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Dinâmica da mortalidade e a proposta de idade mínima de aposentadoria: uma visão atuarial

Resumo

O estudo objetivou aplicar modelos atuariais (dinâmicos e estáticos) para calcular as alíquotas previdenciárias equilibradas para o benefício de aposentadoria programada (na idade mínima) para o Regime Geral de Previdência Social, tomando como base o texto original e o substitutivo da reforma proposta pelo Governo Michel Temer. Mesmo ante os aumentos regulares da expectativa de vida e o caráter de longo prazo das análises, os estudos nacionais sobre previdência tipicamente se apoiam na hipótese de mortalidade estática. A relevância deste estudo é evidenciada devido às mudanças demográficas, particularmente o aumento da expectativa de vida, vivenciadas pela população brasileira nas últimas décadas e que põem em dúvida a sustentabilidade do sistema previdenciário nacional. O uso de modelos atuariais dinâmicos possibilita discussões mais acuradas sobre o futuro da previdência, além de contribuir para uma literatura nacional ainda escassa. Foram aplicados modelos atuariais estáticos e dinâmicos para um indivíduo representativo, ajustando tábuas de mortalidade das Nações Unidas entre 1950 e 2100. Constatou-se que as alíquotas atuarialmente justas calculadas pelo modelo atuarial dinâmico são tipicamente maiores do que aquelas obtidas por meio do modelo estático, sobretudo para as mulheres. Espera-se que tal diferença aumente à medida que os ganhos na expectativa de vida passem a sofrer maior influência da redução da mortalidade nas idades mais avançadas. Adicionalmente, pelo modelo dinâmico, sendo aprovada a reforma da previdência (pelo texto original ou substitutivo), há indícios de que as alíquotas cobradas atualmente seriam demasiadas para os homens. Por sua vez, essas seriam demasiadas para as mulheres pelo texto original e mais próximas do valor atuarialmente justo pelo texto substitutivo. Recomenda-se, ainda, o desenvolvimento, a divulgação e a revisão regular de tábuas dinâmicas oficiais (seja para a mortalidade ou outras premissas biométricas).

Palavras-chave
RGPS; reforma da previdência; expectativa de vida; tábua de mortalidade; aposentadoria

ABSTRACT

This paper aimed to apply (dynamic and static) actuarial models to calculate the balanced contribution rates for the planned (at the minimum age) retirement benefit of the General Social Security System, based on the original and substitutive texts of the reform proposed by Michel Temer’s government. Even with the regular increases in life expectancy and the long-term nature of the analyses, national studies on social security are typically based on the static mortality hypothesis. The relevance of this study is evident due to the demographic changes, particularly the increase in life expectancy, experienced by the Brazilian population in recent decades and which put in question the sustainability of the national pension system. The use of dynamic actuarial models allows for more accurate discussions about the future of social security, besides contributing to the still scarce national literature. Static and dynamic actuarial models were applied to a representative individual, adjusting mortality tables from the United Nations covering 1950 to 2100. It was verified that the actuarially fair rates calculated by the dynamic actuarial model are typically higher than those obtained by the static model, especially for women. This difference is expected to increase as gains in life expectancy become more influenced by the reduction in mortality at more advanced ages. Moreover, if the social security reform is approved (in accordance with either the original or the substitutive text), there are indications from the dynamic model that the contributions rates currently charged would be excessive for men. In turn, these rates would be excessive for women considering the original text, and closer to the actuarially fair value considering the substitutive text. The development, disclosure, and regular updating of official dynamic tables (whether for mortality or other biometric assumptions) are also recommended.

Keywords
RGPS; pension reform; life expectancy; mortality table; retirement

1. INTRODUÇÃO

Com nítida motivação fiscal e de redução dos gastos públicos com previdência (Afonso, 2018Afonso, L. E. (2018). Reforma Temer: os impactos da PEC 287/2016 sobre o RGPS. In J. A. De Negri, B. C. Araújo, & R. Bacelette (Org.), Desafios da nação: artigos de apoio (pp. 253-284) (Vol. 2). Brasília, DF: Ipea.), foi lançada, em dezembro de 2016, a Proposta de Emenda à Constituição n. 287-A, de 2016 Proposta de Emenda à Constituição(Proposed Constitutional Amendment) n. 287-A, of 2016. Alters arts. 37, 40, 109, 149, 167, 195, 201, and 203 of the Constitution, to describe social security, establishes transition rules, and makes other arrangements.(PEC n. 287-A). Tal proposta ambiciona promover uma reforma no sistema previdenciário nacional, tanto no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) quanto no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), buscando maior igualdade nas regras para ambos os regimes, revisão dos critérios de elegibilidade para aposentadoria, adoção de uma idade mínima (progressiva) de aposentadoria, revisão das regras de cálculo do valor dos benefícios de aposentadorias e pensões, entre outros aspectos.

Um dos principais argumentos em favor da reforma está ligado às mudanças demográficas ocorridas no país nas últimas décadas, em particular com a redução da fecundidade e os aumentos regulares na expectativa de vida, o que acarretaria sérios efeitos na sustentabilidade do sistema (Lima & Matias-Pereira, 2014Lima, D. V., & Matias-Pereira, J. (2014). A dinâmica demográfica e a sustentabilidade do Regime Geral de Previdência Social. Revista de Administração Pública, 48(4), 847-868.). Para entender os potenciais impactos da proposta de reforma, estudos atuariais têm sido conduzidos tanto para o RGPS quanto para o RPPS.

Contudo, apesar de buscarem discutir peculiaridades da reforma, como a heterogeneidade da mortalidade da população brasileira (Souza, 2018Souza, F. C. (2018). A heterogeneidade da mortalidade da população brasileira e aspectos distributivos na previdência social: uma análise atuarial da proposta de idade mínima de aposentadoria. Administração Pública e Gestão Social, 10(1), 2-11.), as alíquotas equilibradas a partir da aplicação de modelos multidecrementais (Gouveia, Souza & Rêgo, 2018Gouveia, A. L. L. A., Souza, F. C., & Rêgo, L. C. (2018). Justiça atuarial nos cálculos previdenciários: aplicação de um modelo multidecremental para comparação da regra do fator previdenciário e da idade mínima. Revista Contabilidade & Finanças, 29(78), 469-486.), a comparação de indicadores previdenciários (Afonso & Zylberstajn, 2017Afonso, L. E., & Zylberstajn, H. (2017). Uma avaliação dos impactos distributivos da Proposta de Emenda Constitucional 287/2016 sobre os benefícios programáveis de aposentadoria do RGPS. In Resumos XVII USP International Conference in Accounting (p. 1-20). São Paulo, SP.) e discussões específicas sobre o RPPS (Dias, 2018Dias, C, R. B. (2018). Análise de impactos atuariais da proposta de emenda constitucional n. 287/2016 no Regime Próprio de Previdência Social da União. In A. De Negri, B. C. Araújo, & R. Bacelette (Org.), Desafios da nação: artigos de apoio (pp. 231-252) (Vol. 2). Brasília, DF: Ipea .), esses estudos apresentam a limitação metodológica de utilizarem tábuas de mortalidade de período, as quais consideram apenas a mortalidade observada em um dado período de tempo (Ortega, 1982Ortega, A. (1982). Tablas de mortalidad. San José: Centro Latinoamericano de Demografia.) em suas análises, mesmo diante de cenários de crescimento da expectativa de vida. Com efeito, pesquisas baseadas em tábuas de período negligenciam o comportamento dinâmico da mortalidade.

Este estudo buscou aplicar modelos atuariais dinâmicos, que fazem uso de tábuas construídas a partir de observações passadas sobre mortalidade, mas que também possibilitam projeções de mortalidade futura (Pitacco, Denuit, Haberman & Olivieri, 2009Pitacco, E., Denuit, M., Haberman, S., & Olivieri, A. (2009). Modelling longevity dynamics for pension and annuity business. Oxford: Oxford University.), no processo de discussão sobre a proposta de reforma de previdência social, em particular no RGPS, pela sua abrangência e importância econômica, aproximando a discussão da literatura e das práticas internacionais (Pitacco et al., 2009Pitacco, E., Denuit, M., Haberman, S., & Olivieri, A. (2009). Modelling longevity dynamics for pension and annuity business. Oxford: Oxford University.).

Nesse sentido, o objetivo central deste artigo é calcular para o RGPS, a partir de modelos atuariais dinâmicos e estáticos (para os anos de 1997 a 2037, em intervalos de 10 anos), as alíquotas previdenciárias atuarialmente justas (ou equilibradas) para o benefício de aposentadoria programada (na idade mínima), segregado por sexo, tomando como base o texto original da reforma (PEC n. 287-A) e o texto substitutivo (Emenda Aglutinativa Global à Proposta de Emenda à Constituição n. 287-A, de 2017). Assim, este estudo permite: (i) comparar as alíquotas ante os dois cenários de proposta de reforma; (ii) comparar os resultados em cenários estáticos e dinâmicos da mortalidade; (iii) discutir os resultados para o sexo masculino e feminino; e (iv) acompanhar as variações e tendências das alíquotas ao longo do tempo. Ademais, além dos resultados, esta pesquisa contribui para o fortalecimento da literatura nacional ainda escassa sobre a adoção de modelos atuariais dinâmicos nas discussões previdenciárias, estimulando, ainda, novas pesquisas.

