorista

Discussão

No presente estudo, das 20 medições realizadas durante as viagens de emergência, 12 apresentaram NPS superior ao permitido pela NR 15 (60%). O mesmo foi observado em estudos com motoristas de ônibus em Florianópolis2424. Didoné JA. Perda Auditiva dos Motoristas de Ônibus por exposição ao ruído: Medição, Análise e Proposta de Prevenção. [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina. Pós Graduação em Engenharia de Produção; 2004. e Porto Alegre1010. Giuliani A. O nível de ruído próximo aos motoristas de ônibus urbano na cidade de Porto Alegre, RS. Rev. Liberato. 2011;17(2):1-106., os quais encontraram um nível de ruído superior a 85 dB(A) em 58,8% da frota analisada e 100% dos trajetos analisados, respectivamente. Os dados mostram que motoristas de ambulância e ônibus estão submetidos a um risco físico - ruído -, o qual comprovadamente traz inúmeros danos à saúde66. Silva JLL, Silva ME, Sousa JL, Souza RF. O Estresse Provocado pelo Ruído como Risco Ocupacional entre Trabalhadores em Vulnerabilidade. Rev. pesq.: cuid. Fundam. 2012;9-12. , 1515. Silva GLL, Gomez MVSG, Zaher VL. Perfil Audiológico de Motoristas de Ambulância de Dois Hospitais na Cidade de São Paulo - Brasil. Arq. Int. Otorrinolaringol. 2006;10(2):132-40..

De acordo com os resultados obtidos, o ruído elevado está associado com as condições do trânsito e o uso da sirene (Tabelas 1 e 2), o que corrobora com estudo realizado com equipe de paramédicos que trabalha com ambulância e encontrou um nível sonoro na cabine variando de 96 a 102,5 dB(A) quando a sirene estava ligada2525. Johnson DW, Hammond RJ, Serman RE. Hearing in ambulance paramedic population. Annals of Emergency Medicine. 1980;9(11):557-61.. Portanto, o uso da sirene e as condições de trânsito classificadas como "ruins" são dependentes, já que o trânsito ruim leva ao uso da sirene, e consequentemente, eleva o nível de ruído. Trata-se de uma situação frequente e inevitável aos tripulantes de ambulância, os quais necessitam socorrer vidas em quaisquer horários, fatores que fogem ao comando da tripulação.

A percepção dos motoristas em relação às condições do trânsito foi de fundamental importância para caracterizar o ruído de tráfego. Observou-se que todas as vezes que as condições do trânsito foram descritas como "ruins" o NPS medido foi elevado e superior ao permitido pela NR 15. Apesar deste estudo não ter investigado a percepção do ruído de tráfego por estes motoristas vários estudos na literatura descrevem o nível de incômodo gerado pelo ruído de tráfego2626. Paz EC, Ferreira AM, Zannin PH. Estudo Comparativo da Percepção do Ruído Urbano. Rev. Saúde Pública. 2005;39(3):467-72. , 2727. Ali SA, Tamura A. Road Traffic Noise Mitigation Strategies in Greater Cairo, Egypt. Applied Acoustics. 2003;64(8):815-23.. Em entrevistas realizadas em um local onde não havia controle de ruído, 94% das pessoas relataram incômodo, enquanto em um local com controle de ruído apenas 50% dos entrevistados apresentaram esta queixa, podendo constatar a correlação entre nível de ruído elevado e percepção2626. Paz EC, Ferreira AM, Zannin PH. Estudo Comparativo da Percepção do Ruído Urbano. Rev. Saúde Pública. 2005;39(3):467-72.. Outra pesquisa de opinião realizada sobre a percepção do ruído demonstrou que 73% dos entrevistados consideraram se sentir incomodados com o ruído da cidade, sendo este ruído proveniente do trânsito2727. Ali SA, Tamura A. Road Traffic Noise Mitigation Strategies in Greater Cairo, Egypt. Applied Acoustics. 2003;64(8):815-23..

