Intervenções educativas em saúde auditiva para escolares

RESUMO

Objetivo:

implementar e avaliar intervenções em saúde auditiva para escolares, utilizando as atividades do Programa Dangerous Decibels ®, em parceria com o Projeto Jovem Doutor, abordando aspectos preventivos da perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados.

Métodos:

participaram do estudo 41 escolares, com idade entre 12 e 14 anos, de duas escolas no interior de São Paulo e uma Instituição Social direcionada a estudantes de escolas públicas. As atividades foram baseadas no Projeto Jovem Doutor e no programa Dangerous Decibels ® Brasil. Os escolares responderam a um questionário aplicado em três situações, antes da intervenção (pré), logo após a intervenção (pós) e quatro meses após a intervenção. Foram utilizados os testes estatísticos ANOVA, FRIEDMAN; p<0,001 e TUKEY; p<0,05.

Resultados:

os 41 escolares que participaram do programa atuaram como protagonistas do conhecimento, multiplicando o conteúdo aprendido através das oficinas culturais, envolvendo 954 escolares das três escolas. Ao analisar a eficácia do programa, observou-se melhora nos resultados logo após a intervenção e, também, após 4 meses.

Conclusão:

a união desses dois programas incentivou o protagonismo juvenil, objetivando o maior envolvimento dos estudantes junto da comunidade. Foi possível observar a mudança de atitude dos escolares frente aos sons potencialmente perigosos.

Descritores:
Educação em Saúde; Estudantes; Perda Auditiva; Ruído

ABSTRACT

Purpose:

to implement and assess hearing health interventions for school students, using Dangerous Decibels^® Program activities in partnership with the Young Doctor Project, approaching noise-induced hearing loss prevention.

Methods:

the study encompassed 41 students, aged 12 to 14 years, from two schools in inland São Paulo and a social institution for public school students. Activities were based on the Young Doctor Project and the Dangerous Decibels^® Brazil Program. The students answered a questionnaire administered in three situations: before the intervention (pre), right after the intervention (post), and 4 months after the intervention. The ANOVA, Friedman (p < 0.001), and Tukey´s (p < 0.05) statistical tests were used.

Results:

the 41 students who participated in the program were protagonists of knowledge, spreading the content they learned to another 954 students in the three schools through cultural workshops. The analysis of program effectiveness revealed improved results right after the intervention and 4 months afterward.

Conclusion:

combining these two programs encouraged the protagonism of young people to increase their involvement with the community. Moreover, the students changed their attitude toward potentially dangerous sounds.

Descriptors:
Health Education; Students; Hearing Loss; Noise

INTRODUÇÃO

Promover a saúde requer um olhar mais detalhado para as questões da saúde na sociedade, envolvendo um foco direcionado ao coletivo de indivíduos e ao ambiente em todas as dimensões, física, social, política, econômica e cultural.

Neste contexto, programas de promoção da saúde auditiva vêm sendo desenvolvidos, envolvendo escolares do ensino fundamental e médio, que atuam como protagonistas, disseminando o conhecimento por meio de ações multiplicadoras para a comunidade^1-5. Estudos como estes caracterizam a relevância dos programas educacionais que abrangem a prevenção em saúde, abordando temas específicos em saúde auditiva para jovens expostos a níveis de pressão sonora elevados⁶.

Os jovens estão expostos a ruídos intensos (ambientais ou de lazer) diariamente, utilizando cada vez mais os dispositivos sonoros individuais (DSI) com fones de ouvido em intensidade elevada^2,3,7,8. A exposição a altos níveis de intensidade sonora pode desencadear diversos sintomas auditivos ou não-auditivos como: intolerância a sons intensos, tontura, otalgia, dificuldades para entender ou ouvir as palavras, zumbido, perda da audição, distúrbios de sono, transtorno cardiovascular, estresse, fadiga, tensão, irritabilidade, desatenção, cansaço, nervosismo, cefaleia e hipertensão arterial^9-11. A perda auditiva pode provocar consequências à qualidade de vida, abalando suas relações sociais¹². Além disso, esses sintomas podem trazer prejuízo ao desenvolvimento do aprendizado como um todo, como consequência afetando o raciocínio, a compreensão do conteúdo e interferindo na percepção dos sons.

