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Heterogeneidade na qualidade do lucro contábil entre diferentes classes de empresas com a adoção de IFRS: evidências do Brasil

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo investigar a existência de heterogeneidade na qualidade do lucro contábil entre diferentes classes de empresas com a adoção das normas internacionais de contabilidade [International Financial Reporting Standards (IFRS)]. A adoção de IFRS está geralmente associada ao aumento de qualidade das demonstrações contábeis. Entretanto, as empresas de um mesmo país provavelmente possuem diferentes incentivos econômicos em relação à divulgação da informação. Neste sentido, tratar as empresas de forma homogênea, sem considerar os incentivos econômicos atrelados, poderia contaminar a investigação da qualidade do lucro. É analisado o caso do Brasil, país classificado como code-law, cuja legislação fiscal induzia a prática contábil e com adoção mandatória de IFRS. Em primeiro lugar, as empresas brasileiras listadas na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo foram separadas em duas classes: as empresas que possuíam títulos no mercado internacional [American Depositary Receipt (ADR)] antes da adoção de IFRS e as empresas que não emitiram ADR até a adoção de IFRS. Em seguida, esta segunda classe de empresas foi segregada, por meio de análise de conglomerados, em duas diferentes subclasses em função de incentivos econômicos. Com base nas três classes identificadas, é testada a qualidade do lucro contábil para cada classe de empresas antes e após a adoção de IFRS no período de 2003 a 2014. Este trabalho utiliza o reconhecimento tempestivo dos eventos econômicos, a value relevance do lucro contábil e o gerenciamento de resultados como proxies para verificar a qualidade do lucro contábil. Os resultados encontrados indicam que um determinado conjunto de empresas passou a exibir conservadorismo condicional, value relevance do lucro contábil e menor gerenciamento de resultados após a adoção de IFRS. Em contrapartida, estes resultados não foram encontrados para as duas outras classes de empresas.

Palavras-chave
IFRS; incentivos econômicos; qualidade do lucro; informação contábil

ABSTRACT

This paper aims to investigate the existence of heterogeneity in earnings quality between different classes of companies after the adoption of the International Financial Reporting Standards (IFRS). IFRS adoption is generally associated with an increase in the quality of financial statements. However, companies within the same country are likely to have different economic incentives regarding the disclosure of information. Thus, treating companies equally, without considering the related economic incentives, could contaminate earnings quality investigations. The case of Brazil is analyzed, which is a country classified as code-law, in which tax laws determined accounting practice and in which IFRS adoption is mandatory. First, Brazilian companies listed on the São Paulo Stock, Commodities, and Futures Exchange (BM&FBOVESPA) were separated into two classes: companies issuing American Depositary Receipts (ADRs) before IFRS adoption and companies that did not issue ADRs until the adoption of IFRS. Then, this second class of companies was grouped, using cluster analysis, into two different subclasses according to economic incentives. Based on the groups identified, the quality of accounting earnings is tested for each class of the companies before and after IFRS adoption. This paper uses timely recognition of economic events, value relevance of net income, and earnings management as proxies for the quality of accounting earnings. The results indicate that a particular class of companies began showing conditional conservatism, value relevance of net income, and lower earnings management after IFRS adoption. On the other hand, these results were not found for the two other classes of companies.

Keywords:
IFRS; firm-level incentives; earnings quality; accounting information

1. INTRODUÇÃO

A adoção de normas internacionais de contabilidade [International Financial Reporting Standards (IFRS)] está normalmente associada ao aumento da qualidade da informação contábil divulgada (Barth, Landsman & Lang, 2008Barth, M. E., Landsman, W. R., Lang, M. H. (2008). International accounting standards and accounting quality. Journal of Accounting Research, 46(3), 467-498.). Argumentos sugerindo que a adoção de IFRS produz benefícios significativos para o mercado de capitais partem da premissa que a divulgação em IFRS aumenta a transparência e a qualidade das demonstrações financeiras. Isso reflete o fato do padrão IFRS ser mais orientado ao mercado de capitais e mais abrangente, especialmente no que diz respeito ao disclosure em relação à grande parte dos princípios contábeis nacionais geralmente aceitos (PCGA).

Entretanto, há também argumentos sugerindo que os efeitos da adoção de IFRS no mercado de capitais poderiam ser pequenos ou até mesmo insignificantes. Em particular, há razões para ser cético em relação à premissa que a adoção de IFRS per se torna as demonstrações financeiras com maior conteúdo informacional (Daske, Hail, Leuz & Verdi, 2008Daske, H., Hail, L., Leuz, C., Verdi, R. (2008). Mandatory IFRS reporting around the world: early evidence on the economic consequences. Journal of Accounting Research, 46(5), 1085-1142.). A evidência em diversos estudos aponta para o papel limitado das normas contábeis em determinar a qualidade contábil observada e, pelo contrário, enfatiza a importância dos incentivos na divulgação contábil das empresas (Ball, Kothari & Robin, 2000Ball, R., Kothari, S. P., Robin, A. (2000). The effect of international institutional factors on properties of accounting earnings. Journal of Accounting and Economics, 29(1), 1-51.; Ball, Robin & Wu, 2003Ball, R., Robin, A., WU, J. (2003). Incentives versus standards: properties of accounting income in four East Asian countries. Journal of Accounting and Economics, 36(1-3), 235-270.; Burgstahler, Hail & Leuz, 2006Burgstahler, D., Hail, L., Leuz, C. (2006). The importance of reporting incentives: earnings management in European private and public firms. The Accounting Review, 81(5), 983-1016.).

Nesse sentido, a adoção do padrão IFRS pode não ser vista como condição suficiente para que as empresas de um mesmo país alcancem incremento de qualidade. É esperada, então, a existência de heterogeneidade no ganho de qualidade informacional. Em outras palavras, é possível que determinadas classes de empresas alcancem um ganho informacional em função de incentivos econômicos, ao passo que outras classes de empresas não alcancem um incremento de qualidade mesmo quando da adoção de IFRS.

É analisado o caso do Brasil. O Brasil é um país de tradição code-law, com adoção mandatória de IFRS e cuja legislação fiscal induzia a prática contábil até a quebra da conformidade contábil-fiscal em 2007.

A quebra da ligação formal entre as normas contábeis brasileiras para fins de divulgação e as regras tributárias ocorreram com a publicação da Lei n. 11.638/2007 (Brasil, 2007Brasil (2007). Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007. Altera e revoga dispositivos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Brasília, DF: Diário Oficial da União.). Esta lei teve como objetivo atualizar a legislação societária para possibilitar o processo de convergência das práticas contábeis adotadas no Brasil. Assumiu-se que esses dois eventos foram relevantes para a redução da dependência de trajetória do reporte financeiro em relação às regras tributárias porque as companhias começaram a ser capazes de fazer mudanças que não eram possíveis anteriormente.

Além disso, destaca-se o fato da adoção do padrão IFRS no Brasil ser realizada de maneira mandatória. A adoção mandatória das normas internacionais não necessariamente conduz à informação contábil de elevada qualidade, pelo menos para aquelas empresas que não têm incentivos para adotar. Visto de outra forma, se fosse estabelecida a adoção voluntária de IFRS, as empresas com menores incentivos de divulgação dificilmente adotariam o padrão IFRS no primeiro ano de publicação. Em função de as empresas encararem diferentes incentivos de divulgação em um mesmo país é natural supor que a qualidade da informação contábil também seja heterogênea.