Martins e Campani (2019Martins, F. G. L., & Campani, C. H. (2019). Quem perde e quem ganha com a PEC 287/2016? Uma análise pela variação da riqueza atuarial do segurado urbano brasileiro do Regime Geral de Previdência Social. Revista de Administração Pública, 53(2), 432-460.) destacam que as atuais discussões sobre reforma da previdência no Brasil podem ser, em linhas gerais, enquadradas em três categorias (mesmo que algumas pesquisas mantenham intersecção entre duas ou mais áreas): aquelas que tratam da sustentabilidade fiscal, as que discutem a progressividade distributiva do sistema e aquelas com foco no segurado/contribuinte. Nesse espírito, ao analisar as alíquotas atuarialmente equilibradas (ou seja, que equiparam o fluxo esperado de benefícios ao fluxo esperado de contribuições), este artigo se enquadra prioritariamente no terceiro grupo e auxilia nas discussões sobre atratividade e justiça atuarial do sistema previdenciário nacional. Contudo, entende-se que os resultados aqui expostos têm potencial para contribuir para os interessados no debate sobre distributividade e aspectos técnicos/atuariais ligados à sustentabilidade fiscal.

Quanto ao período escolhido (de 1997 a 2037), esse deve-se à disponibilidade de informações e possibilita uma visão longitudinal das mudanças da mortalidade, analisando como deveriam ser as alíquotas se a idade mínima de aposentadoria (nos moldes propostos) já tivesse sido implantada no governo de Fernando Henrique Cardoso ou fosse postergada para gerações futuras. Nesse ponto, convém destacar que, no exercício hipotético aqui desenvolvido, não foram consideradas regras de transição. Por fim, no processo de cálculo das alíquotas, utilizaram-se a abordagem do indivíduo representativo e a definição de premissas atuariais alinhadas com a literatura.

Para alcançar o objetivo traçado, o restante do trabalho está organizado como segue: na seção 2, é apresentado o referencial teórico do estudo, com exposições sobre o uso de tábuas de mortalidade estáticas e dinâmicas e sobre a proposta de reforma da previdência social, com foco no RGPS e na adoção de idade mínima de aposentadoria. Na seção 3 são descritos os processos para coleta e ajustes das tábuas de mortalidade e a construção da tábua dinâmica, bem como são expostos os modelos e as premissas atuariais aplicadas. Na seção 4, os principais resultados do estudo são apresentados e discutidos à luz da literatura e a análise de sensibilidade dos parâmetros é realizada. Por fim, na seção 5, as conclusões da pesquisa são sumarizadas, limitações do estudo são evidenciadas e investigações futuras são sugeridas de modo a complementar a temática em debate.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Mortalidade: Aspectos Estáticos e Dinâmicos

As tendências no comportamento da mortalidade humana e as projeções de mortalidade só passaram a ser acompanhadas com rigor científico quando as tábuas de mortalidade começaram a ser desenvolvidas e atualizadas ao longo do tempo. Segundo Pitacco (2004Pitacco, E. (2004). Survival models in a dynamic context: A survey. Insurance: Mathematics and Economics, 35(2), 279-298.), em um contexto histórico, os estudos pioneiros nessa área ocorreram na Suécia, no final do século XIX, a partir do registro e da análise das taxas de mortalidade da população sueca entre 1750 e 1870. Atualmente, pesquisas sobre projeções de mortalidade formam uma área vibrante da ciência atuarial devido à sua relevância no planejamento de médio e longo prazo.

Conforme Pitacco et al. (2009Pitacco, E., Denuit, M., Haberman, S., & Olivieri, A. (2009). Modelling longevity dynamics for pension and annuity business. Oxford: Oxford University.), em linhas gerais, uma tábua de mortalidade é uma tabela finita que expressa, para uma sequência de idades inteiras e não negativas, o número de sobreviventes (e mortos) nessas idades. O símbolo 𝑙 𝑥 indica o número de pessoas vivas na idade 𝑥 a partir de um grupo inicial de indivíduos [tipicamente a partir a idade zero ( 𝑙 0 )] e, por ser finita, existe uma idade limite (𝜔), tal que 𝑙 𝜔−1 >0 e 𝑙 𝜔 =0.

Ainda conforme os autores, se os valores 𝑙 0 , 𝑙 1 , ..., 𝑙 𝜔−1 forem calculados a partir de observações estatísticas sobre a frequência de mortes em cada idade e com base em informações de um dado período - por exemplo, um dado ano de calendário 𝑡 -, essa sequência é denominada de tábua de mortalidade de período. Por sua vez, se os valores forem provenientes da observação longitudinal (por 𝜔 anos) do comportamento decremental de um grupo real de recém-nascidos (nascidos no ano de calendário 𝑡′, por exemplo), essa sequência é denominada tábuas de mortalidade de coorte. Desse modo, uma tábua de mortalidade de período parte de uma coorte fictícia e admite a hipótese de mortalidade estática, ou seja, que não há alteração no comportamento futuro da mortalidade.

Assuma uma tábua de mortalidade de período construída com observações do ano 𝑡 (fixo). Define-se 𝑝 𝑥 (𝑡) como a probabilidade de uma pessoa de idade 𝑥 sobreviver até pelo menos a idade 𝑥+1. Além disso, sendo 𝑛 𝑝 𝑥 ↑ 𝑡 = 𝑗=0 𝑛−1 𝑝 𝑥+𝑗 (𝑡) a probabilidade de uma pessoa de idade 𝑥 alcançar com vida a idade 𝑥+𝑛 e assumindo a suposição de distribuição uniforme das mortes ao longo do ano, define-se a expectativa de vida completa de período na idade 𝑥, 𝑒 𝑥 ↑ (𝑡), como:

e x ( t ) = 0,5 + n = 1 ω - x - 1 p x n ( t ) (1)

A expectativa de vida de período ao nascer é um dos principais indicadores de saúde de uma população em um determinado momento histórico, e seu registro serve para acompanhar melhorias nas condições de saúde e qualidade de vida de uma população ao longo do tempo e/ou permitir comparações entre diferentes localidades em um mesmo instante. Nas últimas décadas, os sucessivos aumentos da expectativa de vida têm se tornado tendência global, até mesmo no Brasil (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2013bInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2013b). Projeções da população: Brasil e unidades da federação (Séries Relatórios Metodológicos, Vol. 40). Rio de Janeiro, RJ: IBGE.), com algumas exceções pontuais, como pode ser visto em Souza e Rêgo (2018Souza, F. C., & Rêgo, L. C. (2018). Life expectancy and health life expectancy changes between 2000 and 2015: An analysis of 183 World Health Organization member states. Journal of Public Health: From Theory to Practice, 26(3), 261-269.).

Como bem destacam Pitacco et al. (2009Pitacco, E., Denuit, M., Haberman, S., & Olivieri, A. (2009). Modelling longevity dynamics for pension and annuity business. Oxford: Oxford University.), essa tendência de redução dos níveis de mortalidade faz com que a hipótese de mortalidade estática não seja apropriada para análises de longo prazo - como é o caso de estudos atuariais sobre previdência social. Esse tipo de pesquisa demandaria tábuas de mortalidade projetadas (ou dinâmicas), ou seja, construídas a partir de observações passadas sobre mortalidade, mas que também possibilitam projeções da mortalidade futura. Assim, a mortalidade passaria a ser uma função da idade 𝑥 e do ano de calendário 𝑡, que deixaria de ser fixo.

Formalmente, com base em Pitacco et al. (2009Pitacco, E., Denuit, M., Haberman, S., & Olivieri, A. (2009). Modelling longevity dynamics for pension and annuity business. Oxford: Oxford University.), uma tábua de mortalidade projetada pode ser definida por { 𝑝 𝑥 (𝑡)} 𝑥∈𝑋;𝑡≥𝑡′ , em que 𝑋 é o conjunto de idades e 𝑡′ é o ano de calendário base. Logo, uma tábua de mortalidade projetada é uma matriz que, para uma sucessão de anos de calendário (inteiros) começando em 𝑡′, expressa as probabilidades de sobrevivência, em cada ano, para uma sucessão de idades inteiras e não negativas. Nesse sentido, 𝑛 𝑝 𝑥 ↗ 𝑡 expressa a probabilidade de uma pessoa com idade 𝑥 no ano 𝑡 alcançar com vida a idade 𝑥+𝑛 no ano 𝑡+𝑛 e é representada formalmente por:

p n x t = j = 0 n - 1 p x + j ( t + j ) (2)

Segundo Pitacco (2004Pitacco, E. (2004). Survival models in a dynamic context: A survey. Insurance: Mathematics and Economics, 35(2), 279-298.), os elementos da matriz { 𝑝 𝑥 (𝑡)} 𝑥∈𝑋;𝑡≥𝑡′ podem ser analisados sob três óticas: (i) primeiro tem-se a visão vertical (ou por coluna), em que os valores 𝑝 0 (𝑡), 𝑝 1 (𝑡), ..., 𝑝 𝑥 (𝑡), ..., 𝑝 𝜔−1 (𝑡) fazem referência a uma tábua de mortalidade de período para o ano de calendário 𝑡 (fixo); (ii) segundo tem-se a visão diagonal em que os valores 𝑝 0 (𝑡), 𝑝 1 (𝑡+1), ..., 𝑝 𝑥 (𝑡+𝑥), ..., 𝑝 𝜔−1 (𝑡+𝜔−1) fazem referência a uma tábua de mortalidade de coorte nascida no ano 𝑡 e são utilizados na análise dinâmica da mortalidade; (iii) por fim, tem-se a visão horizontal (ou por linha) em que os valores ..., 𝑝 𝑥 (𝑡−1), 𝑝 𝑥 (𝑡), 𝑝 𝑥 𝑡+1 ,… indicam a evolução da probabilidade de sobrevivência na idade 𝑥 com o passar do tempo.

