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Autopercepção da função glótica e análise perceptivoauditiva de professores de escolas municipais

RESUMO

Objetivo:

correlacionar dados da análise perceptivoauditiva e da autopercepção da função glótica de professores de escolas municipais.

Métodos:

participaram deste estudo 52 professores de ambos os sexos, sendo 39 mulheres (75%) e 13 homens (25%) de escolas municipais da cidade de Lagarto, na faixa etária compreendida entre 24 e 54 anos. A coleta de dados foi realizada nas escolas em duas etapas: aplicação do questionário de autoavaliação Índice de Função Glótica e do protocolo de avaliação fonoaudiológica perceptivoauditiva da voz. Os dados foram analisados quantitativamente e organizados em um banco de dados e receberam tratamento estatístico.

Resultados:

o estudo apontou 80% de alteração vocal em professores segundo avaliação perceptivoauditiva da voz e 59,6% de alteração vocal autorreferida pelos professores na função glótica. Foi constatada que as principais queixas dos professores são referentes aos itens "fadiga vocal" e "voz quebra ou está diferente" e os sinais vocais mais observados pelos especialistas são "tensão" e "rouquidão". Não houve correlação estatisticamente significante entre os instrumentos utilizados.

Conclusão:

a ausência de correlação entre os instrumentos pode ser justificada como uma dessensibilização do professor quanto ao problema vocal, ocasionada pela adaptação à nova voz alterada. Com isto, torna-se de extrema importância a atuação fonoaudiológica para garantir a autopercepção e saúde vocal.

Descritores:
Docentes; Saúde do Trabalhador; Voz

ABSTRACT

Purpose:

to correlate data from the self-perception analysis and vocal teacher self-perception.

Methods:

the study included 52 teachers of both genders (39 women and 13 men) from municipal schools in Lagarto, aged between 24 and 54. Data collection was carried out in schools in two steps: application of the Glottal Function Index (GFI) self-assessment questionnaire and the Consensus Protocol of Voice Auditory-Perceptual Evaluation. Data were analyzed quantitatively and organized into a database to be treated statistically.

Results:

the study revealed 80% of voice changes on teachers, according to the Auditory-Perceptual Evaluation, and 59.6% of vocal changes self-reported by teachers. It has been found that the main complaints of teacher refer to items "vocal fatigue" and "voice breaks or is different" and the most mentioned vocal symptoms by experts includes "tension" and "hoarseness". There was no statistically significant correlation between the tools used.

Conclusion:

the lack of correlation between the protocols can be justified with the lack of awareness of teachers regarding their vocal problem, which is caused by the adaptation in their voices. Thereby, the work of the speech-language pathologist is extremely important to ensure self-perception and vocal health.

Keywords:
Teacher; Occupation Health; Voice

Introdução

Profissionais que utilizam a voz como principal ferramenta de trabalho estão suscetíveis a desenvolver distúrbio vocal. Nesta direção, o professor tem sido foco de estudos na Fonoaudiologia, pois é a categoria com maior insalubridade das condições de trabalho (11. Ferreira LP, Martz ML. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: a experiência dos CEREST. Bepa.2010;7(76):13-9.),(22. Roy N, Merril RM, Thibeault S, Parsa RA, Gray SD, Smith EM. Prevalence of voice disorders in teachers and the general population. J Speech Lang Hear Res. 2004;47(2):281-93. relacionada aos problemas na voz33. Dragone MLS, Giannini SPP, Ditscheiner ÉS, Andrade BMR, Ferreira LP. Voz do professor. 2013. Acesso em: 20/12/2015. Disponível em: http://www.sbfa.org.br/portal/voz_profissional2013/
http://www.sbfa.org.br/portal/voz_profis...
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Pela intrínseca relação existente entre voz e qualidade de vida44. Ferreira LP, Giannini SPP, Latorre, MRDO, Zenari MS.Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: proposta de um instrumento para avaliação de professores. Distúrb Comun. 2007;19(1):127-36. entende-se como de suma importância que a investigação sobre o impacto da alteração vocal em professores utilize instrumentos de autoavaliação55. Spina AL, Maunsell R, Sandalo K, Gusmão R, Crespo A. Correlação da qualidade de vida e voz com atividade profissional. Rev Bras Otorrinolaringol., 2009;75(2):275-9., para que, assim, se possa compreender a perspectiva desse profissional quanto ao distúrbio de voz e a influência em sua vida diária66. Behlau M, Tutya AS, Zambon F, Oliveira G. Comparação dos escores dos protocolos QVV, IDV E PPAV em professores. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16 (3):273-8..