Desta forma, este trabalho tem por objetivo investigar a existência de heterogeneidade na qualidade do lucro contábil entre diferentes classes de empresas brasileiras com a adoção das normas internacionais de contabilidade. Foram testados conservadorismo condicional, value relevance e gerenciamento de resultados para três classes de empresas com diferentes incentivos econômicos para divulgação da informação contábil.

A primeira classe de empresas foi denominada serious compliers. Com adoção das normas internacionais e desvinculação das normas tributárias, conjectura-se que uma classe de empresas passou por um incremento de qualidade com a adoção do padrão IFRS. Essas empresas teriam incentivos econômicos suficientes para deixar para trás a conformidade contábil-fiscal e apresentar qualidade superior no seu conjunto de informações contábeis divulgadas.

Daske, Hail, Leuz e Verdi (2013Daske, H., Hail, L., Leuz, C., Verdi, R. (2013). Adopting a label: heterogeneity in the economic consequences around IAS/IFRS adoptions. Journal of Accounting Research, 51(3), 495-47.) apontam que empresas maiores, com maior necessidade de obtenção de recursos, maior oportunidade de crescimento e menor nível de concentração acionária, possuem mais incentivos em fornecer informação mais transparente. Estas variáveis foram utilizadas, por meio de análise de conglomerados, para identificar empresas com incentivos econômicos em fornecer informação contábil de maior qualidade.

A segunda classe foi denominada American Depositary Receipt (ADR). Conjectura-se que as empresas brasileiras que emitiram ADR possuíam qualidade superior antes 2008. O menor desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro levou as empresas nacionais com oportunidades de crescimento a buscarem financiamento externo. Somado ao fato do mercado norte-americano ser mais exigente em relação à transparência e demandar informação contábil de melhor qualidade, é predito que a classe de empresas brasileiras que emitiu ADR possuiria melhor qualidade de informação contábil mesmo antes de 2008. Não é esperado incremento significativo de qualidade da informação contábil após 2008, pois essas empresas já vinham adotando práticas e políticas contábeis mais próximas das normas internacionais de contabilidade.

Além disso, argumenta-se que existia uma classe de empresas com qualidade inferior, mas que não alcançariam incremento de qualidade informacional mesmo com a adoção de IFRS. Essa classe foi denominada de label compliers. Argumenta-se que empresas com baixo monitoramento do mercado de ações podem não exibir melhorias em termos de qualidade das informações para divulgação nos períodos seguintes à adoção de IFRS em função de dependência de trajetória (path dependence) ligada à tributação.

Os resultados obtidos com os testes indicam que a classe serious compliers passou a exibir conservadorismo condicional, value relevance do lucro contábil e menor gerenciamento de resultados após a adoção de IFRS. Em contrapartida, a classe label compliers não exibiu conservadorismo condicional, value relevance do lucro contábil e redução no gerenciamento de resultados após a adoção de IFRS. Já os resultados para a classe ADR indicam conservadorismo condicional e value relevance do lucro contábil tanto antes quanto após a adoção de IFRS.

Este trabalho procura contribuir com a literatura sobre o processo de adoção de IFRS, particularmente em países emergentes. Mais especificamente, este trabalho procura superar a limitação dos estudos empíricos nacionais que tendem a focar no efeito médio da adoção de IFRS. Assim, a verificação e a investigação de cada uma das três classes e suas particularidades podem ser vistas como a principal contribuição deste trabalho.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Adoção de IFRS e Qualidade da Informação Contábil da Firma

A adoção de IFRS está geralmente associada ao aumento de qualidade das demonstrações contábeis. Espera-se que a maior qualidade dos lucros esteja associada ao reconhecimento tempestivo dos eventos econômicos, value relevance de variáveis contábeis e menor gerenciamento de resultados (Barth et al. 2008Barth, M. E., Landsman, W. R., Lang, M. H. (2008). International accounting standards and accounting quality. Journal of Accounting Research, 46(3), 467-498.).

Espera-se que os lucros, tendo como base as normas do International Accounting Standard Board (IASB), sejam menos gerenciados que se baseados nas normas nacionais, pois o IASB procura limitar o poder discricionário dos gestores de divulgar lucros que não reflitam o desempenho econômico da empresa. Utilizando amostra de empresas de 20 países europeus, Aubert e Grudnitski (2012Aubert, F., Grudnitski, G. (2012). Analysts' estimates: what they could be telling us about the impact of IFRS on earnings manipulation in Europe. Review of Accounting and Finance, 11(1), 53-72.) verificaram que ocorreu queda no gerenciamento de resultados após a adoção mandatória de IFRS. Zéghal, Chtourou e Sellami (2011Zéghal, D., Chtourou, S., Sellami, Y. M. (2011). An analysis of the effect of mandatory adoption of IAS/IFRS on earnings management. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 20(2), 61-72.) encontraram evidências de redução de gerenciamento de resultados após a adoção mandatória de IFRS em amostra constituída de 353 empresas francesas.

A literatura sugere que uma característica da informação contábil com qualidade superior é que grandes perdas são reconhecidas na medida em que ocorrem ao invés de serem diferidas para períodos futuros (Leuz, Nanda & Wysocki, 2003Leuz, C., Nanda, D., Wysocki, P. D. (2003). Earnings management and investor protection: an international comparison. Journal of Financial Economics, 69, 505-527.). Ball e Shivakumar (2005Ball, R., Shivakumar, L. (2005). Earnings quality in UK private firms: comparative loss recognition timeliness. Journal of Accounting & Economics, 39(1), 83-128.) encontraram que o reconhecimento tempestivo de perdas é menos predominante em empresas sem títulos negociados no mercado que em empresas com títulos negociados no Reino Unido. Christensen, Lee e Walker (2015Christensen, H. B., Lee, E, Walker, M. (2015). Incentives or standards: what determines accounting quality changes around IFRS adoption? European Accounting Review, 24(1), 31-61.) encontraram que a adoção voluntária de IFRS na Alemanha está associada à redução no gerenciamento de resultados e ao reconhecimento mais tempestivo de perdas.

Por outro lado, Ball e Shivakumar (2005Ball, R., Shivakumar, L. (2005). Earnings quality in UK private firms: comparative loss recognition timeliness. Journal of Accounting & Economics, 39(1), 83-128.) encontraram que o reconhecimento tempestivo de perdas é menos predominante em empresas britânicas sem títulos negociados no mercado que em empresas britânicas com títulos negociados. No mesmo sentido, Ball (2001Ball, R. (2001). Infrastructure requirements for an economically efficient system of public financial reporting and disclosure. Brookings-Wharton Papers on Financial Services, 2001, 127-169.) argumenta que a convergência para normas internacionais de contabilidade dificilmente seria alcançada simplesmente pela harmonização de normas contábeis. O autor argumenta que normas contábeis uniformes foram desenvolvidas para satisfazer as necessidades de países common law (como Estados Unidos da América e Reino Unido) nos quais a divulgação de informação reduz a assimetria de informação entre gestores e usuários das demonstrações contábeis; em lugares nos quais a dispersão da informação privada prevalece, este modelo dificilmente seria bem sucedido.