Pesquisadores relatam que a lesão por ruído é a segunda maior causa de perda de audição no mundo, mas pode ser prevenida, evitando a exposição ao ruído excessivo e, principalmente, com o uso de proteção adequada^13-15. Embora pesquisas tenham demonstrado esses resultados, a literatura direcionada ao comportamento dos jovens em relação ao cuidado da audição evidenciou falta de preocupação dos mesmos sobre o tema, demonstrando que ainda são poucas as ações relacionadas a prevenção ou preocupação sobre o assunto, embora saibam que o uso excessivo de DSI possa levar a problemas auditivos^2,3,16.

Neste contexto, campanhas e programas foram realizados para conscientizar a população mundial sobre os riscos da exposição a níveis de pressão sonora elevados. Entre eles, destaca-se o Programa internacional Dangerous Decibels ®. Criado em 1999, o programa tem como objetivo reduzir a incidência da perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados (PAINSPE) e zumbido em crianças e adolescentes. Em 2015, a Academia Brasileira de Audiologia (ABA) tornou-se parceira do programa, realizando divulgação dos workshops e trabalhos científicos, divulgando informações sobre o som intenso e seus efeitos, em especial a PAINPSE e o zumbido (www.audiologiabrasil.org.br/ddbrasil)¹⁷.

No Brasil, uma proposta que merece destaque é o “Projeto Jovem Doutor”, o qual desenvolve um programa de capacitação com escolares do ensino fundamental e médio sobre temas em saúde, por meio de teleducação interativa, utilizando objetos educacionais, oficinas presenciais, plataforma interativa de aprendizagem e oficinas culturais, com o propósito de multiplicação do conhecimento adquirido junto à comunidade¹⁸.

A escola tem representado um importante local para o encontro entre saúde e educação, promovendo amplas possibilidades de ações sociais ou estratégias de atividades de educação e promoção da saúde. Envolver os escolares em ações de promoção de saúde auditiva faz com que esses jovens reflitam e modifiquem seus comportamentos frente a hábitos nocivos^1-3,19.

Diante disso, o estudo teve como objetivo implementar e avaliar intervenções em saúde auditiva para escolares, utilizando as atividades do Programa Dangerous Decibels ® em parceria com o Projeto Jovem Doutor, abordando aspectos preventivos da perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados.

MÉTODOS

O estudo foi desenvolvido em três ambientes escolares, sendo duas escolas no interior de São Paulo, uma particular (Escola 1), uma pública municipal (Escola 2) e uma instituição social direcionada a adolescentes de escolas públicas (Consórcio Intermunicipal da Promoção Social - CIPS). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Bauru/ Universidade de São Paulo (FOB/USP), Brasil, sob parecer 77171117.0.0000.5417, CAAE 56186221.6.0000.5417. Os responsáveis pelos menores envolvidos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os participantes da pesquisa também preencheram um termo de assentimento (TA). O estudo foi realizado em parceria entre o Departamento de Fonoaudiologia da FOB/USP, Secretaria de Educação do Município, Grupo Dangerous Decibels ® da Universidade de Oregon (Oregon Health & Science University - OHSU) e Grupo Dangerous Decibels ® Brasil.

Casuística

Foram convidados a participar do programa 133 escolares de ambos os gêneros do 8º. ano do ensino fundamental II, na faixa etária entre 12 e 14 anos. Os participantes foram selecionados mediante o interesse e disponibilidade em participar do programa. Dos 133 escolares convidados, 46 iniciaram o estudo. Foram excluídos aqueles que não assinaram os devidos termos (TCLE e TA) e que não responderam a todos os questionários de avaliação. Ao final, cinco escolares foram excluídos por não terem respondido a todos os questionários, totalizando uma amostra de 41.

Intervenções

As intervenções foram baseadas no Projeto Jovem Doutor¹⁸ e nas atividades em sala de aula propostas pelo programa Dangerous Decibels ® Brasil¹⁷ e foram divididas em quatro etapas, esquematizadas na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma do Projeto

Etapa 1 - Atividade Presencial

Na atividade presencial, os escolares participaram de uma dinâmica na própria escola, utilizando material educacional do Programa Dangerous Decibels ® para sala de aula. A dinâmica foi realizada com base em informações que abrangeram:

• Os caminhos da audição;

• O que são sons perigosos;

• Quais são os efeitos causados pela exposição a sons perigosos;

• Como me proteger desses sons.

A pesquisadora participou do programa de treinamento para educadores - Dangerous Decibels ® internacional e Dangerous Decibels ® Brasil.

