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Influência do entorno familiar no desempenho comunicativo de crianças com síndrome de Down

Resumos

OBJETIVO:

investigar os aspectos da vida familiar que influenciam o desempenho linguístico de crianças com síndrome de Down.

MÉTODOS:

aplicação do questionário Recursos do Ambiente Familiar e análise pragmática da comunicação de crianças com síndrome de Down. Participaram do estudo 30 crianças com SD, de cinco a 10 anos de idade e de ambos os sexos. Aplicou-se o teste de correlação de postos de Spearman. As análises foram feitas pelo programa SPSS versão 10.0 e, em todas elas, adotou-se um nível de significância de 5%.

RESULTADOS:

verificou-se correlação entre itens do questionário e os resultados referentes ao meio comunicativo e função comunicativa da análise pragmática utilizadas pelas crianças.

CONCLUSÃO:

é preciso considerar os aspectos do meio familiar que apresentam influência com o desempenho comunicativo de crianças com Sindrome de Down.

Linguagem Infantil; Síndrome de Down; Meio Ambiente; Relações Familiares; Desenvolvimento Infantil


PURPOSE:

to investigate the aspects of family life that influence communicative performance of children with Down syndrome.

METHODS:

application of the "Features of the Family Environment" questionnaire and pragmatic analysis of children with DS communication. 30 children of both genders, ranging from five to 10 years old, have partaken this research. Spearman's rank order correlation was applied. The analyses were performed using the SPSS' 10.0 version, and in all of them, a significance level of 5% was adopted.

RESULTS:

correlation between the items of the questionnaire and pragmatic analysis results regarding communicative means and communicative function was found to exist.

CONCLUSION:

it is necessary to take family life aspects that influence the communicative performance of children with DS into consideration.

Child Language; Down syndrome; Environment; Family Relationships; Child Development


Introdução

O excesso de carga genética encontrado na síndrome de Down (SD) provoca a perda da harmonia das funções das células, caracterizando o sujeito ao longo de suas aquisições no decorrer da vida. Na literatura pesquisada encontrou-se informações sobre a relação do desempenho cognitivo de crianças com SD e indicações sobre a deficiência intelectual como manifestação da condição genética 11. Voivodic MAMA. Inclusão Escolar de Crianças com Síndrome de Down. In. Voivodic MAMA. Síndrome de Down. Petrópolis: Ed. Vozes; 2005. P.39-66.

2. Silva MFMC, Kleinhans ACS. Processos cognitivos e plasticidade cerebral na Síndrome de Down. RevBrasEduc Espec. 2006;12(1):123-38.
- 33. McCann J, Wood SE, Hardcastle WJ, Wishart JG, Timmins C. Relationship between speech, oromotor, language and abilities in children with Down´s syndrome. Int J Lang Commun Dis. 2010;45(1):83-95..

A aquisição e desenvolvimento da linguagem nos quadros de SD encontram-se comprometidas. Pode-se inferir que quadros neurológicos e de deficiência intelectual apresentam aquisição e desenvolvimento da linguagem em ritmo mais lento que o esperado, porém, seguindo a mesma sequência. Em quadros mais graves pode ocorrer o impedimento da aquisição de determinadas habilidades da linguagem 44. Guerra GR. Síndrome De Down: aspectos de sua comunicação (apresentação de dois casos). Temas desenvolv. 1997;6(33):12-7. , 55. Mancini MC, Silva PC, Gonçalves SC, Martins SM. Comparação do desempenho funcional de crianças portadoras de síndrome de Down e crianças com desenvolvimento normal aos 2 e 5 anos de idade. ArqNeuro-Psiquiatr. 2003;61(2B):409-15..

