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Termos descritivos da própria voz: comparação entre respostas apresentadas por fonoaudiólogos e não-fonoaudiólogos

Descriptive terms of one's own voice: comparison between speech-language pathologists and non speech-language pathologists' responses

Resumos

OBJETIVOS: comparar as respostas de fonoaudiólogas e não-fonoaudiólogas a respeito da própria voz e caracterizar a diferença das mesmas. MÉTODO: participaram da pesquisa 200 sujeitos do sexo feminino, sendo 100 fonoaudiólogas e 100 não-fonoaudiólogas, com média de idade de 35 anos. A faixa de tempo de atuação profissional das fonoaudiólogas foi predominantemente 0 a 3 anos (32%). A maior parte delas atuava na área de voz (55%) ou motricidade oral (45%). As não-fonoaudiólogas tinham variadas profissões, tais como professoras, médicas, advogadas, entre outras. Não foi feito nenhum controle quanto ao uso profissional da voz. As participantes do estudo realizaram uma auto-avaliação vocal utilizando uma escala de 5 pontos: excelente, muito boa, boa, razoável e ruim. Também indicaram atributos vocais positivos e negativos por meio de um protocolo desenvolvido por Behlau & Pontes (1995) baseado nos Termos Descritivos Para a Voz (Boone, 1991). RESULTADOS: fonoaudiólogas e não-fonoaudiólogas apresentaram respostas diferentes quando auto-avaliaram suas vozes havendo uma maior ocorrência de voz "muito boa" para fonoaudiólogas (28%, p=0,041). Fonoaudiólogas selecionaram mais verbetes positivos que não-fonoaudiólogas (53,6%, 46,4% respectivamente). A característica positiva de voz "adequada" foi a mais selecionada por fonoaudiólogas (31%, p=0,001) e o verbete negativo de voz "alta" foi o mais selecionado por não-fonoaudiólogas (34%, p=0,001). CONCLUSÃO: fonoaudiólogas auto-avaliaram suas vozes de modo diferente que não-fonoaudiólogas, principalmente na categorização de voz "muito boa". Enquanto a característica de voz "adequada" foi o único qualificador positivo de maior ocorrência para fonoaudiólogas, voz "alta" foi o único qualificador negativo para não-fonoaudiólogas.

Voz; Auto-Imagem; Percepção da fala


PURPOSE: to compare speech-language pathologists and non speech-language pathologists' responses concerning the evaluation of their own voices and to verify if speech-language pathologists have a different self-perception from the others. METHOD: two hundred female subjects, 100 speech-language pathologists and 100 non speech-language pathologists, with mean age: 35 year, took part in the study. The average time of university degree for the speech-language pathologists were mainly from 0 to 3 years (32%), most of them acting in the area of voice (55%) and oral motricity (45%). The non speech-language pathologists had all sort of professions, such as physicians, teachers, lawyers and others. There was no control on the professional use of voice. The participants in the study did a self-evaluation, using a 5 point scale: excellent, very good, good, reasonable and bad, and indicated positive and negative vocal attributes using a protocol developed by Behlau & Pontes (1995) based on the Distinctive terms for the voice (Boone, 1991). RESULTS: speech-language pathologists and non speech-language pathologists showed different responses in the self-evaluation of their voices. There was a greater occurrence of "very good" voices for speech-language pathologist (28%, p=0.041). Speech-language pathologists selected more positive characteristics that non speech-language pathologists (53.6% and 46.4 respectively). The positive characteristic of "adequate" voice was the most selected by speech-language pathologists (31%, p=0.001) and the negative word of "loud" voice was the most selected by non speech-language pathologists (34%, p=0.001). CONCLUSION: speech-language pathologists self-evaluated their own voices in a different way than non speech-language pathologists, especially on the categorization of "very good" quality of voice. While the "adequate" voice characteristic was the only positive qualifier in greater occurrence for speech-language pathologists, "loud" voice was the only negative qualifier for non speech- language pathologists.

Voice; Self Concept; Speech perception


Termos descritivos da própria voz: comparação entre respostas apresentadas por fonoaudiólogos e não-fonoaudiólogos

Descriptive terms of one's own voice: comparison between speech-language pathologists and non speech-language pathologists' responses

Andressa Duarte BicalhoI; Mara BehlauII; Gisele OliveiraIII

IFonoaudióloga; consultório particular, Belo Horizonte, MG; Especialista em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina; Especialização em Voz pelo Centro de Estudos da Voz.