A atividade presencial foi realizada em sala de aula durante a disciplina de Ciências. Na instituição social, foi feita uma parceria com outra pesquisadora, aluna do doutorado, cujo objetivo foi produzir um documentário sobre o uso de fones de ouvido. A dinâmica foi inserida no trabalho intitulado “Educação e saúde: produção de um documentário transmídia em saúde auditiva do adolescente”. Estavam presentes a pesquisadora e o professor da disciplina para a realização das ações interativas (AI) propostas pelo programa Dangerous Decibels ® Brasil (Quadro 1).

Quadro 1
Ações interativas em módulos realizadas no Programa de intervenção em saúde auditiva

AI 1 O que é o som	Esta atividade teve o propósito de fazer com que os escolares aprendessem: • O som é o resultado de vibrações; • Vibrações sonoras são chamadas também de ondas sonoras; • Não há som sem vibração; • A energia sonora pode ser perigosa e causar danos auditivos.	Materiais utilizados: diapasão e bola de ping pong presa a um barbante.
AI 2 Como ouvimos	Esta atividade teve o propósito de fazer com que os escolares conhecessem a anatomia e fisiologia da orelha.	Materiais utilizados: figura da anatomia da orelha.
AI 3 O que são células ciliadas	Esta atividade teve o propósito de fazer com que os escolares entendessem como os sons intensos podem danificar de forma permanente as células ciliadas da cóclea.	Materiais utilizados: limpadores de cachimbo, imagem de uma vela acesa, imagem das células ciliadas antes e depois da exposição a um som forte.
AI 4 Quão intenso é o som?	Nesta atividade os escolares começaram a associar diferentes sons com diferentes níveis de decibéis.	Materiais utilizados: cartões de memória (FLASH CARDS).
AI 5 Medindo os NPS com medidor de pressão sonora (decibelímetro)	Essa atividade teve o propósito de medir a intensidade sonora com o medidor de nível de pressão sonora (decibelímetro).	Materiais utilizados: decibelímetro e secador de cabelo.
AI 6 Como usar protetores auditivos	Nesta atividade os escolares aprenderam a colocar os protetores auditivos.	Materiais utilizados: protetores auditivos de diferentes materiais.
AI 7 Hora de Agir	Esta atividade teve o propósito de demonstrar aos escolares a pressão realizada pelos colegas frente a um som perigoso e que é muito importante o jovem tomar suas decisões a respeito de seu comportamento individual.	Materiais utilizados: Flash Card e Cartões com as 3 maneiras de se proteger de “sons perigosos”

• Legenda: AI = Ações Interativas, NPS = Nível de Pressão Sonora

Etapa 2 - Criação de Objetos Educacionais

Após a realização da Etapa 1, durante duas semanas, as escolas desenvolveram materiais educacionais com o objetivo de multiplicar o conhecimento adquirido para a comunidade escolar.

Como proposta de divulgação e pesquisa sobre comportamentos auditivos, com apoio da professora de educação artística, na escola 1, foram confeccionados cartazes sobre o conteúdo aprendido. Em outro momento, foi confeccionado um manequim por uma aluna do curso de robótica, utilizando o cookbook do programa Dangerous Decibels ® que tem a função de medir o NPS dos dispositivos sonoros individuais. Os escolares deram o nome de “Jefferson” para o modelo. Esse manequim faz parte dos objetos educacionais propostos pelo programa Dangerous Decibels® e foi utilizado em diferentes campanhas e projetos nas escolas, na universidade e para a comunidade. Essa atividade foi proposta com o objetivo de medir o nível de pressão sonora produzido pelos DSI dos jovens participantes.

Os escolares da Escola 2, junto com o professor de Ciências, criaram um roteiro para a apresentação do programa na Etapa 3. No CIPS os escolares desenvolveram uma revista eletrônica, materiais impressos como cartazes e banner, a partir do conteúdo apresentado na atividade presencial.

Etapa 3 - Oficinas Culturais

Nesta etapa, os escolares multiplicaram o conhecimento adquirido para todo o grupo acadêmico, assim como para a comunidade, por meio de oficinas culturais sobre o tema saúde auditiva, propostas pelos próprios alunos, um mês após a atividade presencial, criando, assim, uma rede colaborativa de aprendizagem.