No contexto dinâmico (visão diagonal), também assumindo a suposição de distribuição uniforme das mortes ao longo do ano, a expectativa de vida coorte é definida como:

e x t = 0,5 + n = 1 ω - x - 1 p n x t (3)

Nesse ponto, convém destacar que a simbologia adotada neste artigo segue a de Pitacco et al. (2009Pitacco, E., Denuit, M., Haberman, S., & Olivieri, A. (2009). Modelling longevity dynamics for pension and annuity business. Oxford: Oxford University.) e as setas (vertical e diagonal) utilizadas como símbolos acessórios nas notações buscam passar a ideia de como o deslocamento é feito ao longo das tábuas (visão vertical e diagonal, respectivamente). Além disso, devido às melhorias nas condições de saúde, tem-se, tipicamente, que para todo ano de calendário 𝑡 e para uma dada idade 𝑥, com 0≤𝑥<𝜔−1, 𝑝 𝑥 (𝑡)< 𝑝 𝑥 𝑡+1 e, por simplicidade, admite-se também que para todo 𝑡, 𝑝 𝜔−1 𝑡 =0 (Cossete, Delward, Denuit, Guillot & Marceau, 2007Cossete, H., Delward, A., Denuit, M., Guillot, F., & Marceau, E. (2007). Pension plan valuation and mortality projection: A case study with mortality data. North American Actuarial Journal, 11(1), 1-34.).

Com base nos dados das Nações Unidas (2017United Nations. (2017). World population prospects: The 2017 Review. Retrieved from https://esa.un.org/unpd/wpp/Download/Standard/Population.
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), a Figura 1 apresenta a comparação entre a expectativa de vida aos 65 anos de período e de coorte para o Brasil (ambos os sexos), entre os anos de 1997 e 2047. Pela figura constata-se, claramente, que a expectativa de coorte é sempre maior do que a expectativa de vida de período. Além disso, espera-se que essa diferença seja de, em média, 1,2 anos entre 2017 e 2047.

Figura 1
Comparação das expectativas de vida de período e de coorte aos 65 anos, para ambos os sexos, entre 1997 e 2047

Guerra e Fígoli (2013Guerra, F. F., & Fígoli, M. B. G. (2013). Esperança de vida e sua relação com indicadores de longevidade: um estudo demográfico para o Brasil, 1980-2050 [Supplement]. Revista Brasileira de Estudos de População, 30, S85-S102.) destacam que a expectativa de vida de período é um indicador defasado da expectativa de vida real de uma coorte. Nesse sentido, no exemplo exposto na Figura 1, como 𝑒 65 ↗ 2017 =19,74, percebe-se que esse patamar só seria obtido em uma tábua de mortalidade de período mais de 10 anos depois, uma vez que 𝑒 65 ↑ (2017)=18,58, 𝑒 65 ↑ (2027)=19,59 e 𝑒 65 ↑ (2037)=20,55.

Queiroz e Sawyer (2012Queiroz, B. L., & Sawyer, D. O. T. (2012). O que os dados de mortalidade do Censo de 2010 podem nos dizer? Revista Brasileira de Estudos de População, 29(2), 225-238.) enfatizam que conhecer o perfil de mortalidade da população brasileira e entender as mudanças demográficas que o país vem passando permitiriam um direcionamento consciente do planejamento fiscal, das políticas sociais, da oferta de serviços e, portanto, do dimensionamento dos gastos públicos, com efeito direto nas áreas de saúde, educação e previdência, dentre outras.

2.2 Idade Mínima de Aposentadoria e a Proposta de Reforma da Previdência

Na história recente de reformas na previdência social brasileira, iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso e continuada nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a proposta apresentada pelo governo Michel Temer, por meio da PEC n. 287/2016, é considerada, segundo Afonso e Zylberstajn (2017Afonso, L. E., & Zylberstajn, H. (2017). Uma avaliação dos impactos distributivos da Proposta de Emenda Constitucional 287/2016 sobre os benefícios programáveis de aposentadoria do RGPS. In Resumos XVII USP International Conference in Accounting (p. 1-20). São Paulo, SP.) e Afonso (2018Afonso, L. E. (2018). Reforma Temer: os impactos da PEC 287/2016 sobre o RGPS. In J. A. De Negri, B. C. Araújo, & R. Bacelette (Org.), Desafios da nação: artigos de apoio (pp. 253-284) (Vol. 2). Brasília, DF: Ipea.), a maior tentativa de revisão do sistema previdenciário brasileiro, mesmo sendo uma reforma paramétrica. Segundo os autores, a reforma em discussão tem clara motivação fiscal, sobretudo após a promulgação da Emenda Constitucional n. 95/2016Emenda Constitucional (Constitutional Amendment) n. 95, of 2016. Alters the Transitional Constitutional Arrangements Act, to enact the New Tax System, and makes other arrangements., que limita os gastos públicos por 20 anos e vem sendo justificada pelas mudanças demográficas ocorridas no país nas últimas décadas.

Carvalho e Garcia (2003Carvalho, J. A. M., Garcia, R. A. (2003). O envelhecimento da população brasileira: um enfoque demográfico. Cadernos de Saúde Pública, 19(3), 725-733.) apontam que a redução na fecundidade tem afetado a estrutura da pirâmide etária brasileira, gerando o envelhecimento da população, o qual é acelerado devido ao processo de aumento da expectativa de vida. Os autores indicam, ainda, que esses aumentos devem mudar o entendimento que se tem do que vem a ser uma pessoa idosa (que, em geral, é tido como aquele indivíduo com 60 anos ou mais).

Essas duas tendências demográficas têm reflexos diretos no financiamento do sistema previdenciário nacional ao reduzir a proporção de ativos por beneficiários e aumentar o tempo esperado de percepção dos benefícios de aposentadoria. Souza, Queiroz e Skirbekk (2018Souza, L. R., Queiroz, B. L., & Skirbekk, V. (2018, abril). Trends in health and retirement in Latin America: Are the elderly healthy enough to extend their working lives? Journal of the Economics of Ageing. doi: https://doi.org/10.1016/j.jeoa.2018.03.008.
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) argumentam que, graças às melhorias nas condições de saúde nas últimas décadas, há um potencial para o aumento das idades de aposentadoria no Brasil e em outros países da América Latina, o qual seria enfatizado pela redução das demandas físicas dos trabalhadores, que permite uma maior longevidade profissional. Adicionalmente, os autores também destacam que, ao longo dos anos, mesmo com aumentos sucessivos da expectativa de vida, há redução da participação das pessoas mais idosas no mercado de trabalho, o que vai contra o esperado.

Logo, diante desses argumentos, uma das principais estratégias previstas na atual proposta de reforma da previdência brasileira é a de definição de idade mínima (progressiva) de aposentadoria atrelada à expectativa de vida (de período) aos 65 anos para ambos os sexos. Assim, sempre que essa expectativa de vida aumentar em um ano, tendo como ponto de partida a expectativa de vida na data de divulgação da PEC n. 287/2016, a idade mínima de aposentadoria também aumentaria um ano. Inicialmente, pelo texto original da reforma (PEC n. 287-A), a idade mínima prevista seria de 65 anos tanto para homens quanto para mulheres, mas foi revista para 62 anos para elas no texto substitutivo da reforma (Emenda Aglutinativa Global à PEC n. 287-AEmenda Aglutinativa Global à Proposta de Emenda à Constituição n. 287-A, de 2016 (Global Agglutinating Amendment to Proposed Constitutional Amendment n. 287-A, of 2016) (resulting from combining the original text with the substitutive one adopted by the special commission and with amendments nºs. 2, 3, 7, 12, 17, 23, 58, 66, 68, 78, and 126), of 2017. Alters arts. 37, 40, 109, 149, 167, 195, 201 of the Constitution, to describe social security, establishes transition rules, and makes other arrangements.). Um sumário das regras de idade mínima, tempo de contribuição e cálculo do benefício de aposentadoria, tanto para a proposta original da PEC n. 287-A quanto para seu texto substitutivo, é visto na Tabela 1. Tal sumário é inspirado em Dias (2018Dias, C, R. B. (2018). Análise de impactos atuariais da proposta de emenda constitucional n. 287/2016 no Regime Próprio de Previdência Social da União. In A. De Negri, B. C. Araújo, & R. Bacelette (Org.), Desafios da nação: artigos de apoio (pp. 231-252) (Vol. 2). Brasília, DF: Ipea .), que realizou análise similar para o RPPS.

Lourenço, Lacaz e Goulart (2017Lourenço, E. A. S., Lacaz, F. A. C., & Goulart, P. M. (2017). Crise do capital e o desmonte da previdência social no Brasil. Serviço Social & Sociedade, (130), 467-486.) indicam que a tentativa de definição da idade mínima de aposentadoria não é novidade no Brasil. O governo Fernando Henrique Cardoso buscou, sem sucesso, a definição de tal estratégia de reforma (65 anos para homens e 60 para mulheres), a qual acabou sendo substituída pelo fator previdenciário - o qual também leva em consideração a expectativa de vida (de período) no instante da aposentadoria.

A discussão sobre reforma na previdência e adoção de idade mínima de aposentadoria não é um caso particular do Brasil. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), quase todos os seus países membros têm ou almejam ter uma idade normal de aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres (OCDE, 2013Organization for Economic Cooperation and Development. (2013). Pensions at a Glance 2013: OECD and G20 indicators. Retrieved from http://dx.doi.org/10.1787/pension_glance-2013-en.
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). Ademais, conforme a OCDE (2017Organization for Economic Cooperation and Development. (2017). Pensions at a Glance 2017: OECD and G20 indicators. Retrieved from http://dx.doi.org/10.1787/pension_glance-2017-en.
http://dx.doi.org/10.1787/pension_glance...
), países como Dinamarca, Finlândia, Itália, Holanda, Portugal e Eslováquia também buscam alinhar as alterações na idade normal de aposentadoria com as melhorias na expectativa de vida de suas populações.