IIFonoaudióloga; Docente Permanente do Curso de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana na Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, UNIFESP/EPM, São Paulo, SP; Professora do Curso de Especialização em Voz do Centro de Estudos da Voz, CEV, São Paulo, SP; Especialista em Voz; Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

IIIFonoaudióloga; Professora do Curso de Especialização em Voz do Centro de Estudos da Voz, CEV, São Paulo, SP; Especialista em Voz; Doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Andressa Duarte Bicalho Av. Brasil, 84 sala 1505 Belo Horizonte - MG - CEP: 30140-001 E-mail: andressa.duarte@gmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: comparar as respostas de fonoaudiólogas e não-fonoaudiólogas a respeito da própria voz e caracterizar a diferença das mesmas.

MÉTODO: participaram da pesquisa 200 sujeitos do sexo feminino, sendo 100 fonoaudiólogas e 100 não-fonoaudiólogas, com média de idade de 35 anos. A faixa de tempo de atuação profissional das fonoaudiólogas foi predominantemente 0 a 3 anos (32%). A maior parte delas atuava na área de voz (55%) ou motricidade oral (45%). As não-fonoaudiólogas tinham variadas profissões, tais como professoras, médicas, advogadas, entre outras. Não foi feito nenhum controle quanto ao uso profissional da voz. As participantes do estudo realizaram uma auto-avaliação vocal utilizando uma escala de 5 pontos: excelente, muito boa, boa, razoável e ruim. Também indicaram atributos vocais positivos e negativos por meio de um protocolo desenvolvido por Behlau & Pontes (1995) baseado nos Termos Descritivos Para a Voz (Boone, 1991).

RESULTADOS: fonoaudiólogas e não-fonoaudiólogas apresentaram respostas diferentes quando auto-avaliaram suas vozes havendo uma maior ocorrência de voz "muito boa" para fonoaudiólogas (28%, p=0,041). Fonoaudiólogas selecionaram mais verbetes positivos que não-fonoaudiólogas (53,6%, 46,4% respectivamente). A característica positiva de voz "adequada" foi a mais selecionada por fonoaudiólogas (31%, p=0,001) e o verbete negativo de voz "alta" foi o mais selecionado por não-fonoaudiólogas (34%, p=0,001).

CONCLUSÃO: fonoaudiólogas auto-avaliaram suas vozes de modo diferente que não-fonoaudiólogas, principalmente na categorização de voz "muito boa". Enquanto a característica de voz "adequada" foi o único qualificador positivo de maior ocorrência para fonoaudiólogas, voz "alta" foi o único qualificador negativo para não-fonoaudiólogas.

Descritores: Voz; Auto-Imagem; Percepção da fala

ABSTRACT

PURPOSE: to compare speech-language pathologists and non speech-language pathologists' responses concerning the evaluation of their own voices and to verify if speech-language pathologists have a different self-perception from the others.

METHOD: two hundred female subjects, 100 speech-language pathologists and 100 non speech-language pathologists, with mean age: 35 year, took part in the study. The average time of university degree for the speech-language pathologists were mainly from 0 to 3 years (32%), most of them acting in the area of voice (55%) and oral motricity (45%). The non speech-language pathologists had all sort of professions, such as physicians, teachers, lawyers and others. There was no control on the professional use of voice. The participants in the study did a self-evaluation, using a 5 point scale: excellent, very good, good, reasonable and bad, and indicated positive and negative vocal attributes using a protocol developed by Behlau & Pontes (1995) based on the Distinctive terms for the voice (Boone, 1991).

RESULTS: speech-language pathologists and non speech-language pathologists showed different responses in the self-evaluation of their voices. There was a greater occurrence of "very good" voices for speech-language pathologist (28%, p=0.041). Speech-language pathologists selected more positive characteristics that non speech-language pathologists (53.6% and 46.4 respectively). The positive characteristic of "adequate" voice was the most selected by speech-language pathologists (31%, p=0.001) and the negative word of "loud" voice was the most selected by non speech-language pathologists (34%, p=0.001).

CONCLUSION: speech-language pathologists self-evaluated their own voices in a different way than non speech-language pathologists, especially on the categorization of "very good" quality of voice. While the "adequate" voice characteristic was the only positive qualifier in greater occurrence for speech-language pathologists, "loud" voice was the only negative qualifier for non speech- language pathologists.