Etapa 4 - Avaliação do Programa de Intervenção

Para avaliar a intervenção, os escolares responderam a um questionário elaborado pelo programa Dangerous Decibels ®, traduzido e adaptado por Knobel e Lima²⁰ (^{ANEXO 1}). O questionário foi aplicado em três situações, antes da intervenção (pré), logo após a intervenção (pós) e quatro meses após a intervenção²¹.

Os questionários foram mensurados seguindo a escala Likert, com cinco graus possíveis de obtenção de nota: Nunca (1), Raramente (2), Às vezes (3), Muitas vezes (4) e Sempre (5). Nas questões 1, 6, 10, 11, 14, 16, 18 e 20, a pontuação foi invertida, ou seja, para Nunca (5), Raramente (4), Às vezes (3), Muitas vezes (2) e Sempre (1).

Para determinar a eficácia da intervenção, foram comparadas a pontuação total dos questionários nas três situações, pré, pós e após 4 meses. Para avaliar a eficácia imediata, foram comparadas a pontuação total dos questionários pré e pós. Para avaliar a eficácia a longo prazo da intervenção, a pontuação total do questionário (pré) foi comparada com a pontuação das respostas obtidas no questionário (após quatro meses), assim como a pontuação do questionário (pós) foi comparada com a pontuação das respostas do questionário (após quatro meses). Foram comparadas, também, a pontuação dos questionários de cada escola nas três situações.

As questões foram agrupadas em quatro domínios: Percepção Auditiva, Conhecimento, Comportamento e Barreira. O domínio Percepção está descrito nas questões 1, 6 e 11; o domínio Conhecimento, nas questões 2, 3, 4, 8, 9, 10, 12 e 13; o domínio Comportamento é atendido pelas questões 5, 7, 14, 15, 17 e 19; e o domínio Barreira pelas questões 16, 18 e 20. A comparação da pontuação entre os domínios também foi realizada nas três situações: pré, pós e após 4 meses.

Análise dos Resultados

Para análise de dados, foi aplicado teste de normalidade e homogeneidade para verificar a distribuição normal. Nos casos onde os princípios foram cumpridos, foi realizada a análise de variância das medidas repetidas - teste ANOVA e, nos casos em que os princípios não foram cumpridos, foi utilizado teste não paramétrico - teste FRIEDMAN. A comparação entre as escolas foi realizada pelo teste TUKEY e o nível de significância foi p<0,05.

RESULTADOS

Após finalizado o programa de capacitação dos escolares e desenvolvidos os objetos educacionais, foram realizadas em cada escola participante as oficinas culturais. As oficinas tiveram como objetivo multiplicar o conhecimento adquirido pelos escolares para seus colegas, professores, funcionários e comunidade através de ações interativas e participativas programadas por eles e pela coordenação sob a orientação da pesquisadora. Durante as mesmas os escolares participantes realizaram atividades envolvendo os demais alunos das escolas.

Na Escola 1, os escolares participaram da “semana da saúde”. Os cartazes confeccionados ficaram expostos durante toda semana. Foi realizada, também, uma atividade interativa para os alunos do ensino fundamental I e II. Nesta atividade foram medidos os níveis de pressão sonora dos DSI dos jovens, utilizando o “Jefferson”. Desta maneira, foram envolvidos 390 escolares nessas ações.

Na Escola 2, foi realizada uma “feira de projetos”, envolvendo a comunidade. Os escolares orientavam os visitantes em “como se proteger dos sons perigosos”, a partir de textos produzidos por eles. Foram envolvidos nessa atividade 221 escolares do ensino fundamental II.

Na Instituição Social (CIPS), a partir do conhecimento adquirido, os escolares produziram um banner e uma revista eletrônica, disponíveis no site https://seiusarfonedeouvido.wordpress.com/. Foi realizada a medida dos níveis de pressão sonora dos DSI. Foram envolvidos 343 escolares nas atividades.

Os 41 escolares que participaram do programa de intervenção atuaram como protagonistas do conhecimento. Através das oficinas culturais, os participantes multiplicaram o conteúdo aprendido, envolvendo, no total, 954 escolares nas três escolas.

Avaliação da Intervenção em Saúde Auditiva

Para determinar a eficácia da intervenção, foram comparadas a pontuação total dos questionários nas três situações, pré, pós e após quatro meses de intervenção para cada escola. Foi possível observar que, na Escola 1, houve diferença estatisticamente significante nos valores médios entre os grupos (Tabela 1).

