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O uso de quartis para a aplicação dos filtros de Graham na Bovespa (1998-2009)

The use of quartiles to apply Grahams filters to Bovespa (1998-2009)

Resumos

Com o objetivo de avançar na compreensão do mercado acionário brasileiro e de analisar estratégias adequadas para o pequeno investidor, propõe-se uma análise da aplicação dos filtros de Graham para a seleção de ativos na Bovespa no período de 1998 a 2009. Mediante uma abordagem de carteira e de testes estatísticos, notou-se a presença de retornos anormais e superiores ao Ibovespa especialmente nas carteiras montadas por um período de cinco anos, entretanto as carteiras montadas possuíam baixa diversificação de ativos. Como os filtros de Graham foram desenvolvidos para o mercado norte-americano da década de 1970, sugeriu-se a elaboração de novos qualificadores de forma a adequá-los ao momento e ao cenário brasileiro. Essa abordagem usou os quartis mais interessantes de cada critério para definir os novos qualificadores e mostrou-se superior ao Ibovespa para todos os períodos analisados, mas não eliminou o problema de baixa diversificação dos portfólios.

Mercado Acionário; Filtros de Graham; Seleção de Portfólio


With a view to advancing in the understanding of the Brazilian stock market and analyzing appropriate strategies for small investors, this article suggest a review on the application of Grahams filters to stock selection in Bovespa between 1998 and 2009. Using a portfolio approach and statistical tests the presence of returns above normal and higher than Ibovespa returns was noticed 's one, especially for five-year portfolios. However, these portfolios had low diversification of assets. As Graham filters were developed for the U.S. market in the 70s, the development of new qualifiers was suggested for the sake of adaptation to the current Brazilian scenario. This approach used the most interesting quartiles of each criterion to define the new qualifiers and showed a return higher than Ibovespa for all periods analyzed, but did not eliminate the problem of low portfolio diversification.

Stock Market; Grahams Filters; Portfolio Choice


O uso de quartis para a aplicação dos filtros de Graham na Bovespa (1998-2009)

The use of quartiles to apply Grahams filters to Bovespa (1998-2009)

Alysson Ramos ArtusoI; Anselmo Chaves NetoII

IDoutorando do Programa de Pós-Graduação em Métodos Numéricos em Engenharia da Universidade Federal do Paraná. Professor titular da Fae Centro Universitário. E-mail: alyssonartuso@fae.edu

IIProfessor titular do Departamento de Estatística da Universidade Federal do Paraná. E-mail: anselmo@est.ufpr.br

RESUMO

Com o objetivo de avançar na compreensão do mercado acionário brasileiro e de analisar estratégias adequadas para o pequeno investidor, propõe-se uma análise da aplicação dos filtros de Graham para a seleção de ativos na Bovespa no período de 1998 a 2009. Mediante uma abordagem de carteira e de testes estatísticos, notou-se a presença de retornos anormais e superiores ao Ibovespa especialmente nas carteiras montadas por um período de cinco anos, entretanto as carteiras montadas possuíam baixa diversificação de ativos. Como os filtros de Graham foram desenvolvidos para o mercado norte-americano da década de 1970, sugeriu-se a elaboração de novos qualificadores de forma a adequá-los ao momento e ao cenário brasileiro. Essa abordagem usou os quartis mais interessantes de cada critério para definir os novos qualificadores e mostrou-se superior ao Ibovespa para todos os períodos analisados, mas não eliminou o problema de baixa diversificação dos portfólios.

Palavras-chave: Mercado Acionário. Filtros de Graham. Seleção de Portfólio.

ABSTRACT

With a view to advancing in the understanding of the Brazilian stock market and analyzing appropriate strategies for small investors, this article suggest a review on the application of Grahams filters to stock selection in Bovespa between 1998 and 2009. Using a portfolio approach and statistical tests the presence of returns above normal and higher than Ibovespa returns was noticed 's one, especially for five-year portfolios. However, these portfolios had low diversification of assets. As Graham filters were developed for the U.S. market in the 70s, the development of new qualifiers was suggested for the sake of adaptation to the current Brazilian scenario. This approach used the most interesting quartiles of each criterion to define the new qualifiers and showed a return higher than Ibovespa for all periods analyzed, but did not eliminate the problem of low portfolio diversification.

Keywords: Stock Market. Grahams Filters. Portfolio Choice.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil, com seu histórico de hiperinflação e sua condição permanente de economia emergente, ainda não possui um mercado acionário difundido entre sua população como alternativa de poupança e investimento. Porém, percebe-se um constante crescimento na participação do pequeno investidor brasileiro na Bolsa de Valores de São Paulo, como mostram os boletins divulgados pela própria Bolsa (BOVESPA, 2009).

Os motivos para o aumento dessa participação são diversos, dos quais se pode citar a crescente regularização e transparência desse mercado, a estabilidade econômica pós-plano real, algumas iniciativas de incentivo pontuais do governo como o uso do FGTS e a própria fase impressionante de alta pela qual as ações passaram após 2002. Porém, com o decorrer da crise americana e os temores dos investidores sobre a economia mundial, a Bolsa de Valores passou por uma rápida e intensa desvalorização dos seus ativos quando comparados ao topo histórico de maio de 2008.