Tabela 1
Sumário das propostas de reformas referentes à idade mínima e ao cálculo dos benefícios de aposentadoria para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS)

Essas medidas, que buscam definir mecanismos legais a serem aplicados em caso de alteração em indicadores de solvência e/ou demográficos predeterminados (como no caso da expectativa de vida), são conhecidas na literatura atuarial como mecanismos de ajuste (ou balanceamento) automático (Vidal-Meliá, Boado-Penas & Settergren, 2009Vidal-Melia, C., Boado-Penas, M. C., & Settergren, O. (2009). Automatic balance mechanism in pay-as-you-go pension systems. The Geneva Papers on Risk and Insurance: Issues and Practice, 34(2), 287-317.). A adoção desses mecanismos vem sendo globalmente aceita pois, segundo os autores, reduzem a pressão política e o uso eleitoreiro do sistema previdenciário, permitem ação imediata quando um desvio é detectado, bem como passam maior credibilidade e transparência para o sistema.

Mesmo com argumentos favoráveis, uma reforma tão profunda não é apresentada sem sofrer fortes críticas. Para Lourenço et al. (2017Lourenço, E. A. S., Lacaz, F. A. C., & Goulart, P. M. (2017). Crise do capital e o desmonte da previdência social no Brasil. Serviço Social & Sociedade, (130), 467-486.), a argumentação de que a previdência é deficitária seria decorrência da não contribuição do Estado enquanto ente empregador, das sonegações e fraudes e das renúncias fiscais por parte do governo. Une-se a isso a questão de que a previdência social faz parte da Seguridade Social e, portanto, deveria ser financiada com recursos dessa, e não apenas com as contribuições previdenciárias. Por fim, para os autores, o fato de existir desvinculação de recursos da Seguridade Social para outros fins, quando se fala em déficit da previdência, seria contradição. Silva, Puty, Silva, Carvalho e Frânces (2017Silva, C. P. A., Puty, C. A. C. B., Silva, M. S., Carvalho, S. V., & Frânces, C. R. L. (2017). Financial forecast accuracy in Brazil’s social security system. PLoS ONE, 12(8), e0184353.) complementam essa argumentação enfatizando que as previsões realizadas pelo governo em apoio aos argumentos pró-reforma têm confiabilidade incerta, uma vez que têm baixa transparência dos métodos utilizados, dificultando replicabilidade dos resultados. Os autores ainda enfatizam que as projeções são tendenciosas no curto prazo (superestimando o déficit, por exemplo) e, com efeito, teriam pouca utilidade em análises de longo prazo. Souza (2018Souza, L. R., Queiroz, B. L., & Skirbekk, V. (2018, abril). Trends in health and retirement in Latin America: Are the elderly healthy enough to extend their working lives? Journal of the Economics of Ageing. doi: https://doi.org/10.1016/j.jeoa.2018.03.008.
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) também indica que a definição de idade mínima elevada poderia afetar os trabalhadores em profissões de maior exigência física e que poderiam ter interesse em se aposentar em idades mais jovens, mesmo que com perdas salariais, bem como pode trazer efeitos de redistribuição negativa para a previdência.

Em contrapartida, defensores argumentam que, independentemente de existir (ou não) déficit previdenciário, é notório que as despesas com previdência têm aumentado e que o Brasil, um país com população relativamente jovem quando comparado com outros países da Europa, por exemplo, já tem patamar de gastos com previdência em percentual do produto interno bruto (PIB) no mesmo nível de países mais longevos, o que agravaria a situação em longo prazo. Assim, altos gastos previdenciários implicariam que os recursos investidos na previdência deixam de ser aplicados em outras áreas de interesse público (Afonso e Zylberstajn, 2017Afonso, L. E., & Zylberstajn, H. (2017). Uma avaliação dos impactos distributivos da Proposta de Emenda Constitucional 287/2016 sobre os benefícios programáveis de aposentadoria do RGPS. In Resumos XVII USP International Conference in Accounting (p. 1-20). São Paulo, SP.). Além disso, Costanzi e Ansiliero (2016Costanzi, R. N., & Ansiliero, G. (2016). As idades médias de aposentadoria urbana por unidade da federação e região. Nota Técnica nº 29. Brasília, DF: Ipea. ) indicam que a aposentadoria por tempo de contribuição (sem requisitos de idade mínima) beneficia os trabalhadores com maiores rendas e níveis de escolaridades que ocupam cargos profissionais mais estáveis, enquanto os trabalhadores mais pobres acabam por se aposentar por idade ou pelo benefício de prestação continuada.

Outro ponto a se destacar sobre a reforma da previdência é que essa tem estimulado relevante discussão acadêmica, especialmente no que se refere aos seus potenciais impactos, avaliados a partir de estudos atuariais, como é o caso de Afonso e Zylberstajn (2017Afonso, L. E., & Zylberstajn, H. (2017). Uma avaliação dos impactos distributivos da Proposta de Emenda Constitucional 287/2016 sobre os benefícios programáveis de aposentadoria do RGPS. In Resumos XVII USP International Conference in Accounting (p. 1-20). São Paulo, SP.), Dias (2018Dias, C, R. B. (2018). Análise de impactos atuariais da proposta de emenda constitucional n. 287/2016 no Regime Próprio de Previdência Social da União. In A. De Negri, B. C. Araújo, & R. Bacelette (Org.), Desafios da nação: artigos de apoio (pp. 231-252) (Vol. 2). Brasília, DF: Ipea .), Gouveia et al. (2018Gouveia, A. L. L. A., Souza, F. C., & Rêgo, L. C. (2018). Justiça atuarial nos cálculos previdenciários: aplicação de um modelo multidecremental para comparação da regra do fator previdenciário e da idade mínima. Revista Contabilidade & Finanças, 29(78), 469-486.) e Souza (2018Souza, L. R., Queiroz, B. L., & Skirbekk, V. (2018, abril). Trends in health and retirement in Latin America: Are the elderly healthy enough to extend their working lives? Journal of the Economics of Ageing. doi: https://doi.org/10.1016/j.jeoa.2018.03.008.
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). Além da temática, esses estudos têm em comum o fato de considerarem, em suas análises, o uso de tábuas de mortalidade de período (estáticas) o que, em uma perspectiva de longo prazo, como no caso dos fluxos de aposentadoria, faz com que - apesar da relevância - os resultados precisem ser interpretados com cautela. Isso pois, como a reforma e a adoção de idade mínima são justificadas, em parte, pelos aumentos na expectativa de vida da população brasileira, nada mais natural do que analisar potenciais impactos da reforma por meio de modelos atuariais que considerem esse aspecto dinâmico da mortalidade. É justamente nessa lacuna da literatura nacional que se insere este artigo.

Na literatura sobre o sistema previdenciário nacional, merece destaque o trabalho de Zarzin, Wajnman e Turra (2012Zarzin, P. L. G., Wajnman, S., & Turra, C. M. (2012). Previsión social y desigualdad racial em el Brasil. Notas de Población, 95(1), 11-40.), que examinou a distribuição de renda entre grupos raciais no Brasil proporcionada pela previdência social. Nesse estudo os autores utilizaram tanto a abordagem de ciclo de vida (que faz uso de um modelo atuarial dinâmico) quanto uma análise de período, e constataram que as regras previdenciárias vigentes à época, ao protegerem os mais pobres, tinham o papel de reduzir a desigualdade de renda entre idosos negros e brancos.

Na literatura e práticas públicas internacionais, aspectos ligados à dinâmica da mortalidade vêm sendo questão corrente, em especial em discussões sobre a sustentabilidade de longo prazo de políticas fiscais e reformas dos sistemas previdenciários. Lee e Tuljapurkar (1997Lee, R., & Tuljapurkar, S. (1997). Death and taxes: Longer life, consumption, and social security. Demography, 34(1), 67-81.) destacam que, em tais discussões, antes dominadas pelas mudanças nos níveis de fecundidade, a influência das constantes reduções nos níveis de mortalidade já passa a ter papel de destaque. Para Andersen (2012Andersen, T. M. (2012). Fiscal sustainability and demographics - Should we save or work more? Journal of Macroeconomics, 34(2), 264-280.), no ambiente previdenciário, o aumento da taxa de dependência impulsionada pelo aumento da expectativa de vida (diferentemente daquela impulsionada pela redução da fecundidade) sugere a necessidade de medidas de aumento das idades legais de aposentadoria.

Como exemplo da aplicação de modelos atuariais dinâmicos em discussões sobre justiça atuarial, tem-se o trabalho de Belloni e Maccheroni (2013Belloni, M., & Maccheroni, C. (2013). Actuarial fairness when longevity increases: An evaluation of Italian pension system. The Geneva Papers on Risk and Insurance: Issues and Practice, 38(4), 638-674.), que analisa características atuariais do sistema previdenciário italiano durante a transição de um sistema de benefícios definidos para um de contribuição definida nocional. Como resultado, constatou-se que, em consequência das recentes reformas, o sistema italiano passaria de generoso (em que os aposentados receberiam benefícios maiores do que aqueles atuarialmente justos) para um regime mais austero, em que há indícios de que o valor dos benefícios seria menor do que o justo. Os autores também sugerem que projeções de mortalidade sejam empregadas (e regularmente revisadas) para garantir melhor adequação do sistema.

