RESUMO
Objetivo:
analisar a associação entre distúrbio de voz e capacidade para o trabalho em docentes da rede municipal de ensino de São Paulo.
Métodos:
professoras que buscaram atendimento fonoaudiológico, com queixa de alteração vocal; e professoras selecionadas sem queixa, expostas ao mesmo ambiente de trabalho, passaram por avaliação perceptivo-auditiva da voz; preenchimento dos protocolos Índice de Capacidade para o trabalho e Condição de Produção Vocal do Professor; e avaliação perceptivo-visual da laringe. Foram classificadas como Caso as que tinham alteração na avaliação perceptivo-auditiva e em pregas vocais (167) e Controle as sem alterações nas avaliações (105).
Resultados:
a capacidade para o trabalho esteve entre baixa e moderada entre os casos (67,4%) e entre boa e ótima (66,6%) nas professoras do controle (escore total). Houve associação estatística em duas dimensões do ICT, apontando que as docentes com distúrbio de voz apresentaram quase três vezes mais chance de perder capacidade para o trabalho e que quanto pior a perda da capacidade, mais forte é a associação com o distúrbio de voz.
Conclusão:
há associação entre o distúrbio de voz e as dimensões capacidade atual para o trabalho comparada com a melhor de toda vida, indicando que os sujeitos que apresentaram distúrbio de voz estavam em sua pior capacidade para trabalhar, e perda estimada para o trabalho por causa de doenças, indicando que quanto maior a perda da capacidade para o trabalho, mais forte é a relação com o distúrbio de voz, independente da idade.
Descritores:
Distúrbios da Voz; Docentes; Avaliação da Capacidade de Trabalho; Trabalho; Voz; Fonoaudiologia
ABSTRACT
Purpose:
to analyze the association between voice disorder and work ability in teachers of public schools of São Paulo.
Methods:
teachers who searched for speech therapy, with voice alteration complaint; and selected teachers with no complaint who were exposed to the work environment and submitted to the auditory voice perception; completing the Work Ability Index and the Conditions of Vocal Production of Teachers protocols; and perceptive visual larynx evaluation. Those with changes in perceptual evaluation and vocal folds were classified as Case (167) and those without changes in evaluations (105) were classified as Control.
Results:
the work ability was from low to moderate among the cases (67.4%) and between good and great (66.6%) in the control teachers (total score). There was a statistical association in two WAI dimensions, pointing out that teachers with voice disorders were nearly three times more likely to lose their work ability and the worst the loss of ability, the stronger is the association with the voice disorder.
Conclusion:
there is an association between the voice disorder and the dimensions for current work ability compared with the best of lifetime, indicating that subjects who had a voice disorder were at their worst conditions regarding their work ability, and estimated loss for work due to illnesses, indicating that the greater the loss of work ability, the stronger is the relationship with the voice disorder, regardless of age.
Keywords:
Voice Disorder; Faculty; Work Ability Evaluation; Work; Voice; Speech, Language and Hearing Sciences
Introdução
Os professores pertencem à categoria profissional com maior prevalência de distúrbios vocais, sendo esses agravos uma das principais causas de afastamento do trabalho docente, atrás apenas dos distúrbios psíquicos11. Assunção AA, Oliveira DA. Intensificação do trabalho e saúde dos professores Educ. Soc. 2009;30(107):349-72..
O desenvolvimento do distúrbio de vocal decorrente do uso profissional da voz tem se mostrado, em estudos recentes, associado a condições desfavoráveis do ambiente e da organização do trabalho docente22. Dragone MLS, Ferreira LP, GianninI SPP, Simões-zenari M, Veira VP, Behlau M. Voz do professor: uma revisão de 15 anos de contribuição fonoaudiológica. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol.2010;15(2):289-96., o que tem levado os professores à incapacidade para o desempenho de suas funções e implicado em custos financeiros e sociais. Um diagnóstico precoce pode favorecer a adoção de medidas de proteção, prevenção e tratamento dos distúrbios de voz em docentes, além de significar economia de tempo e de recursos33. Alves LP, Araújo LTR, Neto JAX. Prevalência de queixas vocais e estudo de fatores associados em uma amostra de professores de ensino fundamental em Maceió, Alagoas, Brasil. Rev. bras. saúde ocup. 2010;35(121):168-75..