O diagnóstico da síndrome não determina o aspecto físico ou grau de eficiência intelectual. A capacidade de resposta do sujeito, segundo contribuições da epigenética, é influenciada pelas oportunidades do meio. Para aquisição e domínio das habilidades linguísticas, as vivências do sujeito auxiliam na construção e no aprimoramento da linguagem 22. Silva MFMC, Kleinhans ACS. Processos cognitivos e plasticidade cerebral na Síndrome de Down. RevBrasEduc Espec. 2006;12(1):123-38. , 44. Guerra GR. Síndrome De Down: aspectos de sua comunicação (apresentação de dois casos). Temas desenvolv. 1997;6(33):12-7. , 66. Ansermet F, Magistretti PA. Chacun son ceveau: Plasticité neuronale et inconscient. Paris: Ed. Odile Jacob ; 2004..

As diferenças no desenvolvimento de crianças com SD podem ter interferências significativas da educação e do ambiente onde se encontram desde os primeiros anos de vida. O meio age como mediador das aquisições e da aprendizagem da criança, objetivando um desenvolvimento ideal 11. Voivodic MAMA. Inclusão Escolar de Crianças com Síndrome de Down. In. Voivodic MAMA. Síndrome de Down. Petrópolis: Ed. Vozes; 2005. P.39-66. , 44. Guerra GR. Síndrome De Down: aspectos de sua comunicação (apresentação de dois casos). Temas desenvolv. 1997;6(33):12-7. , 77. Santos TR, Oliveira FN. As interações sociais e o brincar da criança com síndrome de Down. VIII Congresso Nacional de Educação, EDUCERE, III Congresso Ibero-americano sobre violências nas escolas CIAVE; out 6-9; Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba: Índices de Comunicações: EDUCERE, Teorias, metodologias e práticas; 2008..

Crianças aprendem e adquirem a linguagem por meio de suas experiências. A desenvoltura com a linguagem é aprimorada a partir das interações sociais, das solicitações do entorno, da organização das experiências. Assim o sujeito torna-se capaz de construir novos conhecimentos e elaborar cada vez mais os conteúdos de atividade mental 88. Tomasello M. First steps toward a usage-based theory of language acquisition. Cogn Linguist. 2000;11(1-2):61-82.

9. Zorzi JL. A evolução da brincadeira simbólica. In: Zorzi JL. Aquisição da linguagem infantil - desenvolvimento alterações - terapia. São Paulo: EdPancast; 1993. P. 5-23.
- 1010. Silva MPV, Salomão NMR. Interações verbais e não-verbais entre mães-crianças portadoras de Síndrome de Down e entre mães-crianças com desenvolvimento normal. Estud Psicol. 2002;7(2):311-23..

O brincar tem fortes implicações sociais e emocionais na vida de um sujeito, além de apresentar o desempenho de aspectos de natureza cognitiva. É por meio das brincadeiras que as crianças exploram, manipulam, compreendem e modificam o seu ambiente. Autores descrevem que crianças aperfeiçoam o seu desenvolvimento pelas explorações sensório-motoras e condutas simbólicas presentes nas brincadeiras. A partir do brincar, a criança expressa suas impressões vivenciadas na relação com o outro em seu ambiente familiar ou escolar, amplia seus conhecimentos e suas habilidades 77. Santos TR, Oliveira FN. As interações sociais e o brincar da criança com síndrome de Down. VIII Congresso Nacional de Educação, EDUCERE, III Congresso Ibero-americano sobre violências nas escolas CIAVE; out 6-9; Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba: Índices de Comunicações: EDUCERE, Teorias, metodologias e práticas; 2008. , 1111. Venuti P, de Falco S, Esposito G, Bornstein MH. Mother-Child Play: children with DownSyndrome and typical development. Intellect devdisabil. 2009;114(4):284-8..