Keywords: Voice; Self Concept; Speech perception

INTRODUÇÃO

O conjunto de crenças pessoais tende a influir na formação dos nossos padrões de comunicação, desde a seleção do vocabulário empregado, tipo de construção sintático-semântica, até os elementos mais específicos, como a qualidade vocal e seus parâmetros de freqüência, intensidade e extensão, entre outros. A voz, portanto, fazendo parte da identidade do indivíduo, constitui uma manifestação de suas crenças construídas pela interpretação de suas experiências de comunicação, sustentada pela cultura em que ele vive 1.

A voz se faz presente nos processos de socialização humana, como um dos componentes da linguagem oral e da relação interpessoal, produzindo impactos na qualidade de vida dos sujeitos, especialmente daqueles que fazem o uso da voz falada e/ou cantada em sua profissão 2.

Algumas pessoas têm uma imagem relativamente fiel sobre sua voz e sobre o impacto que ela exerce sobre o ouvinte. Outras pessoas muitas vezes não observam as reações do outro sobre o seu modo de comunicação. De qualquer forma, conscientes ou não, o falante influencia o ouvinte com sua voz e é influenciado pelas vozes das pessoas com quem se comunica 3.

A percepção da qualidade vocal é uma impressão subjetiva e que se baseia em comparações com outras vozes ou com impressões prévias do ouvinte sobre a mesma voz. Além disso, envolve vários fatores como características de personalidade, efeitos psicológicos e experiências com análises de vozes 4. A auto-avaliação vocal tem sido muito valorizada na clínica vocal, pois consegue captar a percepção do paciente com relação à sua voz. Por ser uma medida subjetiva do próprio indivíduo, é muito utilizada durante a avaliação fonoaudiológica, acrescentando uma perspectiva importante na detecção de um problema de voz. Estudos sobre percepção da qualidade vocal por profissionais experientes são comuns e importantes em várias investigações 5.

Uma diferença da autopercepção vocal entre fonoaudiólogas e não-fonoaudiólogas pode indicar uma provável influência do conhecimento prévio de aspectos teóricos e práticos relativos à voz, ou ainda que o valor dado à voz é diferente pela importância desse aspecto da comunicação oral na atuação do clínico. O objetivo deste estudo foi comparar as respostas de fonoaudiólogas e não-fonoaudiólogas a respeito da própria voz e verificar se fonoaudiólogas têm uma autopercepção vocal diferente das demais.

MÉTODOS

O presente trabalho trata-se de um estudo coorte no qual todas as voluntárias concordaram em participar desta pesquisa, lendo e assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram considerados apenas mulheres, por ser esse o gênero predominante na profissão de fonoaudiólogo. Participaram da pesquisa 200 sujeitos, sendo 100 fonoaudiólogas e 100 não-fonoaudiólogas, contatados ao acaso presencialmente e via internet. A idade média das participantes deste estudo foi de 35 anos, para ambos os grupos (p=>0,05). Não foram controlados outros aspectos como tipo de voz, presença de queixa ou alteração vocal, conhecimento sobre o tema ou uso profissional da voz. A faixa de tempo de atuação profissional das fonoaudiólogas foi predominantemente 0 a 3 anos (32%). A maior parte delas atuava na área de voz (55%) ou motricidade oral (45%). As não-fonoaudiólogas possuíam profissões diversas, tais como arquitetas, chefes de cozinha, professoras, médicas, entre outras.

Além da caracterização profissional, todos os participantes fizeram uma auto-avaliação de sua voz, escolhendo uma de cinco possibilidades - excelente, muito boa, boa, razoável e ruim. Em seguida receberam um protocolo desenvolvido por Behlau & Pontes (1995) baseado nos "Termos Descritivos Para a Voz" - Boone, 1991 (Figura 1) no qual foram orientadas a escolher dez verbetes que mais se relacionavam com a sua voz e classificar esses dez verbetes em atributos considerados positivos ou negativos, de acordo com sua avaliação pessoal.


As respostas do protocolo "Termos Descritivos Para a Voz" foram comparadas entre os dois grupos e foram identificadas as 10 palavras de maior ocorrência, caracterizadas em atributos positivos e negativos.

Esta pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do CEV/ SP - Centro de Estudo da Voz/ São Paulo, parecer número 415/07.

