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Aquisição lexical inicial e verificação da hipótese do viés nominal

Resumos

OBJETIVO:

verificar de que modo se dá a aquisição lexical inicial de crianças com desenvolvimento típico, em termos de tipos e ocorrências dos itens lexicais e se a hipótese do viés nominal realmente ocorre, e em qual versão, forte ou fraca.

MÉTODOS:

a amostra foi composta por 20 crianças de ambos os sexos, com desenvolvimento típico de linguagem. Este estudo abrangeu a faixa etária de 1:0 a 1:11 (ano : meses) dividida em três subfaixas (1:0 - 1:3;29, 1:4 - 1:7;29, 1:8 - 1:11;29). Foram realizadas gravações da fala espontânea de cada sujeito, e após, análise lexical quanto aos tipos e ocorrências dos itens lexicais produzidos. Empregou-se a estatística Mann Whitney; Kruskal - Wallis e Wilcoxon, com nível de significância p< 0.05.

RESULTADOS:

não houve diferença estatística para nenhuma das variáveis em relação ao sexo, porém, há diferença entre as subfaixas etárias 1 em relação a 2 e a 3 para a maioria das variáveis, além disso, verificou-se o predomínio das palavras de conteúdo nas subfaixas etárias 2 e 3 e por fim, verificou-se o predomínio de substantivos sobre os verbos em todas as faixas etárias.

CONCLUSÃO:

a aquisição lexical inicial em crianças com desenvolvimento típico dá-se de forma progressiva de acordo com o aumento da faixa etária e neste período, a variável sexo não influencia na produção linguística. Além disso, a existência da hipótese do viés nominal foi confirmada em sua versão fraca, corroborando a tese que inspirou essa pesquisa.

Criança; Desenvolvimento da Linguagem; Vocabulário


PURPOSE:

verifying howthe initial lexical acquisition occurs in children with typical development, regarding to types and tokens of the lexical items. Furthermore, one wants to verify if the noun bias hypothesis occurs, and in what version, strong or weak.

METHODS:

the sample consisted of 20 children, male and female, with typical language development. Thisresearch covered ages from 1:0 to 1:11 (years: months) divided in three age groups(1:0 - 1:3;29, 1:4 - 1:7;29, 1:8 - 1:11;29). Audio data from spontaneous speech were collected, and after, lexicalanalysis was performed regarding to types and tokens produced. The Statistical tests Mann Whitney; Kruskal - Wallis and Wilcoxon were used, with significance level p< 0.05.

RESULTS:

no statistical significance was found to the variables regarding to sex. However, statistical difference was found between the age group 1 in relation to 2 and 3 to the majority of variables. Furthermore, one verified prevalence of content words in the age groups 2 and 3. The prevalence of nouns over verbs in all age groups was observed.

CONCLUSION:

the initial lexical acquisition in children with typical development occurs gradually according to the increase of age. In this period the sex variable doesn't influence in the linguistic performance. Furthermore, the noun bias hypothesis was confirmed in its weak version, confirming the thesis that inspired this research.

Child; Language Development; Vocabulary


Introdução

Para que haja a comunicação entre as pessoas é necessária alguma forma de linguagem. Assim, quando não há impedimento orgânico ou psíquico para tal, utiliza-se a linguagem oral. Deste modo, a habilidade de comunicação é um dos traços diferenciais dos seres humanos, apresentando diferentes níveis de complexidade e estando suscetível a inadequações e produções irregulares, as quais podem ou não serem significantes para a inteligibilidade da fala. A linguagem é composta pelo acervo lexical adquirido ainda quando criança, nas etapas iniciais de aquisição. Esta habilidade comunicativa pode ser explicada pela capacidade e desempenho do indivíduo em receber, elaborar e transmitir mensagens desde que estas tenham conteúdo informativo11. Andrade CRF. Fases e Níveis de Prevenção em Fonoaudiologia - Ações Coletivas e Individuais. In: Vieira RM, Vieira MM, Ávila CRB, Pereira LD. Fonoaudiologia e Saúde Pública. Carapicuíba: Pró-Fono Departamento Editorial; 2000. p. 81-104. , 22. Andrade CRF. Fonoaudiologia preventiva. São Paulo: Lovise; 1996..