Nesse cenário, cabe perguntar como o típico investidor pessoa física reagirá a esse momento da Bolsa de Valores, uma vez que não possui um histórico de investimento em ações, nem uma educação formal que desse atenção a conceitos de educação financeira e nem a expertise de analistas e profissionais da área.

Além do pequeno investidor, também as pesquisas acadêmicas estiveram afastadas do mercado de capitais. Somente nos últimos anos a academia passou a se interessar com maior consistência e a investigar as nuances do mercado acionário nacional, de forma que há vastos campos de pesquisa ainda pouco explorados, incluindo os que se referem à análise do valor das ações (valuation).

É nesse contexto e com o foco nesse público que se propõe o uso de algumas ferramentas matemáticas/estatísticas e das idéias de Benjamin Graham considerado o criador do valuation para se selecionarem opções de investimento (GRAHAM; DODD, 1951; GRAHAM, 2007).

Para tanto, este artigo realizou uma análise empírica dos critérios de seleção de Graham, conhecidos como filtros de Graham, aplicados ao mercado acionário brasileiro, na construção de portfólios de investimento. Os filtros são baseados em múltiplos de mercado e indicadores econômico-financeiros.

O objetivo é avaliar e discutir a aplicação dos filtros de Graham, que nada mais são do que uma forma rudimentar de reconhecimento de padrões, no mercado acionário brasileiro após 1998, em busca de uma forma de investimento compatível com os conhecimentos, disponibilidades e necessidades do pequeno investidor pessoa física.

A amostra de estudo foi o conjunto de empresas de capital aberto listadas na Bovespa e que apresentaram liquidez na negociação de suas ações a partir de 1998. Para o levantamento dos dados foi utilizada a plataforma Economatica que conta com a base de dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).

Com o auxílio dessa ferramenta, foram construídas carteiras de acordo com os critérios de seleção dos filtros de Graham. Através da abordagem de carteira foi possível comparar a rentabilidade dessa forma de investimento com um índice de mercado (Ibovespa), fazendo uso de medidas e testes estatísticos para essa comparação.

2 INVESTIMENTO EM AÇÕES: RISCO E RETORNO

Hoje, entende-se que diversos fatores influenciam os preços das ações, tanto internos, como os relacionados ao desempenho da empresa emissora, quanto externos, relacionados à economia do país e à expectativa dos agentes econômicos. Segundo Mellagi Filho e Ishikawa (2003, p. 274) para dar conta dos inumeráveis fatores, é mais do que necessária a compreensão de métodos estatísticos para a avaliação do risco dos investimentos. Mediante modelos de precificação, que são essencialmente matemáticos e estatísticos, estende-se essa compreensão à medida que a avaliação de retorno só faz sentido ao ser relacionado com o risco envolvido no investimento. Portanto, seja para precificar um ativo ou para estimar um retorno esperado sobre um investimento arriscado, conhecimentos estatísticos são extremamente relevantes.

Em finanças, o risco refere-se à probabilidade de se obter um retorno diferente do esperado, seja superior ou inferior. Por isso a comparação de retornos, isoladamente, não é suficiente para avaliar uma estratégia de investimento, afinal um retorno maior pode ser proveniente de uma exposição maior ao risco. Somente após o ajuste do retorno ao risco é que se devem comparar diferentes carteiras de investimento.

O modelo de risco e retorno mais usado é o CAPM que mede a exposição ao risco de mercado por um beta (β) do mercado, identificado como o coeficiente angular de uma regressão linear dos retornos do ativo em relação aos retornos da carteira diversificada de mercado.

Uma forma bastante prática de se utilizar o CAPM para avaliar o desempenho de uma estratégia é o Alfa de Jensen. Ele consiste em comparar o retorno observado de um investimento com o retorno que esse investimento deveria ter realizado ao longo do período de avaliação, dado o seu beta e o comportamento do mercado ao longo do período (JENSEN, 1969). O Alfa de Jensen é também chamado de Retornos Excedentes ou Retornos Anormais e um valor significativamente maior que zero indica que a estratégia apresenta retornos acima da média do mercado mesmo quando ajustado ao risco.

3 INVESTIMENTO EM VALOR FILTROS DE GRAHAM

Com o avanço das pesquisas na área, vários estilos de investimentos foram identificados e estudados, sobretudo a partir de 1970 nos Estados Unidos, de maneira que a Análise Fundamentalista pode ser classificada, basicamente, em duas correntes: o investimento em valor (value) e o investimento em crescimento (growth).

De forma resumida, o investimento em valor concentra-se em empresas grandes e consolidadas no mercado, com taxas de crescimento estável, maior distribuição de dividendos e baixos múltiplos preços por lucro (P/L) e preço por valor contábil (P/VC). A oposição a esses conceitos são as ações de crescimento, que possuem altas taxas de crescimento, distribuição pequena ou inexistente de dividendos e altos múltiplos P/L e P/VC que refletem uma grande expectativa sobre os lucros futuros.