De forma geral, estes estudos revelam que os incentivos econômicos para divulgação afetam fortemente a aplicação de facto das normas contábeis e, assim, diferenças nos incentivos, ceteris paribus, levam a diferenças na qualidade dos lucros.

2.2 Ambiente Institucional Brasileiro e Adoção do Padrão IFRS

Até a aprovação da Lei n. 11.638/2007 (Brasil, 2007Brasil (2007). Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007. Altera e revoga dispositivos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Brasília, DF: Diário Oficial da União.), o sistema contábil no Brasil estava de certa forma ligado à apuração do imposto de renda (IR). A Secretaria da Receita Federal do Brasil, por meio do Decreto-Lei n. 1.598/1977 (Brasil, 1977Brasil (1977). Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977. Altera a legislação do imposto sobre a renda. Brasília, DF: Diário Oficial da União.), vinculou a legislação fiscal à legislação societária ao estabelecer a apuração do lucro tributável a partir do lucro contábil, considerando alguns ajustes definidos pela legislação tributária.

Apesar de a Lei n. 6.404/1976 (Brasil, 1976Brasil (1976). Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Brasília, DF: Diário Oficial da União.) prever que a escrituração contábil deveria ser efetuada com base nos PCGA e que as diferenças encontradas entre as legislações fiscais e societárias deveriam ser tratadas de forma extracontábil no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR), havia influência fiscal indireta direcionando as empresas a não utilizarem os critérios contábeis. As empresas, por vezes, abandonavam práticas contábeis consideradas mais adequadas sob o ponto de vista da contabilidade societária para não ter que, com isto, adiantar o pagamento de tributos.

Além disto, o Brasil possuía características usualmente associadas à divulgação contábil de baixa qualidade - baixo enforcement legal, elevada participação do governo nas normas contábeis, alta participação do Estado na economia, financiamento predominantemente bancário, mercado de títulos pouco desenvolvido e com padrões de governança que deixavam a desejar (Ali & Hwang, 2000Ali, A., & Hwang, L. (2000). Country specific factors related to financial reporting and the value relevance of accounting data. Journal of Accounting Research, 38(1), 1-21.; Ball et al., 2000Ball, R., Kothari, S. P., Robin, A. (2000). The effect of international institutional factors on properties of accounting earnings. Journal of Accounting and Economics, 29(1), 1-51., 2003Ball, R., Robin, A., WU, J. (2003). Incentives versus standards: properties of accounting income in four East Asian countries. Journal of Accounting and Economics, 36(1-3), 235-270.). Nesse sentido, o Brasil seria um típico país de tradição code-law no qual as demonstrações financeiras não seriam preparadas para informar os investidores, mas para estar de acordo com as exigências fiscais e regulatórias.

Entretanto, mesmo em um ambiente de baixa qualidade da informação contábil e frágil regime de governança como o Brasil, algumas empresas poderiam enfrentar fortes incentivos para afastar-se do ambiente de baixa qualidade de seu país com objetivo de financiar futuros projetos de investimento (Lopes & Walker, 2008Lopes, A. B, Walker, M. (2008). Firm-level incentives and the informativeness of accounting reports: an experiment in Brazil [Working Paper]. Social Science Research Network. Retrieved from http://ssrn.com/abstract=1095781.
http://ssrn.com/abstract=1095781...
). Nesse sentido, empresas com oportunidades de investimento desejando obter financiamento externo possuíam fortes incentivos para aumentar a qualidade de seus demonstrativos financeiros, tendo em vista a maior demanda desses mercados por informação de maior qualidade. Dessa forma, mesmo antes da adoção do padrão IFRS é possível que existisse uma classe de empresas que apresentava informação contábil com qualidade superior.

Portanto, antes da adoção das normas internacionais, é possível destacar a existência de duas classes que diferiam em relação à qualidade da informação contábil divulgada. A classe com qualidade superior seria aquela constituída por empresas com títulos emitidos no mercado internacional. Em contrapartida, o restante das empresas não possuía, até a adoção de IFRS, incentivos econômicos suficientes para divulgar informação contábil de qualidade superior.

A publicação da Lei n. 11.638/2007 (Brasil, 2007Brasil (2007). Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007. Altera e revoga dispositivos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Brasília, DF: Diário Oficial da União.) e da Lei n. 11.941/2009 (Brasil, 2009Brasil (2009). Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. Altera a legislação tributária federal relativa ao parcelamento ordinário de débitos tributários e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União.) legitimou o processo de convergência contábil, a desvinculação das normas societárias e fiscais, a redução da interferência governamental na emissão de normas societárias e os poderes do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) para elaborar pronunciamentos visando essa convergência.

Com a adoção das normas internacionais e desvinculação das normas tributárias, é possível que uma classe de empresas que possuía informação de menor qualidade passe por um incremento de qualidade com a adoção do padrão IFRS. Empresas com maior monitoramento do mercado acionário poderiam ter incentivos suficientes para deixar para trás a conformidade contábil-fiscal e apresentar maior qualidade no seu conjunto de informações divulgadas.

Argumenta-se que essas empresas não possuíam incentivos econômicos suficientes antes da adoção de IFRS a ponto de, por exemplo, emitir títulos no mercado internacional. Além disso, a própria vinculação entre as normas para fins de divulgação e fiscais poderia ser vista como obstáculo para essas empresas adotarem uma informação de maior qualidade.

Essa classe de empresas seria a única que enfrentaria uma variação significativa em termos de qualidade da informação contábil. Aquela classe com qualidade superior antes da adoção de IFRS continuaria engajada em divulgar informação contábil de qualidade superior e, portanto, não sofreria mudanças significativas na qualidade da informação contábil.

Já a classe de empresas com incentivos econômicos não voltados para a divulgação para o mercado de capitais continuaria com nível semelhante de similaridade contábil-fiscal, mesmo após a adoção de IFRS, e assim não apresentaria incremento de qualidade da informação contábil divulgada.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 Visão Geral

Os testes estão estruturados em dois passos. No primeiro passo foi feita a separação das empresas listadas na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&FBOVESPA) em três classes. As empresas foram agrupadas em termos de incentivos econômicos dados pelo mercado acionário, bem como suas respectivas qualidades da informação contábil previamente à adoção do padrão IFRS.

Em seguida foram selecionadas e testadas medidas de qualidade informacional para cada uma das três classes de empresas antes e após 2008. Foram testados value relevance, conservadorismo condicional e gerenciamento de resultados. Os modelos de regressão foram estimados para os testes de qualidade usando o modelo de mínimos quadrados ordinários com erros-padrão com robustez para heterocedasticidade - variante HC1.

A amostra é constituída de empresas brasileiras listadas na BM&FBOVESPA durante o período de 2003 a 2014. As observações usadas nos testes contemplam apenas empresas que possuem informações financeiras para todo o período analisado.

Foram excluídas as empresas do setor financeiro, pois gerariam dificuldades de comparação, dada as especificidades tanto da legislação tributária quanto das normas determinadas pelo Banco Central do Brasil. Além disso, foram excluídas as observações classificadas como outliers, definidas como observações acima ou abaixo de três desvios-padrão em relação à média padronizada da variável de interesse (Fávero, Belfiore, Silva & Chan, 2009Fávero, L. P. L., Belfiore, P. P., Silva, F. L., Chan, B. L. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para tomada de decisões. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.).

Os dados foram coletados da base de dados Economatica(r) durante o primeiro semestre de 2015. A Tabela 1 apresenta o número de observações para cada teste.