A aquisição lexical é uma das primeiras manifestações observáveis no desenvolvimento da linguagem e está relacionada com a capacidade de compreender e produzir vários tipos de significados 33. Hage SRV, Pereira MB. Desempenho de crianças com desenvolvimento típico de linguagem em prova de vocabulário expressivo. Rev CEFAC. 2006;8(4):419-28. , 44. Limongi SCO. Da ação a comunicação: um processo de aprendizagem. Rev. Psicopedagogia. 1996;15(56):24-8.. De modo complementar, o vocabulário é o aspecto que inicialmente distingue a aquisição de uma língua específica e permite a análise e o desenvolvimento pleno dos demais aspectos: fonologia, morfologia, sintaxe, pragmática, semântica e fluência55. Costa SG. Ampliação de Vocabulário por Centro de Interesse. Universidade Federal de Mato Grosso. 2008..

Neste estudo optou-se pelo termo léxico ao invés de vocabulário, porque o primeiro se refere aos itens lexicais inseridos no discurso e o segundo refere-se a termos da língua, que podem ser considerados isoladamente. Além disso, pretende-se não considerar somente substantivos, verbos e adjetivos, como em outros estudos sobre o tema33. Hage SRV, Pereira MB. Desempenho de crianças com desenvolvimento típico de linguagem em prova de vocabulário expressivo. Rev CEFAC. 2006;8(4):419-28. , 66. Brancalioni AR. Desempenho em prova de vocabulário de crianças com desvio fonológico e com desenvolvimento fonológico normal. Rev CEFAC. 2010;13(3):428-36. , 77. Athayde ML, Mota HB, Mezzomo CL. Vocabulário expressivo de crianças com desenvolvimento fonológico normal e desviante. Rev. Pró-Fono Atual. Cient. 2010;22(2):145-50., mas sim os outros elementos que compõem a gramática da língua, como, pronomes, conjunções, preposições, numerais, artigos, interjeições e advérbios, além dos já citados, substantivos, verbos e adjetivos88. Nomenclatura Gramatical Brasileira. Ministério da Educação do Brasil. Portaria Ministerial. 28 de janeiro de 1959..

O léxico é um fenômeno em contínuo crescimento à medida que se adquirem conhecimentos, é um sistema aberto, pois está em constante aperfeiçoamento e ampliação. O contato de pessoas, com um grupo, na sociedade, trabalho e em muitos outros ambientes que proporcionam a comunicação humana, acarretam também o aumento de seu acervo lexical particularmente, se constituindo a partir de um processo individual e heterogêneo99. Vidor DCGM. Aquisição lexical inicial por crianças falantes de português brasileiro: discussão do fenômeno da explosão do vocabulário e da atuação da hipótese do viés nominal [tese]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2008. , 1010. Leffa VJ. Aspectos externos e internos da aquisição lexical. In: Leffa VJ. As palavras e sua companhia; o léxico na aprendizagem. Pelotas: EDUCAT. 2000; 1:15-44..

Ainda, se define léxico como um conjunto de unidades, sem origem nas regras gramaticais, mas sim no interior da língua. A partir do que foi referido, torna-se compreensiva a dificuldade na realização de análises lexicais, seja pelas implicações culturais, seja pela observação das características dinâmicas e mutantes da língua, que busca acompanhar as necessidades da comunicação 1111. Orzi V, Zavaglia C. Propostas de elaboração de vocabulário de itens lexicais tabuizados. Rev. Investigações. 2009;22(2):309-30.. O léxico é dinâmico e preciso, e resulta dos ambientes que frequentamos. Para que se possam acompanhar as inúmeras novas nomenclaturas, novos objetos, novas situações que ocorrem em cada cotidiano com suas particularidades, o aumento gradativo do acervo de cada um é necessário99. Vidor DCGM. Aquisição lexical inicial por crianças falantes de português brasileiro: discussão do fenômeno da explosão do vocabulário e da atuação da hipótese do viés nominal [tese]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2008..

