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Alterações da linguagem oral e escrita na percepção dos professores do ensino fundamental

Resumo:

OBJETIVO:

caracterizar a percepção e a conduta de docentes do ensino fundamental diante de alterações de linguagem oral e escrita dos alunos.

MÉTODOS:

trata-se de um estudo descritivo de corte transversal que utilizado um questionário de oito questões mistas. Em cada questão foi apresentado um caso hipotético que abordava desenvolvimento ou alteração da linguagem oral ou escrita. Os professores responderam a percepção diante dos casos e a conduta de encaminhamentos.

RESULTADOS:

a amostra consistiu de 48 docentes do ensino fundamental, com idade média de 40,3 anos e tempo de atuação docente com média de 8,7 anos. As análises das respostas mostram que os professores possuem maior percepção sobre alterações da linguagem oral do que da linguagem escrita. Quanto à condutas de encaminhamentos, o profissional de referência mais citado foi o fonoaudiólogo seguido do psicólogo.

CONCLUSÕES:

os professores pesquisados apresentam maior percentual de percepção prática sobre as alterações na fluência e na fonologia e pouca percepção em linguagem escrita. A diferença das respostas dos professores entre as questões de casos hipotéticos de alterações da linguagem oral e alterações da linguagem escrita gerou subsídios quantitativos que possibilitam uma reflexão na elaboração temática de programas de formação para os professores.

Descritores:
Conhecimento; Docentes; Ensino Fundamental e Médio; Transtornos da Linguagem

Abstract:

PURPOSE:

to characterize the perception and the behavior of elementary school teachers when facing their students' difficulties regarding oral and written language.

METHODS:

this was a descriptive cross-sectional study that used a questionnaire of eight questions mixed. A hypothetical case that addressed development or change of oral or written language was presented in each question. Teachers responded on the perception and conduct referrals.

RESULTS:

the sample consisted of 48 teachers of elementary school, with an mean age of 40.3 years and years of teaching performance with an mean of 8.7 years. The analysis of the responses show that teachers have greater insight into disorders in oral language than written language. Regarding the conduct of referrals, the professional most cited reference was followed by the speech therapist and psychologist.

CONCLUSIONS:

teachers surveyed have a higher percentage of practical insight into the changes in fluency and phonology and little insight in written language. The difference between the responses of teachers questions of hypothetical changes in oral language and written language promotes quantitative subsidies that enable a reflection on the thematic development of training programs for teachers.

Keywords:
Knowledge; Faculty; Education, Primary and Secondary; Language Disorders

Introdução

A atuação da Fonoaudiologia em instituições de ensino acontece desde os primórdios da atuação que até então ainda não era denominada fonoaudiológica11 Meira MIM. Breve relato da história da fonoaudiologia no Brasil. In: Marchesan IQ, Zorzi JL, Gomes ICD. Tópicos em fonoaudiologia, IV. São Paulo: Lovise; 1997/1998, Introdução.. Segundo a autora, nas décadas de 40 e 50 a terapia da fala iniciou-se com os Ortofonistas que em sua maioria eram profissionais com atuação prática ligada ao magistério. A partir de então, os professores que se interessavam pela área realizavam um curso de curta duração de 3 meses e então denominavam-se Logopedistas. Em 1981, com a então regulamentação da profissão Fonoaudiologia, a atuação voltada à área pedagógica ainda era muito latente, entretanto, a condição reabilitadora exigiu uma aproximação com a saúde.

Na Resolução n° 309 do ano de 2005, do Conselho Federal de Fonoaudiologia, atribuiu-se ao fonoaudiólogo realização de capacitação e assessoria com palestras e orientações em ambiente escolar. O público alvo das atuações fonoaudiológicas em escolas pode ser pais, alunos, equipe pedagógica e corpo docente escolar22 CFFa. Conselho Federal de Fonoaudiologia. Resolução n° 309, de 1º de abril de 2005. Disponível em: http://www.fonoaudiologia.org.br. [Acesso em 09 de janeiro de 2013].
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No que tange os professores, além de terem conhecimento do conteúdo base que rege a disciplina ministrada precisam conhecer ainda, elementos essenciais para o bom exercício da docência33 Darling-Hammond L, Baratz-Snowden J. (Eds). Preparing Teachers for a Chaning World What teachers should learn and be able to do. The National Academy of Education. San Francisco: Jossey-Bass; 2005.. Esses elementos, elegidos em grau de importância, dividem-se em eixos de conhecimento: 1º eixo) alunos, seus processos de conhecimento e seus contextos socioculturais, conhecimento sobre aprendizagem, desenvolvimento humano e desenvolvimento da linguagem; 2º eixo) a matéria que os professores ministram em face ao currículo e aos objetivos educacionais mais amplos; e 3º eixo) conhecimento acerca de diferentes matérias, de diferentes alunos e avaliação e manejo de classe.

O primeiro eixo, que compreende essa pesquisa é de primordial importância de conhecimento dos docentes, uma vez que esses lidam com crianças em fase de desenvolvimento. Os autores levantam ainda a importância em se conhecer o desenvolvimento da linguagem e seus subsistemas fonológico, morfológico e sintático.

Para exercício da docência, a comunicação é um instrumento fundamental para o compartilhamento de experiências envolvendo vivências do ser humano44 Chiari BM, Goulart BNG. The role of research methodology in the rational use of technology in monitoring and preventing communication disorders. An. Acad. Bras. Ciênc. 2009;81(3):497-502., é um meio pelo qual o indivíduo recebe e expressa a linguagem, sendo um elemento essencial para a socialização e integração na comunidade55 Ruben RJ. Redefining the survival of the fittest: communication disorders in the 2st century. Laryngoscope. 2000;110:241-5.. Os distúrbios da comunicação causam impacto direto sobre a vida social da criança e sobre o sucesso acadêmico e ocupacional66 McKinnon DH, McLeod S, Reilly S. The prevalence of stuttering, voice, and speech-sound disorders in primary school students in Australia. Lang Speech Hear Serv Sch. 2007;38:5-15..