Não foram encontradas normas que definam o ruído interno máximo para cabines de veículos, mas sim a Resolução CONAMA nº 2522828. Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA, 1999. Resolução número 252 de 01/02/99. de 01 de fevereiro de 1999 que estabelece procedimentos e limite máximo para o controle e fiscalização da emissão do ruído pelos veículos automotores em uso. Por isso, foram consideradas as especificações da NR 15 que estabelece o valor de 85 dB(A) como limite do ruído ocupacional para 8 horas de exposição.

Vale a pena ressaltar, que o ruído ocupacional, é potencialmente gerador de efeitos auditivos e não-auditivos no ser humano2929. Baguley D, McFerran D, Hall D. Tinnitus. The Lancet. [serial on the internet] 2013 November [cited 2014 jun]; 382:1600 [about 7 p.] Avaliable from: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(13)60142-7
http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(13)...
, e não há como descartar reações psicológicas (como raiva, estresse e nervosismo) e/ou físicas (por exemplo, aumento da pressão sanguínea) que podem causar ao homem sequelas permanentes66. Silva JLL, Silva ME, Sousa JL, Souza RF. O Estresse Provocado pelo Ruído como Risco Ocupacional entre Trabalhadores em Vulnerabilidade. Rev. pesq.: cuid. Fundam. 2012;9-12. , 77. Fernandes DC. Aspectos gerais acerca da poluição Sonora. Fórum Ambiental da Alta Paulista. [periódico na internet] 2011 [acesso em 2014 jun]; 4(7):[aproximadamente 8 p.]. Disponível em: http://www.amigosdanatureza.org.br/publicacoes/index.php/forum_ambiental/article/view/145/146
http://www.amigosdanatureza.org.br/publi...
. Portanto, acredita-se que o limite estabelecido pela NR15 deveria ser revisto, já que o valor de 85dB(A) para 8 horas exposição é elevado, e altamente danoso ao ser humano. Além disso, investimentos nas condições de trabalho dos profissionais com medidas de controle do ruído na unidade de suporte móvel e ações preventivas para preservação da saúde dos trabalhadores contribuiriam ainda para a redução dos efeitos auditivos e não-auditivos provocados pelos altos níveis de ruído.

Com relação à dosimetria o menor valor registrado neste estudo ocorreu durante o plantão noturno de final de semana em condições boas de trânsito e sem necessidade de uso de sirene. O maior valor encontrado foi igual a 155% e ocorreu durante o plantão diurno durante a semana em condições ruins de trânsito e com uso de sirene. O mesmo foi encontrado em um estudo realizado com motoristas de ônibus em que foram constatadas doses de ruído superior a 100%, sendo este valor influenciado pelo dia da semana e as condições de trânsito2424. Didoné JA. Perda Auditiva dos Motoristas de Ônibus por exposição ao ruído: Medição, Análise e Proposta de Prevenção. [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina. Pós Graduação em Engenharia de Produção; 2004.. Esses valores ultrapassam a dose diária permitida que é de 100% segundo a NR 15, o que, consequentemente, irá gerar impactos negativos à saúde auditiva do trabalhador como o desenvolvimento da PAIR, assim como implicações em sua qualidade de vida e aumento do estresse.

Outro estudo realizado em São Paulo com motoristas de ambulância mostrou que a ocorrência de PAIR foi de 50%1515. Silva GLL, Gomez MVSG, Zaher VL. Perfil Audiológico de Motoristas de Ambulância de Dois Hospitais na Cidade de São Paulo - Brasil. Arq. Int. Otorrinolaringol. 2006;10(2):132-40.. Uma vez que a perda auditiva causada pelo ruído é progressiva e irreversível, faz-se necessário o uso de rígidas medidas de controle. Estas são divididas em medidas de controle técnico (engenharia) e controle aplicado ao homem. O controle técnico inclui as medidas aplicadas ao ambiente de trabalho: a redução do ruído na fonte e a redução ou prevenção da propagação do ruído. O controle aplicado sobre o homem inclui a redução do tempo de exposição do trabalhador ao ruído, uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e o controle médico que visa prevenir a ocorrência da perda auditiva ocupacional3030. Nitschke CAS, Lopes NG, Bueno RML. Riscos Laborais em Unidade de Tratamento Intensivo Móvel. [Monografia de Especialização] Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2000..