Quanto à metodologia estatística, foram utilizados testes e técnicas estatísticas paramétricas, pois foram atendidas as condições de normalidade e homocedasticidade (homogeneidade das variâncias) necessárias. Foi utilizado também o Teste de Igualdade de duas Proporções, que é um teste não-paramétrico que compara se a proporção de respostas de duas determinadas variáveis e/ou seus níveis são estatisticamente significantes. Este último teste foi utilizado na comparação da distribuição das respostas relativas à auto-percepção vocal dos grupos de fonoaudiólogas e não-fonoaudiólogas.

RESULTADOS

Os resultados mostraram que fonoaudiólogas e não-fonoaudiólogas apresentaram respostas diferentes quando auto-avaliaram suas vozes em excelente, muito boa, boa, razoável e ruim. Houve uma maior ocorrência de categorização de voz "muito boa" para fonoaudiólogas (28%, p=0,041). Por outro lado, não-fonoaudiólogas mostraram tendência estatística de maior ocorrência nas categorias de voz "ruim" e "razoável", as duas classificações de maior desvio na escala de 5 pontos. Vale à pena destacar que a marcação de voz "excelente" foi muito baixa para ambos os grupos (2% de fonoaudiólogas e 3% de não-fonoaudiólogas), como mostrado na Tabela 1.

As respostas do protocolo "Termos Descritivos Para a Voz" foram comparadas em seus aspectos positivos e negativos. Fonoaudiólogas selecionaram mais verbetes positivos do que não-fonoaudiólogas (53,6% e 46,4%). Já nos verbetes negativos, ocorreu o contrário, com não-fonoaudiólogas apresentando um maior percentual (54,9%) que fonoaudiólogas (45,1%).

Os 10 verbetes positivos de maior ocorrência entre as participantes, para os dois grupos, foram identificados, comparados e apresentados na Tabela 2. Na análise de tais verbetes, percebe-se que as participantes do estudo, independentemente de serem fonoaudiólogas ou não, selecionaram qualificadores importantes para a comunicação efetiva: voz feminina (40% e 36%), clara (38% e 28%), simpática (31% e 25%), alegre (25% e 30%), expressiva (31% e 23%), confiante (26% e 25%), convincente (25% e 16%) e forte (19% e 21%). Foi observado que a voz considerada "boa" obteve tendência estatística para fonoaudiólogas e voz "adequada" foi o único verbete de maior ocorrência estatística para as mesmas (31-31%, p=0,001).

Os 10 verbetes negativos de maior ocorrência entre as participantes, para os dois grupos, foram identificados, comparados e apresentados na Tabela 3. Tanto fonoaudiólogas como não-fonoaudiólogas indicaram que suas vozes podem expressar timidez (21% e 15%), autoridade (15% e 16%), rapidez (13% e 16%), agitação (12% e 15%) e estresse (10% e 14%); qualidade aguda (17% e 11), desafinada (11% e 17%) ou voz baixa (14% e 11%), ou ainda uma característica de voz comum (11% e 11%). Um único verbete obteve maior ocorrência estatística para não-fonoaudiólogas, que é a voz "alta" (34-34%, p=0,001).

DISCUSSÃO

A matéria prima para a comunicação oral é o som da voz e da fala, que são comportamentos aprendidos e, portanto, passíveis de modificação 6. A qualidade vocal é extremamente sensível ao interlocutor, à natureza do discurso e aos aspectos emocionais da situação, podendo ficar momentaneamente trêmula ou sussurrada, especialmente diante de emoções 3.

A voz de um indivíduo pode soar feliz ou triste, satisfeita ou raivosa, segura ou insegura, plácida ou passional. O modo como a pessoa se sente afetivamente pode ser ouvido no som da voz assim como nas mudanças dos padrões rítmicos prosódicos da vocalização 7.Poucos são os estudos que empregam estratégias alternativas às tradicionais entrevistas ou questionários para abordar o conhecimento e a percepção dos sujeitos sobre a própria voz 8.

A valoração da voz é aspecto relevante na análise e avaliação de profissionais da voz, os quais podem atribuir valorações e importâncias distintas à voz, em conformidade com as variações perceptivas individuais e as características, demandas e necessidades de uso da voz em cada categoria 8.