O professor tem um importante papel no que concerne à percepção de possíveis dificuldades que o aluno possa apresentar em seu desenvolvimento77 Rufino D, Souza IA. As dificuldades de aprendizagem na escola: o olhar do professor. Rev Event Pedag. 2012;3(3):44-52.. Além de perceber questões voltadas ao desenvolvimento infantil, pode intervir diretamente no processo desenvolvimental adotando ações que o otimizem88 Petit M. Através do professor, o aluno. Rev Fonoaudiol Brasil. 2006; 67(1):12-5..

Conhecimentos acerca da linguagem, mais precisamente da aquisição e desenvolvimento da fala foram pesquisados, e foi constatado que os professores possuem conhecimento regular acerca do desenvolvimento da fala e que a maioria da amostra distinguiu o normal do patológico99 Santos LM, Friche AAL, Lemos SMA. Conhecimento e instrumentalização de professores sobre desenvolvimento da fala: ações de promoção da saúde. Rev CEFAC. 2011;13(4):645-56.. Já em pesquisas concernentes ao conhecimento dos professores do ensino fundamental em linguagem escrita, concluíram que os professores participantes possuem carência de conhecimentos fundamentais para a sua prática pedagógica no que concerne à Linguagem Escrita e ao diagnóstico de possíveis dificuldades1010 Fernandes GB, Crenitte PAP. O conhecimento de professores de 1ª a 4ª série quanto aos distúrbios da leitura e escrita. Rev CEFAC. 2008;8(2):182-90. 1111 Oliveira JP, Natal RMP. A linguagem escrita na perspectiva de educadores: subsídios para propostas de assessoria fonoaudiológica escolar. Rev CEFAC. 2011;14(6):1036-46.. Com achados semelhantes em pesquisa feita na Colômbia, concluiu-se que os professores não possuem conhecimento suficiente acerca das dificuldades de linguagem escrita e quando o possui, as autoras classificam-no como superficial1212 Harb L, Doria SC, Lombardi JAC. Conocimientos y prácticas de los docentes delarea de lenguaje de primero elemental de instituciones educativas del norte-centro histórico de laciudad de Barranquilla (Colombia) sobre las dificultades de aprendizaje de lectoescritura. Psicol. desde el Carib [periódico na internet]. Julho 2005 [acesso em 10 de outubro de 2013]; 15: [32 páginas]. Disponível em: http://www.redalyc.org/pdf/213/21301502.pdf.
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Ao considerar as complexas características das alterações de linguagem oral e escrita e suas consequências sociais e psicológicas para os indivíduos e famílias que as apresentam, é fundamental saber o entendimento que professores possuem na identificação dessas e na conduta de encaminhamentos, afim de formular estratégias que potencializem o trabalho do educador, visando o desenvolvimento global do aluno. Para isso, é importante que os instrumentos que investiguem tal conhecimento, façam-no de forma prática. Isto pode permitir que o docente aproxime os casos que encontram em sala de aula com os casos apresentados no questionário.

Sendo assim, o objetivo deste trabalho é caracterizar a percepção e a conduta de docentes do ensino fundamental da cidade de Contagem (MG) diante de dificuldades da linguagem oral e escrita de alunos do ensino fundamental a partir de um questionário com casos hipotéticos.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo de corte transversal aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE-14813513.5.0000.5149), realizado com professores do Ensino Fundamental de Contagem, Minas Gerais. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A amostra é não probabilística e recrutada na Secretaria de Educação do Município de Contagem (SEDUC - Contagem), Minas Gerais, durante a realização de cursos formativos. Tais cursos, fazem parte do projeto político pedagógico da SEDUC - Contagem que contempla docentes do município com periodicidade de encontros mensais. Para o presente estudo foram recrutados os participantes da formação em curso no período de setembro e outubro de 2013, que totalizaram 48 professores do ensino fundamental de escolas públicas e privadas.

Os critérios de inclusão foram: ser docente do Ensino Fundamental do Município de Contagem; e consentir em participar da pesquisa. Foram excluídos da amostra os participantes que não responderam corretamente o questionário (marcaram mais de uma alternativa por questão) ou não concluíram o preenchimento do mesmo.

O instrumento empregado para a realização do estudo foi o questionário, (elaborado pelas autoras) "Percepção Docente em Sala de Aula" (parte I e II). O questionário conta com perguntas fechadas e abertas sobre o desenvolvimento ou alterações da linguagem oral e escrita, além de levantar informações sobre os docentes (idade, gênero, características da formação e tempo de atuação).

A elaboração do questionário apoiou-se em metodologias problematizadoras1313 Berbel NN. "Problematization" and Problem-Based Learning: different words or different ways? Interface. 1998;2(2):139-54. 1414 Mitre SM, Siqueira-Batista R, Girardi-De-Mendonca JM, de Morais-Pinto NM, Meirelles CDB, Pinto-Porto C et al. Active teaching-learning methodologies in health education: current debates. Cienc Saude Coletiva. 2008;13:2133-44.. O questionário apresenta 8 questões com casos hipotéticos de estudantes do ensino fundamental. As questões abordam temas da linguagem oral (fonologia e fluência) e escrita na rotina dos professores em sala de aula. Das oito questões do instrumento, duas representam casos considerados adequados (questões 2 e 7) nos quais inexistem a necessidade de intervenções e encaminhamentos. As seis questões restantes representam situações envolvendo algum tipo de alteração no desenvolvimento e foram agrupadas segundo suas divisões temáticas (três questões de Linguagem Oral: 1, 3 e 4; e três questões de Linguagem Escrita: 5, 6 e 8).