Devido à importância do entorno no desenvolvimento de um sujeito, ao considerar qualquer tipo de intervenção com a criança com SD, é fundamental reconhecer a família como estratégia terapêutica. Pois, será no ambiente familiar que a criança fará suas primeiras aquisições e receberá influências importantes, que determinarão características individuais apresentadas no decorrer da vida 44. Guerra GR. Síndrome De Down: aspectos de sua comunicação (apresentação de dois casos). Temas desenvolv. 1997;6(33):12-7. , 1212. Casarin S. O ciclo vital da família do portador da Síndrome De Down: dificuldades específicas. Temas Desenvolv. 1997;6(33):18-28. , 1313. Cunha EP, Limongi SCO. Modo comunicativo utilizado por crianças com síndrome de Down. Pró-Fono R Atual Cient. 2008;20(4):243-8..

O presente estudo teve como objetivo investigar quais recursos da vida familiar podem influenciar o desempenho comunicativo de crianças com síndrome de Down.

Métodos

Para o desenvolvimento da presente pesquisa, realizou-se um estudo analítico de corte transversal, no qual se investigou quais recursos da vida familiar que podem influenciar o desempenho comunicativo de crianças com SD. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob o parecer número 602/09. O estudo foi desenvolvido, portanto, mediante a aplicação de um questionário dirigido às mães de crianças com SD sobre os recursos do ambiente familiar, e análise da pragmática entre mãe e filho. Todas as famílias participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Sujeitos

Participou desta pesquisa uma amostra composta de 30 famílias com crianças com SD de ambos os sexos, selecionadas aleatoriamente entre as que recebem atendimento na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), no município de Belo Horizonte (BH), Minas Gerais (MG).

Para a formação do grupo foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: famílias com criança com SD com idade de cinco anos a 10 anos e 11 meses, frequentadoras da APAE - BH, cujas mães acompanhavam a criança no atendimento e que aceitaram participar da pesquisa e famílias cujas crianças não apresentassem outro quadro clínico em comorbidade com a síndrome.

A faixa etária e o nível de escolaridade das mães, assim como as condições socioeconômicas das famílias não foram consideradas nessa pesquisa. Não obstante, sabe-se que todas as famílias atendidas na APAE são oriundas de classes sociais menos favorecidas e que chegam ao serviço por meio de encaminhamentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Material

Os materiais utilizados foram uma filmadora Sony Cyber Shot DSC-W510, protocolo do Perfil Comunicativo elaborado por Fernandes 20041414. Fernandes FDM. Pragmática. In: Andrade CRF, Befi-Lopes D, Wertzber HF. ABFW: teste de linguagem infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. 2ed Rev ampl e atual. Barueri: Ed. Pró Fono, 2004. P. 77-89. para transcrição da análise da pragmática, e questionário dos Recursos do Ambiente Familiar (RAF) 1515. Marturano EM. O inventário de Recursos do Ambiente Familiar. Psicol Reflex Crit. 2006;19(3):498-506..

Para a situação de brincadeira espontânea entre mãe e filho(a), utilizou-se brinquedos específicos: miniaturas de animais da fazenda e da selva, miniaturas de meios de transporte, uma boneca, acessórios de cabelo e pulseiras, jogo de encaixe, miniaturas de alimentos, utensílios de cozinha, lápis de cor, giz de cera e folha de papel ofício branca.

Procedimentos

Realizou-se uma filmagem da interação entre mãe e filho de 30 minutos ininterruptos, no mesmo local de atendimento das crianças, brincando com os brinquedos previamente selecionados. Analisou-se os 15 minutos iniciais de interação entre mãe e filho. Posterior à filmagem aplicou-se o questionário dos Recursos do Ambiente Familiar (RAF) ás mães das crianças.

A análise da pragmática1414. Fernandes FDM. Pragmática. In: Andrade CRF, Befi-Lopes D, Wertzber HF. ABFW: teste de linguagem infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. 2ed Rev ampl e atual. Barueri: Ed. Pró Fono, 2004. P. 77-89. utilizada tem como objetivo analisar os aspectos funcionais da comunicação, a partir das habilidades da criança para usar a linguagem com funções comunicativas.