A voz se faz presente nos processos de socialização humana como um dos componentes da linguagem oral e da relação interpessoal, produzindo impactos na qualidade de vida dos sujeitos, especialmente daqueles que fazem o uso da voz falada e/ou cantada em sua profissão 9. Fonoaudiólogos atuando na área de educação e saúde, geralmente, integram equipes cujas funções são orientação, prevenção, diagnóstico e tratamento dos distúrbios da comunicação humana. Embora não precisem possuir uma voz especial, alguns traços têm sido apontados como preferidos por esses profissionais, tais como voz adaptada, ressonância equilibrada, ataque vocal isocrônico, emissão estável, tendência à elevação de freqüência e intensidade e uso de grande modulação, entre outros 10. Uma voz forte e confidente é uma parte essencial para uma comunicação interpessoal efetiva. Há dois fatores que se combinam para criarem uma boa impressão vocal: a ferramenta física vocal do falante e o som que foi criado por ele 11.

Quando se compararam as respostas de auto-avaliação das participantes em seus aspectos de voz - excelente, muito boa, boa, razoável e ruim - observou-se que houve uma maior ocorrência estatística de categorização de voz "muito boa" para fonoaudiólogas (p=0,041), o que pode indicar uma maior preocupação com a qualidade vocal e talvez um maior cuidado relativo à saúde vocal. Desta forma, fonoaudiólogas percebem suas vozes como "muito boa" e baixa possibilidade de atuar com vozes consideradas muito comprometidas (apenas 1% na categoria de voz "ruim" e 16% na categoria de voz "razoável"). Tendências estatísticas indicaram que mais não-fonoaudiólogos consideraram suas vozes como "ruim" e "razoável". Provavelmente, se o número de indivíduos pesquisados tivesse sido maior, tais resultados tivessem obtido maior força estatística. Vale a pena ressaltar que a quantidade de respostas obtidas no item "voz excelente" foi muito baixa para ambos os grupos, conforme mostrado na Tabela 1, categoria esta que geralmente recebe marcação apenas por alguns cantores e atores sem problemas de voz, que fazem parte da chamada elite vocal.Segundo estudo realizado por Behlau, Hogikyan, Gasparini, a maioria dos indivíduos da elite vocal sem queixa de voz apresentou voz "excelente" ou "muito boa", sendo a maior pontuação esperada no protocolo de qualidade de vida e voz (QVV)12. Em um outro estudo, os profissionais da voz deram sentido à necessidade da voz para seus trabalhos como instrumento imprescindível13.

Quando se observa os dados referentes ao protocolo "Termos Descritivos Para Voz", verificou-se que, apesar de fonoaudiólogas e não-fonoaudiólogas terem selecionado alguns verbetes diferentes, tanto positivos quanto negativos, como por exemplo, "aberta", "adequada"; "desafinada", "autoritária", houve uma maior variabilidade na escolha dos verbetes positivos para as fonoaudiólogas do que para as não-fonoaudiólogas, ocorrendo o contrário quanto aos verbetes negativos. Talvez o fato de fonoaudiólogos buscarem melhorar suas vozes e reduzir aspectos de provável impacto negativo na comunicação resulte em maior número de verbetes positivos por parte desses profissionais.

Estudo envolvendo fonoaudiólogos mostra que os mesmos apresentam um bom controle do comportamento vocal necessário para a profissão que exercem 10.

Na análise dos verbetes considerados positivos (Tabela 2), foi observado que a característica de voz "boa" obteve tendência estatística para fonoaudiólogas, sendo que voz "adequada" foi o único verbete que apresentou diferença entre os grupos, com maior ocorrência para fonoaudiólogas (p=0,001). Isto reforça que, além de atributos de natureza mais emocional como simpatia e alegria, a adequação da qualidade vocal para o profissional que diagnostica e trata dos distúrbios da comunicação humana tem valor diferencial.

Os fonoaudiólogos parecem ter uma preocupação em apresentar uma voz com características aceitáveis pela população ou uma voz adaptada ao ambiente de trabalho como, por exemplo, estar preparados vocalmente, em especial no atendimento a indivíduos portadores de deficiência auditiva, ou preferencialmente com crianças, fazendo certos ajustes na voz, bem como na articulação dos sons 10.

Por outro lado, na análise dos qualificadores negativos (Tabela 3), observou-se que o único verbete que obteve maior ocorrência estatística para não-fonoaudiólogas foi a voz "alta" (p=0,001). Isto, provavelmente, indicaria que não-fonoaudiólogas reconhecem a dificuldade em controlar o volume de suas vozes, uma preocupação que não apareceu para as fonoaudiólogas, em consequência do conhecimento das implicações de uma intensidade elevada de voz na fadiga vocal e na possibilidade de fonotrauma. A análise dos qualificadores negativos indica uma boa possibilidade de melhoria na comunicação.