Ao avaliar a eficácia imediata da intervenção para cada escola, verificou-se que, na Escola 2, houve diferença estatisticamente significante entre os questionários pré e pós. Foi observado um aumento nos resultados entre o questionário pré e pós intervenção (Tabela 1).

Para avaliar a eficácia a longo prazo, foram comparadas a pontuação do questionário pós e após quatro meses, como também a pontuação entre os questionários pré e após quatro meses da intervenção para cada escola. De acordo com os resultados apresentados, foi possível observar que, na escola 2, houve diferença estatisticamente significante entre os questionários pós e após 4 meses. No CIPS, foi observada diferença estatisticamente significante entre os questionários pré e após quatro meses como descrito na Tabela 1. Houve um aumento significante nos resultados dos questionários após 4 meses da intervenção.

Tabela 1
Análise da comparação dos questionários entre as três situações em cada escola

Escolas	N	Situações	Média	DP	Valor de p
1		préa	67,2	7,5	< 0,001ab < 0,001ac < 0,001bc
	20	pósb	77,3	8,4
		após 4 mesesc	71,8	7,2
2		préa	63,7	6,5	< 0,001ab < 0,001bc
	14	pósb	74,7	6,3
		após 4 mesesc	67,0	6,7
CIPS		préa	57,2	8,7	< 0,001ac
	7	pósb	69,7	10,7
		após 4 mesesc	74,8	7,3

• Legenda: CIPS: Consórcio Intermunicipal da Promoção Social; Teste estatístico ANOVA; p<0,001 (estatisticamente significante); N=sujeitos; DP = desvio-padrão; valores sobescritos com as letras a, b, c representam resultados de grupos com diferença estatisticamente significante; pré = antes da intervenção; pós = logo após a intervenção.

Houve diferença estatisticamente significante nos valores médios entre os grupos, quando comparados os resultados dos questionários nas situações pré, pós e após quatro meses da intervenção envolvendo todos os escolares (Tabela 2).

Tabela 2
Análise comparativa entre os resultados dos questionários nas situações pré, pós e após 4 meses da intervenção

Situações	N	Mediana	Q1	Q3	Valor de p
Pré	41	64,0	57,0	71,0	<0,001*
Pós	41	75,0	70,0	79,0
após 4 meses	41	71,0	65,5	76,0

• Legenda: *Teste estatístico FRIEDMAN; p<0,001 (estatisticamente significante); N = sujeitos Q1=1º. Quartil, Q3= 3º. Quartil; pré = antes da intervenção; pós = logo após a intervenção.

As questões foram classificadas por domínios. A Tabela 3 apresenta uma análise descritiva para os domínios Conhecimento, Percepção Auditiva, Comportamento e Barreira, nas três situações (pré, pós, após quatro meses) para todos os escolares. Houve diferença estatisticamente significante nos valores médios para os domínios Conhecimento, Comportamento e Barreira nas três situações.

Tabela 3
Análise descritiva para os domínios nas situações pré, pós e após 4 meses

Domínio	N	Situações	Resultados	Valor de p
Conhecimento	41	Pré	28,3 (5,2) 1	<0,001*
		Pós	33,5 (4,7) 1
		após 4 meses	31,2 (4,2) 1
Percepção Auditiva	41	Pré	12 (11/14) 2	0,941**
		Pós	12 (10,5/14) 2
		após 4 meses	12 (11/14) 2
Comportamento	41	Pré	14 (13/17,5) 2	<0,001**
		Pós	19 (15/22) 2
		após 4 meses	17 (14,5/19) 2
Barreira	41	Pré	9 (7/11) 2	<0,001**
		Pós	11 (9/12) 2
		após 4 meses	10 (8,5/13) 2

• Legenda:¹ resultado apresentado no formato de média (DP=desvio-padrão); ²resultado apresentado no formato de mediana (Q1=1º. Quartil /Q3= 3º. Quartil); *Teste estatístico ANOVA; ** Teste estatístico FRIEDMAN; N = sujeito; pré = antes da intervenção; pós = logo após a intervenção.

Tabela 4
Análise comparativa entre os domínios nas três situações

Domínio	pré x pós	pré x após 4 meses	pós x após 4 meses
Conhecimento	< 0,05*	< 0,05*	< 0,05*
Comportamento	< 0,05*	< 0,05*	> 0,05
Barreira	< 0,05*	< 0,05*	> 0,05

• Legenda: Teste estatístico TUKEY; p<0,05* (estatisticamente significante); pré = antes da intervenção; pós = logo após a intervenção.