O questionário sobre os Recursos do Ambiente do Familiar1515. Marturano EM. O inventário de Recursos do Ambiente Familiar. Psicol Reflex Crit. 2006;19(3):498-506. consta de 10 tópicos correspondentes às áreas de:

  • o que a criança faz quando não está na escola;

  • passeios realizados nos últimos 12 meses;

  • atividades programadas realizadas regularmente;

  • atividades compartilhadas com os pais em casa;

  • variedade de brinquedos disponíveis;

  • existência de jornais e revista em casa;

  • variedade de livros disponíveis;

  • responsável por acompanhar os afazeres escolares da criança;

  • rotinas diárias com horário definido;

  • momentos do dia e da semana em que a família se reúne.

Esses tópicos compuseram um escore de recursos do ambiente familiar, promotores de desenvolvimento dos aspectos funcionais da comunicação. Aplicou-se o questionário sob forma de entrevista semi-estruturada.

Análise dos resultados

Após a filmagem, todos os dados foram transcritos nos protocolos específicos e analisados usando os procedimentos descritos no Protocolo do perfil comunicativo sobre a análise da pragmática1414. Fernandes FDM. Pragmática. In: Andrade CRF, Befi-Lopes D, Wertzber HF. ABFW: teste de linguagem infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. 2ed Rev ampl e atual. Barueri: Ed. Pró Fono, 2004. P. 77-89. e pelo questionário RAF1515. Marturano EM. O inventário de Recursos do Ambiente Familiar. Psicol Reflex Crit. 2006;19(3):498-506..

Optou-se por realizar um estudo de correlação, já que o objetivo foi verificar a possível associação entre as informações obtidas pelos protocolos utilizados. O teste de correlação de postos de Spearman permitiu obter uma medida de intensidade da associação entre os dados. As análises foram feitas pelo programa SPSS versão 10.0 e, em todas elas, adotou-se um nível de significância de 5%.

Resultados

Na Figura 1 (em anexo um), ilustra todos os itens do questionário RAF e os itens da análise da pragmática, dos quais obteve-se a correlação entre as variáveis. Os valores de p (significância estatística) obtidos no quadro referem-se ao teste do coeficiente de correlação de Spearman aplicado aos dados.

Figura 1:
Principais Correlações

Na Tabela 1(em anexo dois) encontra-se o resultado do teste realizado apenas com itens nos quais verificou-se correlação. Os valores destacados em negrito indicam se as duas variáveis são ou não correlacionadas do ponto de vista estatístico.

Tabela 1:
Correlação entre os resultados do ABFW e do Questionário do Recursos do Ambiente Familiar

Observa-se, por meio dos dados, que houve correlação positiva entre o item que menciona a diversidade nas atividades realizadas em tempo livre com a criança, e o maior o uso da função comunicativa "performativa".

Verificou-se também relação positiva quando correlacionou-se a quantidade de atividades programadas realizadas pelas crianças com incentivo familiar, e o maior o uso do meio comunicativo "verbal". Notou-se também que à medida que aumenta as atividades programadas realizadas pelas crianças, aumenta-se o uso das funções de "pedido de ação" e "narrativa.

A partir dos dados, foi possível observar que quanto maior a diversidade de jornais e revista no ambiente familiar, menor foi o uso da função comunicativa de "jogo" e maior o uso da função de "narrativa".

No item que trata sobre a existência de uma supervisão mais frequente do adulto nas atividades escolares da criança, observou-se que aumentou o uso do meio "verbal" e "gestual" pelas crianças e o uso da função comunicativa de "reconhecimento do outro".

Observa-se que à medida que se tem um ambiente familiar mais organizado, com as rotinas diárias com horários definidos, aumenta o uso do meio comunicativo "verbal" e das funções comunicativas de "comentário" e "pedido de ação".

Discussão

A análise pragmática baseia-se nos aspectos funcionais da comunicação. Para essa averiguação observam-se os atos comunicativos, o meio pelo qual ele foi realizado, se "gestual", "vocal" ou "verbal" e a função comunicativa do ato, em um momento de interação espontânea entre mãe e filho. Já o questionário RAF visa elencar aspectos do entorno familiar que possam ser favorecedores do desenvolvimento infantil.