Outro interessante estudo é o de Heiland e Yin (2014Heiland, F. W., & Yin, N. (2014). Have we finally achieved actuarial fairness of social security retirement benefits and will it last? [Working Paper]. Michigan Retirement Research Center. Retrieved from http://www.mrrc.isr.umich.edu/publications/briefs/pdf/rb307.pdf.
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). Conforme os autores, o sistema previdenciário estadunidense estabelece medidas de ajuste atuarial dos benefícios de aposentadoria tanto daqueles que optam por uma aposentadoria antecipada quanto postecipada. E desde a introdução da opção de aposentadoria antecipada, no final da década de 1950 e início da década de 1960, a estrutura dessas medidas sofreu uma série de alterações. Assim, os autores investigaram se essa agenda de ajustes é atuarialmente justa, em particular, ante a tendência de crescimento da expectativa de vida de coorte. O estudo constatou que os mecanismos de ajustes têm melhorado com o passar das gerações, aproximando-se cada vez mais do valor justo, e que os aumentos da idade de aposentadoria completa (full retirement age) que acompanham os aumentos na expectativa de vida têm contribuído para isso.

3. METODOLOGIA

3.1 Dados sobre Mortalidade

Para uso de modelos atuariais dinâmicos, faz-se necessária a disponibilidade de longos registros e projeções sobre mortalidade. O IBGE (2013aInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2013a). Projeção da população. Retrieved from ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2013.
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) fornece esse tipo de dado, mas apenas com projeções até 2060, o que é insuficiente para a realização da análise em questão. Assim, optou-se pelo uso de dados já existentes e referenciados na literatura (Amaro & Afonso, 2018Amaro, L. C., & Afonso, L. E. (2018). Quais são os efeitos do envelhecimento populacional nos sistemas previdenciários de Brasil, Espanha e França? Revista Brasileira de Estudos de População, 35(1), 1-29.; Souza et al., 2018Souza, L. R., Queiroz, B. L., & Skirbekk, V. (2018, abril). Trends in health and retirement in Latin America: Are the elderly healthy enough to extend their working lives? Journal of the Economics of Ageing. doi: https://doi.org/10.1016/j.jeoa.2018.03.008.
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) e, portanto, as informações sobre mortalidade foram obtidas a partir da base de dados da Divisão de População das Nações Unidas (Nações Unidas, 2017United Nations. (2017). World population prospects: The 2017 Review. Retrieved from https://esa.un.org/unpd/wpp/Download/Standard/Population.
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).

Tal base fornece tábuas de mortalidade estáticas e abreviadas (com informações para as idades de 0, 1, 5, 10, 15, ..., 80 e 85 anos ou mais) referentes a períodos quinquenais a partir do quinquênio 1950-1955 até 2095-2010 e segregadas por sexo (ambos os sexos, masculina e feminina). Essas tábuas foram utilizadas para construir as tábuas de mortalidade completas e o modelo dinâmico.

Inicialmente, para cada intervalo quinquenal, considerou-se que ele seria fechado no limite inferior e aberto no limite superior, ou seja, para o quinquênio 1950-1955, o intervalo considerado foi [1950, 1955) e, para o quinquênio seguinte, ter-se-ia [1955, 1960), seguindo essa mesma ideia até [2095, 2100). Posteriormente, os pontos centrais dos respectivos intervalos foram considerados o ano de calendário de cada uma das tábuas estáticas quinquenais; daí, por exemplo, o ano de 1952 seria utilizado para a tábua do quinquênio 1950-1955 e assim sucessivamente até o ano de 2097, representando o perfil de mortalidade da tábua 2095-2100, totalizando 30 tábuas de mortalidade abreviadas para cada categoria (ambos os sexos, masculina e feminina).

Em seguida, fazia-se necessário expandir essas tábuas de mortalidade abreviadas para tábuas completas. Em consonância com as práticas adotadas por órgãos oficiais (IBGE 2016; Silva, 2015Silva, L. G. C. (2015). Nota técnica sobre a metodologia adotada pelo MPS na extrapolação das tábuas de mortalidade IBGE para as idades acima de 80 anos. Retrieved from http://sa.previdencia.gov.br/site/2015/06/NOTA-TECNICA-ATUARIAL-EXTRAPOLACAO-DA-TABUA-IBGE-MPS.pdf.
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), esse procedimento dividiu-se em três partes: para idades de 1 a 4 anos, realizou-se um ajuste hiperbólico da quantidade de sobreviventes e, para as idades de 5 a 85 anos, assumiu-se que a função sobrevivência seguia uma curva de Gompertz conforme definido pelo IBGE (2016Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2016). Procedimentos para obtenção de uma tábua completa de mortalidade a partir de uma tábua abreviada - Brasil 2014. Rio de Janeiro, RJ: IBGE .) e discutido em Souza (2018Souza, L. R., Queiroz, B. L., & Skirbekk, V. (2018, abril). Trends in health and retirement in Latin America: Are the elderly healthy enough to extend their working lives? Journal of the Economics of Ageing. doi: https://doi.org/10.1016/j.jeoa.2018.03.008.
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). Para as idades acima de 85 anos, a abordagem se baseou na metodologia desenvolvida por Silva (2015Silva, L. G. C. (2015). Nota técnica sobre a metodologia adotada pelo MPS na extrapolação das tábuas de mortalidade IBGE para as idades acima de 80 anos. Retrieved from http://sa.previdencia.gov.br/site/2015/06/NOTA-TECNICA-ATUARIAL-EXTRAPOLACAO-DA-TABUA-IBGE-MPS.pdf.
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) e adotada para extrapolação das tábuas de mortalidade do IBGE. Essa última etapa consiste em definir (para cada ano de calendário) fatores de ajuste (FA) que permitiriam o cálculo da quantidade de sobreviventes entre 86 e 115 anos, de tal modo que o módulo da diferença entre a expectativa aos 85 anos obtida pela tábua completa e a expectativa indicada na tábua abreviada seja menor do que 0,01 ano. Assim, conforme Silva (2015Silva, L. G. C. (2015). Nota técnica sobre a metodologia adotada pelo MPS na extrapolação das tábuas de mortalidade IBGE para as idades acima de 80 anos. Retrieved from http://sa.previdencia.gov.br/site/2015/06/NOTA-TECNICA-ATUARIAL-EXTRAPOLACAO-DA-TABUA-IBGE-MPS.pdf.
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), para um dado ano de calendário, o número de sobreviventes para idades acima de 85 anos seria definido como:

l x + 2 = l x + 1 l x + 1 l x + F A (4)

Uma vez de posse das tábuas completas para os anos de 1952, 1957, …, 2097, as tábuas para os períodos intermediários foram obtidas por meio do processo de interpolação linear das taxas de sobrevivência, totalizando 146 tábuas de mortalidade completas para cada estrato. Ademais, tomando/emparelhando as taxas de sobrevivência para cada idade em cada ano de calendário, construiu-se a tábua de mortalidade dinâmica, tendo 1952 como o ano inicial.

3.2 Modelos e Premissas Atuariais

O cálculo das alíquotas equilibradas parte do princípio de que o valor presente esperado das contribuições previdenciárias (VPEC) realizadas em favor do empregado deve ser igual ao valor presente esperado dos benefícios previdenciários (VPEB) devidos a ele, os quais, no caso em análise, correspondem aos benefícios de aposentadoria programada a partir da idade mínima de aposentadoria. Inicialmente, o desenvolvimento do modelo será dividido em duas partes: a primeira, referente ao texto original da PEC n. 287-A (destacado pelo sobrescrito o) e a segunda referente ao texto substitutivo (destacado pelos sobrescritos s,h, para os homens, e s,m, para as mulheres).

Para todos os casos em análise, é assumido que há uma taxa de desconto real de 𝑖% ao ano (a.a.) - sendo 𝑖=3% a.a. (Gouveia et al., 2018Gouveia, A. L. L. A., Souza, F. C., & Rêgo, L. C. (2018). Justiça atuarial nos cálculos previdenciários: aplicação de um modelo multidecremental para comparação da regra do fator previdenciário e da idade mínima. Revista Contabilidade & Finanças, 29(78), 469-486.; Souza, 2018Souza, L. R., Queiroz, B. L., & Skirbekk, V. (2018, abril). Trends in health and retirement in Latin America: Are the elderly healthy enough to extend their working lives? Journal of the Economics of Ageing. doi: https://doi.org/10.1016/j.jeoa.2018.03.008.
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) -, que o empregado entra no mercado de trabalho aos 20 anos recebendo salário anual igual a 𝑆 20 , o qual cresce a uma taxa real de 𝑖 𝑠 % a.a. - sendo 𝑖 𝑠 =2% a.a. (Gouveia et al., 2018Gouveia, A. L. L. A., Souza, F. C., & Rêgo, L. C. (2018). Justiça atuarial nos cálculos previdenciários: aplicação de um modelo multidecremental para comparação da regra do fator previdenciário e da idade mínima. Revista Contabilidade & Finanças, 29(78), 469-486.; Souza, 2018Souza, L. R., Queiroz, B. L., & Skirbekk, V. (2018, abril). Trends in health and retirement in Latin America: Are the elderly healthy enough to extend their working lives? Journal of the Economics of Ageing. doi: https://doi.org/10.1016/j.jeoa.2018.03.008.
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) - e que, ao longo da vida ativa, todos os salários do empregado estão nos limites (piso e teto) previdenciários do RGPS. Ademais, é adotado, por simplicidade, que os fluxos financeiros são antecipados e têm periodicidade anual e que há densidade de contribuição de 100%. Por fim, os benefícios de aposentadoria recebidos a partir da idade mínima r ( 𝐵 𝑟 ) têm crescimento real nulo.