Na parte I do questionário, para cada caso hipotético apresentado, o professor teve a opção de marcar uma das quatro alternativas, a saber: Letra A: O aluno possui o desenvolvimento adequado; Letra B: O aluno possui dificuldades leves, as quais serão superadas com o tempo; Letra C: O aluno possui um problema no desenvolvimento e; Letra D: O professor não sabe.

Para a distribuição de frequência das questões em estudo considerou-se como alterados os casos hipotéticos representados nas questões 1, 3, 4, 5, 6 e 8; os casos hipotéticos representados nas questões 2 e 7 foram considerados adequados. Os casos hipotéticos foram elaborados com base na literatura1515 Wertzner HF. Fonologia: Desenvolvimento e Alterações. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p. 772-86. 2323 Bizzotto MI, Aroeira ML, Porto A. Alfabetização Linguística: da teoria à prática. xx ed. Belo Horizonte: Dimensão, 2010..

A parte II do questionário investiga a conduta de encaminhamentos e considera os mesmos casos hipotéticos apresentados na parte I e indaga se o caso analisado necessita de encaminhamentos com as opções de respostas sim e não. Ao marcar sim o professor preenche uma coluna indicando os profissionais de referência. Em cada questão houve a possibilidade do docente encaminhar para mais de um profissional.

Foi concedido 40 minutos no intervalo das aulas do processo formativo da SEDUC - Contagem, para a aplicação do questionário.

Inicialmente, os docentes foram esclarecidos quantos aos objetivos da pesquisa, seus benefícios e repercussões, assim como os aspectos voluntários da participação e assinaram o TCLE.

Num segundo momento, a parte I do questionário foi entregue aos participantes. O cabeçalho, bem como as instruções de respostas contidas no questionário foram lidos pela pesquisadora. Os professores preferiram ler individualmente as questões e, após respondê-las, os questionários foram recolhidos.

Posteriormente foi entregue aos participantes a parte II do questionário. Os preenchimentos do cabeçalho e das respostas foram orientados pela pesquisadora. Os professores leram individualmente, responderam as questões e a parte II foi recolhida.

Nenhum professor manifestou dúvida ou necessitou de esclarecimento extra para responder as partes I ou II do questionário. O tempo médio de resposta para o questionário (partes I e II) foi de 25 minutos.

A fim de averiguar o conhecimento utilizado pelo professor ao analisar as situações hipotéticas (parte I), comparou-se a resposta objetiva com a justificativa apresentada para aquela marcação. As respostas dos professores foram classificadas em "COERENTES" ou "INCOERENTES" segundo os critérios abaixo descritos:

Subgrupo de alterações da linguagem oral, no qual são representados caso hipotéticos com alterações fonéticas e∕ou fonológicas ou gagueira. Consideram-se respostas coerentes aquelas em que o professor considerou características pertinentes dos distúrbios fonético e∕ou fonológico e suas sinonímias. À saber: 1ª) Idade e suas sinonímias: aquisição, desenvolvimento, cronológico; 2ª) Distúrbio fonético e∕ou fonológico: trocas na fala, fonemas inadequados; e 3ª) Gagueira: repetição de sílabas na fala1515 Wertzner HF. Fonologia: Desenvolvimento e Alterações. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p. 772-86. 1616 Puyuelo M, Rondal J. Manual de Desenvolvimento e alterações da linguagem na criança e no adulto. Porto Alegre: Artmed, 2007. 2020 Juste F, Andrade CRF. Typology of speech disruptions and grammatical classes in stuttering and fluent children. Pró-Fono Rev Atual Cient. 2006;18(2):129-40. 2121 Costa PP, Mezzomo CL, Soares MK. Verificação da eficiência da abordagem terapêutica miofuncional em casos de desvio fonológico, fonético e fonético-fonológico. Rev CEFAC. 2013;15(6):1703-11..

Subgrupo alterações da linguagem escrita, no qual são representados casos hipotéticos de trocas ortográficas e alterações na leitura. Consideram -se respostas coerentes aquelas em que o professor considerou características pertinentes à troca ortográfica, alterações na leitura e suas sinonímias. À saber: 1ª) Idade e suas sinonímias: aquisição, desenvolvimento, cronológico; 2ª) Trocas ortográficas: trocas na escrita, letras erradas, dificuldade em distinguir as letras; e 3ª) Alterações na leitura: dificuldade na leitura, leitura lenta e lê mal. 4ª) Série: ano1616 Puyuelo M, Rondal J. Manual de Desenvolvimento e alterações da linguagem na criança e no adulto. Porto Alegre: Artmed, 2007. 1919 Zorzi JL, Ciasca SM. Caracterização dos erros ortográficos em crianças com transtornos de aprendizagem. Rev CEFAC. 2008;10(3):321-31. 2222 Alves LM, Pinheiro A, Capellini S, Reis C. Aspectos Temporais e Entonativos na leitura e compreensão de crianças com transtorno de aprendizagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2006;11(3):151-7..