Tabela 1
Número de observações para cada teste

3.2 Separação das Empresas Antes de 2008

Para validar a variável ADR como proxy para qualidade superior testou-se value relevance e conservadorismo condicional para as empresas que possuíam títulos emitidos tanto na BM&FBOVESPA quanto na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) durante o período de 2003 a 2007. Se essas empresas possuíssem, de fato, qualidade superior, apresentariam conservadorismo condicional e value relevance dos números contábeis antes da adoção do padrão IFRS.

Além disto, foi testado value relevance e conservadorismo condicional para a amostra de empresas listadas na BM&FBOVESPA, mas que não possuíam ADRs em 2007. É predito que essa classe não exibia value relevance e conservadorismo condicional antes de 2008.

3.3 Separação das Empresas Após 2008

Daske et al. (2013Daske, H., Hail, L., Leuz, C., Verdi, R. (2013). Adopting a label: heterogeneity in the economic consequences around IAS/IFRS adoptions. Journal of Accounting Research, 51(3), 495-47.) utilizam variáveis de incentivo econômico para separar as empresas que adotam IFRS de forma séria daquelas que adotam apenas como rótulo. Os autores assumem que as empresas classificadas como serious adopters teriam melhoras em sua estratégia de divulgação com a adoção de IFRS. Por outro lado, o restante das empresas, label adopters, adotaria o padrão IFRS sem qualquer mudança significante de divulgação.

Daske et al. (2013Daske, H., Hail, L., Leuz, C., Verdi, R. (2013). Adopting a label: heterogeneity in the economic consequences around IAS/IFRS adoptions. Journal of Accounting Research, 51(3), 495-47.) apontam que empresas maiores, com maior necessidade de obtenção de recursos, maiores oportunidades de crescimento e menor nível de concentração acionária seriam classificadas como serious adopters e, assim, possuiriam incentivos em fornecer informação mais transparente.

Beck, Demirgüç-Kunt e Maksimovic (2005Beck, T., Demirgüç-Kunt, A., Maksimovic, V. (2005). Financial and legal constraints to firm growth: does firm size matter? Journal of Finance, 60(1), 137-177.) argumentam que empresas maiores conseguem absorver melhor os custos da divulgação, são mais sensíveis à visibilidade a fim de atrair capitais e, normalmente, são submetidas a exigências de divulgação mais elevadas por parte de acionistas múltiplos e institucionais e por stakeholders políticos e sociais. Santos, Ponte e Mapurunga (2014Santos, E. S., Ponte, V. M. R., Mapurunga, P. V. R. (2014). Adoção obrigatória de IFRS no Brasil (2010): índice de conformidade das empresas com a divulgação requerida e alguns fatores explicativos. Revista Contabilidade & Finanças, 25(65), 161-176.) encontram que o tamanho da empresa produz impacto positivo significativo sobre os níveis de conformidade por parte das empresas brasileiras com a divulgação requerida pelo IFRS. Seguindo o trabalho de Daske et al. (2013Daske, H., Hail, L., Leuz, C., Verdi, R. (2013). Adopting a label: heterogeneity in the economic consequences around IAS/IFRS adoptions. Journal of Accounting Research, 51(3), 495-47.), a proxy de tamanho utilizada neste trabalho é o logaritmo natural do valor de mercado.

Quanto maior a necessidade de financiamento, maior a propensão de a empresa adotar as práticas de convergência de maneira que melhore sua avaliação pelo financiador (Francis Khurana, Martin & Pereira, 2008Francis, J. R., Khurana, I. K., Martin, X., Pereira, R. (2008). The role of firm-specific incentives and country factors in explaining voluntary IAS adoptions: evidence from private firms. European Accounting Review, 17(2), 331-360.). Seguindo o trabalho de Daske et al. (2013Daske, H., Hail, L., Leuz, C., Verdi, R. (2013). Adopting a label: heterogeneity in the economic consequences around IAS/IFRS adoptions. Journal of Accounting Research, 51(3), 495-47.), a necessidade de financiamento é medida pela razão passivo/ativo.

Empresas com fortes oportunidades de crescimento estão propensas a precisar de financiamento externo para custear os projetos de investimento presentes e futuros. Estas companhias precisam de alguma forma se comprometer voluntariamente a não expropriar seus investidores por meio da adoção de práticas contábeis mais rigorosas. Seguindo o trabalho de Daske et al. (2013Daske, H., Hail, L., Leuz, C., Verdi, R. (2013). Adopting a label: heterogeneity in the economic consequences around IAS/IFRS adoptions. Journal of Accounting Research, 51(3), 495-47.), a oportunidade de crescimento da empresa é mensurada pelo índice market-to-book (MTB).

A concentração acionária é definida como a soma dos dois maiores acionistas com direito a voto. É predito que quanto maior a concentração acionária, menor tenderia o monitoramento do mercado acionário e, portanto, menor demanda por demonstrações financeiras de maior qualidade.

Este trabalho utilizou as quatro variáveis e proxies utilizadas no trabalho de Daske et al. (2013Daske, H., Hail, L., Leuz, C., Verdi, R. (2013). Adopting a label: heterogeneity in the economic consequences around IAS/IFRS adoptions. Journal of Accounting Research, 51(3), 495-47.) e acrescentou as variáveis volume de negociação e alíquota efetiva de IR/contribuição social sobre o lucro líquido (IR/CSSL) para identificar as empresas com incentivos econômicos para melhorar a qualidade da informação contábil divulgada.

No que diz respeito à variável volume de negociação, a hipótese de seleção adversa assevera que quando um grupo de acionistas possui informação privilegiada há um ambiente de assimetria de informação que reduz a liquidez (Glosten & Milgrom, 1985Glosten, L., Milgrom, P. (1985). Bid, ask, and transaction prices in a specialist market with heterogeneously informed traders. Journal of Financial Economics, 14(1), 71-100.; Grossman & Stiglitz, 1980Grossman, S., Stiglitz, J. (1980). On the impossibility of informationally efficient markets. American Economic Review, 70(3), 393-408.). É predito que quanto maior o volume de negociação, maior o incentivo dessa empresa em divulgar informação de maior qualidade.

A alíquota efetiva de IR de pessoa jurídica (IRPJ)/CSSL é definida como a razão entre a despesa corrente de IRPJ/CSSL e o lucro antes do IRPJ/CSSL (LAIR). Scholes, Wolfson, Erickson, Maydew e Shevlin (2002Scholes, M. S., Wolfson, M. A., Erickson, M., Maydew, E. L., Shevlin, T. (2002). Taxes and business strategy: a planning approach (2nd ed.). Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall.) argumentam que grandes acionistas que se mantêm próximos às empresas têm incentivo para monitorar as atividades de economia tributária dos gestores e que estas firmas provavelmente escolhem oportunidades de economia de tributos envolvendo diferenças contábil-fiscais permanentes, mesmo se essas oportunidades reduzirem o lucro contábil. É predito que quanto menor o monitoramento do mercado acionário, menor tenderia a ser a alíquota efetiva de IRPJ/CSSL.

Pressupõe-se que a classe de empresas com menor qualidade informacional antes de 2008 passou a ser dividida em duas subclasses após a adoção de IFRS: empresas que continuaram com vinculação contábil-fiscal (label compliers) e a segunda classe que passou a ter maior qualidade da informação contábil (serious compliers).