Como visto na Tabela 1, pelo texto original da reforma, a idade mínima de aposentadoria para ambos os sexos seria de 65 anos, com um período mínimo de 25 anos de contribuições. Além disso, sendo TC o tempo de contribuição (medido em anos), o benefício de aposentadoria aos 65 anos seria equivalente a 51 + TC% da média dos salários de contribuição, respeitado o teto de 100% da média e os limites previdenciários. Assim, como é suposto que o trabalhador inicia sua vida ativa aos 20 anos, isso corresponderia a 96% daquela média. Logo, pelo exposto, e sendo 𝑐 𝑜 a alíquota de contribuição de equilíbrio ante o texto original da reforma, pode-se definir, em um contexto atuarial dinâmico, 𝑉𝑃𝐸𝐶 𝑜 , 𝑉𝑃𝐸𝐵 𝑜 e 65 𝑜 tanto para homens quanto para mulheres, para um indivíduo que se aposenta aos 65 anos no ano de calendário 𝑡, como sendo:

V P E C o = n = 0 44 c o . S 20 . ( 1 + i s ) n ( 1 + i ) n . p 20 n t - 45 (5)

V P E B o = n = 45 ω - 21 B 65 o . 1 ( 1 + i ) n . p 20 n t - 45 (6)

B 65 o = 0,96 . S 20 45 . ( 1 + i s ) 45 - 1 i s (7)

Substituindo o valor de 𝐵 65 𝑜 na equação 6 pelo lado direito da equação 7, e igualando esse resultado à equação 5, obtém-se o valor da alíquota de equilíbrio:

c o = n = 45 ω - 21 0,96 . ( 1 + i s ) 45 - 1 45 . i s . 1 ( 1 + i ) n . p 20 n t - 45 n = 0 44 ( 1 + i s ) n ( 1 + i ) n . p 20 n t - 65 (8)

Para converter as equações 5, 6 e 8 em modelos atuariais estáticos, para uma pessoa que se aposente aos 65 anos no ano 𝑡, basta substituir 𝑛 𝑝 20 ↗ 𝑡−45 por 𝑛 𝑝 20 ↑ 𝑡 .

Passando para a modelagem do texto substitutivo da reforma, também pela Tabela 1, viu-se que o tempo mínimo de contribuição foi reduzido para 15 anos, que a idade mínima para as mulheres passou para 62 anos e que houve mudanças na forma de cálculo do benefício de aposentadoria. Pela alteração realizada no cálculo de benefício de aposentadoria e pelas condições de modelagem impostas, tem-se que ambos os sexos receberiam 100% da média dos seus respectivos salários de contribuição. Portanto, sendo 𝑐 𝑠,ℎ a alíquota de contribuição de equilíbrio ante o texto substitutivo da reforma para um homem que se aposenta aos 65 anos no ano de calendário 𝑡, pode-se definir, em um contexto atuarial dinâmico, 𝑉𝑃𝐸𝐶 𝑠,ℎ , ,𝑃𝐸𝐵 𝑠,ℎ e 𝐵 65 𝑠,ℎ como sendo:

V P E C s , h = n = 0 44 c s , h . S 20 . ( 1 + i s ) n ( 1 + i ) n . p 20 n t - 45 (9)

V P E B s , h = n = 45 ω - 21 B 65 s , h . 1 1 + i n . p 20 n t - 45 (10)

B 65 s , h = S 20 45 . ( 1 + i s ) 45 - 1 i s (11)

Já para uma mulher que se aposenta aos 62 anos no ano de calendário 𝑡, 𝑉𝑃𝐸𝐶 𝑠,𝑚 , 𝑉𝑃𝐸𝐵 𝑠,𝑚 e 𝐵 62 𝑠,𝑚 são definidos como:

V P E C s , m = n = 0 41 c s , m . S 20 . 1 + i s n 1 + i n . p 20 n t - 42 (12)

V P E B s , m = n = 42 ω - 21 B 62 s , m . 1 1 + i n . p 20 n t - 42 (13)

B 62 s , m = S 20 42 . ( 1 + i s ) 42 - 1 i s (14)

As alíquotas equilibradas e as conversões para a modelagem atuarial estática, para ambos os casos, são realizadas de modo análogo ao explicado para o texto original da reforma e, consequentemente, podem ser omitidas sem perdas. Por fim, para todos os cenários em avaliação, os cálculos são realizados considerando cinco possíveis anos de calendário para a aposentadoria (𝑡), a saber: 1997, 2007, 2017, 2027 e 2037. Isso permite uma análise longitudinal em um espectro de 40 anos, iniciando no caso hipotético de uma reforma a partir do governo Fernando Henrique Cardoso e passando por projeções para as próximas duas décadas.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nesta seção, tendo como base os modelos e premissas discutidos na seção anterior, são apresentados os valores das alíquotas previdenciárias equilibradas para uma aposentadoria programada na idade mínima estabelecida pelo texto original da PEC n. 287-A e pelo seu texto substitutivo, hipoteticamente, como se as reformas fossem iniciadas efetivamente e sem etapas de transição nos respectivos anos de avaliação.

A Tabela 2 apresenta um sumário das alíquotas de contribuição equilibradas encontradas em cada cenário de análise. Percebe-se que essas tendem a aumentar, em geral, aproximadamente um ponto percentual a cada década que passa. Esse fato evidencia o efeito que a redução da mortalidade exerce nos custos previdenciários.

Tabela 2
Alíquotas de contribuição previdenciária equilibradas para aposentadoria programada na idade mínima, para homens e mulheres, a partir do uso de modelos atuariais dinâmicos e estáticos e do texto original e do substitutivo da reforma, para aposentadorias nos anos de 1997, 2007, 2017, 2027 e 2037

Essa constatação de ampliação do valor das alíquotas ao longo das décadas ressalta o importante papel da aplicação dos mecanismos de ajuste automático, como no caso de atrelar os aumentos da idade mínima de aposentadoria aos aumentos na expectativa de vida aos 65 anos. Supondo, de forma ilustrativa, que a idade mínima (seja pelo texto original ou pelo substitutivo) tivesse passado a vigorar plenamente em 2017 e que a expectativa de vida aos 65 anos, para ambos os sexos, aumentasse aproximadamente em um ano entre 2017 e 2027, então a idade mínima de aposentadoria passaria para 66 anos (para ambos os sexos) pelo texto original ou para 66 anos para eles e 63 para elas pelo texto substitutivo. Nesse espírito, e realizando os ajustes cabíveis nos modelos, as alíquotas em 2027 para eles seriam de 11,84 e 12,21% para o texto original e substitutivo, respectivamente (e não mais de 12,65 e 13,17% caso a aposentadoria ocorresse aos 65 em 2027, como apresentado no modelo estático da Tabela 2), enquanto para elas os valores seriam de 15,04 e 19,26%, respectivamente (contra os 15,93 e 20,56% da Tabela 2), retornando a níveis mais próximos daqueles de 2017. Logo, essa estratégia evitaria grandes variações na necessidade de contribuição previdenciária ao longo do tempo, mantendo as alíquotas em um patamar mais estável. Essa discussão também está em consonância com os achados de Souza (2018Souza, L. R., Queiroz, B. L., & Skirbekk, V. (2018, abril). Trends in health and retirement in Latin America: Are the elderly healthy enough to extend their working lives? Journal of the Economics of Ageing. doi: https://doi.org/10.1016/j.jeoa.2018.03.008.
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).

Para um homem, no modelo dinâmico, a alíquota pelo texto original da PEC, caso a aposentadoria ocorresse aos 65 anos em 2017, estaria em torno de 11,65%. Assim, considerando que, atualmente, dependendo da faixa salarial, as alíquotas previdenciárias variam de 28 a 31%, se a aposentadoria programada na idade mínima representasse (para as respectivas faixas) em torno de 38 a 42% do custo total de aposentadoria (considerando benefícios de aposentadoria por invalidez, pensões etc.), o sistema seria atuarialmente justo para os homens. Por exemplo, para o trabalhador que paga 11% de contribuição, somados com os 20% do empregador, se o custo da aposentadoria programada correspondesse a menos de 42% do custo total para cobrir os benefícios previdenciários esperados, então o valor presente esperado do fluxo de contribuições seria menor do que o valor presente esperado do fluxo de benefícios. Em contrapartida, se o custo da aposentadoria programada fosse correspondente a mais de 42% do custo total, então a alíquota de 31% seria excessiva.

Gouveia et al. (2018Gouveia, A. L. L. A., Souza, F. C., & Rêgo, L. C. (2018). Justiça atuarial nos cálculos previdenciários: aplicação de um modelo multidecremental para comparação da regra do fator previdenciário e da idade mínima. Revista Contabilidade & Finanças, 29(78), 469-486.) indicam, a partir de suas premissas originais, que esse custo estaria no nível de 56%, o que, em uma primeira análise, indicaria que as alíquotas previdenciárias em vigor, sozinhas e pela ótica da justiça atuarial, seriam suficientes para cobrir os principais benefícios previdenciários esperados, como o de aposentadoria programada, invalidez e pensões. Contudo, ainda conforme os autores, mudanças em outras premissas demográficas poderiam afetar significativamente esses valores e até mesmo alterar a conclusão obtida, dependendo do nível de variação entre as premissas adotadas. Logo, esse ponto evidencia a necessidade de se desenvolverem estatísticas oficiais para outras premissas demográficas (como a entrada em invalidez e mortalidade de inválidos, por exemplo) e, sobretudo, manter o acompanhamento delas ao longo do tempo, de modo a também permitir sua avaliação dinâmica e obtenção de conclusões mais acuradas.

Além disso, entre 1997 e 2037 (pela Tabela 2), seria esperado o aumento de cerca de 44% no valor da alíquota, que passaria de aproximadamente 9,53% (em 1997) para 13,70% (em 2037). Resultados semelhantes são obtidos se fosse focada a aposentadoria conforme o texto substitutivo da reforma, sendo o patamar das alíquotas ligeiramente maior, uma vez que o trabalhador passaria a ganhar 100% da média.