A seleção de ativos com base em uma série de filtros, que podem ser determinados a partir dos múltiplos de mercado e de outros indicadores econômicos-financeiros, é conhecida como filtragem passiva, criação de Benjamin Graham e David Dodd (1951). Os autores identificaram certas características nas empresas, como boa gestão, baixo risco e bons lucros, como determinantes para que as ações dessas empresas tivessem um desempenho acima da média, e traduziram essas características qualitativas em critérios quantitativos que, portanto, podem ser usados na identificação de investimentos potencialmente promissores.

A própria noção de investimento é peculiar para esses autores e merece ser discutida. Eles definem investimento como uma operação que, após análise profunda, promete a segurança do principal e um retorno adequado (GRAHAM; DODD, 1951, p. 43).

Análise profunda implica conhecer o mercado do qual se participa, as ferramentas de seleção e a natureza dos ativos nos quais se investe. No caso das ações, deve-se ter em mente que, ao adquirir uma ação, o investidor está se tornando sócio da empresa, sendo necessário conhecer o funcionamento dessa companhia, da economia na qual se insere e das técnicas provenientes de diversas áreas para a avaliação de seus ativos. Ponto fundamental é que o preço dessa ação pode não refletir, momentaneamente, o valor da empresa e o investidor deve aproveitar as oscilações do mercado para adquirir ações cujo valor intrínseco está abaixo do seu preço de mercado.

Segurança do principal significa não se expor demasiadamente ao risco de perder capital. Para isso Graham (2007, p. 139) sugere uma diversificação adequada, porém não excessiva. Isso significa, no mercado norte-americano, um mínimo de dez ações diferentes e um máximo de aproximadamente 30. A sugestão de não mais de 30 é evitar custos de transação desnecessários visto que novas ações trariam benefícios praticamente insignificantes para a relação risco-retorno. Para o mercado acionário brasileiro essa diversificação fica prejudicada em face do reduzido número de empresas negociadas se comparado aos Estados Unidos.

A concepção de margem de segurança é fundamental na abordagem de Graham, seu uso se justifica por vários fatores, devido ao risco de os critérios de seleção não serem os mais adequados, de as informações contábeis necessárias não serem as mais exatas, de os controladores da empresa serem vistos com suspeitas e de o crescimento econômico ser incerto. A função da margem de segurança é, em essência, tornar desnecessária uma estimativa precisa do futuro (GRAHAM, 2007, p. 556). Isso leva ao investimento em empresas que sejam mais estáveis e apresentem, portanto, menor variação nas estimativas futuras, caracterizando o investimento em valor.

Quando Graham afirma que o investidor deve esperar um retorno adequado e não extraordinário, ele, também, está, de certa forma, se antecipando aos modelos de precificação que seriam formalmente desenvolvidos posteriormente, no qual retornos elevados estão associados a riscos elevados. Isso significa que os retornos esperados ano após ano, não superarão em muito os retornos do mercado, mas, ao contrario disso, oscilarão muito pouco e, no longo prazo, poderão produzir grandes resultados. Por isso, a confiança nas técnicas de seleção, a disciplina ao manter as posições consolidadas e a paciência por esperar resultados no longo prazo, são comportamentos necessários ao investidor que opta pela abordagem de Graham.

Na primeira edição de Security Analysis, de 1934, os autores expuseram essas e outras ideias acerca dos mercados e propuseram dez filtros usados na identificação de ativos, visando à formação de uma carteira diversificada, com ações subavaliadas e tendo em vista o longo prazo. Nas edições posteriores, os parâmetros presentes nesses filtros sofreram pequenas modificações. Os qualificadores aqui apresentados são da 3ª e última edição, de 1951. Eis os filtros:

  1. Um índice lucro/preço igual o dobro do rendimento de um título de renda fixa classificado como AAA;

  2. Múltiplo preço por lucro, P/L, da ação menor que 40% do P/L médio do mercado nos últimos cinco anos;

  3. Taxa de dividendos maiores do que dois terços do rendimento de um título de renda fixa classificado como AAA;

  4. Preço inferior a dois terços do Valor Contábil Tangível, entendido como o Patrimônio Líquido menos o Ativo Intangível;

  5. Preço inferior a dois terços do Capital de Giro Líquido, compreendido como sendo Ativo Circulante menos a Dívida Total;

  6. Dívida total menor que o Valor Contábil Tangível;

  7. Ativo Circulante mais de duas vezes maior que o Passivo Circulante;

  8. Dívida total menor que duas vezes o Capital de Giro Líquido;

  9. Crescimento do lucro por ação maior do que 7% durante os últimos 10 anos;

  10. Não mais do que dois anos de lucros em declínio de 5% ou mais nos últimos 10 anos (GRAHAM; DODD, 1951).

Nessa lista, os critérios de 1 a 5 são critérios de preço, estão relacionados aos múltiplos de mercado e seu uso para a identificação de ações subavaliadas, já dentro de uma grande margem de segurança. Os filtros de 6 a 8 referem-se à saúde financeira da empresa: sua estrutura de capital e seu risco de solvência, enquanto os dois últimos mostram a estabilidade dos lucros da empresa, servindo como medidas de risco em relação à rentabilidade. De maneira sintética, pode-se dizer que os primeiros cinco filtros avaliam se a empresa está barata e os cinco últimos é uma boa empresa, a seleção de empresas boas e baratas é o centro dos filtros de Graham.