Um estudo revelou que professores apresentam-se satisfeitos com a qualidade de vida e com a sua voz, o que pode denotar uma dificuldade em perceber o processo saúde-doença e aspectos referentes ao trabalho, qualidade de vida e saúde que podem relacionar-se com os distúrbios vocais77. Penteado RZ. Relação entre saúde e trabalho docente: percepções de professores sobre saúde vocal. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(1):18-22.. Outra pesquisa sobre autopercepção, envolvendo 29 professores com queixas vocais, apontou que os professores percebem alterações em sua voz, mas o impacto na qualidade de vida é pouco entendido ou valorizado88. Costa DB, Lopes LW, Silva EG, Cunha GMS, Almeida LNA, Almeida AAF. Fatores de risco e emocionais na voz de professores com e sem queixas vocais. Rev CEFAC. 2013;15(4):1001-10..

A avaliação perceptivoauditiva da voz, realizada por fonoaudiólogos, constitui-se em uma ferramenta de baixo custo que pode auxiliar na identificação dos profissionais que necessitam de encaminhamentos para exames específicos e eventualmente, terapia de voz, assim como oferecer subsídios necessários e suficientes na realização de triagens vocais com professores em ambientes escolares99. Lima-Silva MFB, Ferreira LP, Oliveira IB, Silva MAA, Ghirardi ACAM. Distúrbio de voz em professores: autorreferência, avaliação perceptiva da voz e das pregas vocais. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(4):391-7..

Dentre os instrumentos para avaliação vocal, o protocolo CAPE-V possibilita ao clínico dados sobre o grau de severidade de um problema vocal por meio da percepção auditiva. Em um estudo que verificou a relação entre a avaliação otorrinolaringológica e o CAPE-V na voz de professoras com queixa vocal, os achados trouxeram uma significante associação entre as duas avaliações1010. Sanders AP, Moreira NM, Auda LA, Barros ALSM. Estudo sobre a percepção vocal e perceptivo-auditiva pré e pós-aplicação de exercícios de aquecimento vocal de professores do ensino superior. Anais Eletrônico VIII EPCC - Encontro Internacional de Produção Científica Cesumar UNICESUMAR - Centro Universitário. Editora CESUMAR. Paraná - Brasil; 2013.. Uma pesquisa que objetivou conhecer as condições de trabalho e o nível de informação sobre a voz dos profissionais de ensino superior concluiu que 77,7% dos entrevistados tiveram uma autopercepção que coincidiu com os achados da avaliação perceptivoauditiva (1111. Morais EPG, Chiari BM, Azevedo R. Correlação Entre avaliação perceptivo-auditiva, auto-avaliação vocal e qualidade de vida em voz em professores; 18° Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia. Anais. Curitiba(PR); 2010..

A dessensibilização do professor quanto ao problema de voz sugere a necessidade de intervenções referentes à promoção da saúde vocal que podem acontecer nas escolas por meio de palestras e orientações específicas1212. Penteado RZ, Pereira IMT. Qualidade de vida e saúde vocal de professores. Rev Saúde Pública. 2007;41(2):236-43..

A saúde do trabalhador é um campo de práticas e conhecimentos que emerge da Saúde Coletiva, buscando conhecer e intervir nas relações entre trabalho e processo saúde-doença, bem como a promoção e proteção da saúde do trabalhador1313. Bernardi APZ. Fonoaudiologia na saúde coletiva: uma área em crescimento. Editorial II. Rev CEFAC. 2007;9(2);339-40.),(1414. Lacaz FAC. O campo saúde do trabalhador: Resgatando Conhecimentos e Práticas Sobre as Relações Trabalho-Saúde. Cad. Saúde Pública. 2007;23(4):757-66..

