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Caracterização dos atendimentos realizados numa Clínica Escola de Fonoaudiologia conveniada à rede Sistema Único de Saúde - SUS

RESUMO

Objetivo:

caracterizar o perfil dos atendimentos realizados numa Clinica Escola de Fonoaudiologia conveniada à rede Sistema Único de Saúde (SUS), no ano de 2016.

Métodos:

estudo transversal cujas fontes de dados foram as fichas de triagem, altas e desligamentos, e os prontuários. Foram estudadas as variáveis sociodemográficas e clínicas, mensurando o tempo de espera e especialidade para atendimento e, nos casos de desligamento, o motivo.

Resultados:

foram acolhidas 107 pessoas na triagem, das quais 53,3% eram crianças, 58,9% do sexo masculino, 41,1% com queixas de Linguagem e 35.5% de Motricidade Orofacial. A média de tempo de espera para iniciar o tratamento foi de 6,6 meses. Do total de pessoas triadas, 80,3% começaram o tratamento, com maior ocorrência nas áreas de Motricidade Orofacial (39.1%) e Linguagem (37,9 %). A alta fonoaudiológica foi obtida em 28,6% dos casos. Dentre as 37 pessoas que foram desligadas do tratamento, o principal motivo foi abandono ou falta (71,4%).

Conclusão:

evidenciou-se maior frequência de crianças, do sexo masculino, com maiores demandas para as áreas de Linguagem e Motricidade Orofacial. O tempo médio de espera para início do tratamento foi de 6,6 meses, sendo que 20% das pessoas triadas não o iniciaram. Destaca-se a alta frequência de desligamentos por falta.

Descritores:
Fonoaudiologia; Epidemiologia; Prevalência; Serviços Públicos de Saúde; Assistência á Saúde

ABSTRACT

Objective:

to characterize the care provided at a Speech Therapy School Clinic affiliated with the Brazilian public healthcare system, in 2016.

Methods:

a cross-sectional study was conducted with data from screening, discharge, discontinuation and medical records. Sociodemographic and clinical variables were assessed, by measuring waiting time and specialty. The reasons for treatment discontinuation were also investigated. The data were presented in tables and expressed as absolute and relative frequencies.

Results:

one hundred-seven individuals were screened, among whom 53.3% were children, 58.9% were males, 41.1% had language complaints and 35.5% had complaints regarding orofacial motor function. The mean waiting time to begin treatment was 6.6 months. Among all individuals screened, 80.3% began treatment. The treatment, more frequently, addressed orofacial motor function (39.1%) and language (37.9%). Discharge from treatment occurred in 28.6% of cases. Among the 37 individuals whose treatment was discontinued prior to completion, the main reason was abandonment/absences on the part of the patient (71.4%).

Conclusion:

the speech therapy care profile revealed a greater frequency of children, males and needs regarding language and orofacial motor function. The mean waiting time was 6.6 months and 20% of the individuals screened did not initiate treatment. A high frequency of discontinuation prior to completing treatment was found, due, mainly, to failure on the part of the patients to attend the sessions.

Keywords:
Speech, Language and Hearing Sciences; Epidemiology; Prevalence; Public Health Services; Delivery of Health Care

Introdução

O Sistema Único de Saúde (SUS) é resultante de um amplo movimento que teve início na década de 1970 chamado Reforma Sanitária11. Paiva CHA, Teixeira LA. Reforma sanitária e a criação do Sistema Único de Saúde: notas sobre contextos e autores. Hist. cienc. saude-Manguinhos. 2014;21(1):15-35.,22. Ferla AA, Maranhão T, Rocha CMF, Peixoto GP, Silva IFD, Barrios SG et al. As histórias das vivências e estágios no Sistema Único de Saúde em seus múltiplos cenários. In: Ferla AA, Maranhão T, Rocha CMF (orgs). Múltiplos cenários do VER-SUS: vivências e estágios de Norte a Sul do Brasil. Porto Alegre: Editora Rede Unida; 2016, 1 edição, vol 2. p.8-10. e é reconhecido como um direito da população e um dever do estado brasileiro, conforme disposto na Constituição Federal de 198833. Brasil. Constituição (1990). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico. 1988.. Nele devem estar contidas ações articuladas de promoção da saúde, prevenção de doenças e reabilitação44. Fernando AITH, Budjoso Y, Nascimento PR, Dallari SG. Os princípios da universalidade e integralidade do SUS sob a perspectiva da política de doenças raras e da incorporação tecnológica. Rev. Direito Sanit. 2014;15(1):10-39..