Para as questões 15 e 17, que se referem ao uso de protetores de ouvido, foi realizada a análise do percentual nas três situações. Foi possível observar que o percentual aumentou na situação pós, mantendo-se após quatro meses (Figuras 2, 3).

Figura 2
“Se você fosse num show com música alta ou em festas com seus amigos, você usaria protetores de ouvido?”. Análise da porcentagem total entre as situações (pré, pós, após 4 meses)

Figura 3
“Com que frequência você usa protetores de ouvido em lugares barulhentos?” Análise da porcentagem total entre as situações (pré, pós, após 4 meses)

DISCUSSÃO

A participação efetiva dos escolares, com perguntas e colocações, foi fundamental para a interação com a pesquisadora e motivação dos alunos. Outros estudos apontam que este contato proporciona maior interesse por parte dos escolares, contribuindo, assim, para um melhor resultado durante a intervenção²². Esses dados vêm ao encontro de estudos realizados por pesquisadores que utilizaram as atividades do programa Dangerous Decibels ®^20,21, ao constatar que intervenções educativas interpessoais, como o programa de sala de aula, são mais eficazes e têm impacto mais longo do que as experiências de aprendizagem auto-orientadas.

Seguindo a proposta do Projeto Jovem Doutor, os 41 escolares participantes produziram objetos educacionais, com o objetivo de promover a saúde auditiva, criando estratégias de multiplicação do conhecimento adquirido para a comunidade, envolvendo 954 alunos nas três escolas. Essas oficinas também foram realizadas em outros trabalhos envolvendo várias temáticas, estimulando o protagonismo juvenil através das metodologias ativas, promovendo a mudança de comportamento em saúde. Esses estudos atingiram mais de 10.000 pessoas, entre pais, professores, alunos e comunidade que receberam o conhecimento por meio das ações sustentadas^{2), (20,22-29}.

Apesar de o estudo ter sido realizado em escolas que envolvem metodologias de ensino diferentes, quando comparados os resultados das escolas separadas, foi verificado que os escores entre a escola 1 e 2 foram bastante semelhantes, o que ocorreu também ao ser analisado o resultado total nas três situações para todas as escolas. Porém, no CIPS, houve um aumento na pontuação do questionário após 4 meses, como demonstrado na Tabela 1. Embora não tenha sido avaliado, essa escola recebeu outra proposta, utilizando a dinâmica presencial, onde os escolares desenvolveram um documentário transmídia. Esses dados podem ser resultado do envolvimento dos escolares na produção do documentário. Quando comparados os resultados entre as escolas nas situações pré e após 4 meses, foi observado uma diferença significante entre a escola 1 e o CIPS. Esses resultados não foram encontrados em outros estudos realizados por pesquisadores que utilizaram a proposta do programa Dangerous Decibels ®. O aumento imediato nos resultados, sustentados após 4 meses da intervenção, foram relatados em estudos internacionais e também na versão brasileira do programa Dangerous Decibels ® ^20,21,30-32.

Ao serem analisados os domínios separadamente, foi observado que, para o domínio “Conhecimento”, houve diferença estatisticamente significante, o que vem ao encontro dos achados apresentados pelos criadores do programa Dangerous Decibels ® ²¹. Para os domínios “Comportamento” e “Barreira”, observou-se que houve um aumento imediato nos resultados, sustentados após 4 meses. Esses achados também foram relatados em estudos relacionados, onde os escolares apresentaram aumento nos resultados do questionário imediatamente após a intervenção e, após 4 meses esse aumento foi mantido com relação ao questionário pré-intervenção^20,21,30-32. Mas para o domínio “Percepção Auditiva”, não houve diferença para as três situações, como demonstrado na Tabela 3.

Com relação ao comportamento dos escolares quanto ao uso dos protetores de ouvido, foi observado que, na situação pré-intervenção, 0% utilizava os protetores em shows ou festas com música alta; imediatamente após houve um aumento nesse resultado (19,5%); e, após 4 meses, esse resultado diminuiu (4,8%). Quando questionados sobre o uso de protetores em situação de barulho, o mesmo aconteceu, porém, após 4 meses, o resultado se manteve (9,75%), como observado nas Figuras 2 e 3. Esses achados corroboram estudos que utilizaram a proposta do programa Dangerous Decibels ®. Nos estudos realizados por pesquisadores brasileiros²⁰, verificou-se que os escolares não sabiam o que eram protetores auditivos, poucos só utilizavam em situações de ruído, como, por exemplo, quando iam visitar os pais no trabalho.