Nesta perspectiva, o Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho (DVRT) é definido como qualquer forma de alteração na voz que esteja diretamente relacionado ao seu uso durante o exercício profissional diminuindo ou impedindo a comunicação do trabalhador1414. Lacaz FAC. O campo saúde do trabalhador: Resgatando Conhecimentos e Práticas Sobre as Relações Trabalho-Saúde. Cad. Saúde Pública. 2007;23(4):757-66.. Em 1997, o Conselho Federal de Fonoaudiologia encaminhou para profissionais fonoaudiólogos um ofício considerando que alterações no trato vocal poderiam pertencer a uma doença ocupacional. No entanto, as correlações entre voz e trabalho precisam estar definidas e consolidadas para que os agravos possam ser notificados como doença do trabalho1515. Costa HO. Distúrbios da voz relacionado com o trabalho. In: Mendes R, editor. Patologia do trabalho. São Paulo: Atheneu; 2003. p. 1283-93.),(1616. Ferreira LP, Bernardia PA. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: resgate histórico. Distúrb Comun. 2011;23(2):233-6..

Diante do exposto, a presente pesquisa teve como objetivo correlacionar dados da análise fonoaudiológica perceptivoauditiva e da autopercepção da função glótica de professores de escolas municipais.

Métodos

Este estudo está inserido em um projeto de pesquisa intitulado "Voz na docência: uma questão de saúde do trabalhador", que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe sob o número CAAE 17167413.3.0000.5546.

Participaram deste estudo 52 professores de ambos os sexos, sendo 39 mulheres (75%) e 13 homens (25%) que lecionam em diferentes níveis de ensino (Educação infantil ao Educação de Jovens e Adultos) de escolas municipais da cidade de Lagarto/SE, na faixa etária compreendida entre 24 e 54 anos. Foi solicitada a autorização para as escolas e todos os professores participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme Resolução nº 466/2012 que trata sobre ética em pesquisa. Como critério de inclusão, o professor deveria estar lotado na Secretaria de Educação da cidade de Lagarto-SE. Foram excluídos do estudo, os professores em afastamento. Assim, a população da pesquisa compreendeu 52 docentes participantes de um total de 78 convidados.

A coleta de dados foi realizada nas escolas em duas etapas: aplicação do questionário de autoavaliação Índice de Função Glótica (IFG) e do Protocolo Consenso da Avaliação Perceptivo Auditiva da Voz (CAPE-V).

O questionário de autoavaliação IFG é composto por quatro perguntas relacionadas a problemas que afetam a função glótica e o grau de disfunção, a saber: "tenho que fazer esforço para falar", "sinto desconforto ou dor após falar", "sinto fadiga vocal" (voz fica fraca quando falo) e "minha voz quebra ou está diferente". As respostas avaliam a gravidade ou severidade do problema, ou seja, 0 para isso não é um problema e 5 para isso é um problema muito grande1717. Pribuisiene R, Baceviciene M, Uloza V, Vegiene A, Antuseva J. Validation of the Lithuanian Version of the Glottal Function Index. J Voice. 2012;26(2):e73-e8.. O escore total é calculado pela soma das respostas das quatro questões e sugere-se como nota de corte deste questionário o valor de três como total. Esse instrumento de pesquisa foi respondido pelos professores participantes da pesquisa.

O CAPE-V é um instrumento de avaliação perceptivoauditiva da voz, que foi desenvolvido por um grupo de fonoaudiólogos americanos especialistas em voz. A avaliação perceptivoauditiva da voz é realizada pelo fonoaudiólogo e avalia seis parâmetros pré-determinados, com a possibilidade de inclusão de dois adicionais, em três tarefas diversas: vogais sustentadas, frases específicas e conversação espontânea. Os seis parâmetros inclusos são os seguintes: severidade global da alteração, rugosidade, soprosidade e tensão. Além da marcação do desvio nos parâmetros referidos, o clínico deverá ainda indicar se a alteração assinalada é Consistente (C) ou Intermitente (I). A avaliação é representada por uma escala analógica linear, com 10 centímetros de extensão (de 0 a 100mm), onde deve ser anotada a avaliação específica de cada parâmetro1818. Behlau M. Consensus Auditory- Perceptual Evaluation of Voice (CAPE-V), ASHA 2003. Refletindo sobre o novo. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2004;9(3):187-9.. O grau de intensidade se caracteriza como discreto, discretamente moderado, moderado, moderadamente severo e severo.

O objetivo principal deste protocolo é identificar a severidade de um problema vocal por meio da percepção auditiva humana de um profissional competente na área e investigar a necessidade de testes complementares para a avaliação vocal.