Sua estrutura organizacional está pautada em princípios doutrinários e diretrizes55. Gil CRR, Luiz CI, Gil MCR. Gestão publica e saúde: contexto de implantação e aspectos organizacionais da gestão do SUS. São Luiz: EDUFMA, 2016, 1 edição.,66. Kalichman AO, Ayres JRCM. Comprehensiveness and healthcare technologies: a narrative on conceptual contributions to the construction of the comprehensiveness principle in the Brazilian Unified National Health System. Cad. Saúde Pública. 2016;32(8):e00183415.. Dentre estas, tem-se a regionalização, cujo objetivo é garantir a oferta organizada dos serviços e ações de saúde, em todos os níveis de atenção77. Carvalho ALB, Jesus WLA, Senra IMVB. Regionalization in the SUS: implementation process, challenges and perspectives in the critical view of system managers. Ciênc. saúde coletiva. 2017;22(4):1155-64.,88. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de planejamento no SUS. Brasília: MS; 2016.. Desse modo, uma rede de saúde organizada e planejada a partir das demandas de saúde de uma região, potencializa a criação de estratégias articuladas de promoção da saúde, prevenção de doenças e reabilitação, de acordo com a necessidade da população99. Fertonani HP, Pires DEP, Biff D, Scherer MDA. The health care model: concepts and challenges for primary health care in Brazil. Ciênc. saúde coletiva. 2015;20(6):1869-78.. Assim, a organização e funcionamento dos serviços deve considerar a demanda dos usuários a partir do perfil epidemiológico e sociodemográfico. É nesse contexto que se amplia a discussão sobre modelos de atenção à saúde1010. Netto L, Silva KL, Santos MR. Desenvolvimento de competências para promoção da saúde e mudança no modelo assistencial. Texto Contexto Enferm. 2016;25(2): e2150015.. Para Paim1111. Paim J, Travassos C, Almeida C, Nahia L, Macinko J. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. Lancet (Série Brasil). 2011;11-31., o modelo assistencial utiliza-se de diversos recursos com propósitos distintos que tem por finalidade atender as necessidades de uma comunidade e organizar os serviços de saúde de acordo o perfil epidemiológico desse grupo. No que diz respeito à Fonoaudiologia, sabe-se que os Sistemas de Informação em Saúde dispõem de poucos dados referentes às alterações da comunicação humana, sendo esses sistemas importantes para elaborar informações sobre as necessidades de saúde na área da Fonoaudiologia1212. Caceres JV, Pacheco AB, Fedosse E, Mello JG. The potentiality of the basic health care information system for actions in speech-language pathology. Rev. CEFAC. 2014;16(5):1723-9.. A incipiência de tais informações dificulta conhecer a demanda e suas características sociodemográficas, o que pode repercutir no planejamento e organização das redes de atenção a saúde.