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera o professorado como a categoria que apresenta o maior risco de contrair enfermidades profissionais da voz e recomenda que essas questões do professor sejam tratadas como objeto de pesquisa privilegiado no campo da Saúde do Trabalhador44. Araújo TM, Reis EJFB, Carvalho FM, Porto LA, Reis IC, Andrade JM. Fatores associados a alterações vocais em professoras. Cad. Saúde Pública.2008;24(6):1229-38.. Sob essa perspectiva, é importante ter em mãos um instrumento que avalie a percepção do trabalhador em relação a como ele se sente para executar seu trabalho, em função das exigências, de seu estado de saúde e capacidades físicas e mentais. O Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT), resultado de pesquisas realizadas na Finlândia, tem esse objetivo e vem sendo utilizado para diagnosticar e acompanhar mudanças na capacidade para o trabalho em diferentes grupos ocupacionais55. Tuomi K, Ilmarinen J, Jahkola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de Capacidade para o Trabalho. Trad. Fischer FM(coord). Sao Carlos: EdUFSCar; 2005.. A contribuição do ICT em estudo de avaliação da capacidade para o trabalho se dá pelo seu valor preditivo para invalidez, saúde/doença e mortalidade66. Martinez MC, Latorre MRDO, Fischer FM. Validade e confiabilidade da versão brasileira do índice de capacidade para o trabalho. Rev Saúde Pública. 2009;43(3):525-32..
A avaliação considera as exigências físicas e mentais do trabalho, o estado de saúde do trabalhador e seus recursos físicos e mentais para poder detectar alterações da capacidade para o trabalho. O instrumento pode ser usado como método para avaliar a capacidade para o trabalho em exames de saúde no próprio local de trabalho e identificar trabalhadores que necessitem de apoio precocemente, prevendo risco de incapacidade para o trabalho em um futuro próximo, independente da idade66. Martinez MC, Latorre MRDO, Fischer FM. Validade e confiabilidade da versão brasileira do índice de capacidade para o trabalho. Rev Saúde Pública. 2009;43(3):525-32..
No Brasil, o ICT tem sido utilizado em diferentes áreas para estudos em populações específicas; internacionalmente, é utilizado em maior número de pesquisas na área da saúde77. Martinez MC, Latorre MRDO, Fischer FM. Capacidade para o trabalho: revisão de literatura. Ciênc. saúde coletiva [Internet]. 2010. Acesso em 16/julho/2015. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000700067&lng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
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As questões sobre capacidade para o trabalho no Brasil, apesar de relevantes no atual contexto de transição demográfica e de modificação no mundo do trabalho, ainda carecem de maior atenção. Há necessidade de disseminação do conhecimento junto aos diversos trabalhadores envolvidos com a problemática, de forma que a temática seja incorporada à realidade concreta do mundo do trabalho88. Martinez MC, Latorre MRDO, Fischer FM. Workability: a literaturereview. Ciência & Saúde Coletiva. 2010;15:1553-61..
Partindo desses pressupostos, de forma a retratar a avaliação do próprio trabalhador sobre sua capacidade de trabalho, o presente estudo tem, por objetivo, analisar a associação entre distúrbio de voz e capacidade para o trabalho em docentes da rede municipal de ensino de São Paulo, por meio do Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT).