Por ser uma avaliação bastante conservadora, poucas ações passam pelos 10 filtros (ao menos com seus qualificadores originais) e muitas ações com enorme potencial são excluídas. Para minimizar esse problema, Lowe (1997, p. 100) afirma que uma companhia que possua 7 dos 10 critérios pode ser considerada como subavaliada e com adequada margem de segurança. A autora, também, chama a atenção o fato de que diferentes investidores podem atribuir pesos maiores a alguns critérios em detrimento de outros, como ignorar o filtro 3, sobre dividendos, se estiverem focados em empresas com grandes crescimento dos lucros e que, portanto, satisfaçam com folga os critérios 9 e 10.

Observe-se que os dois primeiros filtros se baseiam num múltiplo P/L, logo, apenas empresas com baixos múltiplos preço/lucro poderiam passar por eles, porém a estratégia de seleção de ações com baixos P/L geralmente leva o investidor a selecionar, indesejavelmente, empresas de baixo crescimento e risco elevado (DAMODARAN, 2002). É interessante notar que os filtros posteriores foram, em sua maioria, concebidos justamente para eliminar ações cujos baixos índices P/L se devam aos motivos indesejados citados.

A ideia por detrás dos filtros é identificar padrões nas empresas que apresentam bons rendimentos no longo prazo. Isso foi fruto de pesquisa de quase seis décadas por parte de Benjamin Graham e, pelos seus resultados, se mostrou válido para o mercado norte-americano tanto no período em que o autor foi vivo como no posterior à sua morte em 1976 (OPPENHEIMER, 1984; ZARGHAM; HU, 1996; DAMODARAN, 2006).

Graham tinha a noção de que, ao se analisar um volume grande de dados por tempo suficiente, um número imenso de padrões emergirá, ao menos por acaso. Aleatoriamente, por pura sorte, as companhias cujas ações produzem retornos acima da média terão muitas coisas em comum (GRAHAM, 2007, p. 65). A busca do autor é por identificar fatores que provoquem esses altos retornos, que sejam a causa do alto desempenho e não encontrar fórmulas baseadas apenas em coincidências estatísticas aleatórias.

Infelizmente, no Brasil, são pouquíssimos os trabalhos que tratam especificamente da abordagem de Graham. Num levantamento bibliográfico, foram encontrados apenas dois:

Passos (2006), que discute as teorias de Graham e verifica sua aplicabilidade ao mercado acionário brasileiro propondo, sem o rigor de um modelo formal, uma carteira de ativos com base nessa abordagem. Com base nos dados de 1994 a 2000, foi construído um portfólio para ser avaliado nos cinco anos seguintes. O retorno da carteira proposta, para o período de 2001 a 2005 foi de 566%, contra 219% do Ibovespa, porém sem fazer menção a testes estatísticos de significância ou a ajustes de risco para o retorno.

E Salgueiro (2007), que explora os fundamentos teóricos expondo em detalhes os instrumentos de análise, reflexão e tomada de decisão da abordagem de Graham e os aplicando ao mercado acionário brasileiro no período de 1997 a 2001. O resultado apresentado foi de uma rentabilidade acumulada de 646,65% da abordagem de Graham em face de 277,56% do retorno acumulado do Ibovespa no período. Porém, também nesse trabalho, não foram utilizados especificamente os filtros e a comparação da rentabilidade não foi ajustada ao risco e nem foram feitos testes estatísticos sobre a significância desses retornos.

4 METODOLOGIA

Na Abordagem de Carteira parte-se da suposição de que há empresas que, por possuírem características específicas, têm maior probabilidade de serem subavaliadas e, portanto, apresentarem retornos excedentes em relação ao mercado. Nesses casos, as estratégias para serem identificadas essas características, podem ser testadas pela criação de carteiras contendo ações de empresas que possuam essas características no início de um período considerado e a análise dos retornos ao longo desse período. Para assegurar que os resultados não sejam distorcidos por fatores atípicos de um determinado período, essa análise é repetida para vários períodos diferentes.

Para isso, o primeiro passo foi o levantamento das variáveis presentes nos filtros de Graham, o que se deu por meio da plataforma Economatica. A seguir, foram selecionadas somente as empresas que satisfaziam os critérios preestabelecidos para formarem a carteira daquele ano. Com isso, calcula-se o retorno, o coeficiente beta e todas as estatísticas descritivas da carteira necessárias para os testes estatísticos posteriores realizados no softwareMinitab.

A amostra de dados deste estudo consiste de todas as empresas listadas na Bovespa em dezembro de 2008, que tinham negociações diárias de suas ações e que não estavam ligadas ao setor Financeiro (num total de 332 companhias abertas). A exclusão desse setor deve-se a padrões bastante diferentes em seus números contábeis em comparação com os outros setores econômicos. Como frequentemente as empresas podem possuir mais de um tipo de ação, foi considerado apenas o ativo de maior liquidez. Foram excluídas da amostra todas as empresas que não apresentavam negociações suficientes em seus ativos e que, em decorrência disso, não apresentavam uma regressão linear significativa: requisito necessário para o cálculo do Alfa de Jensen. Do ponto de vista do pequeno investidor, isso se reflete na capacidade de negociação do ativo, dando-lhe a garantia de que haverá liquidez naquela ação quando for necessário comprá-la ou vendê-la.