Assim, são os estudos epidemiológicos que permitem o conhecimento das demandas, fortalecendo a construção de políticas públicas efetivas1313. Longo IA, Tupinelli GG, Hermógenes C, Ferreora LV, Molini-Alvejonas DR. Prevalence of speech and language disorders in children in the western region of São Paulo. CoDAS. 2017;29(6): e20160036.. No entanto, ainda são poucas as produções cientificas de base populacional que mensurem a prevalência das alterações da comunicação humana1414. Jardim DS, Maciel FJ, Lemos SMA. Epidemiological profile of a hearing-impaired population. Rev. CEFAC. 2016;18(3):746-57

15. Di Ninno CQMS, Fonseca LFN, Pimenta MVE, Vieira ZG, Fonseca JA, Miranda ICC et al. Levantamento epidemiológico dos pacientes portadores de fissura de lábio e/ou palato de um centro especializado de Belo Horizonte. Rev. CEFAC . 2011;13(6):1002-8.
-1616. Costa RG, Souza LBR. Perfil dos usuários e da demanda pelo serviço da clínica-escola de fonoaudiologia da UFBA. R. Ci. méd. biol. 2009;8(1):53-9.. Dessa forma, os bancos de dados produzidos pelos serviços de saúde podem ser muito úteis para o planejamento e gestão dos serviços de saúde, assim como para as políticas públicas. Diante do exposto, esse estudo se propõe a caracterizar o perfil dos atendimentos realizados uma Clínica Escola de Fonoaudiologia conveniada à rede SUS, no ano de 2016.

Métodos

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Universidade Federal de Pernambuco, sob o parecer 2106639.

Trata-se de um estudo transversal, realizado em uma clínica escola de fonoaudiologia de uma Universidade Pública, localizada no município de Recife, Brasil. Esta clínica foi inaugurada em 2013, está registrada no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) como um serviço que atende à média complexidade no SUS. Funciona como uma clínica escola, orientada pelos três pilares da Universidade: ensino, pesquisa e extensão, prestando assistência fonoaudiológica à população em todas as faixas etárias. Tem convênio de cooperação técnica com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Recife, cujo objetivo é executar procedimentos fonoaudiológicos ambulatoriais. É composta por 10 salas de atendimento fonoaudiológico, 3 salas de supervisão clínica, 3 salas de audiologia, sala de coordenação, sala de multimídia e laboratórios de voz e de informática. O itinerário terapêutico das pessoas na clínica segue o seguinte fluxo: inicialmente passa pela triagem cuja marcação é regulada pelo Sistema de Regulação do SUS (SISREG) e segue para uma fila de espera. Quando surge uma vaga na área a qual precisa de atendimento, a clínica faz o contato telefônico chamando para iniciar o tratamento, quando então é aberto o prontuário.

Os dados foram coletados em 2017, e por se tratar de um estudo de corte transversal, selecionou-se o ano de 2016, último ano fechado com informações disponíveis no ato da coleta. Como o convênio com o SUS foi firmado em 2015, os dados de 2016 já refletiam a realidade da clínica.

Foram consultadas as 107 fichas de triagem realizadas em 2016, os prontuários e os instrumentos de alta e desligamento. Estes três últimos só foram consultados nos casos em que a pessoa que foi avaliada na triagem, foi convocada para iniciar o tratamento fonoaudiológico.

Para a coleta dos dados, foi utilizado um instrumento constituído por variáveis sociodemográficas, dados gerais e clínicos, a saber: faixa etária, sexo, escolaridade, profissão, município de residência; especialidade de tratamento, diagnóstico fonoaudiológico, tempo na fila de espera para atendimento fonoaudiológico, área da fonoaudiologia que mais inseriu no serviço e hipótese diagnóstica fonoaudiológica, situação do atendimento, motivo do desligamento. A variável hipótese diagnóstica fonoaudiológica foi coletada a partir de um campo aberto existente na ficha de triagem e, por se tratar de possibilidades de diagnóstico elencadas no momento da triagem fonoaudiológica, quando ainda serão solicitados exames complementares e encaminhamentos para avaliação de outros profissionais, apresentou um amplo espectro de respostas. Assim, foi utilizada uma classificação mais genérica para a variável, a exemplo da disfonia ao invés de disfonia funcional, orgânica ou organofuncional, para as quais necessitaria de avaliação otorrinolaringológica e exames complementares. Dessa forma, as pesquisadoras agregaram as hipóteses de modo a garantir a fidedignidade dos registros.