Métodos
Esta pesquisa foi realizada a partir de banco de dados coletados para estudo com professoras do ensino infantil, fundamental e médio da rede de Educação do Município de São Paulo99. Giannini SPP, Latorre MRDO, Fischer FM, Ghirardi ACAM, Ferreira LP. Voice disorders and loss of work ability: a case-control study among teachers. J Voice. 2015;29(2):209-17., e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob o número 061/2011. Todas as participantes receberam esclarecimentos e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
O presente estudo, com delineamento metodológico de caso-controle, foi realizado com 272 professoras, sendo que a opção de incluir apenas participantes do sexo feminino deveu-se ao fato das mulheres representarem ampla maioria na população docente do ensino básico brasileiro, segundo dados censitários do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais1010. INEP. Estudo exploratório sobre o professor brasileiro, com base nos resultados do Censo Escolar da Educação Básica 2007. Brasília: Inep, 2009. 63 p. Disponível em: http://www. inep.gov.br/download/censo/2009/Estudo_Professor_1.pdf. Acesso em: 10 de novembro de 2014..
A seleção de participantes constou de duas etapas. Da primeira etapa, participaram todas as professoras que compareceram ao ambulatório com queixa de alteração vocal no período de julho/2007 a maio/2009. As educadoras foram submetidas à avaliação vocal, laringoscópica e responderam questionários. Na segunda etapa, pesquisadoras foram às escolas das professoras participantes do estudo e sortearam professoras sem queixa de voz que estavam em atividade em sala de aula, que foram submetidas aos mesmos procedimentos da etapa anterior. Foram excluídas professoras que apresentaram alterações orgânicas em pregas vocais não associadas ao uso da voz ou que estavam afastadas da sala de aula por licença médica e readaptação de função.
As coletas de amostra de fala para avaliação de voz foram realizadas por fonoaudiólogas, no início da manhã, a fim de garantir descanso vocal noturno. Optou-se pela avaliação perceptivo-auditiva por meio da escala GRBASI (Grade, Roughness, Breathiness, Asteny, Strain, Instability) por ser um instrumento de uso internacional e de alto grau de confiabilidade1111. Hirano M. Clinical examination of voice. New York: Springer Verlag; 1981,p.81-4.. Tendo em vista que a maioria das docentes apresenta voz alterada, ainda que em grau leve, a voz foi classificada como com alteração quando essa foi julgada moderada (grau 2) ou intensa (grau 3), e sem alteração quando normal (grau 0) ou leve (grau 1).A coleta dos dados relacionados à laringe foi realizada por médico otorrinolaringologista que realizou videolaringoscopia e classificou as participantes em com alteração, na presença de lesão alteração irritativa, estrutural ou de coaptação de pregas vocais; e sem alteração, na ausência de qualquer lesão ou alteração visível.
A definição de caso foi baseada nos resultados das avaliações vocal e laringoscópica. No grupo caso foram alocadas as professoras que apresentaram alteração em ambas as avaliações (167 participantes); no grupo controle foram incluídas as participantes com ausência de alteração (105 participantes). Foram excluídas da amostra as professoras que apresentaram alteração em apenas uma das avaliações, com o objetivo de compor grupos bem distintos pela doença em questão, ainda que as mesmas tenham sido acolhidas para tratamento.
Para o presente estudo, foram analisadas as variáveis referentes ao preenchimento de dois instrumentos (1) Condição de Produção da Voz do Professor (CPV-P) e (2) Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT).
O questionário CPV-P, proposto por Ferreira et al. (2007)1212. Ferreira LP, Giannini SPP, Latorre MRDO, Simões-Zenari M. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: proposta de um instrumento para avaliação de docentes. Dist. Comum.2007;9(1):127-36., coleta dados sociodemográficos e funcionais, de saúde e aspectos vocais, do ambiente e da organização do trabalho. As respostas são em escala Likert de quatro pontos: nunca, raramente, às vezes, sempre.