Em uma pesquisa realizada com alunos de pedagogia, os mesmos auto-avaliaram suas vozes como normal, clara, agradável e delicada. Além disso, não souberam como preservá-la ou aperfeiçoá-la para o uso docente. Cerca de um terço deles assinalou características vocais que dificultam tal exercício, tais como voz rouca, grossa, presa na garganta, fraca, infantil, entre outras 14 .

As pessoas podem ser confiantes em seus discursos, porém, suas vozes podem enviar diferentes mensagens aos ouvintes. Na maior parte, contudo, é importante que sua voz espelhe suas emoções, assim como é importante que suas expressões espelhem seus sentimentos. Se um indivíduo deseja e precisa ser reconhecido, então necessita enviar sinais acurados aos interlocutores. A voz é um dos principais modos de fazer isso 15. A voz deve representar o sujeito, uma vez que ela traduz grande parte da carga afetiva e emocional implicada na prática cotidiana 16. A emoção da comunicação é biologicamente adaptativa para espécies que vivem socialmente e carregam em suas vozes um sinal positivo fazendo com que seus efeitos tornem-se audíveis durante o discurso 17. E, portanto, é importante que o indivíduo analise o impacto que acredita que sua voz produz nos ouvintes, auto-avaliando seu comportamento vocal, seja no trabalho ou em uma conversa informal com outras pessoas.

Mais da metade (55%) dos estudantes de jornalismo fizeram referência às características auditivas e/ou proprioceptivas da voz com atributos positivos e negativos. Esses sujeitos remetem a uma característica auditiva da voz, que corresponde ao eixo grave-agudo. Uma parcela de 20% dos mesmos fez referência a atributos vocais pessoais ou profissionais, 18% indicaram atributos vocais psicossociais e/ou culturais e, outros 7%, mencionaram atributos vocais a partir da impressão do outro. Os achados evidenciaram, ainda, que 44% dos sujeitos explicitam uma valoração negativa da própria voz, enquanto que 29 % a qualificam positiva-

mente 18. No estudo atual, quando se compararam os aspectos negativos referentes ao protocolo de Termos Descritivos Para Voz, verificou-se que não-fonoaudiólogas percebem suas vozes de maneira mais negativa do que fonoaudiólogas quando selecionaram a característica de voz "alta", sugerindo, provavelmente, uma maior dificuldade no controle da intensidade vocal.

A emotividade de uma pessoa pode ser ouvida na voz, um fato que poder ser ameaçador para um cantor profissional ou danoso às vendas para um vendedor exaltado, ou embaraçoso para alguém que soa como se estivesse chorando, quando, na verdade, está feliz 7. Portanto, a população em geral, também, pode classificar e/ou auto-avaliar suas vozes de acordo com a situação de humor em que se encontra.

Embora muitas pessoas percebam que suas vozes não as representem bem, geralmente ou em circunstâncias especiais, elas não sabem o que fazer para mudar o modo como soam ou como descobrir suas vozes naturais. Cada um possui uma voz natural 15. Por meio da auto-avaliação vocal o indivíduo é induzido a se auto-escutar melhor, percebendo sua voz de modo natural ou de forma mais apurada.

Desta forma, o estudo sugere que a profissão interfere na auto-percepção vocal, o que deve ser melhor compreendido com um refinamento nas análises, considerando-se diversas profissões, grau de conhecimento vocal e presença de distúrbios de voz.

CONCLUSÃO

Fonoaudiólogas perceberam suas vozes de modo diferente que não-fonoaudiólogas, principalmente na categorização de voz "muito boa".

Fonoaudiólogas selecionaram mais verbetes positivos que não-fonoaudiólogas. Enquanto a característica de voz "adequada" foi o único qualificador positivo de maior ocorrência para fonoaudiólogas, voz "alta" foi o único qualificador negativo para não-fonoaudiólogas.

Recebido em: 19/01/2009

Aceito em: 11/03/2010

Trabalho realizado no Centro de Estudos da Voz - CEV

Conflito de interesses: inexistente

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  • Endereço para correspondência:
    Andressa Duarte Bicalho
    Av. Brasil, 84 sala 1505
    Belo Horizonte - MG - CEP: 30140-001
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010

    Histórico

    • Recebido
      19 Jan 2009
    • Aceito
      11 Mar 2010
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