Para a construção, processamento e análise do banco de dados, foi utilizado o software EpiInfo, versão 3.4.5. Os dados foram apresentados em formato de tabelas, incluindo as frequências absolutas e relativas.

Resultados

Do total de 107 pessoas acolhidas na triagem da clínica, 53,3% são menores de 10 anos de idade, 58,9% são do sexo masculino, 38,8% cursaram até o ensino fundamental e 32% a educação infantil. Quanto à profissão, 85,3% são estudantes. Em relação ao município de residência, observa-se que, apesar da clínica receber pessoas de vários municípios do estado de Pernambuco, a quase totalidade, 94%, são residentes de municípios localizados na Região Metropolitana do Recife (Tabela 1).

Tabela 1:
Descrição das características sociodemográficas das pessoas acolhidas na triagem da Clínica escola de Fonoaudiologia, Recife, Brasil, 2016

Com relação às áreas da Fonoaudiologia, verificou-se nas triagens que as queixas se concentraram mais nas áreas de Linguagem (41,1%) e Motricidade Orofacial (35,5%). Dentre as hipóteses diagnósticas fonoaudiológicas destacaram-se o desvio fonético e o desvio fonológico, ambos com 12.9% cada; e a disfonia com 11.88% (Tabela 2).

Tabela 2:
Características clínicas das pessoas acolhidas na triagem da Clínica Escola de Fonoaudiologia, Recife, Brasil, 2016.

Dentre as pessoas que realizaram a triagem, 49.4% aguardaram um período de até seis meses na lista de espera (X=6,6 meses; Md=7meses; δ=4,1meses) e 80.3% iniciaram o tratamento fonoaudiológico. As especialidades que mais chamaram da lista de espera foram Motricidade Orofacial, com 39.10% e Linguagem, com 37.9%. A alta fonoaudiológica ocorreu em 28,6% dos atendimentos e 32,4% foram desligados. O principal motivo (71,4%) para o desligamento foi o abandono ou falta (Tabela 3).

Tabela 3:
Características do acompanhamento fonoaudiológico na Clínica Escola de Fonoaudiologia, Recife, Brasil, 2016.

Discussão

Os achados desta pesquisa mostraram que mais da metade do público acolhido na triagem é formado por crianças e do sexo masculino. Embora existam estudos que apontem não haver diferenças consideráveis de prevalência quanto ao sexo1717. Samelli AG, Rondon-Melo S, Rabelo CM, Molini-Avejonas DR. Association between language and hearing disorders - risk identification. Clinics. 2017;72 (4):213-7., a maioria indica que alteração na comunicação humana é mais frequente em pessoas do sexo masculino1818. Alves JMM, Carvalho AJA, Pereira SCG, Escarce AG, Goulart LMHF, Lemos SMA. Association between language development and school environment in children of early childhood education. Distúrb. Comun. 2017;29(2):342-53.,1919. Rabelo ATV, Campos FR, Friche CP, Silva BSV, Friche AAl, Alves CRL et al. Speech and language disorders in children from public schools in Belo Horizonte. Rev. paul. pediatr. 2015;33(4):453-9.. No que se refere à idade, estudos mostram que as alterações fonoaudiológicas são comuns em crianças menores de 10 anos2020. Bartz DW, Laux CN, Peruch CV, Ferreira MID, Machado MS, Ribas LP. Relationship between masking level difference test and acoustic reflex findings in children with phonological disorder. Rev. CEFAC. 2015;17(5):1499-508.,2121. Cardoso MH, Romero ACL. Alterações de processos fonológicos e índice de gravidade em uma amostra de fala e de escrita de escolares de ensino público e privado. Rev. psicopedag. 2018;33(102):283-93.. Na literatura, já existem estudos que associam alterações de linguagem oral e motricidade orofacial em crianças menores de 10 anos, correlacionando tais alterações também com o sexo2222. Caldeira HJM, Antunes SLNO, Rossi-Barbosa LAR, Freitas DA, Barbosa MR, Caldeira AP. Prevalence of speech disorders in children through screening test. Rev. CEFAC. 2013;15(1):144-52.,2323. Campos FR, Rabelo ATV, Friche CP, Silva BS, Friche AAL, Alves CRL et al. Oral language disorders in children from 4 to 6 years old in Belo Horizonte. Rev. CEFAC. 2014;16(4):1151-60.. Sabe-se que alteração na comunicação humana em crianças na faixa etária escolar podem influenciar no desenvolvimento infantil, ocasionando desajustes na vida social e dificuldades escolares2424. Cardoso MH, Romero ACL. Alterações de processos fonológicos e índice de gravidade em uma amostra de fala e de escrita de escolares de ensino público e privado. Rev. psicopedag. 2018;33(102):283-93.,2525. Caldeira HJM, Antunes SLNO, Rossi-Barbosa LAR, Freitas DA, Barbosa MR, Caldeira AP. Prevalence of speech disorders in children through screening test. Rev. CEFAC. 2013;15(1):144-52..