Para separar essas empresas, foi utilizada a técnica estatística de análise de cluster. Ela procura maximizar a homogeneidade dos objetos dentro das classes e maximizar a heterogeneidade entre as demais classes (Fávero et al., 2009Fávero, L. P. L., Belfiore, P. P., Silva, F. L., Chan, B. L. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para tomada de decisões. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.).

As informações das variáveis de incentivos econômicos são relativas a 2007, uma vez que, se existissem incentivos econômicos para a empresa divulgar informações de maior qualidade para investidores, esses incentivos já deveriam existir em 2007.

É predito que as empresas da classe serious compliers são relativamente maiores, possuem volume de negociação maior, alíquota efetiva de IR-contribuição social (CS) relativamente maior, maiores oportunidades de crescimento, maiores necessidades de financiamento, mas em contrapartida possuem concentração acionária menor.

3.4 Testes de Qualidade

3.4.1 Conservadorismo condicional.

O modelo de conservadorismo condicional parte da premissa que, no momento do reconhecimento de uma futura perda econômica contida no lucro de determinada entidade, o mercado de capitais reconheceria essa perda oportunamente no retorno das ações (Brito, 2010Brito, G. A. S. (2010). Conservadorismo contábil e o custo do crédito bancário no Brasil (Doctoral Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.). Para testar o conservadorismo condicional utilizou-se o Modelo Reverso de Lucros Associados a Retornos, de Basu (1997Basu, S. (1997). The conservatism principle and the asymmetric timeliness of earnings. Journal of Accounting and Economics, 24(1), 3-37.):

em que EARNit é o resultado por ação da empresa i para o ano t, Retit é o retorno do preço da ação para a empresa i no ano t e DRit é uma dummy que assume 1 quando o retorno da ação é negativo e 0 caso contrário.

Sob a hipótese de conservadorismo, os lucros serão mais fortemente relacionados com os retornos negativos que com os positivos, o que implica β2 + β3 > β2, isto é, β3 > 0. Um coeficiente β3 positivo e significante revela a presença de conservadorismo condicional (Silva, 2013Silva, R. L. M. (2013). Adoção completa das IFRS no Brasil: qualidade das demonstrações contábeis e o custo de capital próprio (Doctoral Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.).

3.4.2 Gerenciamento de resultados.

O gerenciamento de resultados é ferramenta utilizada pelos administradores para que as informações contábeis possuam conteúdo mais otimista que o esperado pelos investidores. Dessa forma, o gerenciamento de resultados é uma intervenção intencional nos relatórios financeiros externos com a intenção de que os relatórios não representem a realidade intrínseca ao negócio (Gioielli, Carvalho & Sampaio, 2013Gioielli, S. P. O., Carvalho, A. G., Sampaio, J. O. (2013). Capital de risco e gerenciamento de resultados em IPOs. Brazilian Business Review, 10(4), 32-68.).

No Brasil, o Modelo Jones Modificado e o Modelo KS são os mais populares para detectar o gerenciamento de resultados por accruals. Destaque-se Kothari, Leone e Wasley (2005Kothari, S. P., Leone, A., Wasley, C. (2005). Performance matched discretionary accrual measures. Journal of Accounting and Economics, 39(1), 163-197.) que propuseram um modelo ajustado sobre aquele tradicional de Jones, sugerindo a análise confrontada com o desempenho, controlando o cálculo dos accruals discricionários com firmas em um mesmo grupo e confrontada com o desempenho (Martinez, 2013Martinez, A. L. (2013). Gerenciamento de resultados no Brasil: um survey da literatura. Brazilian Business Review, 10(4), 1-31.). Kothari et al. (2005Kothari, S. P., Leone, A., Wasley, C. (2005). Performance matched discretionary accrual measures. Journal of Accounting and Economics, 39(1), 163-197.) apresentam outro modelo, nova modificação do Modelo Jones, incluindo o retorno dos ativos (ROA):

em que ATit representa o total de accruals para a empresa i no período t, Ait-1 representa o total de ativos para a empresa i no período t-1, ∆RECit representa a variação de receita de vendas da empresa i do período t-1 para o período t, ∆CRit representa a variação de contas a receber da empresa i do período t-1 para o período t, PPEit representa o valor do imobilizado da empresa i no período t e ROAit representa o retorno sobre os ativos da empresa i no período t.

Como os dados para o cálculo dos accruals são disponibilizados somente a partir de 2005, não foram utilizados os anos de 2003 e 2004 para o modelo de gerenciamento de resultados.

Para investigar o grau de gerenciamento de resultados das empresas após a adoção do padrão IFRS, utilizou-se a seguinte equação (Silva, 2013Silva, R. L. M. (2013). Adoção completa das IFRS no Brasil: qualidade das demonstrações contábeis e o custo de capital próprio (Doctoral Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.; Tendeloo & Vanstraelen, 2005Tendeloo, B. V., Vanstraelen, A. (2005). Earnings management under German GAAP versus IFRS. European Accounting Review, 14(1), 155-180.):

em que [AD]it representa os accruals discricionários da empresa i no período t e IFRS it é uma dummy que assume o valor de 1 para os anos após a adoção das normas internacionais e 0 caso contrário. Se determinada empresa diminui o grau de gerenciamento de resultados após a adoção de IFRS, espera-se que o coeficiente β1 seja negativo e estatisticamente significante.

3.4.3 Value relevance.

De acordo com Barth, Beaver e Landsman (2001Barth, M. E., Beaver, W. H., & Landsman, W. R. (2001). The relevance of the value relevance literature for financial accounting standard setting: another view. Journal of Accounting & Economics, 31(1-3), 77-104.), o conteúdo informacional da contabilidade pode ser avaliado por meio de estudos de value relevance, cujo objetivo é analisar a relevância da informação contábil para os investidores. Os testes de value relevance buscam aferir se um valor contábil será capaz de apresentar uma relação significativa com os preços de um mercado. Em caso positivo, tal valor seria considerado relevante pelo investidor para avaliar o desempenho econômico-financeiro de uma entidade e seria refletido nos preços de mercado (Silva, 2013Silva, R. L. M. (2013). Adoção completa das IFRS no Brasil: qualidade das demonstrações contábeis e o custo de capital próprio (Doctoral Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.; Suzart, 2013Suzart, J. A. S. (2013). Informações contábeis governamentais e o mercado secundário de títulos públicos: um estudo sob a ótica da value relevance no Brasil (Doctoral Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.).

A especificação do modelo de retorno ou Coeficiente de Resposta aos Lucros (ERC) considerada neste trabalho é similar à adotada nos estudos de Easton e Harris (1991Easton, P., Harris, T. S. (1991). Earnings as an explanatory variable for returns. Journal of Accounting Research, 29(1), 19­36.) e Francis e Schipper (1999Francis, J., Schipper, K. (1999). Have financial statement lost their relevance? Journal of Accounting Research, 37(2), 319-352.):

em que RET it é o retorno da ação i três meses após a data de encerramento das demonstrações contábeis e LAIR it é o valor do lucro antes do IR dividido pelo total de ativos.

4. RESULTADOS

4.1 Análise de Conglomerados

Em primeiro lugar, foi realizada a correlação entre as variáveis que denotam maior ou menor monitoramento do mercado acionário. Em seguida, foi conduzida a análise de conglomerados das empresas listadas na BM&FBOVESPA não classificadas na classe ADR.