Para a coleta de dados, realizou-se uma filmagem de 30 minutos de interação espontânea entre mãe e filho. Observou-se nesse estudo que as mães demonstraram cansaço em brincar com seus filhos após 30 minutos do início da intervenção. Muitas se queixaram com a pesquisadora em relação ao tempo excessivo de observação. Uma possível hipótese através da observação e experiência clinica é que esse tipo de atitude se replique em âmbito familiar. Nos dias atuais, nos quais a mulher assume um papel mais ativo nas famílias, a necessidade de sair para o trabalho e ainda cuidar das questões familiares, reduz o tempo livre para dedicar-se aos filhos, principalmente para situações que, pela cultura social, talvez não sejam tão importantes, como o "brincar".

Importante ressaltar que foram analisados 15 minutos de interação entre mãe e filho em situação de brincadeira espontânea. Em artigo científico no qual se utilizou a mesma metodologia de análise da pragmática em crianças com SD, não há referência a diferenças significantes relacionadas às amostras com diferentes tempos de durações de filmagem. Diante dessas conclusões, decidiu-se por analisar 15 minutos iniciais da filmagem, sem prejuízo da qualidade e da fidedignidade das respostas1616. Porto E, Limongi SCO, Santos IG, Fernandes FDM. Amostra de filmagem e análise da pragmática na síndrome de Down. Pró-Fono R Atual Cient. 2007;19(2):159-66..

Deve-se recordar que não foram consideradas faixa etária e o nível de escolaridade das mães, assim como as condições socioeconômicas das famílias nessa pesquisa. Sabe-se da importância do meio ambiente no desenvolvimento da linguagem. Não obstante, pode-se inferir que crianças oriundas de meios sociais menos favorecidos podem apresentar desempenho linguístico inferior quando comparado a parâmetros esperados para idade cronológica. Porém, por se tratar de uma pesquisa científica optou-se manter um grupo o mais igualitário possível.

Verificou-se nesse estudo que, à medida que aumentava as atividades realizadas em tempo livre com a criança, também aumentava o uso da função comunicativa "performativa". A função "performativa" informa sobre o uso de condutas simbólicas aplicadas a objetos e eventos. O simbolismo, além de sua natureza lúdica, prediz sobre o desenvolvimento cognitivo do sujeito e é considerado primordial no desenvolvimento da linguagem. As condutas simbólicas vivenciadas na brincadeira apresentam algumas características individuais da criança, suas necessidades e interesses. Alguns autores consideram a função simbólica como a capacidade de representar, o que favorece o aparecimento de habilidades de linguagem, inclusive da linguagem verbal. À medida que as crianças vivenciam experiências diversificadas elas agregam mais conhecimento, vivem mais possibilidades de linguagem e, por consequência, apresentam maior domínio e melhor desempenho linguístico. As crianças agem sobre mundo e o contexto que as envolve deve dar à criança oportunidades para que ela possa agir no meio1717. Launay CL, Desenvolvimento normal da linguagem. In: Launay CL, Maisonny-Borel S. Distúrbios da linguagem da fala e da voz na infância. São Paulo: Ed. Roca; 1989. P.17-34..