Subgrupo desenvolvimento adequado: no qual são representados casos hipotéticos que caracterizam-se por normalidade, consideram-se respostas coerentes aquelas em que o professor considerou características pertinentes a normalidade. À saber: 1ª) Idade e suas sinonímias: aquisição, desenvolvimento, cronológico; 2ª) Alfabetização: inicio da alfabetização e processo de alfabetização; e 3ª) Timidez: retraída, introspectiva2323 Bizzotto MI, Aroeira ML, Porto A. Alfabetização Linguística: da teoria à prática. xx ed. Belo Horizonte: Dimensão, 2010..

As variáveis analisadas no presente estudo foram: idade dos docentes, gênero, formação, tempo de atuação docente, percepção adequada de aspectos da linguagem oral, percepção adequada de aspectos da linguagem escrita, conduta de encaminhamentos e os profissionais referenciados em situações necessárias na percepção do professor.

Um banco de dados específico para este trabalho foi montado no software SPSS. Para fins de análise descritiva foi realizada a distribuição de frequência das variáveis categóricas envolvidas na avaliação em estudo e medidas de tendência central de dispersão das variáveis contínuas. Para análise inferencial foi utilizado o teste T de Student. Os dados foram previamente conferidos e receberam tratamento estatístico adequado.

Resultados

Foram entrevistados 48 professores do ensino fundamental de escolas de Contagem, Minas Gerais. Desses, 47 (98%) são do gênero feminino e 1 (2%) do masculino, com idade média de 40,3 anos (±9,6), variando entre 23 e 57 anos. O tempo de atuação na docência variou entre 1 a 30 anos com média de 8,7 anos (±7,3 anos).

Observou-se que 77% (37) dos docentes possuem graduação em pedagogia, 23% (11) possuem graduação em licenciaturas. Dos entrevistados, 23% (11) são pós-graduados e 16% (8) atuam em escola particular.

Na Tabela 1, está apresentada a análise da percepção adequada do docente sobre os casos hipotéticos em alteração da linguagem oral, alteração da linguagem escrita e desenvolvimento adequado caracterizados segundo tempo e tipo de formação docente. Foi verificado que os docentes que atuam mais ou menos de 8 anos, e os docentes com formação inicial em pedagogia ou licenciatura não influenciaram na resposta adequada dos casos hipotéticos (valor de p≥0,44).

Tabela 1:
Análise da percepção adequada do docente sobre os casos hipotéticos caracterizados segundo tempo e tipo de formação docente

Na Figura 1 podem ser observadas as respostas dos professores em relação aos casos hipotéticos analisados no questionário. Foram sombreadas as colunas representativas das respostas esperadas para cada questão.

Figura 1:
Respostas dos professores do Ensino Fundamental a casos hipotéticos de alterações da linguagem oral e escrita

Concernente ao desenvolvimento adequado relatado nas questões de números 2 e 7, uma média de 43% dos professores (Tabela 2) foram assertivos nas respostas. As respostas dos professores foram analisadas separadamente (Figura 1) observa-se que a questão que descreve trocas ortográficas relacionadas ao processo de alfabetização apresentou 60% de acerto dos professores, já na questão que relaciona dificuldade de compreensão da fala em meio ao barulho intenso, 41% dos professores responderam que se trata de um "problema no desenvolvimento".

Os seis casos restantes exibidos na Figura 1(colunas sombreadas), apresentam alguma alteração no desenvolvimento da linguagem oral ou escrita. Na análise dos casos por subgrupos (Tabela 2), verifica-se que 26% os professores acreditam que as alterações em linguagem oral, tratam-se de dificuldades leves que serão superadas com o tempo, e que 42% dos docentes responderam o mesmo para as alterações em linguagem escrita.

Tabela 2:
Respostas dos professores do Ensino Fundamental a casos hipotéticos de alterações da linguagem oral e escrita por subgrupos temáticos

As questões de casos hipotéticos relacionadas à linguagem oral abordaram temas em distúrbio fonético/ fonológico ou gagueira. As respostas revelaram que uma minoria dos professores (39%) observou alteração relacionada à troca fonológica (questão 1), já na questão sobre gagueira (questão 3), a maioria (81%) dos professores denotam como um problema no desenvolvimento.

As questões de casos hipotéticos de alteração em linguagem escrita envolvem erros ortográficos e alterações na leitura, entretanto, em todas, menos da metade dos professores classificaram os casos como problema no desenvolvimento (Figura 1,Tabela 2). Na questão referente à troca ortográfica do tipo surdo/ sonoro (ex: troca da letra f por v na escrita), apresentada no Figura 1 (questão 8), a maioria dos docentes não identifica tal dificuldade como problema no desenvolvimento.

Ao comparar as respostas dos docentes entre as questões de alteração da linguagem oral com as questões de alteração da linguagem escrita (Tabela 2), observa-se uma diferença nos resultados das respostas dos docentes: 64% dos docentes responderam que as três questões apresentadas de alteração da linguagem oral se tratava de fato de um problema no desenvolvimento; e 40% fizeram tal afirmativa para as questões de alteração da linguagem escrita.

No que se refere à conduta de encaminhamentos (Tabela 2), uma média de 93% dos professores encaminhariam os alunos com alteração em linguagem oral, sendo que no caso sobre gagueira (Figura 1, questão 3), 100% dos professores relataram que encaminhariam tal aluno. Nas questões relacionadas às alterações na linguagem (Tabela 2), a média de 73% dos professores responderam que encaminhariam os alunos sendo que a questão que descreve um aluno com dificuldades em pontuação, acentuação e percepção da sílaba tônica (Figura 1, questão 6), obteve o menor índice de encaminhamentos deste subgrupo (54%).