A versão do ICT utilizada foi traduzida e validada por pesquisadores de diversas instituições brasileiras1313. Fischer FM. Breve histórico desta tradução. In: Tuomi K, Ilmarinen J, Jahkola A, Katajarinne L, Tulkk A. Índice de Capacidade para o Trabalho. São Carlos: EdUFSCar; 2005.p. 9-10.. É composto por sete dimensões: capacidade para o trabalho atual comparada com a melhor de toda a vida; capacidade para o trabalho em relação às exigências do trabalho; número atual de doenças autorreferidas e diagnosticadas por médico, a partir de uma lista de 51 doenças; perda estimada para o trabalho por doenças; faltas no trabalho por doenças; prognóstico próprio sobre a capacidade para o trabalho; e recursos mentais para apreciar as atividades diárias, sentir-se ativo e alerta, sentir esperança para o futuro. O escore total é calculado pela soma dos pontos recebidos para cada uma dessas sete dimensões, a saber: de 7 a 27 corresponde à baixa capacidade; de 28 a 36, à moderada capacidade; de 37 a 43, à boa capacidade e, de 44 a 49, à ótima capacidade para o trabalho66. Martinez MC, Latorre MRDO, Fischer FM. Validade e confiabilidade da versão brasileira do índice de capacidade para o trabalho. Rev Saúde Pública. 2009;43(3):525-32..
Para este estudo, foram analisadas as variáveis referentes às características sociodemográficas (idade, estado civil) e situação funcional (escolaridade, número de escolas, tempo de profissão, vínculo empregatício e horas/aula por semana). A variável dependente do estudo foi presença de distúrbio de voz (sim=caso; não=controle); a independente de interesse foi o escore geral do ICT e de suas sete dimensões; a variável independente de controle, a idade. O coeficiente alpha de Cronbach para o escore geral do ICT foi de 0,75, o que evidencia um bom índice de confiabilidade do instrumento.
Para análise dos dados foi realizado teste de associação de qui-quadrado, com correção de Yates, para determinar a associação entre as variáveis de cada dimensão do ICT e a presença de distúrbio de voz. A seguir, foi determinado o grau de associação entre essas variáveis e o distúrbio de voz por meio de modelo de regressão logística multivariada, com cálculo de Razão de Chances (Odds Ratio - OR). Foram selecionadas para a modelagem múltipla as variáveis com p<0,200 na análise univariada e o processo de modelagem foi o stepwiseforwardselection. Foram mantidas no modelo as variáveis que permaneceram significantes (p<0,050), depois do ajuste pelas outras variáveis.
Resultados
Os dados sociodemográficos demonstram que a maioria é casada, tem mais de 40 anos de idade e ensino superior completo. Na função de docentes, atuam como professora titular, em regime de mais de 31 horas semanais e tem mais de 16 anos de atuação profissional.
Distribuição de casos e controles de acordo com características sociodemográficas e situação funcional de trabalho.
A Tabela 2 aponta a análise de associação do escore total do ICT e distúrbio de voz entre os grupos caso e controle (p<0,001). É possível verificar que 66,6% dos sujeitos do grupo controle consideraram sua capacidade para o trabalho boa ou ótima, enquanto 67,4% dos sujeitos do grupo caso a consideraram baixa ou moderada.
Análise de associação do escore geral do Índice de Capacidade para o Trabalho com os grupos caso e controle.
Os valores de associação do ICT com os grupos caso e controle são mostrados na Tabela 3. Em cinco dimensões do instrumento o grupo caso apresentou maior número de professoras no tercil indicativo de baixa capacidade para o trabalho.
Análise de associação entre Índice de Capacidade para o Trabalho e grupos caso e controle.
A Tabela 4 indica os resultados da análise de regressão logística multivariada ajustada pela variável idade. Destaca-se a diferença entre os grupos de caso e controle nas dimensões capacidade atual para o trabalho comparada com a melhor de toda a vida, perda estimada para o trabalho por causa de doenças, faltas no trabalho por doenças nos últimos 12 meses e recursos mentais, sempre com a pontuação pior para o grupo caso. As dimensões faltas no trabalho por doenças nos últimos 12 meses e recursos mentais também diferenciaram os grupos, mas não permaneceram no modelo final.