Observa-se correlação positiva quanto à prática de atividades regulares, incluindo intervenção terapêutica, algum esporte ou iniciação musical em relação ao uso mais frequente do meio comunicativo "verbal" e uso das funções comunicativas de "pedido de ação" e "narrativa". A função de "narrativa" demonstra uma brincadeira construtiva com domínio das habilidades simbólicas, semânticas e pragmáticas. A função de "pedido de ação" por parte das crianças mostra que elas não se limitaram a responder somente, mas propuseram ações e brincadeiras. Todas as crianças desse estudo realizam intervenção terapêutica, com média de tempo de acompanhamento de seis anos. Pode-se inferir, portanto, que por estarem submetidas à intervenção, o maior uso do meio comunicativo "verbal" é coerente, uma vez que incentivar produção oral é uns dos objetivos da terapia fonoaudiológica com crianças com SD. Pode-se considerar ainda que a intervenção terapêutica ou qualquer outra atividade regular que a criança realize junto a questões escolares, como: terapia ocupacional, terapia psicológica, natação, atendimento em grupos e até mesmo aulas de musicalização favorecem positivamente a aquisição da linguagem. Tais atividades foram alguns dos exemplos citados pelas mães dessa pesquisa. A terapia fonoaudiológica age nesse estudo como agente favorecedor da linguagem oral. É importante ressaltar que a condição genética já está estabelecida pela síndrome, portanto, terapeutas agem no entorno da criança, para assim garantir que a intervenção favoreça o seu desenvolvimento44. Guerra GR. Síndrome De Down: aspectos de sua comunicação (apresentação de dois casos). Temas desenvolv. 1997;6(33):12-7. , 1111. Venuti P, de Falco S, Esposito G, Bornstein MH. Mother-Child Play: children with DownSyndrome and typical development. Intellect devdisabil. 2009;114(4):284-8. , 1515. Marturano EM. O inventário de Recursos do Ambiente Familiar. Psicol Reflex Crit. 2006;19(3):498-506..

O entorno familiar que conta com a disponibilidade de jornais e revistas, favorece as crianças a utilizarem mais a função comunicativa de "narrativa", que, como mencionado anteriormente, indica domínio de habilidades da linguagem importantes para um melhor desempenho linguístico. Provavelmente a leitura e o contato com esse tipo de material gráfico oferecem às crianças: exposição a um vocabulário amplo, a presença de modelos corretos para estruturação do discurso oral, com aspectos morfológicos e sintáxicos adequados. Tal recurso favorece as crianças a utilizarem mais o meio verbal para relatar fatos reais ou imaginários em momentos de interação. Autores retratam que manifestações linguísticas estão relacionadas a experiências anteriores, que constituem e criam o conhecimento de mundo. A compreensão e apropriação da linguagem estão interligadas ao conhecimento global, e com a maneira como seleciona-se aspectos específicos de acordo com o que a situação nos exige88. Tomasello M. First steps toward a usage-based theory of language acquisition. Cogn Linguist. 2000;11(1-2):61-82. , 99. Zorzi JL. A evolução da brincadeira simbólica. In: Zorzi JL. Aquisição da linguagem infantil - desenvolvimento alterações - terapia. São Paulo: EdPancast; 1993. P. 5-23. , 1717. Launay CL, Desenvolvimento normal da linguagem. In: Launay CL, Maisonny-Borel S. Distúrbios da linguagem da fala e da voz na infância. São Paulo: Ed. Roca; 1989. P.17-34..

Foi possível verificar a diminuição da função comunicativa de "jogo" quando há em casa a presença de jornais, revistas e livros. Considera-se aqui, que a disponibilidade de recursos gráficos e de leitura em ambiente familiar, permite que as crianças manuseiem livros, revistas ou jornais, e em alguns momentos contem até com a participação do outro nesse processo de exploração. A presença desses recursos favorece a interação social e diminuindo o uso por parte das crianças de funções comunicativas que não incluem o outro no processo, como a função comunicativa de "jogo" 11. Voivodic MAMA. Inclusão Escolar de Crianças com Síndrome de Down. In. Voivodic MAMA. Síndrome de Down. Petrópolis: Ed. Vozes; 2005. P.39-66. , 22. Silva MFMC, Kleinhans ACS. Processos cognitivos e plasticidade cerebral na Síndrome de Down. RevBrasEduc Espec. 2006;12(1):123-38..