Nesse processo de amostragem, há de se tomar cuidado com o viés da sobrevivência. Muitas pesquisas partem de um universo de empresas de capital aberto existentes e retroagem no tempo para testar as estratégias de investimento. Essa situação pode criar um viés na medida que elimina automaticamente as empresas que faliram durante o período pesquisado, as quais teriam óbvios reflexos negativos sobre a rentabilidade da carteira, superestimando o retorno da estratégia. Por isso, foi utilizado como universo a ser amostrado o período inicial ao qual se aplica a estratégia, incluindo empresas que faliram ou fecharam capital no período de estudo.

Normalmente, escolhe-se o final do ano para se iniciar a avaliação de um modelo de investimento; porém, quando se usam variáveis fundamentalistas, é preciso ter em mãos os dados contábeis do último ano fiscal e isso só ocorre entre fevereiro e março do ano seguinte. Por força de lei, a empresa de capital aberto é obrigada a divulgar seus balanços até o último dia útil de março. Por isso, a data das carteiras montadas foi o dia 31 de março do ano seguinte, com todos os indicadores calculados com as cotações dessa data. Exemplificando: a carteira intitulada 2005 foi montada no dia 31/03/2006, data em que todas as informações contábeis do ano de 2005 estavam disponíveis.

Foram montadas carteiras desde o ano de 1998 com as companhias amostradas que atendem a 10 critérios ou a 7 critérios dos filtros de Graham, conforme sugestão de Lowe (1997).

Visando a uma melhor adaptação ao cenário nacional, montaram-se, também, carteiras de acordo com o quartil de cada índice. Isso porque alguns qualificadores podem se mostra por demais abrangentes ou por demais restritivos e para corrigir esse problema usou-se o quartil como medida separatriz. Somente as empresas que pertenciam ao quartil mais interessante de cada filtro foram selecionadas e, assim, montou-se uma carteira que se julga mais adequada para o cenário nacional. Afinal, dessa forma, não se analisa a magnitude do qualificador, que foi criado para o mercado norte-americano de meados do século XX, mas uma adaptação ao mercado nacional em busca de qualificadores próprios que respeitem a lógica por detrás dos critérios de seleção.

As carteiras foram avaliadas para um período de um, dois, três e cinco anos sempre que possível. Uma vez determinada a rentabilidade de cada carteira, a sua significância pôde ser concluída pelo teste t sobre as médias caso as premissas do teste paramétrico sejam satisfeitas ou, de forma não paramétrica equivalente, pelo teste de Wilcoxon-Mann-Whitney (MARQUES; MARQUES, 2005).

Tanto no cálculo do coeficiente beta, necessário para o cômputo do alfa de Jensen, quanto no cálculo do retorno foram utilizadas cotações de base diária ajustadas por proventos. A escolha do ano de 1998, para serem iniciados os estudos, deve-se ao ano de instalação da Selic como taxa básica da economia, aqui utilizada como taxa livre de risco.

5 RESULTADOS E ANÁLISE

Como esperado, a utilização direta dos filtros de Graham mostrou-se bastante restritiva quando aplicados sem adaptações ao mercado acionário brasileiro. Isso ocorre por basicamente dois motivos: o primeiro é por se tratar da realidade da economia norte-americana e qualificadores adequados ao seu contexto de risco e crescimento; o segundo é devido ao tamanho do mercado acionário dos dois países, enquanto na Bolsa de Nova York existem mais de 4000 empresas listadas, no Brasil esse número está em torno de 400, tornando bastante complicada a montagem de uma carteira diversificada por parte do investidor.

O número total de empresas listadas ano a ano e o número de empresas que passavam por cada um dos filtros de Graham podem ser vistos na Tabela 1.

Em destaque estão os três filtros com condições mais restritivas. O motivo de o primeiro filtro selecionar tão poucas empresas, deve-se ao fato de que a taxa de juros básicas da economia brasileira é bastante elevada e seu uso como se fosse um título livre de risco AAA, pode não ser adequado. O oitavo filtro seleciona empresas que tenham um capital de giro suficiente para cobrir o dobro de suas dívidas totais, algo raro de ocorrer no contexto nacional, sendo esse um resultado dentro do esperado. O quinto filtro é de fato o mais restritivo dos filtros de Graham, pois significa que o preço das ações da empresa tem que estar abaixo das disponibilidades de curto prazo que a empresa possui após pagar todas as suas dívidas. Em outras palavras, seria o equivalente a comprar a empresa sem atribuir valor nenhum aos seus ativos imobilizados, ao poder de sua marca etc.. O uso desse indicador rigoroso já foi fruto de amplos estudos anteriores de Vu (1988) e Lauterbach e Vu (1993) que mostraram que seu uso no mercado acionário norte-americano continua gerando retornos anormais nas décadas de 1970 e 1980, complementando os estudos de Graham (2007) que mostravam o mesmo resultado na década de 1950.

Por outro lado, o filtro 9 parece ser bastante tolerante para o mercado nacional. Esse critério trata de um crescimento dos lucros superior a 7%, indicando que, para um mercado emergente, talvez essa taxa deveria ser maior uma vez que o crescimento do PIB brasileiro tem sido, frequentemente, superior ao crescimento do PIB dos Estados Unidos.