Esse instrumento, portanto, foi aplicado em um segundo momento, em todos os professores, em uma sala da escola, tendo sido controlado o ruído ambiental. Durante a avaliação foi gravada uma amostra da voz de acordo com as especificações descritas no CAPE-V, em gravador digital portátil de marca COBY(r). Posteriormente, as referidas amostras foram avaliadas por um fonoaudiólogo, docente supervisor, especialista na área de voz e cinco graduandos em Fonoaudiologia.

Os dados foram analisados quantitativamente e organizados em um banco de dados e receberam tratamento estatístico. Foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson, que caracteriza uma medida do grau de relação linear entre duas variáveis quantitativas. Este coeficiente varia entre os valores -1 e 1. O valor 0 (zero) significa que não há relação linear, o valor 1 indica uma relação linear perfeita e o valor -1 também indica uma relação linear perfeita, mas inversa, ou seja quando uma das variáveis aumenta a outra diminui. Quanto mais próximo estiver de 1 ou -1, mais forte é a associação linear entre as duas variáveis1919. Pearson K. Notes on regression and inheritance in the case of two parents. R. Soc. open sci. 1985;58(4):240-2..

Realizou-se a comparação entre os achados com o sexo e a faixa etária dos participantes desta pesquisa.

Outro teste utilizado foi o coeficiente de correlação ponto bisserial, derivado do coeficiente de correlação linear de Pearson. Esse método é indicado quando uma das variáveis (𝑌) é dicotômica e a outra (𝑋) contínua. Variáveis dicotômicas são as qualitativas para as quais só há duas respostas possíveis do tipo sim/não, doente/não doente, óbito/vivo etc2020. Guilford JP. Fundamental statistics in psychology and education. 4th ed. New York: McGraw-hill Book, 1950..

Ainda foi incluído o estimador do Coeficiente de Correlação Phi, que foi obtido a partir do estimador do Coeficiente Linear de Pearson, e é empregado no caso em que as variáveis são dicotômicas2121. Yule GU. On the Methods of Measuring Association Between Two Attributes. J. R. Stat. Soc.1912;75:579-652..

Empregou-se também o coeficiente de correlação de Kendall2323. Morais EPGM, Azevedo RR, Chiari BM. Correlação entre voz, autoavaliação vocal e qualidade de vida em voz em professoras. Rev CEFAC. 2012;14(5):892-900. medida de correlação utilizada quando pelo menos umas das variáveis sob análise é ordinal, ou apresenta um grande desvio da normalidade2222. Kendall MA. New Measure of Rank Correlation. Biometrika. 1938;30:81-9..

Resultados

Os resultados do questionário IFG mostraram que 31 (59,6%) dos professores autorreferiram queixa em algum nível desse questionário, perfazendo um valor maior que três, ponto de corte estabelecido no grau geral. O sexo feminino apresentou resultados em maior frequência, 24 (61%) das mulheres queixaram-se de alteração. Para o sexo masculino observou-se sete homens (53%) com queixa de voz.

Figura 1:
Frequências das respostas aos ítens do Índice de Função Glótica divididas por sexo

Figura 2:
Frequências das respostas aos itens do CAPE-V distribuídas por sexo

Figura 3:
Frequencias das respostas aos itens do Índice de Função Glótica segundo faixa etária.

Figura 4:
Frequências das respostas aos itens do CAPE-V distribuídas segundo faixa etária.

Figura 5:
Frequências médias das alterações vocais constantes no CAPE-V distribuídas segundo a variável sexo.

Figura 6:
Frequências médias das respostas aos itens do Índice de Função Glótica segundo a variável sexo

Tabela 1:
Correlação dos instrumentos Índice de Função Glótica e CAPE-V
Tabela 2:
Correlação dos instrumentos Índice de Função Glótica com CAPE-V por sexo

Discussão

O predomínio de mulheres que participaram da amostra coincide com o citado na literatura acerca do perfil da população docente66. Behlau M, Tutya AS, Zambon F, Oliveira G. Comparação dos escores dos protocolos QVV, IDV E PPAV em professores. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16 (3):273-8.. Foi também o gênero com maior prevalência e gravidade de alteração vocal autorreferida. O papel da mulher na sociedade e as sobrecargas de trabalho a elas atribuídas podem contribuir para o surgimento do problema vocal2323. Morais EPGM, Azevedo RR, Chiari BM. Correlação entre voz, autoavaliação vocal e qualidade de vida em voz em professoras. Rev CEFAC. 2012;14(5):892-900.. No entanto, o que se observa na avaliação perceptivoauditiva é que a prevalência de alteração vocal encontra-se maior no sexo masculino, dado não encontrado em outras pesquisas².