Estudos apontam que aspectos socioeconômicos e de escolaridade mantêm importante relação com o desenvolvimento infantil1717. Samelli AG, Rondon-Melo S, Rabelo CM, Molini-Avejonas DR. Association between language and hearing disorders - risk identification. Clinics. 2017;72 (4):213-7.,2626. Carniel CZ, Furtado MCC, Vicente JB, Abreu RZ, Tarozzo RM, Cardia SETR et al. Influence of risk factors on language development and contributions of early stimulation: an integrative literature review Rev. CEFAC. 2017;19(1):109-18.,2727. Longo IA, Tupinelli GG, Hermógenes C, Ferreora LV, Molini-Alvejonas DR. Prevalence of speech and language disorders in children in the western region of São Paulo. CoDAS. 2017;29(6):e20160036. Crianças cujos pais têm baixa escolaridade podem estar mais susceptíveis à privação de estímulos, o que poderia ocasionar problemas no desenvolvimento da linguagem e na aprendizagem2626. Carniel CZ, Furtado MCC, Vicente JB, Abreu RZ, Tarozzo RM, Cardia SETR et al. Influence of risk factors on language development and contributions of early stimulation: an integrative literature review Rev. CEFAC. 2017;19(1):109-18.. Um estudo realizado com nove crianças de um hospital de São Paulo mostrou que há relação entre escolaridade e hábitos orais capazes de promover alterações fonoaudiológicas, otorrinolaringológicas e odontológicas2727. Longo IA, Tupinelli GG, Hermógenes C, Ferreora LV, Molini-Alvejonas DR. Prevalence of speech and language disorders in children in the western region of São Paulo. CoDAS. 2017;29(6):e20160036.

Com relação às áreas da fonoaudiologia, observou-se que as alterações da comunicação humana se concentraram mais nas áreas de Linguagem, Motricidade Orofacial e Voz. Alguns achados na literatura referem que a alteração mais prevalente é de Linguagem2828. Campos FR, Rabelo ATV, Friche CP, Silva BS, Friche AAL, Alves CRL col. Oral language disorders in children from 4 to 6 years old in belo horizonte. Rev. CEFAC. 2014;16(4):1151-60.,2929. Silva GMD, Couto MIV, Avejonas DRM. Risk factors identification in children with speech disorders: pilot study. CoDAS. 2013;25(5):456-62. seguida de Motricidade Orofacial2828. Campos FR, Rabelo ATV, Friche CP, Silva BS, Friche AAL, Alves CRL col. Oral language disorders in children from 4 to 6 years old in belo horizonte. Rev. CEFAC. 2014;16(4):1151-60., confirmando os resultados aqui encontrados.

Sabe-se que para se expressar verbalmente, de forma inteligível, além de desenvolver o aspecto fonológico é necessário que o aspecto fonético esteja equilibrado. Para que exista esse equilíbrio, é necessário que os órgãos orais estejam em harmonia. Uma modificação em qualquer uma dessas estruturas envolvidas pode influenciar na fala, ocasionando numa necessidade de intervenção para adequação da função1616. Costa RG, Souza LBR. Perfil dos usuários e da demanda pelo serviço da clínica-escola de fonoaudiologia da UFBA. R. Ci. méd. biol. 2009;8(1):53-9..