Computando-se o número de empresas que satisfazem 7 critérios ano a ano e que possuem liquidez diária em seus negócios, chegou-se aos valores da Tabela 2, que mostram como fica prejudicada a construção de carteiras diversificadas usando sete filtros. Nenhuma empresa com liquidez suficiente de negócios satisfez, ao mesmo tempo, os 10 critérios.

Pela Tabela 2, percebe-se que as carteiras montadas com os ativos que satisfazem sete dos filtros sofreram com a baixa diversificação, em especial nos momentos de alta do mercado, pós 2002. Na Tabela 3, constam os valores de retorno, calculados, logaritmicamente, (MELLAGI FILHO; ISHIKAWA, 2003) e seu comparativo com o Índice Bovespa para cada ano, caso a carteira fosse alterada após um ano de sua montagem.

Porém, não é necessário trocar, totalmente, a carteira anualmente, pode-se optar por investimentos de prazos maiores nos quais se mantêm as ações adquiridas pelos próximos dois, três ou cinco anos antes de se desfazer das posições assumidas. Inclusive o investimento de longo prazo é uma das premissas de investimento para Graham. Para condensar o caso anterior e também os de prazos maiores, foi construída a Tabela 4. A seguir, há o resultado do p-value do teste t e do teste de Wilcoxon-Mann-Whitney com hipótese nula de que os retornos observados são iguais ou menores aos de mercado e com hipótese alternativa de que os retornos observados são maiores do que os de mercado. Também foi calculado ao Alfa de Jensen cujo valor positivo indica um retorno anormal mesmo após o ajuste ao risco segundo o modelo CAPM.

Dois testes de hipótese (t de Student e Wilcoxon-Mann-Whitney) foram aplicados para verificar se há diferença significativa entre a média dos retornos da carteira e do Ibovespa e se o Alfa de Jensen é significativamente superior a zero. Foram verificados os critérios necessários ao teste paramétrico gaussianeidade e homogeneidade das variâncias sem que pudessem ser rejeitadas essas condições. Porém, como a amostra conta com poucas observações, optou-se, também, pela realização do teste não paramétrico, ainda que ele seja menos poderoso, para contribuir com as conclusões deste trabalho mesmo em condições não satisfatórias ao teste t de Student (MARQUES, MARQUES; 2005).

Os testes de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk não refutaram a gaussianeidade dos testes para as variáveis média dos retornos da carteira e média dos retornos do Ibovespa, mas o teste de Shapiro-Wilk rejeita a normalidade dos dados do Alfa de Jensen (p-values de 0,6070 e 0,0815; 0,9194 e 0,8643; 0,7694 e 0,0412; para cada variável, respectivamente). O teste F e o teste de Levene não mostraram diferenças significativas entre a variância dos grupos retorno da carteira e retornos do Ibovespa (p-values de 0,853 e 0,639 respectivamente).

Com isso aplicou o teste t que mostrou que o retorno da carteira é significativamente superior ao Ibovespa em dois dos períodos analisados num nível de significância de 5%, para as carteiras de um e cinco anos, e também que o Alfa de Jensen é superior a zero em todos os casos, cujos valores estão presentes na Tabela 6.

Porém, como o teste de Shapiro-Wilk deu próximo ao nível de significância de 5% para o retorno da estratégia e refutou a gaussianeidade do Alfa de Jensen, procedeu-se, também, com a versão não paramétrica do teste de hipótese, o teste de Wilcoxon-Mann-Whitney, que acusou um retorno da carteira superior ao do Ibovespa somente para o caso das ações mantidas por 5 anos e um Alfa de Jensen positivo para todos os períodos analisados dentro de um nível de significância de 5%, segundo dados expostos na Tabela 5.

Esses resultados mostram que o uso dos filtros propostos podem ser capazes de produzir um retorno acima da média do mercado, em especial no que se refere ao caso em que as ações permaneçam em carteira por um período de um ano, segundo o teste t de Student num nível de significância de 10%. Mais esclarecedor é o desempenho da carteira cujas ações só eram vendidas após cinco anos de sua compra que se mostrou uma bem-sucedida em todos os testes aplicados, fornecendo evidências de que o uso dos filtros contribui para uma boa seleção de ativos, no longo prazo, mesmo ao nível de significância de 5%.

Após ajustado o retorno ao risco das carteiras por intermédio do Alfa de Jensen, pode-se observar que a estratégia aplicada a todos os períodos mostrou-se bem-sucedida, resultando sempre em retornos anormais significativamente positivos, novamente com destaque para a carteira de 5 anos cujo p-value foi de 0,003 no teste paramétrico e 0,0018 no não paramétrico que é o recomendado dada a condição de não gaussianeidade segundo um dos testes aplicados.

Por outro lado, há de se ressaltar a falta de diversificação das carteiras e um viés do modelo CAPM em subestimar o risco de ações com baixos múltiplos de mercado (DAMODARAN, 2007, p. 161). Uma sugestão seria estender o estudo usando outras medidas de avaliação além do alfa de Jensen, como o Índice de Sharpe, M ao quadrado, Índice de Treynor ou outros, de forma a se colher mais indícios sobre o sucesso da estratégia.