Com relação aos efeitos do ruído na saúde auditiva do trabalhador estudo realizado em Porto Alegre com 1113 motoristas de ônibus verificou uma piora nos limiares auditivos em frequências agudas em relação ao tempo de serviço quando comparados os resultados entre a primeira e última audiometria sequencial de cada trabalhador, o que mostra que a exposição ao ruído na jornada de trabalho pode ser prejudicial ao sistema auditivo99. Bisi RF, Coifman JDS, Ferreira MIDC, Mitre EI. Correlação entre o perfil audiométrico, idade e o tempo de atividade em motoristas de ônibus. Rev CEFAC. 2013;15(4):749-56.. Os valores encontrados nesta pesquisa e nos estudos descritos são superiores ao estabelecido pela NR 15 e, por isso, podem gerar danos à saúde do trabalhador, enfatizando a necessidade de medidas para controle do ruído.

O presente estudo permitiu o conhecimento do ruído interno à cabine das ambulâncias, assim como da dose de ruído a que o trabalhador de ambulância está exposto. Embora a análise de dosimetria tenha acontecido em um único motorista em quatro plantões com duração de 12 horas cada, os resultados apontam para uma realidade preocupante, visto que o ruído ocupacional, quando em limites superiores ao estabelecido, causa danos irreversíveis na orelha interna, além de efeitos auditivos e não auditivos prejudiciais à saúde do trabalhador.

Sugere-se a continuidade do presente estudo com amostras maiores e realização de exames auditivos objetivos e subjetivos, com o intuito de quantificar os prejuízos causados pelo ruído ocupacional nestes profissionais.

Conclusões

Os níveis de pressão sonora que os trabalhadores estão expostos durante a jornada de trabalho em ambulâncias são elevados e ultrapassam o que é estabelecido pela norma Brasileira. Dessa forma, reitera-se a necessidade de um Programa de Conservação Auditiva (PCA) em empresas de urgência e emergência cujos trabalhadores estão expostos ao ruído de tráfego, alarmes sonoros e sirene a fim de minimizar ou mesmo anular os seus efeitos nocivos à saúde geral do trabalhador.

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    Camelo SHH, Angerami ELS. Riscos psicossociais no trabalho que podem levar ao estre: uma análise da literatura, São Paulo. Ciênc. Cuid. Saúde. 2008;7(2):232-40.
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    Leão RN, Dias FAM. Perfil audiométrico de indivíduos expostos ao ruído atendidos no núcleo de saúde ocupacional de um hospital do município de Montes Claros, Minas Gerais. Rev CEFAC. 2010;12(2):242-9.
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    Nunes CP, Abreu TRM, Oliveira VC, Abreu RM. Sintomas Auditivos e não auditivos em trabalhadores expostos a ruído. Rev. Baiana Saúde Pública. 2011;35(3):548-55.
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    Balbinot A, Tamagna A. Avaliação da transmissibilidade da vibração em bancos de motoristas de ônibus urbanos: um enfoque no conforto e na saúde. Rev. Bras. Eng. Bioméd. 2002;18(1):31-8.
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    Silva JLL, Silva ME, Sousa JL, Souza RF. O Estresse Provocado pelo Ruído como Risco Ocupacional entre Trabalhadores em Vulnerabilidade. Rev. pesq.: cuid. Fundam. 2012;9-12.
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    Fernandes DC. Aspectos gerais acerca da poluição Sonora. Fórum Ambiental da Alta Paulista. [periódico na internet] 2011 [acesso em 2014 jun]; 4(7):[aproximadamente 8 p.]. Disponível em: http://www.amigosdanatureza.org.br/publicacoes/index.php/forum_ambiental/article/view/145/146
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    Lacerda A, Figueiredo G, Neto JM, Marques JM. Achados audiológicos e queixas relacionadas à audição dos motoristas de ônibus urbano. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2010;15(2):161-6.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2014
  • Aceito
    26 Nov 2014
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