Estudos destacam que o alto índice de alteração de motricidade orofacial pode está relacionado a hábitos orais deletérios, como o uso de mamadeira, chupeta e sucção não nutritiva, bem como alimentação exclusiva com consistência pastosa, tendo que vista que tais aspectos podem contribuir para alterações no sistema estomatognático3030. Mandra PP, Diniz MV. Characterization of the diagnostic profile and flow of a Speech-Language Pathology service in child language within a public hospital. Rev. soc. bras. fonoaudiol. 2011;16(2):121-5.,3131. Corrêa CC, Arakawa AM, Maximino LP. Speech, language and hearing teaching-clinic: waiting list management. Rev. CEFAC. 2016;18(5):1222-9..

Em relação à hipótese diagnóstica com maior demanda, foi visto que existe uma maior proporção para desvio fonético e desvio fonológico, seguidos da disfonia. A literatura aponta uma média de 13,9 % de desvio fonológico3232. Lima BPS, Guimarães JATL, Rocha MCG. Características epidemiológicas das alterações de linguagem em um centro fonoaudiológico do primeiro setor. Rev. soc. bras. fonoaudiol. 2008;13(4):376-80.,3333. Siqueira LAO, Katia MH. Accessibility to speech therapy care in service of mean complexity. Rev. CEFAC. 2015;17(2):461-74., valores próximos aos que foram encontrados aqui no presente estudo.

No que se refere à capacidade instalada na clínica para acolher no tratamento fonoaudiológico aqueles que aguardam na lista de espera após a triagem, observou-se que mais de 80% das pessoas são inseridas no serviço. Isso aponta para uma eficácia de atendimento da clínica, apresentando um bom padrão de acesso ao serviço estudado. Dessas pessoas que foram chamadas, metade aguardou um período de até 6 meses após a triagem fonoaudiológica. Estudo realizado na Bahia, também numa clínica escola, cujo objetivo foi analisar o perfil dos usuários e tempo na fila de espera, observou que o tempo médio para iniciar o tratamento foi em torno de seis meses1616. Costa RG, Souza LBR. Perfil dos usuários e da demanda pelo serviço da clínica-escola de fonoaudiologia da UFBA. R. Ci. méd. biol. 2009;8(1):53-9.. As clínicas escolas atendem uma demanda muito grande de usuários com baixo poder econômico, uma boa parte encaminhados pelos serviços da atenção básica à saúde.

Embora algumas pesquisas indiquem um alto índice de filas de espera pelo atendimento fonoaudiológico3131. Corrêa CC, Arakawa AM, Maximino LP. Speech, language and hearing teaching-clinic: waiting list management. Rev. CEFAC. 2016;18(5):1222-9., no estudo realizado no Centro de Atendimento vinculado ao SUS, situado na cidade de Cascavel - Paraná, foi visto que 40,9% dos usuários não ficaram em fila de espera e 13,63% ficaram, por até seis meses, devido a quebra do equipamento (EOA) no período em que estava agendada a testagem auditiva3434. Cunha JT, Massi G, Guarinello AC, Pereira FM. SUS users' perception: a speech-language pathology approach based on health promotion. CoDAS. 2016;28(4):417-28.. Tal achado, provavelmente se deve ao fato dos exames audiológicos serem realizados em tempo oportuno, não necessitando que o paciente permaneça em atendimento contínuo e sistemático.

A especialidade fonoaudiológica que mais chamou usuários que aguardavam em lista de espera foi a motricidade orofacial. Já a área de linguagem, foi a que os pacientes permaneceram mais tempo aguardando. Dentre os que foram chamados para iniciar o tratamento fonoaudiológico, apenas cerca de 15% não compareceram para iniciar o tratamento na clínica, evidenciando que a maioria não consegue vagas em outros serviços durante o tempo em que aguarda a vaga.