Os primeiros itens desse acervo aparecem quando a criança tem em torno de um ano de idade. Esse fenômeno universal é explicado pelo fato de que nessa idade a criança atinge certa maturidade neuropsicológica1212. Barret M. Desenvolvimento lexical inicial. In: Fletcher P, Macwhinney B. Compêndio da linguagem da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 299-322. , 1313. Andersen EML. Representações lexicais subjacentes: verbos e léxico inicial. Revel. 2008;6(11):1-31.. O início da aquisição lexical padrão se dá de maneira mais fácil quando se trata de reconhecimento e repetição de palavras que sejam semelhantes quanto à sua fonologia, acompanhado de um aumento rápido do número de palavras que é caracterizado pela explosão do vocabulário, a qual ocorre por volta dos 18 meses. Isso se explicaria pelo sistema inicial de codificação e atribuição de características1414. Bloom P. Précis of how children learn the meanings of world. Behavioral and brain Sciences. 2001;24(6):1095-103. . Por volta de dois anos de idade, percebe-se a aquisição de 50 a 600 palavras em uma velocidade de dez palavras por dia1515. Scherer S, Souza APR. Types e Tokens na aquisição típica de linguagem por sujeitos de 18 a 32 meses falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC. 2011;13(5):838-45..

Para verificar a variedade lexical ou a variedade de diferentes palavras faladas pela criança, é feito um cálculo através da taxa da relação type/token - número dos diferentes itens lexicais produzidos, dividido pelo total de itens lexicais, ou seja, é uma medida da produção linguística para estimar a proficiência lexical. Desta forma o type (tipo) é cada item lexical diferente dito pela criança e token (ocorrências) referem-se às repetições de cada tipo realizadas no âmbito de uma mesma conversa99. Vidor DCGM. Aquisição lexical inicial por crianças falantes de português brasileiro: discussão do fenômeno da explosão do vocabulário e da atuação da hipótese do viés nominal [tese]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2008. , 1515. Scherer S, Souza APR. Types e Tokens na aquisição típica de linguagem por sujeitos de 18 a 32 meses falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC. 2011;13(5):838-45..

Ainda sobre as variáveis examinadas no estudo do léxico, trabalhos propõem a hipótese do viés nominal, em que os nomes (substantivos) são a categoria de palavra dominante durante a aquisição lexical inicial. Há duas versões desta hipótese, sendo a primeira, a versão forte referente à aquisição dos nomes previamente à aquisição dos verbos e das demais classes gramaticais; e a segunda, a versão fraca em que os nomes aparecem de forma simultânea aos verbos, porém, ainda de maneira prioritária99. Vidor DCGM. Aquisição lexical inicial por crianças falantes de português brasileiro: discussão do fenômeno da explosão do vocabulário e da atuação da hipótese do viés nominal [tese]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2008. , 1616. Tonietto L, Parente MAMP, Duvignau K, Gaume B, Bosa CA. Aquisição inicial do léxico verbal e aproximações semânticas em português. Psicol. Reflex. Crit. 2007;20(1):114-23. .

Com base no exposto, o objetivo deste trabalho é verificar de que modo se dá a aquisição lexical inicial de crianças com desenvolvimento típico, em termos de tipos e ocorrências dos itens lexicais. Além disso, busca-se verificar se a hipótese do viés nominal realmente ocorre, e em qual versão, forte ou fraca, relacionada a faixa etária.