Os dados obtidos nas outras dimensões do ICT não mostraram diferença estatisticamente significante em relação aos grupos caso e controle. A variável independente idade, apesar de não ter significância estatística, foi adicionada aos modelos como ajuste.
Análise de associação entre Índice de Capacidade para o Trabalho e os grupos caso e controle
Discussão
Por ser este um estudo caso-controle pareado por escola, todas as participantes do estudo, com e sem distúrbio de voz, foram expostas a condições de trabalho semelhantes, o que possibilita avaliar especificamente a associação do distúrbio de voz com a capacidade para o trabalho99. Giannini SPP, Latorre MRDO, Fischer FM, Ghirardi ACAM, Ferreira LP. Voice disorders and loss of work ability: a case-control study among teachers. J Voice. 2015;29(2):209-17.. Os dois grupos mostraram distribuição semelhante em praticamente todos os aspectos sócios demográficos, de estilo de vida, ocupação, de ambiente e de organização do trabalho.
A capacidade para o trabalho baixa e moderada mostra forte associação estatística com o grupo de professoras com distúrbio de voz, independente da idade, o que revela um envelhecimento funcional precoce e decorrente distanciamento da docência, uma vez que a voz é essencial para a realização do trabalho docente1414. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho docente: um estudo caso-controle. CoDAS. 2013;25(6):566-76.. Não se observa associação entre idade ou tempo de docência e distúrbio de voz, porém, a falta de associação entre idade ou tempo de docência em estudos da área pode ser uma indicação de que a severidade do distúrbio de voz favorece a mudança de profissão ou o afastamento precoce1515. Medeiros AM, Barreto SM, Assunção AA. Voice disorder (dysphonia) in public school female teachers working in Belo Horizonte: prevalence and associated factors. J Voice. 2008;22(6):676-87..
Na atual pesquisa, a primeira dimensão do ICT que evidenciou diferença entre os grupos de casos e de controles foi capacidade atual para o trabalho comparada com a melhor de toda a vida nas categorias baixa ou muito baixa, que representam 30,5% dos casos e apenas 13,3% dos controles. Pesquisa que avaliou o Perfil de Participação em Atividades Vocais realizada em professores de escola particular com e sem queixa vocal1616. Ricarte A, Bommarito S, Chiari B. Impacto vocal de professores. Rev. CEFAC.2011; 13(4):719-27. revelou que os professores com queixa vocal sentem-se com menor capacidade para o trabalho, ainda que não se sintam restritos a exercê-la, mesmo com os sintomas.
Da mesma forma, no que diz respeito à capacidade para o trabalho em relação às exigências do trabalho, observa-se que o grupo caso apresentou baixos valores nessa dimensão. Estudo com docentes universitários1717. Marqueze EC, Moreno CRC. Job satisfaction and work ability among college educators. Psicologia em Estudo.2009;14(1):75-82. verificou maior insatisfação para: volume de trabalho que tem para desenvolver, grau de segurança (estabilidade) no emprego e grau em que a instituição absorve as potencialidades que julga ter.
Na dimensão perda estimada para o trabalho por doenças, os grupos apresentam diferença, ainda que a maioria dos participantes de ambos os grupos aponte a necessidade de diminuir o ritmo ou modificar o método de trabalho. No entanto, o grupo caso aponta impedimento ou restrição para realizar sua tarefa em função da sua doença. Esse dado pode ser compreendido à luz dos resultados da dimensão número atual de doenças diagnosticadas por médico, que indicam que as professoras que não apresentaram nenhuma doença representam apenas 18,6% do grupo caso e 30,5% do grupo controle. Na dimensão faltas ao trabalho por doenças, a maioria das professoras dos grupos caso e controle ausentou-se por até nove dias por motivo de doenças, 43,6% e 37,0%, respectivamente.