Na Tabela 2, é possível observar que embora uma média 40% dos docentes, considerassem as questões que apresentavam casos de alteração em linguagem escrita um problema no desenvolvimento, 73% deles, preferiram encaminhar os alunos.

Os profissionais referenciados pelos docentes após análise dos casos hipotéticos podem ser visualizados na Figura 2 onde o fonoaudiólogo seguido do psicólogo foram os profissionais mais citados em todos os subgrupos.

Figura 2:
Profissionais referenciados nos subgrupos das alterações

Na Figura 3 estão representados os casos hipotéticos, as repostas dos professores e a coerência das justificativas em que é possível verificar que as questões de casos hipotéticas de alteração em linguagem oral e desenvolvimento adequado da escrita (questão 2) apresentam maior percentual de justificativas coerentes; já as questões de alteração em linguagem escrita e desenvolvimento adequado da audição (questão 7) apresentaram maior percentual de justificativas incoerentes.

Figura 3:
Respostas dos professores do Ensino Fundamental a casos hipotéticos de alterações linguagem oral e escrita e a coerência da justificativa

Discussão

O presente estudo se propôs a caracterizar a percepção e a conduta de docentes do ensino fundamental diante de dificuldades da linguagem oral e escrita de alunos do ensino fundamental, no município de Contagem, Minas Gerais. Pesquisas com objetivos semelhantes utilizaram de questionários semi estruturados de respostas fechadas99 Santos LM, Friche AAL, Lemos SMA. Conhecimento e instrumentalização de professores sobre desenvolvimento da fala: ações de promoção da saúde. Rev CEFAC. 2011;13(4):645-56., abertas1010 Fernandes GB, Crenitte PAP. O conhecimento de professores de 1ª a 4ª série quanto aos distúrbios da leitura e escrita. Rev CEFAC. 2008;8(2):182-90. 2424 Luzardo R, Nemr K.Instrumentalização fonoaudiológica para professores da educação infantil. Rev CEFAC. 2006;8(3):289-300. e mistas1111 Oliveira JP, Natal RMP. A linguagem escrita na perspectiva de educadores: subsídios para propostas de assessoria fonoaudiológica escolar. Rev CEFAC. 2011;14(6):1036-46. 2525 Maranhão PCS, Pinto SMPC, Pedruzzi CM. Fonoaudiologia e educação infantil: uma parceria necessária. Rev CEFAC. 2009;1(1):59-66.. Entretanto a dificuldade encontrada foi a falta, na literatura fonoaudiológica pesquisada, de um instrumento de avaliação, padronizado e validado adequado à população estudada e que atendesse ao objetivo dessa pesquisa. Foi então, elaborado e utilizado o questionário "Percepção docente em sala de aula" com casos hipotéticos referentes aos alunos do ensino fundamental, que investiga de forma prática a realidade docente em sala de aula. Neste trabalho utilizou-se o termo linguagem oral para os aspectos fonológicos e de fluência.

Segundo o Censo dos Professores, 86,4% dos professores do ensino fundamental de Minas Gerais são do gênero feminino e 13,5% do gênero masculino, esses achados correspondem com os da pesquisa que denotam uma maioria feminina na amostra2626 BRASIL. Ministério da Educação. Censo Escolar da Educação Básica 2007. INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Educacenso. Censo Escolar 2007: caderno de instrução. 2007. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/925483/Caderno-de-Instrucoes-para-Censo-Escolar-1204?page=12.
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. Outro achado do Censo dos Professores é que 34,3% dos docentes do ensino fundamental de Minas Gerais estão em faixa etária que compreende a média encontrada nos professores dessa pesquisa (40,3 anos).

Em pesquisa acerca dos conteúdos curriculares dos cursos de Pedagogia verificou que, na maioria dos cursos analisados, existem disciplinas que contemplam conteúdos específicos do ensino fundamental como a linguagem escrita, entretanto, o autor alerta que embora esse conteúdo exista, é ofertado na grade curricular com intenção de melhorar o desempenho da língua portuguesa do pedagogo como falante e não do futuro professor que volta seus conhecimentos para o desenvolvimento do aluno2727 Libâneo JL. O ensino da Didática, das metodologias específicas e dos conteúdos específicos do ensino fundamental nos currículos dos cursos de Pedagogia. Rev Bras de Estudos Pedag. 2010;91(220):562-83.. Nessa perspectiva, não foi observada diferença estatisticamente significante entre o tipo de formação inicial dos docentes e a percepção das alterações em Linguagem oral e escrita nos casos hipotéticos dessa pesquisa.

Embora o tempo de formação, seja considerado um fator otimizador da capacitação docente no trato com o aluno e no olhar atento às suas singularidades2828 Gatti MGN. A prática pedagógica como núcleo do processo de formação de professores. In: Gatti BA, Silva Junior CA, Nicoletti MG, Pagotto MDS. Por uma Politica Nacional de formação de professores. São Paulo: Unesp; 2013. p.95-106. não foi observada diferença estatisticamente significante entre os docentes com tempo de atuação abaixo e acima da média (8 anos) encontrada na amostra desse estudo (Tabela 1).

Ao se analisar as respostas dos professores nesta pesquisa, ve-se que a questão que descreve trocas ortográficas relacionadas ao processo de alfabetização obteve maior acerto dos docentes, já na questão que relaciona dificuldade de compreensão da fala em meio ao barulho intenso, menos da metade dos professores responderam que se trata de um "problema no desenvolvimento". A diferença entre as resposta reflete conhecimento relativo à alfabetização oriundo da formação inicial dos professores2727 Libâneo JL. O ensino da Didática, das metodologias específicas e dos conteúdos específicos do ensino fundamental nos currículos dos cursos de Pedagogia. Rev Bras de Estudos Pedag. 2010;91(220):562-83.; e parcial desconhecimento dos docentes em relação a audição como também mencionado na pesquisa de saúde auditiva com professores do ensino fundamental onde apenas 30% dos mesmos afirmaram ter passado por um treinamento sobre a audição2929 Paula CAM. Percepções de conhecimento sobre deficiência auditiva em um grupo de professores do ensino fundamental [monografia de especialização]. Brasília (DF): Universidade de Brasília; 2011..