Métodos

A presente pesquisa é de caráter transversal e quantitativo e está vinculada a um projeto devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria sob o número 0219.0.243.000-11. A amostra foi composta por 20 crianças de ambos os sexos, com desenvolvimento típico de linguagem, falantes do Português Brasileiro - dialeto gaúcho, sem histórico de bilinguismo e de classe socioeconômica baixa. Obteve-se o número de sujeitos por meio do cálculo amostral1717. Andrade CRF. Prevalência das desordens idiopáticas da fala e da linguagem em crianças de um a onze anos de idade. Rev. Saúde Pública. 1997;31(5):495-501. sobre o número de matrículas na educação infantil de escolas infantis da rede pública de três regiões de Santa Maria - RS. Este estudo abrangeu as faixas etárias de 1:0 a 1:11 (anos : meses) resultando em número amostral de 20 crianças. Sendo que a amostra ficou dividida da seguinte forma: três subfaixas etárias e gêneros. Na subfaixa 1 estão os sujeitos de 1:0 a 1:3;29, na subfaixa 2, sujeitos de 1:4 a 1:7;29, e na subfaixa 3, sujeitos de 1:8 a 1:11;29. As duas primeiras subfaixas foram compostas por seis sujeitos e a última por oito sujeitos.

Os responsáveis pelos indivíduos aceitaram participar da pesquisa após receberem explicação completa sobre a natureza da mesma, seus procedimentos, riscos, benefícios e sigilo quanto à identificação. Após, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e preencheram um questionário com questões envolvendo aspectos pré, e pós natais

Os critérios de inclusão adotados para os sujeitos participarem do estudo foram os seguintes: ter idade entre 1:0 e 1:11;29 dias; ser membro de uma família monolíngue falante do PB; apresentar desenvolvimento típico de linguagem de ambos os sexos, e ser de classe econômica baixa

Os critérios de exclusão estabelecidos foram: apresentar qualquer grau de perda auditiva; comprometimento neurológico, emocional e/ou cognitivo; presença de alterações de origem motora ou orgânica; ter realizado, ou no momento da pesquisa, terapia fonoaudiológica; apresentarem alterações fonoaudiológicas que prejudiquem o desenvolvimento da linguagem e da fala.

Os sujeitos da amostra realizaram as seguintes avaliações: Protocolo de Observação Comportamental (PROC) 1818. Zorzi JL, Hage SRV. PROC - Protocolo de observação comportamental: avaliação de linguagem e aspectos cognitivos infantis. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2004.; avaliação das estruturas orofaciais baseada no Protocolo de avaliação miofuncional orofacial com escores (AMIOFE) 1919. Felício CM, Ferreira CL. Protocol of orofacial functional evaluation with scores. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2008;72:367-75. e Audiometria de Reforço Visual (ARV). Após, foram coletadas amostras de fala filmadas com câmera da marca Samsung, modelo SMX-C200. Os materiais utilizados nas filmagens foram uma caixa com variados brinquedos, incluindo carrinhos, miniaturas de animais, bonecas, livros infantis, utilizados pela interação sempre das pesquisadoras e da criança. Todas as avaliações foram realizadas no ambiente escolar das crianças As filmagens foram armazenadas em microcomputadores para se realizar transcrição fonética ampla por três julgadoras e análise dos dados, as julgadoras eram duas acadêmicas e uma doutoranda. A partir das transcrições, a palavra era excluída se não houvesse concordância de, pelo menos, duas julgadoras. Ressalta-se que para análise lexical, não seria necessária a transcrição fonética, porém esta medida auxiliará na detecção precoce de possíveis atrasos/desvios no desenvolvimento fonológico, contribuindo para outras pesquisas. As filmagens tiveram duração de 20 minutos para que se obtivesse uma amostra significativa da fala da criança.