Na análise perceptivoauditiva dos professores foi observado que houve um predomínio dos parâmetros tensão e rugosidade na análise da variável sexo e idade.

Os sintomas relacionados a função glótica (IFG) dos professores evidenciou que as mulheres apresentaram um valor maior de fadiga vocal e quebras na voz do que os homens, porém esses sintomas também estiveram presentes na população masculina em outro estudo44. Ferreira LP, Giannini SPP, Latorre, MRDO, Zenari MS.Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: proposta de um instrumento para avaliação de professores. Distúrb Comun. 2007;19(1):127-36.. No que diz respeito à idade, os professores entre 45 e 54 anos apresentaram maiores queixas vocais que as outras faixas etárias.

Foi realizado o teste de correlação dos itens dos dois instrumentos e não foi encontrada relação significante entre idade e alteração da voz, um estudo também aponta que a idade não está relacionada à alteração vocal nos docentes2424. Fuess VLR, Lorenz MC. Disfonia em professores do ensino municipal: prevalência e fatores de risco. Rev Bras Otorrinolaringol. 2003;69(6):807-12..

Apesar de não apresentar correlações significantes entre os valores obtidos nos dois instrumentos, observou-se uma maior frequência de alteração vocal na faixa etária compreendida entre 45 e 54 anos. A literatura destaca que a variável faixa etária merece maior atenção, pois quanto maior a idade, menor a eficiência vocal, isto se deve a uma série de modificações laríngeas decorrente do processo de envelhecimento2525. Kooijman PGC, Thomas G, Graamans K. de Jong FICRS. Psychosocial Impact of the Teacher's Voice Throughout the Career. J Voice. 2005;21(3):316-24..

O presente estudo revelou prevalência de alteração vocal em professores a partir da avaliação perceptivoauditiva da voz, que vai ao encontro de resultados em outras pesquisas que constataram 79,6% de altera ção na característica da voz de professoras2626. Simões M, Latorre MRDO. Prevalência de alteração vocal em educadoras e sua relação com a auto-percepção. Rev Saúde Pública. 2006;40(6): 1013-8.. Nesta pesquisa rugosidade e tensão foram os parâmetros mais destacados, concordando com outro estudo que destaca a tensão (81,9%) e rugosidade(71,5%) como os problemas vocais mais observados2727. Mestre LR. Voz do professor: relação entre a avaliação perceptiva-auditiva, autorrefrência a sintomas e índice de desvantagem [Dissertação]. São Paulo (SP): PUC; 2012.. Estes sintomas podem ter relação com o mau uso e abuso vocal, habitualmente encontrado nessa população, como também ausência de hidratação da voz e poucas horas de sono2828. Ferreira LP, Latorre MR, Giannini SP, Ghirardi AC, Karmann DF, Figueira EE. Influence of abusive vocal habits, hydration, mastication, and sleep in the occurrence of vocal symptoms in teachers. J Voice. 2010;24(1):86-92..

Houve nesse estudo uma prevalência de problemas vocais autorreferidos quando comparado à avaliação perceptivoauditiva. As queixas vocais mais frequentes foram "fadiga vocal" e "voz quebra ou está diferente". Um estudo similar também aponta a fadiga vocal como uma das queixas mais frequentes (72,6%), tal sintoma está diretamente relacionado aos quadros de falta de informações de técnicas vocais adequadas para lecionar, tensão ao falar e condições de trabalho desfavoráveis, dentre outros33. Dragone MLS, Giannini SPP, Ditscheiner ÉS, Andrade BMR, Ferreira LP. Voz do professor. 2013. Acesso em: 20/12/2015. Disponível em: http://www.sbfa.org.br/portal/voz_profissional2013/
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Não foi encontrada correlação estatisticamente significante entre os achados do CAPE-V e IFG. Para que se obtivesse a correlação dos instrumentos, os números de concordâncias deveriam ser superiores aos números de discordância, no entanto, o que se obteve foi similaridade entre eles. Corroborando com este achado, um estudo também encontrou ausência de correlação entre ambos os instrumentos utilizados na pesquisa1111. Morais EPG, Chiari BM, Azevedo R. Correlação Entre avaliação perceptivo-auditiva, auto-avaliação vocal e qualidade de vida em voz em professores; 18° Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia. Anais. Curitiba(PR); 2010..