O conhecimento dos professores acerca do desenvolvimento típico dos alunos auxilia no manejo de aula adequado; saber do que são capazes os alunos para a construção adequada de uma ponte entre o conhecimento prévio e o que está sendo ensinado e aprendido; possibilita a otimização do aprendizado do aluno e assegura a continuidade do desenvolvimento3030 Mizukami MGN. Escola e desenvolvimento profissional da docência. In: Gatti BA, Silva Junior CA, Nicoletti MG, Pagotto MDS. Por uma Politica Nacional de formação de professores. São Paulo: Unesp; 2013. p.23-54.. O conhecimento da linguagem oral e escrita faz com que os professores auxiliem os alunos a expandir o repertório em todas as possibilidades linguísticas33 Darling-Hammond L, Baratz-Snowden J. (Eds). Preparing Teachers for a Chaning World What teachers should learn and be able to do. The National Academy of Education. San Francisco: Jossey-Bass; 2005..

Ao se comparar as respostas dos docentes em linguagem oral com as respostas em linguagem escrita, observa-se que uma minoria declara que as dificuldades da primeira serão superadas com o tempo, já para a linguagem escrita esse presságio é maior entre os professores. Isto evidencia a possibilidade de muitas crianças apresentarem alterações em linguagem oral e escrita despercebidas pelos docentes. É sabido que crianças que não desenvolvem bem a linguagem oral ou escrita, podem ser marginalizadas pela falta de habilidades básicas no que e refere à comunicação, podendo resultar em alterações comportamentais e psíquicas3131 Cross M. I CAN Talk Language and Social Exclusion Issue 4 London: I CAN; 2007. [acesso em 14 de março de 2014]. Disponível em: http://www.ican.org.uk/~/media/Ican2/Whats%20the%20Issue/Evidence/4%20Language%20and%20Social%20Exclusion%20pdf.ashx.. Além disso, as possibilidades de analfabetismo decorrentes de alterações da linguagem oral e escrita são grandes e pode afetar negativamente o desempenho profissional e minimizar as oportunidades de trabalho1818 Zorzi JL. Os distúrbios de aprendizagem e os distúrbios específicos de leitura e da escrita. In: Britto ATBO (org.) Livro de fonoaudiologia. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2005. p.217-30..

Estudo verificou-se que 55% das crianças e adolescentes não estão vinculadas a uma Unidade Básica de Saúde e não realizam, portanto, acompanhamento pediátrico regular3232 Lima LMB, Almeida NMGS. Procura da emergência pediátrica pelas mães: implicações para a superlotação. Saúde em Debate. 2013;37(96):51-61.. Na conjectura familiar em que a mãe trabalha para auxiliar no sustento dos filhos, o professor passa então a ser o observador central do desenvolvimento infantil3333 Colares MFA, Silva AFV, França JA. Percepção dos professores do ensino fundamental sobre as dificuldades de aprendizagem. Rev Eletr de Letras [periódico na Internet]. 2013 [Acesso em 13 de fevereiro de 2014]; 6(1): [60 páginas]. Disponível em: http://periodicos.unifacef.com.br/index.php/rel/article/view/562.
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. É então, conferido ao professor um importante papel na percepção das dificuldades que o aluno possa apresentar em seu desenvolvimento77 Rufino D, Souza IA. As dificuldades de aprendizagem na escola: o olhar do professor. Rev Event Pedag. 2012;3(3):44-52. 88 Petit M. Através do professor, o aluno. Rev Fonoaudiol Brasil. 2006; 67(1):12-5..

As questões de casos hipotéticos relacionadas à linguagem oral abordaram temas em distúrbio fonético/ fonológico ou gagueira. As respostas revelaram que uma minoria dos professores (observou alteração relacionada à troca fonológica, acredita-se que tal resposta dos professores seja pelo fato da troca do fonema tepe (r de barata) pelo fonema /l/ (l de lápis) ser observada no desenvolvimento típico de linguagem, e do fonema tepe ser um dos últimos fonemas adquiridos pelas crianças1515 Wertzner HF. Fonologia: Desenvolvimento e Alterações. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p. 772-86.. Além disso, pesquisa com o objetivo de descrever o desenvolvimento fonológico de crianças em idade pré-escolar, falantes da variante mineira do Português Brasileiro, mostrou que o tipo de troca na fala descrito no caso hipotético é o tipo de processo fonológico mais frequente3434 Vitor RM, Martins CC. Desenvolvimento fonológico de crianças pré-escolares da Região Noroeste de Belo Horizonte. Psicol em Rev. 2007;13(2):383-98..

Com relação à questão sobre gagueira a maioria dos professores denotam como um problema no desenvolvimento, em contrapartida, estudos mostram que os professores apresentam dificuldades em reconhecer a gagueira3535 Chiquetto MM. Reflexões sobre a gagueira: concepções e atitudes dos professores. Pró-Fono R Atual Cient. 1996;8(1):13-8. 3636 Mendonça JE, Lemos SMA. Promoção da saúde e ações fonoaudiológicas em educação infantil. Rev CEFAC. 2011;13(6):1017-30.. Em estudo da ocorrência de tipologias das rupturas da fala com crianças gagas, o tipo de disfluência do caso hipotético (repetição de sílabas) foi a mais prevalente2020 Juste F, Andrade CRF. Typology of speech disruptions and grammatical classes in stuttering and fluent children. Pró-Fono Rev Atual Cient. 2006;18(2):129-40.. Este achado pode justificar o elevado número de acertos nessa questão.