Quanto à classificação dos dados, foram utilizados dois critérios: "tipos e ocorrências" ou "types e tokens" e "classes gramaticais das palavras produzidas". Os tipos foram classificados como cada item lexical diferente dito pela criança e ocorrências seguem os mesmos critérios, a partir das repetições de cada tipo realizadas no âmbito de uma mesma conversa2020. Templin MC. Certain language skills in children: their development and interrelations. Westport, CT: Greenwood; 1957.. As palavras de conteúdo são entendidas como verbos e substantivos e as palavras gramaticais como adjetivos, advérbios, interjeições, pronomes e preposições.

Assim, podem ser verificadas as frequências de produção de cada classe gramatical conforme a faixa etária e o sexo, analisando se a hipótese do viés nominal realmente ocorre e se esta se dá na versão forte ou fraca, além de comparar os dados encontrados a outros estudos sobre o tema, presentes na literatura nacional e internacional.

Os dados do estudo foram submetidos à análise estatística por meio dos testes estatísticos Mann Whitney; Kruskal - Wallis e Wilcoxon. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5% (p< 0.05).

Resultados

A Tabela 1 apresenta análise entre as variáveis linguísticas nas produções de cada sujeito com relação ao sexo, através de médias comparativas. Não houve diferença significativa para nenhuma das variáveis.

Tabela 1:
Média das variáveis numéricas entre os sexos

Na Tabela 2 são expostos os resultados quanto às comparações entre as subfaixas etárias por meio do teste estatístico Kruskal - Wallis. Verifica-se que há diferença estatisticamente significante entre as subfaixas etárias 1 em relação a 2 e a 3 para a maioria das variáveis.

Tabela 2:
Média das variáveis numéricas entre as faixas etárias

A Tabela 3 apresenta análise das palavras gramaticais e de conteúdo produzidas em cada faixa etária, através de médias comparativas. Verifica-se predomínio das palavras de conteúdo nas subfaixas etárias 2 e 3.

Tabela 3:
Análise comparativa das palavras gramaticais e das palavras de conteúdo em cada subfaixa etária

A Tabela 4 apresenta análise com as comparações das classes de substantivos e verbos em cada subfaixa etária. Verifica-se predomínio de substantivos sobre os verbos em todas as faixas etárias.

Tabela 4:
Análise comparativa das classes de substantivos e verbos em cada faixa etária

Discussão

Na Tabela 1 pôde-se observar que não houve diferença estatisticamente significante das variáveis estudadas entre meninos e meninas. Esses dados corroboram a um estudo1515. Scherer S, Souza APR. Types e Tokens na aquisição típica de linguagem por sujeitos de 18 a 32 meses falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC. 2011;13(5):838-45., que teve por objetivo analisar comparativamente a mudança em types e tokens e a taxa de type/token em crianças, de ambos os sexos, falantes nativos do Português Brasileiro, quanto à classe gramatical e à medida total e segmentar. As autoras do estudo referido concluíram que o fato de não haver diferença entre os sexos, demonstra um equilíbrio na aquisição lexical inicial entre estes dois grupos.

Entretanto, de acordo com outro trabalho2121. Le Normand MT, Parisse C, Cohen H. Lexical diversity and productivity in French preschoolers: Developmental,gender, and sociocultural factors. Clin Linguist Phon. 2008;22:47-58. em que foram efetuadas medidas de desenvolvimento gramatical e lexical incluindo, extensão média do enunciado e relação type/token, há influência da variável sexo na aquisição da linguagem. O resultado estatístico do estudo revelou um efeito geral de gênero, mostrando uma pequena vantagem na produção de linguagem para as meninas sobre os meninos até 36 meses de idade. Essa diferença entre os estudos pode estar relacionada à língua, já que o estudo mencionado21 foi realizado com crianças francesas, e também as idades, por serem precoces.