Esse achado pode ser justificado por uma dessensibilização do professor quanto ao seu problema de voz. Pode se hipotetizar que por conviver muito tempo com a alteração na voz, os professores se adaptam, perdendo assim a sensibilidade quanto a um possível problema vocal, como encontrado em outros estudos2424. Fuess VLR, Lorenz MC. Disfonia em professores do ensino municipal: prevalência e fatores de risco. Rev Bras Otorrinolaringol. 2003;69(6):807-12.. Ou ainda que a alteração de voz não seja suficientemente grave para interferir de forma acentuada no desempenho do trabalho docente, portanto, considerada não relevante.

A voz adaptada, definida como uma voz estável e resistente ao uso específico que o trabalhador faz da voz, também pode ser uma justificativa aos achados desta pesquisa. Pode-se empregar o termo voz adaptada em todas as situações em que a voz é aceitável socialmente e consiga transmitir a mensagem emocional do discurso, com frequência, intensidade, modulação e projeção apropriadas para o sexo e idade do falante. Mesmo diante da presença de alterações estruturais nas pregas vocais, pode-se ter um aparelho fonador que produza uma voz aceitável, pois há um significante percentual de trabalhadores que usam a voz de modo mais intensivo e que podem apresentar lesões sem sintomas e com boas chances de se manter estável e assintomática ao longo de meses ou anos de exercício laboral2929. Behlau M, Azevedo R, Pontes P. Conceito de voz normal e classificação das disfonias. In: Behlau M (Org.) Voz: o livro do especialista. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. p.54-84..

Um outro aspecto que deve ser considerado nos achados desta pesquisa é que o professor apresenta dificuldade em identificar o sintoma tensão como um problema de voz, caracterizando-a como normal. Os resultados de observação e exames mais facilmente interpretados como um problema vocal estão relacionados aqueles que geram desconforto significante como: rouquidão, perda da voz, dor e ardor à emissão1212. Penteado RZ, Pereira IMT. Qualidade de vida e saúde vocal de professores. Rev Saúde Pública. 2007;41(2):236-43..

O único item em que foi encontrada correlação estatisticamente significante diz respeito à "soprosidade" e "esforço ao falar". O parâmetro "soprosidade" está relacionado à provável presença de fechamento incompleto da glote, consequentemente, o professor necessitará de um maior esforço ao falar em função do escape de ar fonatório2828. Ferreira LP, Latorre MR, Giannini SP, Ghirardi AC, Karmann DF, Figueira EE. Influence of abusive vocal habits, hydration, mastication, and sleep in the occurrence of vocal symptoms in teachers. J Voice. 2010;24(1):86-92..

Conclusão

O estudo revelou que muitos professores autorreferiram alteração vocal, fato que foi bastante frequente, especialmente, no sexo feminino. Os sintomas vocais mais referidos pelos docentes foram "fadiga vocal" e "voz quebra ou está diferente", demonstrando que o IFG se apresenta como um questionário que elenca sintomas especificamente do domínio orgânico e, portanto, não trata diretamente da repercussão das alterações vocais no domínio social, psicológico e profissional.

Apesar da baixa correlação entre os instrumentos IFG e CAPE-V encontrados neste estudo, considera-se significante a aplicação dos dois protocolos para investigar e compreender os transtornos vocais. Os professores, provavelmente, não se mostraram sensíveis ao problema de voz, pelo fato de conviverem por muito tempo com o distúrbio, adaptando-se à sua nova voz alterada. Além disso, sabe-se que a fase inicial dos transtornos vocais normalmente não causa incapacidade laboral e determinados sintomas são, muitas vezes, negligenciados por serem entendidos como "normais" no professor.

Diante dos achados, acredita-se que seja relevante a atuação fonoaudiológica junto aos professores, para trabalhar em programas que garantam a autopercepção, e agilizem o desenvolvimento de ações que promovam a saúde vocal e diminuam, consequentemente, os altos índices de Distúrbio Vocal Relacionado ao Trabalho. Para que isto ocorra, de fato, é necessária a efetivação de Políticas Públicas de saúde vocal voltadas para o público de que trata este estudo, uma vez que o professor é uma categoria profissional essencial para o desenvolvimento de uma sociedade, entretanto, carente de atenção dos órgãos públicos e de direitos básicos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2015
  • Aceito
    06 Fev 2016
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