Para as mulheres, ainda pelo modelo dinâmico e baseado no texto original da reforma, o crescimento da alíquota seria proporcionalmente menor, uma vez que essas já partem de um patamar mais elevado. O aumento esperado entre 1997 e 2037 seria de aproximadamente 32%, passando de 12,71 para 16,75%. Ademais, considerando uma aposentadoria aos 65 em 2017, a alíquota seria de 15,01%. Essa diferença entre a alíquota feminina e masculina é reflexo da maior expectativa de vida delas. Logo, pelo texto original da reforma e considerando as alíquotas atualmente em vigor, se a aposentadoria programada na idade mínima para elas (respeitando as faixas de contribuição) representasse algo em torno de 49 a 54% do custo total de aposentadoria, as alíquotas vigentes seriam justas.

Porém, ainda conforme as premissas originais de Gouveia et al. (2018Gouveia, A. L. L. A., Souza, F. C., & Rêgo, L. C. (2018). Justiça atuarial nos cálculos previdenciários: aplicação de um modelo multidecremental para comparação da regra do fator previdenciário e da idade mínima. Revista Contabilidade & Finanças, 29(78), 469-486.), esse custo estaria no patamar de 70%, ou seja, haveria cobrança demasiada para elas. Conforme os autores, esse resultado seria reflexo, em parte, do fato de que as mulheres teriam menores custos com pensões (de um modo geral) do que os homens. Assim, unidos aos argumentos de dupla jornada de trabalho e desigualdades no mercado profissional, esses achados também suportariam a necessidade de uma revisão no texto original da reforma em favor das mulheres, como ocorreu no texto substitutivo, com a redução da idade mínima para elas, em resposta à perda do subsídio na fórmula do fator previdenciário. Portanto, como constatam Afonso e Zylberstajn (2017Afonso, L. E., & Zylberstajn, H. (2017). Uma avaliação dos impactos distributivos da Proposta de Emenda Constitucional 287/2016 sobre os benefícios programáveis de aposentadoria do RGPS. In Resumos XVII USP International Conference in Accounting (p. 1-20). São Paulo, SP.), a reforma, nos moldes originais, teria maiores impactos para as mulheres. Outras discussões sobre o polêmico debate de sexo na previdência e o trade-off entre justiça social e atuarial são encontradas em Marri, Wanjnman e Andrade (2011Marri, I. G., Wajnman, S., Andrade, M. V. (2011). Reforma da Previdência Social: simulações e impactos sobre os diferenciais de sexo. Revista Brasileira de Estudos de População, 28, 37-56.), Costanzi e Ansiliero (2017Costanzi, R. N., & Ansiliero, G. (2017). Reflexões iniciais sobre a reforma da previdência: a polêmica questão de gênero na determinação da idade mínima para aposentadoria. Informações FIPE, 436(1), 16-24.) e Mostafa, Valadares, Souza, Rezende e Fontoura (2017Mostafa, J., Valadares, A. A., Souza, M. G. P., Rezende, M. T., & Fontoura, N. O. (2017). Previdência e gênero: por que as idades de aposentadoria de homens e mulheres devem ser diferentes. Nota Técnica nº 25. Brasília, DF: Ipea . ).

Pelo texto substitutivo, com a idade mínima sendo reduzida para 62 anos para elas, a alíquota de contribuição em 2017 seria de 19,54% e o aumento, entre 1997 e 2037, seria de aproximadamente 27%. Essa elevação no custo da aposentadoria programada é consequência da redução do tempo esperado de contribuição e aumento do tempo esperado de percepção dos benefícios. Adicionalmente, pelo texto substitutivo da reforma e considerando as alíquotas atualmente em vigor, se a aposentadoria programada na idade mínima (de 62 anos) para elas representasse algo em torno dos 63 a 70% do custo total de aposentadoria, as alíquotas vigentes seriam atuarialmente justas.

Comparando as modelagens dinâmica e estática, constata-se que as alíquotas pelo modelo dinâmico são tipicamente maiores do que as obtidas pelo modelo estático, sendo a maior diferença para as mulheres (devido ao perfil de sobrevivência), sobretudo quando a aposentadoria é regida pelo texto substitutivo da PEC. Para elas, por exemplo, todas as diferenças são superiores a 0,5 pontos percentuais. Em um primeiro momento, essas diferenças podem parecer pequenas, mas, em um sistema com milhões de contribuintes e em uma análise de longo prazo, tal variação na captação de recurso pode ser significativa. Além disso, percebe-se que há tendência inicial de queda na diferença das alíquotas no contexto dinâmico e estático com o passar das décadas e que essa tendência volta a aumentar no último período de análise. Esse processo está associado com a mudança no perfil de mortalidade que vem ocorrendo no país.

Como destacam Souza e Rêgo (2018Souza, L. R., Queiroz, B. L., & Skirbekk, V. (2018, abril). Trends in health and retirement in Latin America: Are the elderly healthy enough to extend their working lives? Journal of the Economics of Ageing. doi: https://doi.org/10.1016/j.jeoa.2018.03.008.
https://doi.org/10.1016/j.jeoa.2018.03.0...
), é tendência global que as nações menos desenvolvidas obtenham aumentos na expectativa de vida, com redução da mortalidade em idades mais jovens e, à medida que vão alcançando patamares mais elevados de longevidade, os ganhos na expectativa de vida passam a receber maiores influências das melhorias nas condições de saúde dos idosos. Assim, com os aumentos na expectativa de vida da população brasileira, seria natural esperar que a diferença apresentada continuasse a aumentar, o que evidencia a relevância da análise dinâmica. Formalmente, tem-se que no período contributivo, e supondo uma aposentadoria aos 65 anos (no ano 𝑡), o modelo estático superestimaria as contribuições esperadas, uma vez que 𝑝 20+𝑛 𝑡 > 𝑝 20+𝑛 𝑡−45+𝑛 , para 0≤𝑛<45. Em contrapartida, como o fluxo de benefícios também é trazido a valor presente na idade de 20 anos, sofre influência do período anterior e posterior à idade de aposentadoria - e sabe-se que, a partir dos 65, 𝑝 65+𝑛 𝑡 < 𝑝 65+𝑛 𝑡+𝑛 , para 0<𝑛≤𝜔−66 - podendo seu valor esperado ser majorado ou minorado. Portanto, como é adotada a razão entre o fluxo de benefícios e o de contribuições para calcular a alíquota, o modelo estático pode tanto subestimar quanto superestimar os resultados em comparação ao modelo dinâmico. Logo, se os ganhos na expectativa de vida passarem a ser mais influenciados pela redução da mortalidade em idades mais avançadas, isso levaria a aumentos na diferença nas alíquotas encontradas pelos modelos dinâmico e estático com o passar do tempo.

Destarte, mais do que os valores encontrados ou a exposição de críticas ou defesas à reforma, este artigo evidencia a importância da utilização de modelos dinâmicos em estudos atuariais sobre previdência e estimula o fortalecimento da literatura nacional na área.

4.1. Análise de Sensibilidade

Como bem nos ensina Trowbridge (1989Trowbridge, C. L. (1989). Fundamentals concepts of actuarial science. Revised Edition. Schaumburg, IL: Actuarial Education and Research Fund.), os cálculos atuariais são baseados em um conjunto de premissas e, com efeito, os resultados obtidos são tão bons quanto as suposições adotadas. Assim, mesmo buscando seguir as principais premissas adotadas na literatura nacional, é salutar apresentar algumas análises de sensibilidade dos parâmetros adotados. Nesse sentido, são discutidas variações nas taxas reais de juros e de crescimento salarial e das projeções de mortalidade a partir do instante de aposentadoria. As análises são realizadas considerando o caso em que os trabalhadores se aposentam (na idade mínima) em 2017.

As tabelas 3 e 4 apresentam, respectivamente, as alíquotas atuarialmente justas ante as variações na taxa real de juros e na taxa real de crescimento salarial. Percebe-se que, por incidirem durante todo o período de análise, variações na taxa real de juros provocam os maiores impactos no valor da alíquota atuarialmente justa, quando comparadas com aquelas causadas por alterações de mesma magnitude na taxa de crescimento salarial. Ademais, como esperado, aumentos na taxa de juros provocam redução na alíquota justa, enquanto aumentos na taxa de crescimento salarial também acarretam aumentos no valor atuarialmente justo.

Pela Tabela 3, se a taxa real de juros adotada fosse de 2% a.a., a alíquota equilibrada giraria em torno dos 16% para os homens e seria superior aos 20% para as mulheres, chegando a um patamar superior aos 27% pelo modelo dinâmico e considerando o texto substitutivo. Em contrapartida, se a taxa considerada fosse de 4% a.a., as alíquotas equilibradas para eles estariam na casa dos 8%, enquanto para elas estariam na casa dos 10% pelo texto original e 13% pelo texto substitutivo.

Tabela 3.
Análise de sensibilidade das alíquotas de contribuição previdenciária equilibradas para aposentadoria programada na idade mínima em 2017, para homens e mulheres, a partir do uso de modelos atuariais dinâmicos e estáticos e do texto original e do substitutivo da reforma, ante as variações na taxa real de juros
Tabela 4
Análise de sensibilidade das alíquotas de contribuição previdenciária equilibradas para aposentadoria programada na idade mínima em 2017, para homens e mulheres, a partir do uso de modelos atuariais dinâmicos e estáticos e do texto original e do substitutivo da reforma, ante as variações na taxa real de crescimento salarial

Por fim, a Tabela 5 expõe o efeito que desvios nas projeções de mortalidade a partir da idade mínima de aposentadoria podem exercer nas alíquotas. Para tanto, as tábuas de mortalidade de coorte no modelo dinâmico foram agravadas e desagravadas, permitindo, assim, diferentes projeções de mortalidade a partir de 2017. Conforme Caldart, Motta, Caetano e Bonatto (2014Caldart, P. R., Motta, S. T., Caetano, M. A., & Bonatto, T. V. (2014). Adequação das hipóteses atuariais e modelo alternativo do RPPS: o caso do Rio Grande do Sul. Revista Contabilidade & Finanças, 25(66), 281-293.), o processo de agravamento de uma tábua de mortalidade consiste em aumentar os índices de mortalidade e, consequentemente, reduzir a expectativa de vida. O desagravamento, em contrapartida, levaria ao aumento da expectativa de vida. Convém destacar que essa análise de sensibilidade foi focada apenas no modelo dinâmico, uma vez que os dados sobre mortalidade até 2017 são conhecidos e o modelo estático, como dito, admite a hipótese de mortalidade estática.