Pesquisa desenvolvida na Capital Alagoana demonstrou problemas relacionados à acessibilidade dos pacientes aos serviços de saúde, que pode está relacionadas com a oferta de atividades, marcação de consultas, horários de atendimento, critérios para selecionar demanda, tempo de espera para atendimento, bem como o deslocamento dos usuários3232. Lima BPS, Guimarães JATL, Rocha MCG. Características epidemiológicas das alterações de linguagem em um centro fonoaudiológico do primeiro setor. Rev. soc. bras. fonoaudiol. 2008;13(4):376-80.,o que pode comprometer na prestação e utilização dos serviços de saúde.

Cerca de um terço dos que começaram o tratamento fonoaudiológico na clínica precisou ser desligado. Destes, cerca de 70% foi por abandono ou falta. Estudo realizado no ambulatório de fonoaudiologia do Hospital das Clínicas da Universidade de Minas Gerais também observou o excesso de faltas como o principal motivo para o desligamento dos usuários3535. Marques SRL, Friche AAL, Motta AR. Adesão à terapia em motricidade orofacial no ambulatório de Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Rev. soc. bras. fonoaudiol. 2010;15(1):54-62.. Sabe-se que a adesão à terapia é fundamental para a evolução terapêutica do indivíduo, e dessa forma é necessário o envolvimento ativo e colaborativo dos usuários que buscam o atendimento.

Outro estudo, realizado no Centro de Saúde de Atenção Básica do Município de Campinas, relatou que muitos usuários abandonaram a fonoterapia por incompatibilidade de horário, dinâmica dos atendimentos, observação de melhora ou resolução do caso, desmotivação do paciente e necessidade de realizar tratamento prévio em outra área3636. Paro CA, Vianna NG, Lima MCMP. Investigating the compliance with speech therapy service in the context of primary care. Rev. CEFAC. 2013;15(5):1316-24..

No que se refere ao presente estudo, a não adesão do tratamento pode estar relacionada com a expectativa do paciente em obter a alta fonoaudiológica num tempo curto. Entretanto, por se tratar de uma clínica escola, o fluxo dos atendimentos são mais lentos, tendo em vista que as sessões de fonoterapia são realizadas pelos discentes aprendizes, o que provavelmente configura procedimentos fonoaudiológicos mais lentos, considerando que o estagiário em formação não apresenta a mesma habilidade terapêutica de um fonoaudiólogo. Com isso, a evolução mais lenta pode confluir para desmotivação do paciente em atendimento, ocasionando abandonos.

A amostra estudada propiciou o conhecimento acerca da caracterização do perfil das pessoas acolhidas na triagem fonoaudiológica e a proporção de alterações da comunicação humana acompanhadas na clínica. As autoras reconhecem que o desenho de estudo de corte transversal está sujeito ao fato do recorte não caracterizar perfeitamente o cenário ao longo do tempo. No entanto, foram analisadas todas as fichas de triagem realizadas na clínica no período de um ano, 2016. Espera-se que esses achados contribuam não apenas de forma local para o planejamento/ monitoramento por parte da gestão deste serviço de saúde, mas que sirva de referência para outros locais que ofertam cuidados em Fonoaudiologia no SUS.

Conclusão

O perfil dos usuários acolhidos na triagem da Clínica de Fonoaudiologia evidenciou maior proporção de crianças, do sexo masculino, com maior demanda nas áreas de Linguagem e Motricidade Orofacial. O tempo médio de espera para início do tratamento foi de 6,6 meses e, dentre os que não continuam em atendimento, chamou atenção a proporção de desligamentos por falta. Diante do exposto, espera-se que os resultados desta pesquisa auxiliem no planejamento de ações, contribuindo para oferta organizada dos serviços de saúde e que sirva de referência para outros estudos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2019
  • Aceito
    12 Fev 2020
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