As questões de casos hipotéticos de alteração em linguagem escrita envolvem erros ortográficos e alterações na leitura, entretanto, em todas, menos da metade dos professores classificaram os casos como problema no desenvolvimento. Os erros ortográficos e alterações na leitura envolvidos nas questões sugerem sinais de risco para dislexia e∕ou disortografia. Em pesquisa com professores do ensino fundamental acerca do conhecimento dos mesmos em leitura e escrita verificou-se que os docentes embora reconheçam como sinais de risco, não compreendem, em sua totalidade os erros orográficos e alterações na leitura, nomeando-os como dislexia1010 Fernandes GB, Crenitte PAP. O conhecimento de professores de 1ª a 4ª série quanto aos distúrbios da leitura e escrita. Rev CEFAC. 2008;8(2):182-90.. Em contrapartida, estudo realizado com docentes do ensino fundamental de escolas públicas e privadas de Belo Horizonte e Nova Lima, Minas Gerais, que investigou o conhecimento prático-teórico sobre a dislexia do desenvolvimento, revela que 50% dos professores pesquisados souberam conceituar a dislexia, e 98% identificaram corretamente suas causas3737 Pereira LV, Simões MG, Siqueira CM, Alves LM. Estudo investigativo sobre o conhecimento da dislexia em educadores da rede pública e privada dos municípios de Belo Horizonte e de Nova Lima. Rev Tecer. 2011;4(6):26-40..

Na questão referente à troca ortográfica do tipo surdo/ sonoro (ex: troca da letra f por v na escrita), a maioria dos docentes não identifica tal dificuldade como problema no desenvolvimento. Em pesquisa realizada com alunos do ensino fundamental, observou-se que esse tipo de erro ortográfico (surdo/ sonoro) acomete 55,9% dos alunos de 1ª série do ensino fundamental diminuindo até a 4ª série. Por se tratar de crianças com desenvolvimento típico da linguagem, a frequência média de erros desse tipo de cada criança varia de 0,7 a 2,3% dependendo da série. A grande frequência de ocorrências desse erro pelo aluno denota uma alteração ortográfica1717 Zorzi JL. As trocas surdas sonoras no contexto das alterações ortográficas. In: Zorzi JL, Marchesan IQ, Gomes IDG, organizadores. Tópicos em Fonoaudiologia . São Paulo: Lovise, 1997. p.441-62.

A reflexão do erro ortográfico para o desenvolvimento da linguagem escrita em crianças das séries iniciais do ensino fundamental é importante para que os professores conheçam o desenvolvimento da linguagem escrita, e assim, possam identificar as alterações e auxiliar os alunos nas práticas pedagógicas cotidianas em sala de aula3838 Oliveira ND, Grassi LH, Teixeira SM. A importância do conhecimento sobre a língua para a prática pedagógica de professores das séries iniciais. Universidade Federal de Pelotas- UFPel, 2010. Disponível em: http://wp.ufpel.edu.br/geale/files/2010/11/Trabalho-NISINOS20091.pdf Acesso em março de 2014.
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Ao comparar as respostas dos docentes entre as questões de alteração da linguagem oral com as questões de alteração da linguagem escrita observa-se que a maioria dos docentes denotam a primeira como "problema no desenvolvimento, o mesmo não ocorre com a linguagem escrita. Tal achado aponta uma tendência, nessa amostra, de classificar como problema, em maior percentual, as questões relacionadas à linguagem oral. Com resultados semelhantes acerca da linguagem oral, autoras concluíram que os professores possuem conhecimento regular acerca do desenvolvimento da fala99 Santos LM, Friche AAL, Lemos SMA. Conhecimento e instrumentalização de professores sobre desenvolvimento da fala: ações de promoção da saúde. Rev CEFAC. 2011;13(4):645-56.. Já pesquisas relacionadas ao conhecimento em linguagem escrita apontam que os professores possuem pouco conhecimento acerca da sua aquisição e desenvolvimento1010 Fernandes GB, Crenitte PAP. O conhecimento de professores de 1ª a 4ª série quanto aos distúrbios da leitura e escrita. Rev CEFAC. 2008;8(2):182-90. 1212 Harb L, Doria SC, Lombardi JAC. Conocimientos y prácticas de los docentes delarea de lenguaje de primero elemental de instituciones educativas del norte-centro histórico de laciudad de Barranquilla (Colombia) sobre las dificultades de aprendizaje de lectoescritura. Psicol. desde el Carib [periódico na internet]. Julho 2005 [acesso em 10 de outubro de 2013]; 15: [32 páginas]. Disponível em: http://www.redalyc.org/pdf/213/21301502.pdf.
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. Essa dificuldade em identificar o problema pode resultar no não encaminhamento do aluno.

Em estudo dos conteúdos específicos do ensino fundamental nos currículos dos cursos de Pedagogia, conclui-se que a maioria das Instituições de Ensino Superior (IES) contemplam em seus currículos de Pedagogia temáticas relacionadas à linguagem oral, entretanto, boa parte das IES não demarcam a linguagem escrita como tópico específico2727 Libâneo JL. O ensino da Didática, das metodologias específicas e dos conteúdos específicos do ensino fundamental nos currículos dos cursos de Pedagogia. Rev Bras de Estudos Pedag. 2010;91(220):562-83..