Em busca de novos qualificadores para os filtros, mais bem adaptados ao mercado nacional, procedeu-se com a separação em quartis de cada um dos dados levantados. Assim como ocorre com os filtros originais de Graham, não houve um número suficiente de empresas que estivessem, simultaneamente, nos dez quartis mais interessantes de cada filtro para que se procedesse à avaliação das carteiras, por isso, optou-se por construir carteiras que estavam em pelo menos sete dos quartis mais interessantes de cada critério, seguindo o raciocínio de Lowe (1997).

Com isso, pôde-se alterar os filtros para os seguintes qualificadores, retirados das médias dos quartis dos últimos 10 anos:

  1. Lucro/preço maior que 0,77 vezes a taxa básica de juros;

  2. Preço/lucro menor que 85% da mediana do mercado nos últimos 5 anos;

  3. Taxa de dividendos maior que 27% da taxa básica de juros;

  4. Preço por Valor Contábil Tangível menor que 0,7;

  5. Preço por Capital de Giro Líquido menor que 35,2;

  6. Dívida por Valor Contábil Tangível menor que 0,92;

  7. Ativo Circulante por Passivo Circulante maior que 1,7;

  8. Dívida por Capital de Giro Líquido menor que 20,48;

  9. Crescimento do lucro por ação maior do que 6,69% durante os últimos 10 anos;

  10. Não mais do que um ano de lucro em declínio de 5% ou mais nos últimos 10 anos.

Com o uso dos quartis, pensa-se que se chega a valores mais adequados à realidade brasileira, de alta taxa básica de juros e diferenciado contexto de crescimento e endividamento por parte das empresas. A única alteração feita nos critérios além dos qualificadores, foi a modificação no 2º filtro, usando-se a mediana em lugar da média e evitando-se, assim, distorções provocadas por valores extremos.

Logicamente que esses qualificadores também podem ser revistos e os próprios filtros aperfeiçoados ou substituídos, talvez usando outros medidores da saúde financeira e desempenho da empresa, talvez com qualificadores que não sejam fixos ao longo dos anos, sendo essa uma sugestão para trabalhos futuros. Neste trabalho, procurou-se manter a maior fidelidade possível à abordagem original de Graham.

Entretanto, na construção das carteiras baseadas nos qualificadores advindos dos quartis também a diversificação foi prejudicada, em especial nos momentos de alta do mercado acionário após 2005. As Tabelas 6 e 7, a seguir, sintetizam as carteiras formadas com base nesses critérios e o resultado da rentabilidade e do Alfa de Jensen.

Novamente, houve a aplicação dos testes de hipótese já citados e foi verificada a gaussianeidade dos dados e a igualdade das variâncias, sem que a hipótese nula pudesse ser rejeitada em nenhum dos testes realizados. Ainda assim, aplicou-se tanto o teste paramétrico t de Student como o de Wilcoxon-Mann-Whitney que mostraram que a estratégia adotada pode ser considerada superior ao Ibovespa em todos os períodos analisados e com o Alfa de Jensen significativamente positivo, conforme dados apresentados na Tabela 8.

O uso dos quartis para encontrar qualificadores para os filtros mostrou-se relativamente eficaz. Apesar do grande número de empresas selecionadas na carteira de 2008 (montada em 31/03/2009), pós-crise do subprime, esperava-se uma maior diversificação nas carteiras e uma maior alteração nas carteiras ao longo dos anos. Isso talvez se deva, novamente, ao pequeno número de empresas negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo quando comparada ao mercado dos Estados Unidos. Mas uma contribuição dessa abordagem é que, com o uso dos quartis, os filtros assumem todos praticamente o mesmo rigor, evitando-se filtros pouco exigentes, pelos quais a maioria das empresas passavam, e filtros extremamente restritivos, pelos quais menos de 5% das empresas satisfaziam.

Pelos resultados das tabelas 5 e 6, o uso dos quartis como qualificadores mostrou-se uma estratégia válida para todos os períodos, principalmente para a carteira refeita anualmente, caso que apresentou o maior Alfa de Jensen. A atribuição de pesos maiores a alguns filtros ou o relaxamento de alguns critérios pode ser um caminho interessante de pesquisa, que envolve a área de lógica fuzzy e de programação multicritério (goal programming) visando promover uma otimização ainda maior da estratégia.

Por outro lado, ao invés de se fixarem qualificadores, pode-se avançar na aplicação de poderosas ferramentas matemáticas da área de reconhecimento de padrões, principalmente a utilização de funções discriminantes da análise multivariada e o reconhecimento de padrões via redes neurais de forma a refinar os resultados. Essas são poderosas ferramentas de análise na medida em que podem, a partir de um vasto número de indicadores iniciais, selecionar os indicadores relevantes para a análise e, a seguir, utilizá-los para classificar as empresas como investimentos potencialmente acima da média ou não.

Dentro da análise multivariada, uma técnica de especial interesse pode ser a Análise Fatorial. Nela se podem excluir e combinar variáveis de maneira a formar novas variáveis (fatores) que expliquem o comportamento observado, de forma se a construir um modelo parcimonioso e, ainda assim, eficaz. Exemplificando: em lugar de se trabalhar com as 9 variáveis dos filtros de Graham, algumas podem se mostrar irrelevantes e outras ganharem um poder explicativo bastante maior se combinados.