O aumento da função comunicativa de "reconhecimento do outro" aparece quando verifica-se uma supervisão dos trabalhos escolares de maneira mais frequente pelos adultos. As crianças que contam com o auxílio constante dos pais em tarefas e atividades, tendem a solicitar e reconhecer o outro com maior frequência no ambiente, e assim, provavelmente o inclui em mais momentos de brincadeira e interação1212. Casarin S. O ciclo vital da família do portador da Síndrome De Down: dificuldades específicas. Temas Desenvolv. 1997;6(33):18-28. , 1818. Silva NLP, Dessen MA. Crianças com síndrome de Down e suas interações familiares. Rev Psicol: Reflex Crit. 2003;16(3):503-14..

Observa-se também a maior utilização do meio comunicativo "verbal" e "gestual" quando o entorno ajuda as crianças na execução de atividades. Por ser o meio comunicativo "verbal", o mais utilizado pelos os adultos no momento de explicação e assistência nas atividades as crianças ficam mais expostas a esse meio comunicativo e tendem a utilizá-lo com maior frequência, já que escutam e observam tais modelos constantemente. Crianças com SD usam o meio comunicativo "gestual" de modo mais frequente do que crianças com desenvolvimento típico. Por não conseguirem expressar verbalmente de maneira adequada, elas usam os gestos isolados ou em conjunto com as emissões para o aprendizado e a expressão de conceitos e ideias. É ressaltada pela literatura estudada que os gestos também aparecem como favorecedores da linguagem oral, a partir do qual evocam produções dos adultos, referentes ao objeto ou foco atencional da criança, oferecendo-lhes o exemplo da palavra, e de como expressar seus desejos pelo meio "verbal" 1313. Cunha EP, Limongi SCO. Modo comunicativo utilizado por crianças com síndrome de Down. Pró-Fono R Atual Cient. 2008;20(4):243-8. , 1616. Porto E, Limongi SCO, Santos IG, Fernandes FDM. Amostra de filmagem e análise da pragmática na síndrome de Down. Pró-Fono R Atual Cient. 2007;19(2):159-66. , 1919. Chapman RS, Streim NW, Crais ER, Salmon EA, Strand EA, Negri NA. Fala infantil: Suposições de um Modelo Processual Desenvolvimental para a Aprendizagem Inicial da Linguagem. In: Chapman RS. Processos e Distúrbios na Aquisição da linguagem. Porte Alegre: Ed. Artes Médicas; 1996. P.15-30.

20. Almeida FCF, Limongi SC. O papel dos gestos no desenvolvimento da linguagem oral de crianças com desenvolvimento típico e crianças com síndrome de Down. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(3):458-64.
- 2121. Andrade RV, Limongi SCO. A emergência da comunicação expressiva na criança com síndrome de Down. Pró Fono R Atual Cient. 2007;19(4):387-92..

Verifica-se que o entorno que apresenta uma rotina diária com horários definidos, fez com que as crianças utilizassem menos as funções comunicativas de "comentários" e "pedido de ação". O estabelecimento de rotina com horários definidos é importante para organização do ambiente familiar e por vezes favorece a realização das tarefas escolares. Porém, nesse estudo esse fato refletiu na redução da interação das crianças com familiares. Observa-se a diminuição de funções interativas e que indicam diálogo entre falantes. Talvez, tais rotinas podem estar sendo impostas de maneiras autoritárias, com o direcionamento dos pais em relação aos comportamentos dos filhos, e, por isso, inibiram em nessa pesquisa as crianças de solicitarem os adultos. Porém, observa-se o aumento do meio "verbal", quando se tem rotinas definidas em ambiente familiar. Acredita-se que isso ocorre devido à fala que os adultos direcionam às crianças no momento de impor as rotinas. Dessa maneira eles fornecem às crianças modelos de linguagem oral, e assim, dão a oportunidade das crianças replicarem o que lhes é oferecido1212. Casarin S. O ciclo vital da família do portador da Síndrome De Down: dificuldades específicas. Temas Desenvolv. 1997;6(33):18-28. , 1313. Cunha EP, Limongi SCO. Modo comunicativo utilizado por crianças com síndrome de Down. Pró-Fono R Atual Cient. 2008;20(4):243-8. , 1616. Porto E, Limongi SCO, Santos IG, Fernandes FDM. Amostra de filmagem e análise da pragmática na síndrome de Down. Pró-Fono R Atual Cient. 2007;19(2):159-66..