Nessa pesquisa, no que se refere à conduta de encaminhamentos a maioria dos professores encaminhariam os alunos com alteração em linguagem oral e escrita, nessa, a questão que descreve um aluno com dificuldades em pontuação, acentuação e percepção da sílaba tônica obteve o menor índice de encaminhamentos deste subgrupo. Em estudo com crianças com transtorno de aprendizagem, de 8 a 11 (2ª à 4ª série do Ensino Fundamental), pôde observar uma leitura com menor variação melódica, uso de pausas sem diferenciação nas fronteiras frasais e não-marcação da proeminência tônica2222 Alves LM, Pinheiro A, Capellini S, Reis C. Aspectos Temporais e Entonativos na leitura e compreensão de crianças com transtorno de aprendizagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2006;11(3):151-7.. A maioria dos professores considera que os alunos descritos nos casos hipotéticos tanto em linguagem oral quanto em linguagem escrita, necessitam de encaminhamentos. Este achado contraria os encontrados em pesquisa1111 Oliveira JP, Natal RMP. A linguagem escrita na perspectiva de educadores: subsídios para propostas de assessoria fonoaudiológica escolar. Rev CEFAC. 2011;14(6):1036-46. em que o índice de conduta de encaminhamentos dos professores quando deparados a uma dificuldade sistemática dos alunos em linguagem escrita, foi de 39%.

O fonoaudiólogo seguido do psicólogo foram os profissionais mais citados em todos os subgrupos. Em estudo do perfil de pacientes com alteração em linguagem oral atendidos na Clínica de Diagnósticos dos distúrbios da comunicação da USP em Baurú - São Paulo foi constatada uma baixa incidência de encaminhamentos oriundos de professores3939 Hage SRV, Faiad LNV. Per?l de pacientes com alteração de linguagem atendidos na clínica de diagnóstico dos distúrbios da comunicação. Rev CEFAC. 2005;7(4):433-9.. Já em pesquisa com professores de 1ª a 4ª série foi verificado que 62% dos professores pesquisados consideram que o encaminhamento dos alunos com suspeita de alterações em linguagem escrita é uma forma de correção das alterações, e desses, 82% reportaram encaminhar os alunos com suspeitas de algum problema ao fonoaudiólogo1010 Fernandes GB, Crenitte PAP. O conhecimento de professores de 1ª a 4ª série quanto aos distúrbios da leitura e escrita. Rev CEFAC. 2008;8(2):182-90.. No presente estudo, acredita-se ainda que os elevados índices de encaminhamentos ao fonoaudiólogo se deu pela apresentação inicial da pesquisadora, que pode ter tendenciado as respostas.

Na conduta de encaminhamentos dos professores o psicólogo teve a segunda maior citação entre os profissionais referenciados. Em pesquisa do levantamento de encaminhamentos ao serviço psicológico que atende as escolas públicas municipais de Caxias do Sul (Rio Grande do Sul), foi verificado que 36% dos encaminhamentos foram relacionados a problemas de aprendizagem (incluindo dificuldades dos alunos em leitura e escrita)4040 Scortegagna P, Levandowski D. Análise dos encaminhamentos de crianças com queixa escolar da rede municipal de ensino de Caxias do Sul. Interações. 2005;9:127-52..

A marcação da resposta sem a justificativa não reflete necessariamente o conhecimento dos docentes acerca dos conteúdos das questões de casos hipotéticos. Dessa forma, faz -se necessária a justificativa para complementar a resposta e possibilitar maior confiabilidade nos achados quanto a percepção dos docentes. Portanto, preservando a compreensão nesse estudo que os docentes obtiveram maior percepção das alterações em linguagem escrita, a coerência das justificativas das respostas foi maior em linguagem oral do que em linguagem escrita. A incoerência nas justificativas das questões de casos hipotéticos em linguagem escrita aponta para uma insuficiente percepção dos docentes nessa temática reforçado pela literatura pesquisada1010 Fernandes GB, Crenitte PAP. O conhecimento de professores de 1ª a 4ª série quanto aos distúrbios da leitura e escrita. Rev CEFAC. 2008;8(2):182-90. 1212 Harb L, Doria SC, Lombardi JAC. Conocimientos y prácticas de los docentes delarea de lenguaje de primero elemental de instituciones educativas del norte-centro histórico de laciudad de Barranquilla (Colombia) sobre las dificultades de aprendizaje de lectoescritura. Psicol. desde el Carib [periódico na internet]. Julho 2005 [acesso em 10 de outubro de 2013]; 15: [32 páginas]. Disponível em: http://www.redalyc.org/pdf/213/21301502.pdf.
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Conclusão

Os professores pesquisados apresentam maior percentual de percepção prática sobre as alterações na fluência e na fonologia e pouca percepção em linguagem escrita.

Embora apresentem inconsistência para caracterizar as dificuldades dos alunos nos casos hipotéticos apresentados, os docentes pesquisados, em sua maioria, optam pela conduta de encaminhamentos em que o fonoaudiólogo seguido do psicólogo são os profissionais mais citados.

A diferença das respostas dos professores entre as questões de casos hipotéticos de alterações da linguagem oral e alterações da linguagem escrita gerou subsídios quantitativos que possibilitam uma reflexão na elaboração temática de programas de formação para os professores.

Agradecimentos

À Secretaria Municipal de Educação de Contagem pela parceria, bem como aos docentes do ensino fundamental do município pela participação nesse projeto.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2015
  • Aceito
    30 Jun 2015
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