4.1.1 Tabela de correlação.

As correlações entre as variáveis que manifestam os incentivos econômicos (Tabela 2) possuem os sinais preditos na seção anterior. Mais especificamente, todas as variáveis foram negativamente correlacionadas com a variável concentração acionária. Por exemplo, o volume de negociação guarda relação negativa e estatisticamente significante com o grau de concentração acionária (-0,477***).

Tabela 2
Tabela de correlação entre as variáveis de agrupamento

Os resultados encontrados corroboram os resultados de outros estudos. Por exemplo, Rubin (2007Rubin, A. (2007). Ownership level, ownership concentration and liquidity. Journal of Financial Markets, 10(3), 219-248.) encontra que o grau de concentração acionária é negativamente relacionado com o grau de liquidez das empresas listadas na NYSE. Além disso, Zeng (2011Zeng, T. (2011). Ownership concentration, state ownership, and effective tax rates: evidence from China's listed firms. Accounting Perspectives, 9(4), 271-289.) verificou que empresas chinesas com concentração acionária apresentam menores alíquotas efetivas de IR.

A relação negativa entre valor de mercado e concentração acionária é consistente com os argumentos de Demsetz e Lehn (1985Demsetz, H., Lehn, K. (1985). The structure of corporate ownership: causes and consequences. Journal of Political Economy, 93(6), 1155-1177.): quanto maior a empresa, ceteris paribus, maior o valor de mercado de dada fração da empresa. O maior preço de dada fração da empresa deveria, por si só, reduzir o grau de concentração acionária.

4.1.2 Análise de cluster.

Na análise de conglomerados utilizou-se o processo de agrupamento hierárquico com o método de vínculo entre grupos com distância euclidiana quadrada. Após a identificação de duas subclasses de empresas pelo resultado da análise de conglomerados, calculou-se a média de cada variável para cada uma das subclasses (Tabela 3).

Tabela 3
Média das variáveis para cada subclasse

As variáveis da Tabela 3 sinalizam maior ou menor monitoramento do mercado acionário sobre a empresa. Maior monitoramento está associado à maior demanda por informação contábil de qualidade, cujo objetivo, em última instância, é auxiliar na tomada de decisões. Como o padrão IFRS é mais orientado ao mercado de capitais e mais abrangente em relação à grande parte dos PCGA nacionais, a empresa com maior monitoramento do mercado teria incentivo em aumentar a qualidade da informação contábil após a adoção de IFRS para sinalizar comprometimento e transparência para o mercado.

Visto de outra forma, as empresas com baixo monitoramento do mercado acionário poderiam estar preocupadas, por exemplo, com a economia de tributos sem conduzir a mudanças substanciais na divulgação da informação contábil. Se a informação financeira divulgada está de fato destacada da contabilidade para fins tributários, ela deve se apresentar útil para a tomada de decisões, com significativo value relevance. Do mesmo modo, a informação tem caráter mais tempestivo e deve apresentar conservadorismo condicional aos eventos econômicos. Não se espera que essas características estejam presentes na informação contábil fortemente influenciada pelos aspectos tributários, já que a contabilidade tributária não está voltada para a tomada de decisões.

Tendo em vista as características da subclasse B - elevada concentração acionária, baixa alíquota efetiva de IRPJ/CSSL e menor volume de negociação - assume-se que essas empresas não estariam engajadas em fornecer informação contábil de maior qualidade, mesmo após a adoção do padrão IFRS. A baixa alíquota efetiva de IR seria indicativa de ênfase na utilização de diferenças permanentes para economizar no pagamento de tributos. Assim, essa classe foi denominada label compliers.

Em contrapartida, as características da subclasse A - relativa baixa concentração acionária, alíquota efetiva de IRPJ/CSSL próxima a 34% e maior volume de negociação em relação à subclasse A - indicam que essas empresas possuem incentivos econômicos fortemente atrelados em fornecer informação relevante para o mercado que as monitora. Essas são, portanto, as empresas em que se espera o incremento de qualidade após a adoção do padrão IFRS e seriam chamadas de serious compliers.

Tabela 4
Estatística descritiva das variáveis de agrupamentos para as classes serious compliers e label compliers

Em geral, as médias e medianas das variáveis de interesse são consistentes com as predições. Mais especificamente, as médias e as medianas das variáveis valor de mercado, volume de negociação e alíquota efetiva de IR/CS são superiores para a classe serious compliers em relação à classe label compliers. Além disso, a média e a mediana da variável concentração acionária são menores para a classe serious compliers em relação à classe label compliers.

4.2 Resultados para os Testes de Qualidade do Lucro Contábil

4.2.1 Resultados para o Modelo Reverso de Lucros Associados a Retornos para as três classes de empresas antes da adoção de IFRS.

A Tabela 15 apresenta os resultados da avaliação de conservadorismo condicional para as três classes de empresas no período de 2003 a 2007.

Tabela 5
Regressões para o Modelo Reverso de Lucros Associados a Retornos para as três classes de empresas no período de 2003 a 2007

Os resultados do teste de conservadorismo condicional antes da adoção de IFRS são consistentes com as predições feitas anteriormente. O coeficiente β3 não é estatisticamente significante, seja para a classe serious compliers, seja para a classe label compliers. Assim, não é possível afirmar que esses dois conjuntos de empresas adotavam mecanismos de reconhecimento tempestivo das perdas econômicas antes da adoção de IFRS. Argumenta-se que essas duas classes de empresas não possuíam, até então, incentivos suficientes para adotar mecanismos de conservadorismo condicional.

Estes resultados corroboram os estudos empíricos nacionais que buscaram investigar o conservadorismo antes de 2008. Utilizando uma amostra de empresas brasileiras no período de 1995 a 1999, Lopes (2001)Lopes, A. B. (2001). A relevância da informação contábil para o mercado de capitais: o modelo de Ohlson aplicado à BOVESPA (Doctoral Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. identifica que as perdas econômicas não são reconhecidas oportunamente, mensurando tal reconhecimento pelo modelo de mercado de Basu (1997Basu, S. (1997). The conservatism principle and the asymmetric timeliness of earnings. Journal of Accounting and Economics, 24(1), 3-37.). Costa, Lopes e Costa (2006Costa, F. M., Lopes, A. B., Costa, A. C. (2006). O conservadorismo em cinco países da América do Sul. Revista de Contabilidade e Finanças, 17(41) 7-20.) aplicam o mesmo modelo de Basu (1997Basu, S. (1997). The conservatism principle and the asymmetric timeliness of earnings. Journal of Accounting and Economics, 24(1), 3-37.) para amostra de companhias abertas latino-americanas compreendendo o período de 1995 a 2001 e encontram que a contabilidade não incorpora significativamente o retorno econômico.

Por outro lado, o coeficiente β3 das empresas da classe ADR é positivo e estatisticamente significante, evidenciando que essas empresas adotavam mecanismos de reconhecimento tempestivo das perdas econômicas mesmo antes da adoção de IFRS.

Lang, Lins e Maffett (2012Lang, M., Lins, K. V., Maffett, M. (2012). Transparency, liquidity, and valuation: international evidence on when transparency matters most. Journal of Accounting Research, 50, 729-774.) encontram que as medidas de gerenciamento de resultados são menores para empresas que possuem títulos negociados nas bolsas de valores norte-americanas. Além disso, encontram que as ações de empresas com ADRs possuem aumento de liquidez e redução do custo de capital ao longo do tempo.