No modelo dinâmico e pelo texto original, para homens e mulheres, os valores de 𝑝 𝑥+𝑡 (2017+𝑡), para todo 𝑥≥65 e 𝑡≥0, foram substituídos por aqueles dos anos de 2022+𝑡 e 2027+𝑡 - desagravando com isso a tábua a partir dos 65 anos - e pelos valores do 2012+𝑡 e 2007+𝑡 -, agravando a tábua. Desse modo, 𝑒 65 ↗ 2017 avança para os níveis de 2022 e 2027 ou regride para os valores de 2012 e 2007. Para o texto substitutivo, os ajustes (para elas) foram realizados a partir dos 62 anos.

Tabela 5
Análise de sensibilidade das alíquotas de contribuição previdenciária equilibradas para aposentadoria programada na idade mínima em 2017, para homens e mulheres, a partir do uso de modelos atuariais dinâmicos e estáticos e do texto original e do substitutivo da reforma, ante os agravamentos e desagravamentos das tábuas de mortalidade a partir da idade mínima de aposentadoria

Pela Tabela 5, observa-se que, como esperado, aumentos na expectativa de vida no instante de aposentadoria elevariam o valor da alíquota. Por exemplo, se a expectativa de vida de coorte aos 65 anos (ou aos 62 anos no caso das mulheres pelo texto substitutivo), em 2017, fosse elevada para os níveis projetados para 2027, o valor da alíquota justa aumentaria aproximadamente 0,5 pontos percentuais. Como destacam Dickson, Hardy e Waters (2013Dickson, D. C., Hardy, M. R., & Waters, H. R. (2013). Actuarial mathematics for life contingences risks (2nd ed.). Cambridge: Cambridge University.), esse tipo de análise (em particular a de desagravamento) torna-se relevante, pois em vários países a mortalidade tem declinado de forma mais rápida do que vinha sendo projetada, o que, no contexto em análise, elevaria o valor dos benefícios futuros esperados e, com efeito, as alíquotas previdenciárias.

5. CONCLUSÕES

Após o impeachment de Dilma Rousseff, em meados de 2016, o governo Michel Temer se iniciou com a proposta de realizar diversas reformas no país e, dentre elas, destacava-se a reforma da previdência social, conforme estabelecida na PEC n. 287-A. Tal reforma buscaria aproximar as regras do RPPS com as do RGPS, estabelecer a idade mínima de aposentadoria, revisar a forma de cálculo dos benefícios de aposentadoria e pensões, definir regras de transição, dentre outras providências. Assim, na visão fiscal, o governo esperaria reduzir os impactos dos gastos com previdência nas contas públicas.

Os argumentos adotados para fundamentar a necessidade da reforma da previdência são tipicamente embasados pelas mudanças demográficas que o país vem passando nas últimas décadas com a redução da taxa de fecundidade e, em especial, pelos aumentos na expectativa de vida. Nesse sentido, este artigo buscou contribuir tanto para a atual discussão sobre reforma da previdência quanto para o fortalecimento da literatura nacional no que tange ao uso de modelos atuariais dinâmicos em avaliações previdenciárias.

Constatou-se, pelas premissas originais, que as alíquotas equilibradas calculadas pelo modelo atuarial dinâmico são tipicamente maiores do que aquelas obtidas pelo modelo estático, sobretudo para as mulheres. Além disso, espera-se que tal diferença aumente à medida que os ganhos na expectativa de vida passem a sofrer maior influência da redução da mortalidade nas idades mais avançadas, o que evidencia a necessidade do uso de modelos atuariais dinâmicos em estudos previdenciários, particularmente pelo caráter de longo prazo das análises. Além disso, pelos textos propostos (original e substitutivo), há indícios de que as alíquotas cobradas atualmente seriam demasiadas para os homens. Por sua vez, as alíquotas seriam demasiadas para as mulheres pelo texto original e mais próximas do valor atuarialmente justo pelo texto substitutivo.

Pelos achados e discussões desenvolvidos neste artigo, entende-se que, para permitir estudos mais precisos e completos, seriam relevantes o desenvolvimento de tábuas dinâmicas oficiais e a revisão regular dessas (a cada censo demográfico, por exemplo), e não apenas a referente à mortalidade, pois outras premissas demográficas também exercem importante influência na avaliação dos benefícios previdenciários esperados (como no caso da mortalidade de inválidos e entrada em invalidez) e, portanto, também demandariam o acompanhamento de suas dinâmicas e divulgações oficiais regulares.

Adicionalmente, convém destacar que as análises sobre justiça atuarial pressupõem algum tipo de capitalização dos recursos (mesmo que de forma fictícia), portanto, não consideram o envelhecimento da estrutura etária da população. Contudo, como o regime atualmente adotado no Brasil é de repartição simples, os efeitos da redução da fecundidade combinados com os aumentos na expectativa de vida têm reflexos no equilíbrio atuarial do sistema, lançando maior pressão fiscal sobre as gerações futuras. Desse modo, uma alíquota atuarialmente justa não implicaria em equilíbrio atuarial do sistema.

Nesse ponto, é prudente enfatizar limitações da pesquisa e apontamentos que podem guiar o leitor para aprofundamentos e futuros estudos, sobretudo no que tange às hipóteses adotadas e à simplicidade do exercício. Inicialmente, o estudo realizado neste artigo previa a densidade de contribuição de 100%, ou seja, não haveria lacunas provocadas por períodos de desemprego ou informalidade; tampouco foram realizadas discussões sobre as regras de transição. Nesse sentido, o estudo de Martins e Campani (2019Martins, F. G. L., & Campani, C. H. (2019). Quem perde e quem ganha com a PEC 287/2016? Uma análise pela variação da riqueza atuarial do segurado urbano brasileiro do Regime Geral de Previdência Social. Revista de Administração Pública, 53(2), 432-460.), que avalia ganhos e perdas atuariais para segurados durante o período de transição da reforma diante de diferentes cenários, até mesmo de trajetória de trabalho, torna-se referência relevante. Análises sobre vinculação do piso previdenciário ao salário mínimo também é tema que merece futuros estudos atuariais. Nesse sentido, estudiosos como Tafner (2012Tafner, P. (2012). Desafios e reformas da previdência social brasileira. Revista USP, (93), 137-156.) apontam que os reajustes do salário mínimo são um dos vilões dos aumentos dos gastos da previdência e, consequentemente, da sustentabilidade do sistema.

Outro ponto a se realçar é a possível baixa qualidade dos dados sobre mortalidade para idades mais avançadas no Brasil, provenientes de incerteza sobre as idades de morte reportadas e pela imputação de dados faltantes (Gomes & Turra, 2009Gomes, M. M. F., & Turra, C. M. (2009). The number of centenarians in Brazil: Indirect estimates based on death certificates. Demographic Research, 20(20), 495-502.; Turra, 2012Turra, C. M. (2012). Os limites do corpo. A longevidade em uma perspectiva demográfica. Revista da UFMG, 19(1-2), 156-181.). Assim, como afirma Turra (2012Turra, C. M. (2012). Os limites do corpo. A longevidade em uma perspectiva demográfica. Revista da UFMG, 19(1-2), 156-181., p. 164), “o desconhecimento sobre a verdadeira estrutura da mortalidade adulta no Brasil pode levar a projeções inexatas acerca do comportamento da longevidade do país”. O risco de que as projeções realizadas não correspondam ao real comportamento da longevidade (seja subestimando-a ou superestimando-a) é conhecido na literatura como risco de longevidade e tem atraído forte atenção da literatura (Wills & Sherris, 2010Wills, S., & Sherris, M. (2010). Securitization, structuring and pricing of longevity risk. Insurance: Mathematics and Economics, 46(1), 173-185.). A consciência do risco de longevidade também reforça a necessidade de revisão regular das projeções e implantação de mecanismos de ajuste automático capazes de responder quando desvios forem detectados.

Por fim, como aponta a OCDE (2017Organization for Economic Cooperation and Development. (2017). Pensions at a Glance 2017: OECD and G20 indicators. Retrieved from http://dx.doi.org/10.1787/pension_glance-2017-en.
http://dx.doi.org/10.1787/pension_glance...
), existe uma demanda das classes trabalhadoras por sistemas previdenciários que suportem jornadas de trabalhos flexíveis, em particular para idades mais avançadas, em que o empregado poderia se beneficiar de uma aposentadoria menor e se manter ativo no mercado em escala parcial, por exemplo. Nesse espírito, mecanismos de redução de benefícios (como o fator previdenciário) seguem como alternativas às políticas de idade mínima de aposentadoria, e pesquisas que busquem revisar o fator previdenciário (no caso brasileiro), incorporando de modo adequado a expectativas de vida de coorte em sua formulação e avaliando os impactos dessa medida, certamente contribuiriam para o atual debate sobre reforma na previdência social no Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2018
  • Revisado
    26 Jun 2018
  • Aceito
    12 Fev 2019
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