Em pesquisa sobre a aquisição da coda lexical e morfológica encontrou-se o sexo feminino como favorecedor da produção correta. Esse fato reforça os achados que destacam a superioridade feminina nas tarefas relacionadas à linguagem e às habilidades de fala77. Athayde ML, Mota HB, Mezzomo CL. Vocabulário expressivo de crianças com desenvolvimento fonológico normal e desviante. Rev. Pró-Fono Atual. Cient. 2010;22(2):145-50. , 2222. Mezzomo CL, Mota HB, Dias RF, Giacchini V. Fatores relevantes para aquisição da coda lexical e morfológica no português brasileiro. Rev. CEFAC. 2010;12(3):412-20.. Porém, o mesmo não ocorreu no presente estudo, pois não houve variação entre os sexos, provavelmente por ser direcionado ao acervo lexical inicial não contendo análises fonológicas.

Na análise comparativa de substantivos e verbos entre os gêneros, o presente estudo corrobora com uma pesquisa2323. Befi-Lopes DM, Cáceres AM, Araújo K. Aquisição de verbos em pré-escolares falantes do português brasileiro. Rev CEFAC. 2007;9(4):444-52. que demonstrou a relação entre o uso de substantivos e verbos e a classificação destes, em situação de fala espontânea em pré-escolares com desenvolvimento típico de linguagem. Da mesma forma que aqui encontrado, o trabalho concluiu que os sexos não influenciam na produção de verbos e substantivos.

Na análise comparativa entre as subfaixas etárias, verifica-se diferença estatisticamente significante para: tipos, ocorrências, palavras gramaticais, substantivos e palavras de conteúdo. Esses dados concordam a autores2424. Klee T, Stokes SF, Wong AM, Fletcher P, Gavin WJ. Utterance length and lexical diversity in Cantonesespeaking children with and without specific language impairment. J Speech Lang Hear Res. 2004;47(6):1396-410. que verificaram que o número de tipos e ocorrências de uma amostra de linguagem em extensão fixa aumenta em função da idade, sendo classificados como "índice de facilidade linguística", em que reflete "n" fatores, tais como a maturação motora da fala; de produzir uma organização sintática mínima como sintagma nominal e verbal e até mesmo a possibilidade de produzir orações encaixadas que demandam um conhecimento sintático e lexical maior, ou seja, com maior número de conjunções, pronomes e artigos, entre outros2525. Garcia PCC, Vigário M. Palavras complexas nas primeiras produções infantis (estudo de caso) [Dissertação]. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa; 2010..

À medida que a criança cresce, o seu acervo lexical aumenta. Se, no início da análise a criança utiliza um reduzido número de palavras, pertencentes a poucas classes gramaticais, com o aumento da idade, o número de palavras aumenta e a variedade de classes gramaticais também2626. Kim M, Mcgregor K, Thompson C. Early lexical developmet in English-and Korean-speaking children: language-general and language-specific patterns. J Child Lang. 2000;27:225-54..

Estudos internacionais comprovam que, após um crescimento pequeno do vocabulário aproximadamente dos 12 aos 24 meses de idade, a criança passa por um período denominado explosão de vocabulário, demonstrando os efeitos da idade sobre o aumento dos itens lexicais produzidos, de forma semelhante ao que ocorreu no presente estudo 2727. Kauschke C, Hofmeister C. Early lexical development in German: a study on vocabulary growth and vocabulary composition during the second and third year of life. J Child Lang. 2001;29:735-57.

28. D'dorico L, Carubbi S, Salerni N, Calvo V. Vocabulary development in Italian children: a longitudinal evaluation of quantitative and qualitative aspect. J Child Lang. 2001;28:351-2.

29. Choi S, Gopnik A. Early acquisition of verbs in Korean: A cross-linguistic study. J. Child Lang. 1995; 22:497-529.
- 3030. Nelson K. Structure and strategy in learning to talk. [monografia]. Chicago (IL): University of Chicago; 1973. .

Ainda relacionado à faixa etária, os dados aqui encontrados corroboram a um estudo internacional que colocam o surgimento das palavras gramaticais como tardio3030. Nelson K. Structure and strategy in learning to talk. [monografia]. Chicago (IL): University of Chicago; 1973., já que houve certo predomínio das palavras de conteúdo.