Os resultados deste estudo vêm ao encontro de outros estudos que utilizaram as estratégias educativas do programa Dangerous Decibels ® para a sala de aula, em que a educação em saúde auditiva pode efetivamente melhorar o conhecimento, as atitudes e comportamentos relacionados à exposição a sons perigosos e ao uso de estratégias de proteção auditiva, quando inseridos em programas com escolares do ensino fundamental^20,21,30,31.

Apesar da baixa adesão dos escolares às intervenções educativas, devido à falta de entendimento por parte dos pais no que diz respeito aos TCLE e TA, ficou claro, diante dos resultados apresentados, que os 41 participantes se envolveram nas ações e mudaram as atitudes frente aos sons potencialmente perigosos.

Programas de intervenção em saúde auditiva para escolares devem ser realizados por audiologistas ou profissionais de áreas afins, envolvendo escola e familiares. Os riscos auditivos estão presentes nas situações da rotina dos jovens, como, por exemplo, o ruído ambiental ou as atividades de lazer com música, o uso do DSI, entre outros. A participação ativa dos escolares, atuando como protagonistas colabora para a formação da consciência e, como consequência, promove a mudança de hábitos inadequados^{1-3,8,20,21,26,27,31,33-35}.

Porém, é sabido que mudanças de hábito ocorrem de maneira gradual. Diante disso, pesquisadores destacam a importância de realizar ações educativas contínuas baseadas no comportamento auditivo dos jovens^1,2,35-40.

CONCLUSÃO

A proposta do Projeto Jovem Doutor aliada aos objetos educacionais do Programa Dangerous Decibels ® foi um fator importante para a efetividade das intervenções educativas em saúde auditiva dos jovens. A união desses dois programas incentivou o protagonismo juvenil, por meio das ações interativas e das oficinas culturais, objetivando o maior envolvimento da universidade junto da comunidade. Pelos resultados apresentados, foi possível observar que os escolares se envolveram nas ações e mudaram as atitudes frente aos sons potencialmente perigosos.

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• Estudo realizado na Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Bauru - FOB/USP, Bauru, São Paulo, Brasil.
• Fonte de financiamento: o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

ANEXO 1. Questionário Pré-intervenção, pós-intervenção e após 4 meses

QUESTIONÁRIO

Nome:____________________________________________ Idade:________ Ano:_________ Data: ________________

1. No último mês você ficou perto de sons fortes que fizeram seus ouvidos “apitarem”?

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

2. Fones de ouvido com música alta podem fazer mal ao ouvido?

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

3. O barulho do trânsito pode fazer mal ao ouvido?

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

4. Shows de música podem fazer mal ao ouvido?

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

5.Você costuma proteger sua audição de sons fortes?

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

6. Você ouve apitos ou chiados no ouvido ou na cabeça?

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

7. Você acha que para os seus amigos é importante proteger a audição?

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

8. Ouvir sons extremamente altos, mesmo que uma vez só pode provocar perda de audição

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

9. Sons muito altos podem danificar pequenas células ciliadas da orelha interna.

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

10. Ficar bastante tempo perto de sons fortes faz os ouvidos se acostumarem com sons fortes e protegem a audição.

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

11. Meus ouvidos aguentam música alta mais do que os ouvidos de outras pessoas.

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

12. Se eu tiver problemas de audição, não será tão bom ouvir música.

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

13. Se eu tiver problemas de audição, vai ser difícil entender o que as pessoas falam.

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

14. Eu não costumo abaixar uma música, mesmo quando eu sei que a música está muito alta.

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

15. Se você fosse num show com música muito alta ou em festas com os seus amigos, você usaria protetores de ouvido?

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

16. Eu pareceria esquisito se eu usasse protetores de ouvido em lugares barulhentos.

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

17. Com que frequência você usa protetores de ouvido em lugares barulhentos?

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

18. Meus amigos me provocariam se eu usasse protetores de ouvido.

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

19. Eu consigo colocar protetores de ouvido sozinho direitinho.

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

20. É difícil colocar protetores auditivos.

☐ Nunca ☐ Raramente ☐ Às vezes ☐ Muitas vezes ☐ sempre

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Maio 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  13 Dez 2022
• Aceito
  07 Fev 2023