A técnica de Análise Fatorial ainda pode ser decisiva ao contribuir com o número de ativos na carteira. De posse do modelo construído, é possível construir um escore para cada observação com base nos fatores selecionados. Assim, ao invés de selecionar apenas os ativos que superam determinados valores para os fatores, é possível selecionar os ativos que apresentem os maiores escores, contabilizando todos os fatores numa única medida. Para se construir uma carteira com 10 empresas, por exemplo, é possível escolher aquelas que apresentam os 10 maiores escores para os fatores do modelo que são, em teoria, as 10 melhores empresas segundo aquelas variáveis. Dessa maneira, elimina-se o problema de diversificação das carteiras. Resta saber se os retornos anormais se mantêm nessa nova estratégia, sendo essa a linha de pesquisa seguida pelos autores deste trabalho em investigações já em andamento.

Na literatura pesquisada, essa linha de investigação se mostrou inédita, sendo que a aplicação dessas técnicas em relação aos fundamentos contábeis das empresas, buscando uma rentabilidade acima da média, no longo prazo pode ser um importante passo numa maior compreensão do mercado acionário brasileiro bem como no desenvolvimento das ferramentas matemáticas de reconhecimento de padrões que objetivem essa aplicação.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista a seleção de ativos por parte do pequeno investidor pessoa física, testou-se a aplicação dos filtros de Graham ao mercado acionário brasileiro. Num primeiro momento, é preciso ressaltar como os autores caracterizam o investimento, chamando a atenção para a necessidade de uma análise profunda dos ativos, uma diversificação adequada e uma margem de segurança, que implica dizer, diante dos dados e perspectivas de uma empresa, que o preço pelo qual ela está sendo negociada está significativamente inferior ao seu real valor e essa diferença tende a se exaurir no longo prazo.

Para identificar essas oportunidades de investimento, Graham propôs o uso de dez filtros por parte do pequeno investidor. Esses filtros foram testados para o período de 1998 até 2009 e os resultados observados mostram que essa pode ser uma estratégia vencedora, em especial, no caso da carteira mantida durante cinco anos, ou seja, visando a um prazo mais longo, na qual a rentabilidade da estratégia foi de 203% contra 98% do Ibovespa, um retorno significativamente maior que o do Índice de mercado ao nível de 5%. Entretanto, as carteiras montadas apresentavam poucas empresas, não satisfazendo uma diversificação razoável, conforme recomendado tanto por Graham quanto pela literatura da área. Utilizando o modelo CAPM para corrigir o retorno de acordo com o risco assumido, também se observou um retorno anormal significativo de 22,46% no período. Destaque-se para o fato de que, em todos os períodos analisados, o Alfa de Jensen se mostrou significativamente positivo, evidenciando a capacidade da estratégia de promover retornos anormais.

Porém, os filtros de Graham trazem qualificadores fixos que definem os critérios de seleção e podem não ser adequados a diferentes mercados e em diferentes momentos nos quais foram elaborados. Por isso, na tentativa de se buscarem novos qualificadores para o mercado acionário brasileiro, utilizou-se, como base, a divisão em quartis das empresas de acordo com cada filtro. Assim procedeu-se com a abordagem de carteira construindo portfólios com as empresas que ocupavam, ao mesmo tempo, os quartis mais interessantes de pelo menos sete dos dez filtros. Analisando-se essa abordagem, obtiveram-se resultados promissores, a diversificação aumentou, concedendo maior solidez à estratégia, mas ainda não apresenta problemas, em especial nos momentos de alta do mercado. O uso dos quartis como qualificadores mostrou-se especialmente interessante num giro de prazos mais curtos, com a carteira refeita anualmente, alcançando um retorno de 51,49%, significativamente superior ao retorno de 17,51% do Ibovespa no período. O retorno anormal medido foi de 26,26%. Em todos os períodos analisados, o retorno da carteira dos quartis foi significativamente superior ao retorno do Ibovespa. O Alfa de Jensen de todos os períodos, igualmente, se mostrou significativamente acima de zero, mais uma vez mostrando a capacidade da estratégia preconizada por Graham, ainda que aqui alterada para se adequar melhor ao mercado brasileiro, superar os retornos do mercado..

Ainda assim, apesar dos resultados se mostrarem estatisticamente significativos, há de se tomar cuidado com as conclusões e serem testados outros medidores de desempenho além do Alfa de Jensen. Também se propõe o uso de lógica fuzzy e da programação multicritério para se modelarem, de forma diferente, os filtros. Outra sugestão é serem utilizadas técnicas de análise multivariada e de redes neurais em busca de um reconhecimento de padrões nos dados contábeis das empresas tendo como fundamentação a abordagem de Graham. Com especial atenção à técnica de Análise Fatorial, tanto para combinar e eliminar variáveis que não se mostram relevantes, como para solucionar o problema de baixa diversificação das carteiras.

Recebido em 23.04.2010

Aceito em 09.06.2010

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    2010

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2010
  • Aceito
    09 Jun 2010
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