A saúde fragilizada do professor tem sido associada ao processo de intensificação do trabalho docente, o que o tornaria mais susceptível ao adoecimento11. Assunção AA, Oliveira DA. Intensificação do trabalho e saúde dos professores Educ. Soc. 2009;30(107):349-72.. O professor, exausto do processo de intensificação do trabalho docente, tem sua saúde fragilizada, especialmente pela hipersolicitação em regime de urgência, o que o leva a ultrapassar seu próprio limite11. Assunção AA, Oliveira DA. Intensificação do trabalho e saúde dos professores Educ. Soc. 2009;30(107):349-72..
O adoecimento vocal tem sido apontado como a segunda causa de afastamento de professores, classificado como "doenças do sistema respiratório", atrás apenas dos distúrbios psíquicos11. Assunção AA, Oliveira DA. Intensificação do trabalho e saúde dos professores Educ. Soc. 2009;30(107):349-72.. Ainda que não seja possível estabelecer uma relação direta entre o distúrbio de voz e o afastamento do trabalho, estudos confirmam que professores faltam mais ao trabalho por problemas vocais do que trabalhadores de outras categorias profissionais1818. Roy N, Merrill RM, Thibeault S, Gray S, Smith EM. Voice disorders in teachers and the general population: effects on work performance, attendance, and future career choices. J speech langhear res. 2004;44:542-52.,1919. Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice.2012;26(5):665.e9-665.. Tal impedimento concretiza-se, na prática, por faltas, licenças ou readaptação funcional, recurso no ensino público quando o professor não apresenta condição física ou mental de permanecer na atividade que exerce1414. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho docente: um estudo caso-controle. CoDAS. 2013;25(6):566-76..
Pesquisa que investigou a procura de tratamento vocal por professores aponta que 25,4% dos professores procuram atendimento médico e 34,6% tinham perdido pelo menos um dia de trabalho por causa de problemas de voz2020. Houtte EV, Claeys S,Wuyts F,Lierde KV. The Impact of Voice Disorders Among Teachers: Vocal Complaints, Treatment-Seeking Behavior, Knowledge of Vocal Care, and Voice-Related Absenteeism. J Voice. 2011;25(5):570-5.. O distúrbio da voz tem impacto sobre a vida pessoal e profissional dos professores, além de implicar financeiramente pela necessidade de substituição de professores nas escolas, bem como pelo alto custo dos serviços de tratamento2020. Houtte EV, Claeys S,Wuyts F,Lierde KV. The Impact of Voice Disorders Among Teachers: Vocal Complaints, Treatment-Seeking Behavior, Knowledge of Vocal Care, and Voice-Related Absenteeism. J Voice. 2011;25(5):570-5..
Na dimensão prognóstico próprio da capacidade para o trabalho daqui a dois anos, percebe-se otimismo entre as participantes, uma vez que apenas 4,0% dos controles e 4,4% dos casos acreditam que não estarão em condições de exercer sua profissão em dois anos. Mesmo podendo assinalar que não estão muito certos se estarão capazes, a maioria dos participantes dos dois grupos referiu que é bem provável que estejam aptos para trabalhar. Esse otimismo pode ser justificado pela boa capacidade para trabalhar dos sujeitos do grupo controle no momento da pesquisa, e, os do grupo caso, ainda que com menor capacidade para desenvolver as atividades, encontravam-se em fase inicial de tratamento fonoaudiológico para eliminação do distúrbio de voz. Vale ressaltar que, dentre os problemas ocupacionais relacionados aos fonoaudiológicos, o distúrbio de voz é o que tem melhor prognóstico, podendo ser completamente revertido, o que não é possível com outras doenças, por exemplo, a perda auditiva induzida por ruído.