Segundo outro estudo, as primeiras palavras das crianças podem estar presas ao contexto, sendo produzidas apenas em situações limitadas e específicas. Esse contexto é um evento que ocorre com certa regularidade para a criança, porém, há palavras contextualmente flexíveis que são usadas de modo referencial para indicar classes de objetos, nomes próprios de objetos individualizados, pessoas/animais, ou ações. Inicialmente, as palavras são adquiridas em uma velocidade lenta (cerca de uma, duas ou três palavras novas por semana), e os enunciados ficam reduzidos a uma palavra de cada vez. Isso explica o fato de neste estudo as diferenças significativas estarem entre as subfaixas 1 e 2, e 1 e 3 e não entre 2 e 3, pois nessas últimas verifica-se maior estabilidade1212. Barret M. Desenvolvimento lexical inicial. In: Fletcher P, Macwhinney B. Compêndio da linguagem da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 299-322..

Ao analisar as subfaixas estudadas em relação às classes gramaticais e de conteúdo observa-se que as subfaixas 2 e 3 apresentam significância estatística, o que não ocorre em relação à subfaixa 1. Este resultado pode ter ocorrido devido ao reduzido número de palavras produzidas pelas crianças da subfaixa 1. Ainda, confirma um achado da literatura, em que na faixa etária de 18 meses, os substantivos sobressaem-se no conjunto lexical deste grupo de crianças. Nas faixas etárias de 24 e 32 meses, há uma tendência dos verbos se igualarem ou superarem os substantivos. E por fim aos 32 meses, idade esta que não foi abordada neste estudo, tanto as classes gramaticais quanto as de conteúdo já devem estar mais equilibradas entre si1515. Scherer S, Souza APR. Types e Tokens na aquisição típica de linguagem por sujeitos de 18 a 32 meses falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC. 2011;13(5):838-45..

Em estudo realizado3131. Bates J. Child-care history and kindergarten adjustment. Dev Psychol. 1994;30:690-700. com uma amostra de faixa etária de oito meses a 2:6 observou-se também que substantivos aparecem como predominantes, ocupando uma média de 55% do léxico das crianças com vocabulário entre 100 e 200 palavras, enquanto que palavras de conteúdo menos de 15%.

Na Tabela 4 pode-se confirmar a hipótese do viés nominal em sua versão fraca, porque os resultados da análise mostraram que o número de substantivos foi superior ao dos verbos durante o período de aquisição lexical estudado, porém a produção de substantivos não foi exclusiva mesmo neste período bem inicial de aquisição linguística. Isso contribui com a teoria da partição natural3232. Gentner D. Why nouns are learned before verbs: Linguistic relativity versus natural partitioning. In: Kuczaj SA. Language development: Language, thought, and culture. Washington: Erlbaum; 1982. p. 301-34., em que a prevalência dos substantivos em relação aos verbos durante o período de aquisição lexical inicial é fruto de uma tendência cognitiva, por serem os primeiros de mais fácil entendimento para a criança, devido o substantivo ser mais concreto que o verbo. A saber, os verbos são termos relacionais, referem-se a conceitos mais abstratos e menos coesos, portanto os limites que diferenciam um verbo de outro são menos claros e de mais difícil aquisição3333. Rodrigues JC, Tonietto L, Sperb TM, Parente MAMP. Convencionalidade na aquisição de verbos: estudo comparativo das análises dicotômicas e contínuas. Psic. Teor. e Pesq. 2012;28(1):77-85. , 3434. Sancassani M. Aquisição de verbos: uma questão de perspectiva sintática? ReVEL. 2012;6:27-61..

Assim, embora haja limitações como o tempo reduzido de gravação da amostra de fala e o fato de a criança interagir com o examinador e não com alguém de seu convívio diário, acredita-se que, com este estudo possa-se contribuir na clínica fonoaudiológica, no sentido de contribuir com diagnóstico precoce das alterações de linguagem em crianças de classe socioeconômica baixa e para que se considere no planejamento terapêutico, um adequado acervo lexical.