Dos resultados obtidos com o teste de conservadorismo, destacam-se a validação da variável ADR para identificar uma classe com qualidade da informação contábil superior antes de 2008, bem como a não verificação de conservadorismo condicional para a classe serious compliers antes de 2008. Assim, para identificar se ocorreu incremento de qualidade para a classe serious compliers, há necessidade de testar o conservadorismo condicional dessa classe após 2008.

4.2.2 Resultados para o modelo de value relevance para as três classes de empresas antes da adoção de IFRS.

A Tabela 6 apresenta os resultados da avaliação de value relevance para as três classes de empresas no período de 2003 a 2007.

Tabela 6
Regressões para o modelo de value relevance para as três classes de empresas no período de 2003 a 2007

Em virtude da não significância do coeficiente β1, não é possível verificar a existência de value relevance, seja para a classe serious compliers, seja para a classe label compliers, antes de 2008. Assim, essas empresas não teriam incentivos suficientes em divulgar informações contábeis que ajudassem os investidores a formarem expectativas em relação à formação dos fluxos de caixa futuros. De forma similar, Nakao (2012Nakao, S. H. (2012). A adoção de IFRS e o legado da conformidade contábil-fiscal mandatória (Habilitation Thesis). Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.) não encontra value relevance do LAIR antes de 2008, tanto para as empresas pertencentes ao Ibovespa, quanto para as empresas não pertencentes ao Ibovespa.

Por outro lado, o coeficiente β1 das empresas da classe ADR é positivo e estatisticamente significante, trazendo evidência que o resultado divulgado pela empresa seria considerado relevante pelo investidor para avaliar o desempenho econômico-financeiro de uma entidade e seria refletido nos preços de mercado.

As conclusões alcançadas com os resultados do teste de value relevance são semelhantes às obtidas com o teste de conservadorismo condicional. Destacam-se a validação da variável ADR como proxy de qualidade superior antes de 2008, bem como a não verificação de value relevance do lucro contábil para a classe serious compliers antes de 2008. Assim, para identificar se ocorreu incremento de qualidade para a classe serious compliers, há necessidade de testar a value relevance dessa classe após 2008.

4.2.3 Resultados para o Modelo Reverso de Lucros Associados de Retornos para as três classes de empresas após a adoção de IFRS.

A Tabela 7 apresenta os resultados da avaliação de conservadorismo condicional para as três classes de empresas no período de 2008 a 2014.

Tabela 7
Regressões para o Modelo Reverso de Lucros Associados a Retornos para as três classes de empresas no período de 2008 a 2014

As empresas que emitiram ADR apresentam conservadorismo condicional após a adoção das normas internacionais (coeficiente β3 positivo e estatisticamente significante), indicando que a contabilidade antecipou registros de perdas já incorporadas aos preços das ações. Quando tomado em conjunto os resultados da Tabela 6 com os resultados da Tabela 4, depreende-se que a classe de empresas com ADR continua utilizando mecanismos de conservadorismo condicional em suas demonstrações financeiras após a adoção do padrão IFRS.

Após a adoção do padrão IFRS, a classe de empresas serious compliers passa a apresentar reconhecimento tempestivo das perdas econômicas. O coeficiente β3 é estatisticamente significante e positivo, consistente com o reconhecimento mais tempestivo das perdas que dos ganhos econômicos. Esses resultados sugerem que essas empresas passaram por um incremento de qualidade provavelmente em função da demanda por informação pelo mercado acionário.

Para a classe de empresas label compliers, não foi verificada qualquer mudança no conservadorismo condicional após a adoção do padrão IFRS, uma vez que o coeficiente β3 é não estatisticamente significante. Os baixos incentivos econômicos para a divulgação de uma informação contábil de maior qualidade implicam em ausência de conservadorismo condicional, mesmo com a adoção de normas orientadas à proteção do investidor.

Ao investigar o efeito da Lei n. 11.638/2007 (Brasil, 2007Brasil (2007). Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007. Altera e revoga dispositivos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Brasília, DF: Diário Oficial da União.) sobre o conservadorismo condicional das empresas listadas na BM&FBOVESPA, Santos, Lima, Lima e Freitas (2011Santos, L. P. G., Lima, I. S., Lima, G. A. S. F., Freitas, S. C. de F. (2011). Efeito da Lei 11.638/07 sobre o conservadorismo condicional das empresas listadas BM&FBOVESPA. Revista Contabilidade & Finanças, 22(56), 174-188.) não encontraram efeito das novas regras sobre o grau de reconhecimento assimétrico de perdas e ganhos. Ao contrário do estudo citado, os resultados obtidos neste trabalho fornecem evidência de conservadorismo condicional pelo menos para um determinado conjunto de empresas.

4.2.4 Resultado para o modelo de accruals discricionários de Kothari et al. (2005 Kothari, S. P., Leone, A., Wasley, C. (2005). Performance matched discretionary accrual measures. Journal of Accounting and Economics, 39(1), 163-197. ) para as três classes de empresas.

A Tabela 8 apresenta os resultados da avaliação de gerenciamento de resultados para as três classes de empresas.

Tabela 8
Regressões para o modelo de accruals discricionários para as três classes de empresas após 2008

É identificada a redução no gerenciamento de resultados tanto para a classe serious compliers quanto para a classe ADR após a adoção do padrão IFRS. O coeficiente β1 é estatisticamente significante e negativo, consistente com a redução no gerenciamento de resultados, evidenciando, assim, a preocupação dessas empresas em trazer informação mais fidedigna para os investidores. Entretanto, não foi verificada redução no gerenciamento de resultados para a classe com baixos incentivos para divulgar uma informação de maior qualidade.

Não é possível verificar convergência dos resultados encontrados na literatura nacional de gerenciamento de resultados após a adoção do padrão IFRS. Os resultados de Joia e Nakao (2014Joia, R. M., Nakao, S. H. (2014). Adoção de IFRS e gerenciamento de resultados nas empresas brasileiras de capital aberto. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade, 8(1), 22-38.) não permitem afirmar que tenha ocorrido queda no nível de gerenciamento de resultados com a introdução das normas IFRS. Klann (2011Klann, R. C. (2011). Gerenciamento de resultados: análise comparativa de empresas brasileiras e inglesas antes e após a adoção das IFRS (Doctoral Thesis). Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, SC.), por outro lado, registra que no Brasil, no período pós-convergência, houve aumento do patamar de gerenciamento de resultados, comportamento diferente que o autor identificou para a Inglaterra, onde teria ocorrido diminuição do gerenciamento de resultados. Já Silva (2013Silva, R. L. M. (2013). Adoção completa das IFRS no Brasil: qualidade das demonstrações contábeis e o custo de capital próprio (Doctoral Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.) encontra que os accruals discricionários, proxy para gerenciamento de resultados, diminuíram no período da adoção completa.

Os resultados de não redução no gerenciamento de resultados da classe label compliers e a evidência de redução de gerenciamento de resultados para as classes serious compliers e ADR após 2008 podem ajudar a explicar o conflito de resultados da literatura nacional. Conclui-se que a segregação das empresas em classes ajuda a superar a limitação de tratar as empresas de maneira homogênea.