Na dimensão recursos mentais, os grupos caso e controle apresentam grande diferença nos resultados na pontuação mais alta (53,0% grupo controle, 35,4% grupo caso) e na pontuação mais baixa (16,0% grupo controle, 28,0% grupo caso), dados que sugerem alta capacidade para o trabalho em professores sem distúrbio de voz e baixa capacidade em professores com distúrbio de voz. Os resultados corroboram a afirmação de que os problemas de saúde relacionados à esfera psíquica são os mais frequentes em professores e estão associados ao estresse no trabalho2121. Servilha EAM, Arbach MP. Queixas de saúde em professores universitários e sua relação com fatores de risco presentes na organização do trabalho. Dist. Comun. 2011;13(2):181-9..
A organização de trabalho docente tem tido significativa repercussão na esfera mental do professor, trabalhador que lida com conhecimento e formação de pessoas. Além dessas tarefas próprias da docência, a gestão e o planejamento escolar tornaram-se, gradativamente, funções desempenhadas também pelos professores, em uma infraestrutura inadequada, com desinteresse por parte dos alunos e de suas famílias, além da desvalorização profissional e baixos salários, reforçando a vulnerabilidade desses profissionais ao estresse2222. Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AA. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educ. Pesqui.2005;31(2):189-99.. A função do professor requer exigências mentais, o que deveria acarretar maior reconhecimento e prestígio profissional, autonomia, participação na tomada de decisões e, principalmente, salários melhores2323. Servilha EAM, Leal RO, Hidaka M. Riscos ocupacionais na legislação trabalhista brasileira: destaque para aqueles relativos à saúde e à voz do professor. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol.2010;15(4):505-13..
Na análise multivariada apenas duas dimensões permaneceram no modelo final: capacidade atual para o trabalho comparada com a melhor de toda a vida e perda estimada para o trabalho por causa de doenças. A primeira delas apresentou razão de chances em análise univariada de 2,6 (p<0,027) para a pontuação entre 0 e 6 (ou seja, a mais baixa). Isso significa que quem apresenta distúrbio de voz possui quase três vezes mais chance de perder capacidade para o trabalho. A idade foi mantida no modelo final como ajuste, o que significa que a perda de capacidade para o trabalho acontece independente dessa variável.
É possível compreender que essa dimensão do ICT tenha se mostrado associada ao distúrbio de voz, uma vez que o professor que apresenta distúrbio de voz está em sua pior condição para exercer seu trabalho. O distúrbio de voz interfere no desempenho e na efetividade do trabalho docente, gera desconforto físico, com algum nível de dor e limitação na atividade profissional2424. Rodrigues G, Zambon F, Mathieson L, Behlau M. Vocal tract discomfort in teachers: its relationship to self-reported voice disorders. J Voice. 2013;27(4):473-80..
Sobre a segunda dessas dimensões, é possível observar que quanto pior a perda estimada para o trabalho por causa de doenças, mais forte é a associação com o distúrbio de voz. Os valores, calculados em razão de chances, indicam que os sujeitos com distúrbio de voz possuem duas vezes mais chances de ter que diminuir o ritmo de trabalho por apresentar sintomas (OR=2,2, p=0,022) e três vezes e meia mais chances de apresentar impedimentos no trabalho ou de estar incapacitados para realizar trabalho (OR=3,5, p=0,008).
Em pesquisa2525. Biserra MP, Giannini SPP, Paparelli R, Ferreira LP. Voz e trabalho: estudo dos condicionantes das mudanças a partir do discurso de docentes. Saúde e Soc. 2014;23(3):966-78. também realizada com professoras da rede municipal de São Paulo por meio de grupos focais a partir do registro de piora ou melhora do escore do ICT, aplicado com intervalo de dois anos, as autoras concluíram que as professoras que tiveram pior escore no ICT estavam em condição mais adoecida, não apenas em relação à voz, enquanto o grupo das que melhoraram apresentou maior potência para enfrentar os problemas referentes ao trabalho. Cabe ressaltar que no grupo focal foram mencionados diferentes aspectos que comprometem o processo de cuidado vocal, como a pressão dos superiores e de outros professores para não se ausentar em busca de tratamento de problemas de voz ou de outros problemas de saúde.