Conclusão

Após a análise dos dados desta pesquisa, verificou-se que a aquisição lexical inicial em crianças com desenvolvimento típico dá-se de forma progressiva de acordo com o aumento da idade e que neste período a variável sexo não influencia na produção linguística.

A existência da hipótese do viés nominal foi confirmada em sua versão fraca, corroborando a tese que justifica essa pesquisa. Com base nos resultados podem-se aprimorar sessões terapêuticas, de acordo com as palavras utilizadas por crianças em sua fase inicial de aquisição da linguagem, auxiliando em técnicas de nomeação, utilizadas no cotidiano terapêutico, por exemplo. Além disso, é possível detectar precocemente o risco de crianças desenvolverem alterações de linguagem e a partir daí, realizarem-se estratégias de prevenção, orientação às mães e estimulação precoce.

A partir dos resultados encontrados, sugerem-se novas pesquisas sobre o tema, utilizando-se faixa etária ampliada, equiparando-se os sexos, analisando crianças de outras classes sociais, bem como de outras localidades.

Agradecimentos

Agradecemos ao CNPq e a CAPES pelo apoio concedido para a realização desta pesquisa.

  • 1
    Andrade CRF. Fases e Níveis de Prevenção em Fonoaudiologia - Ações Coletivas e Individuais. In: Vieira RM, Vieira MM, Ávila CRB, Pereira LD. Fonoaudiologia e Saúde Pública. Carapicuíba: Pró-Fono Departamento Editorial; 2000. p. 81-104.
  • 2
    Andrade CRF. Fonoaudiologia preventiva. São Paulo: Lovise; 1996.
  • 3
    Hage SRV, Pereira MB. Desempenho de crianças com desenvolvimento típico de linguagem em prova de vocabulário expressivo. Rev CEFAC. 2006;8(4):419-28.
  • 4
    Limongi SCO. Da ação a comunicação: um processo de aprendizagem. Rev. Psicopedagogia. 1996;15(56):24-8.
  • 5
    Costa SG. Ampliação de Vocabulário por Centro de Interesse. Universidade Federal de Mato Grosso. 2008.
  • 6
    Brancalioni AR. Desempenho em prova de vocabulário de crianças com desvio fonológico e com desenvolvimento fonológico normal. Rev CEFAC. 2010;13(3):428-36.
  • 7
    Athayde ML, Mota HB, Mezzomo CL. Vocabulário expressivo de crianças com desenvolvimento fonológico normal e desviante. Rev. Pró-Fono Atual. Cient. 2010;22(2):145-50.
  • 8
    Nomenclatura Gramatical Brasileira. Ministério da Educação do Brasil. Portaria Ministerial. 28 de janeiro de 1959.
  • 9
    Vidor DCGM. Aquisição lexical inicial por crianças falantes de português brasileiro: discussão do fenômeno da explosão do vocabulário e da atuação da hipótese do viés nominal [tese]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2008.
  • 10
    Leffa VJ. Aspectos externos e internos da aquisição lexical. In: Leffa VJ. As palavras e sua companhia; o léxico na aprendizagem. Pelotas: EDUCAT. 2000; 1:15-44.
  • 11
    Orzi V, Zavaglia C. Propostas de elaboração de vocabulário de itens lexicais tabuizados. Rev. Investigações. 2009;22(2):309-30.
  • 12
    Barret M. Desenvolvimento lexical inicial. In: Fletcher P, Macwhinney B. Compêndio da linguagem da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 299-322.
  • 13
    Andersen EML. Representações lexicais subjacentes: verbos e léxico inicial. Revel. 2008;6(11):1-31.
  • 14
    Bloom P. Précis of how children learn the meanings of world. Behavioral and brain Sciences. 2001;24(6):1095-103.
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  • Fonte de auxílio: CAPES, CNPq

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2013
  • Aceito
    07 Jun 2013
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