4.2.5 Resultados para o modelo de value relevance para as três classes de empresas após a adoção de IFRS.

A Tabela 9 apresenta os resultados da avaliação de value relevance para as três classes de empresas no período de 2008 a 2014.

Tabela 9
Regressões para os modelos de value relevance para as três classes de empresas no período de 2008 a 2014

Em primeiro lugar, em função de o coeficiente β1 ser positivo e estatisticamente significante, a classe com ADR apresenta value relevance do resultado contábil após adoção do padrão IFRS.

Em segundo lugar, a classe com incentivos econômicos para divulgar informação contábil de maior qualidade apresenta value relevance do lucro antes do IRPJ/CSSL após 2008. Somando-se ao fato da não verificação de value relevance antes de 2008, conclui-se que a classe serious compliers passou por um incremento de qualidade medido, dessa vez, pelo teste de value relevance.

Os resultados encontrados corroboram os resultados da literatura nacional sobre value relevance e adoção de IFRS. Utilizando dados de 2010 e 2011, Silva (2013Silva, R. L. M. (2013). Adoção completa das IFRS no Brasil: qualidade das demonstrações contábeis e o custo de capital próprio (Doctoral Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.) encontra value relevance da informação contábil durante o período de adoção completa do padrão IFRS. De maneira similar, os resultados de Gonçalves, Batista, Macedo e Marques (2014Gonçalves, J. C., Batista, B. L. L., Macedo, M. A. S., Marques, J. A. V. C. (2014). Análise do impacto do processo de convergência às normas internacionais de contabilidade no Brasil: um estudo com base na relevância da informação contábil. Revista Universo Contábil, 10(3), 25-43.) revelam que as informações contábeis se tornaram mais relevantes. A comparação entre os R² das regressões de relevância revela que houve incremento do poder de explicação do preço da ação por meio do lucro líquido por ação e do patrimônio líquido por ação.

Por fim, não foi verificada value relevance para a classe com baixos incentivos econômicos para divulgação de informação contábil de qualidade após a adoção das normas internacionais. Assim, essas empresas dificilmente exerceriam esforços para trazer informações contábeis que ajudassem os investidores a formarem expectativas em relação à formação dos fluxos de caixa futuros.

5. RESUMO DAS HIPÓTESES, TESTES E RESULTADOS

A Tabela 10 apresenta as hipóteses, os testes e os resultados do trabalho.

Tabela 10
Resumo das hipóteses, testes e resultados

Os resultados obtidos com os testes são consistentes com as previsões. A classe serious compliers passou a exibir conservadorismo condicional, value relevance do lucro contábil e menor gerenciamento de resultados após a adoção de IFRS. Os resultados para a classe ADR indicam conservadorismo condicional e value relevance do lucro contábil tanto antes quanto após a adoção de IFRS. Já os resultados da classe label compliers não indicam conservadorismo condicional, value relevance do lucro contábil e redução no gerenciamento de resultados após a adoção de IFRS.

6. CONCLUSÃO

Este trabalho verificou que a adoção do padrão IFRS não pode ser visto como o único direcionador da qualidade da informação contábil. Afinal de contas, se a adoção do padrão IFRS fosse suficiente para aumentar a qualidade do lucro contábil, seria natural supor que existisse convergência dos trabalhos nacionais empíricos que procuram verificar o ganho de qualidade após 2008. Pelo contrário, existe conflito de resultados quando são analisados os trabalhos em conjunto. Assim, este trabalho procura superar a limitação encontrada na literatura nacional de tratar as empresas de maneira homogênea, cujos resultados geralmente capturam o efeito médio das empresas em torno da adoção do padrão IFRS.

Em geral, os resultados dos testes são consistentes com as predições. As empresas com incentivos econômicos dados pelo mercado acionário realmente alcançam incremento de qualidade após a adoção do padrão IFRS. Esse conjunto de empresas passa a ter reconhecimento mais tempestivo das perdas em relação aos ganhos econômicos, o lucro divulgado como uma variável value relevance e possuem evidência de redução no gerenciamento de resultados.

Além disso, foram encontradas evidências de qualidade da informação contábil para a classe ADR. As empresas dessa classe possuem conservadorismo condicional e value relevance do lucro contábil tanto antes quanto após 2008. A identificação de uma classe de empresas com qualidade superior prévia pode ser vista como contribuição deste trabalho. Afinal de contas, trabalhos empíricos internacionais identificaram a existência de apenas duas classes de empresas (Daske et al., 2013Daske, H., Hail, L., Leuz, C., Verdi, R. (2013). Adopting a label: heterogeneity in the economic consequences around IAS/IFRS adoptions. Journal of Accounting Research, 51(3), 495-47.). Portanto, a verificação de uma terceira classe, cuja característica diferenciadora seja sua qualidade antes da adoção de IFRS, pode ser vista como contribuição adicional deste trabalho.

Por fim, não foi identificado conservadorismo condicional, value relevance e menor gerenciamento de resultados para o conjunto de empresas com baixos incentivos econômicos, seja antes ou após 2008. Muito provavelmente, essas empresas tendem a possuir uma trajetória dependente às práticas contábeis anteriores com influência da tributação.

Um desenho de pesquisa alternativo ao realizado por este trabalho seria a separação das empresas, levando em consideração apenas o nível de qualidade da informação contábil. Dessa forma, poder-se-ia identificar incrementos de qualidade de forma direta, em detrimento da utilização de variáveis, a fim de verificar maiores ou menores incentivos da melhor divulgação contábil. Entretanto, as métricas de qualidades usadas (conservadorismo condicional, gerenciamento de resultados e value relevance) não conseguem captar uma medida de qualidade para cada empresa, mas sim a existência ou não da medida de qualidade para determinado número de observações.

Os resultados contribuem com uma linha de pesquisa da literatura contábil a qual procura entender as reais motivações e incentivos para a elaboração da informação contábil (Ball et al., 2000Ball, R., Kothari, S. P., Robin, A. (2000). The effect of international institutional factors on properties of accounting earnings. Journal of Accounting and Economics, 29(1), 1-51., 2003Ball, R., Robin, A., WU, J. (2003). Incentives versus standards: properties of accounting income in four East Asian countries. Journal of Accounting and Economics, 36(1-3), 235-270.; Ball & Shivakumar, 2005Ball, R., Shivakumar, L. (2005). Earnings quality in UK private firms: comparative loss recognition timeliness. Journal of Accounting & Economics, 39(1), 83-128.; Bushman & Piotroski, 2006Bushman, R. M., Piotroski, J. D. (2006). Financial reporting incentives for conservative accounting: the influence of legal and political institutions. Journal of Accounting and Economics, 42(1-2) 107-148.) ao mostrar que as variáveis das empresas possuem papel-chave nesse processo.

Além disso, órgãos normatizadores nacionais e internacionais poderiam estar interessados nesses resultados, uma vez que mostram que as propriedades das demonstrações contábeis dependem dos incentivos das empresas. Isto impõe um desafio para os recentes esforços desses órgãos em consolidar a convergência das normas contábeis internacionais. Os resultados sugerem que um conjunto global e uniforme de normas contábeis podem não ter poder de facto para fazer com que as propriedades nos números contábeis convirjam para o mesmo nível.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2017

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2015
  • Aceito
    11 Jul 2016
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