Destaca-se, portanto, que a capacidade para o trabalho não está, obrigatoriamente, relacionada apenas à presença ou ausência de distúrbio de voz, ainda que a presença de alteração na qualidade vocal contribua significativamente para o professor perder a capacidade para desenvolver seu trabalho.
Conclusão
É possível concluir com esta pesquisa caso-controle, realizada com docentes do sexo feminino da rede municipal de São Paulo, que há associação entre o distúrbio de voz e as dimensões capacidade atual para o trabalho comparada com a melhor de toda vida, indicando que os sujeitos que apresentaram distúrbio de voz estavam em sua pior capacidade para trabalhar, e perda estimada para o trabalho por causa de doenças, indicando que quanto maior a perda da capacidade para o trabalho, mais forte é a relação com o distúrbio de voz, independente da idade.
Referências
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1Assunção AA, Oliveira DA. Intensificação do trabalho e saúde dos professores Educ. Soc. 2009;30(107):349-72.
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2Dragone MLS, Ferreira LP, GianninI SPP, Simões-zenari M, Veira VP, Behlau M. Voz do professor: uma revisão de 15 anos de contribuição fonoaudiológica. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol.2010;15(2):289-96.
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3Alves LP, Araújo LTR, Neto JAX. Prevalência de queixas vocais e estudo de fatores associados em uma amostra de professores de ensino fundamental em Maceió, Alagoas, Brasil. Rev. bras. saúde ocup. 2010;35(121):168-75.
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4Araújo TM, Reis EJFB, Carvalho FM, Porto LA, Reis IC, Andrade JM. Fatores associados a alterações vocais em professoras. Cad. Saúde Pública.2008;24(6):1229-38.
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5Tuomi K, Ilmarinen J, Jahkola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de Capacidade para o Trabalho. Trad. Fischer FM(coord). Sao Carlos: EdUFSCar; 2005.
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6Martinez MC, Latorre MRDO, Fischer FM. Validade e confiabilidade da versão brasileira do índice de capacidade para o trabalho. Rev Saúde Pública. 2009;43(3):525-32.
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7Martinez MC, Latorre MRDO, Fischer FM. Capacidade para o trabalho: revisão de literatura. Ciênc. saúde coletiva [Internet]. 2010. Acesso em 16/julho/2015. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000700067&lng=en
» http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000700067&lng=en -
8Martinez MC, Latorre MRDO, Fischer FM. Workability: a literaturereview. Ciência & Saúde Coletiva. 2010;15:1553-61.
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9Giannini SPP, Latorre MRDO, Fischer FM, Ghirardi ACAM, Ferreira LP. Voice disorders and loss of work ability: a case-control study among teachers. J Voice. 2015;29(2):209-17.
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10INEP. Estudo exploratório sobre o professor brasileiro, com base nos resultados do Censo Escolar da Educação Básica 2007. Brasília: Inep, 2009. 63 p. Disponível em: http://www. inep.gov.br/download/censo/2009/Estudo_Professor_1.pdf. Acesso em: 10 de novembro de 2014.
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11Hirano M. Clinical examination of voice. New York: Springer Verlag; 1981,p.81-4.
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12Ferreira LP, Giannini SPP, Latorre MRDO, Simões-Zenari M. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: proposta de um instrumento para avaliação de docentes. Dist. Comum.2007;9(1):127-36.
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Fonte de auxílio: bolsa CAPES
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jul-Aug 2016
Histórico
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Recebido
30 Dez 2015 -
Aceito
15 Maio 2016