As interações estabelecidas no sistema familiar são as que trazem mais considerações significantes ao desenvolvimento infantil. O modo de transmissão das informações às crianças com síndrome de Down influencia no desenvolvimento das habilidades verbais de comunicação. Tais achados destacam cada vez mais a importância da intervenção ativa da família no processo de aprendizado e conhecimento da criança com síndrome de Down, destacando o uso da linguagem oral2222. Santos LC, Marturano EM. Crianças com dificuldade de aprendizagem: Estudo de seguimento. Psicol Reflex Crit. 1999;12(2):377-94.

23. Soares EMF, Pereira MMB, Sampaio TMM. Habilidade pragmática e síndrome de Down. Rev CEFAC. 2009;11(4):579-86.
- 2424. Limongi SCO, Mendes AE, Carvalho AMA, Do Val DC, Andrade RV. A relação comunicação não verbal-verbal na síndrome de Down. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2006;11(3):135-41..

Conclusão

Considera-se que as ferramentas utilizadas na pesquisa permitiram a coleta de informação de maneira natural e espontânea, garantindo resultados fidedignos. A análise pragmática realizada efetivou uma condição de comunicação que favoreceu uma avaliação mais próxima do real desempenho comunicativo e interacional das crianças e de suas mães. O questionário RAF é prático e de fácil aplicação. Seus resultados permitem um rastreamento abrangente das particularidades do ambiente familiar.

Os dados apresentados nesse estudo mostram a grande variedade de eventos e recursos que contribuem para o favorecimento da aquisição e desenvolvimento das habilidades de linguagem em crianças com SD. Foi possível verificar também comportamentos que ocorrem no ambiente familiar que inibem a manifestação de determinadas funções da linguagem por parte das crianças.

Após confirmar a relação dos recursos ambientais que influenciam o desenvolvimento linguístico de crianças com SD, fica evidente a determinação do entorno no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem nessa população. Como a SD apresenta uma condição genética já estabelecida, família e profissionais da saúde que lidam com SD participam do processo de evolução das crianças como meio que interfere, modifica, aperfeiçoa e contribui para o melhor desempenho da criança. Deve-se considerar a importância do entorno familiar para a melhora na qualidade de vida e desenvolvimento de crianças com SD.

  • 1
    Voivodic MAMA. Inclusão Escolar de Crianças com Síndrome de Down. In. Voivodic MAMA. Síndrome de Down. Petrópolis: Ed. Vozes; 2005. P.39-66.
  • 2
    Silva MFMC, Kleinhans ACS. Processos cognitivos e plasticidade cerebral na Síndrome de Down. RevBrasEduc Espec. 2006;12(1):123-38.
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  • 6
    Ansermet F, Magistretti PA. Chacun son ceveau: Plasticité neuronale et inconscient. Paris: Ed. Odile Jacob ; 2004.
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    Santos TR, Oliveira FN. As interações sociais e o brincar da criança com síndrome de Down. VIII Congresso Nacional de Educação, EDUCERE, III Congresso Ibero-americano sobre violências nas escolas CIAVE; out 6-9; Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba: Índices de Comunicações: EDUCERE, Teorias, metodologias e práticas; 2008.
  • 8
    Tomasello M. First steps toward a usage-based theory of language acquisition. Cogn Linguist. 2000;11(1-2):61-82.
  • 9
    Zorzi JL. A evolução da brincadeira simbólica. In: Zorzi JL. Aquisição da linguagem infantil - desenvolvimento alterações - terapia. São Paulo: EdPancast; 1993. P. 5-23.
  • 10
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2013
  • Aceito
    27 Maio 2014
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