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Preferências, fontes e condicionantes: uma nova abordagem de teste para as decisões de financiamento

Resumo

O objetivo deste artigo é propor uma nova abordagem para teste empírico da teoria de pecking order que lide com problemas comumente reportados e aplicá-la à análise de empresas brasileiras. As principais lacunas preenchidas são a falta de definições claras para dívida segura e folga financeira; a falta de controle, nas regressões, pelas capacidades das fontes de recursos; e a não consideração das oportunidades futuras de investimento em análises de financiamento. Disponibilizam-se métodos que oferecem controles em relação às informações que as empresas possuem acerca das capacidades de cada fonte de recursos, quando das decisões de financiamento e que levam em consideração as oportunidades de investimento atuais e futuras. A metodologia proposta oferece um ambiente mais controlado para o teste da teoria de pecking order, que pode ser adaptado para estudar outros tópicos em finanças, apoiando avanços na compreensão da captação e uso de recursos por parte de empresas de capital aberto. São definidas quatro políticas integradas de financiamento e cash holdings, que levam a diferentes déficits (ou superávits) internos esperados. As relações entre esses déficits (ou superávits), em diferentes níveis, e os fluxos de recursos observados nas fontes externas são analisadas em regressões quantílicas cross-section e em painel, controlando pelas capacidades de cada fonte, em painéis de dados desbalanceados com 4.465 observações de 223 empresas. Por meio do estudo das relações entre os déficits (ou superávits) de financiamento interno esperados e os fluxos observados nas fontes externas de recursos, contribuímos com uma nova metodologia de testes de estrutura de capital e encontramos fortes evidências de que as empresas brasileiras de capital aberto seguem a teoria de pecking order.

Palavras-chave:
teoria de pecking order; financiamento empresarial; política de cash holdings; metodologia de teste; estrutura de capital

Abstract

This article aims to propose a new approach to the empirical testing of the pecking order theory that tackles commonly reported issues and apply it to the analysis of Brazilian companies. The main gaps bridged herein are the lack of clear definitions for safe debt and financial slack; the lack of control, in regressions, for the financing sources’ capabilities; and the failure to consider future investment opportunities in financing analyses. We adopt methods that enable controlling for the information the companies have about each financing source’s capabilities, at the time their financing decisions are made, while taking current and future investment opportunities into account. The proposed methodology offers a rather controlled environment to test the pecking order theory, which can be adapted to study other topics in finance, supporting advances in understanding the raising and allocation of funds by listed companies. Four integrated financing and cash holding policies are defined, which lead to different expected internal deficits (or surpluses). The relationships between these deficits (or surpluses), at different levels, and the flows that are observed at the external sources of funds are analyzed in cross-section and panel data quantile regressions, controlling for each source’s capabilities, in unbalanced data panels with 4,465 observations of 223 companies. By studying the relationships between expected internal financing deficits (or surpluses) and the flows that are observed at the external sources of funds, we contribute with a new capital structure testing methodology, and we find strong evidence that Brazilian listed companies follow the pecking order theory.

Keywords:
pecking order theory,; business funding,; cash holding policy; testing methodology; capital structure

1. INTRODUÇÃO

A teoria de pecking order (TPO) (Myers, 1984Myers, S. C. (1984). The capital structure puzzle. The Journal of Finance, 39(3), 574-592.; Myers & Majluf, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221.) prevê que, em função da assimetria de informações entre agentes internos e externos, as empresas se financiem seguindo uma hierarquia preestabelecida de fontes de recursos, privilegiando recursos internos em vez dos externos e, entre estes, dívida em vez de ações. As abordagens de testes para essa teoria adotam tanto a análise de determinantes para a estrutura de capital (Titman & Wessels, 1988Titman, S., & Wessels, R. (1988). The determinants of capital structure choice. The Journal of Finance, 43(1), 1-19.) quanto a análise direta dos fluxos financeiros envolvidos (Shyam-Sunder & Myers, 1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.; Watson & Wilson, 2002Watson, R., & Wilson, N. (2002). Small and medium size enterprise financing: a note on some of the empirical implications of a pecking order. Journal of Business Finance & Accounting, 29(3-4), 557-578.), abordagem enfocada por este estudo.

No estudo seminal de Shyam-Sunder e Myers (1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.), analisa-se a relação entre a emissão de dívida e o déficit interno de financiamento da empresa, sob a hipótese da existência de uma relação próxima de 1:1 entre essas duas variáveis, o que, em tese, confirmaria a aderência à TPO. Chirinko e Singha (2000Chirinko, R. S., & Singha, A. R. (2000). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure: a critical comment. Journal of Financial Economics, 58(3), 417-425.) indicam, no entanto, que essa abordagem não é robusta o suficiente, por ser direcionada pelas proporções, sem observar as condições em que elas são atingidas. Não seria possível, dessa forma, verificar se o esgotamento de uma fonte preferencial de recursos ocorre antes do uso da próxima fonte, na hierarquia prevista pela teoria.

Watson e Wilson (2002Watson, R., & Wilson, N. (2002). Small and medium size enterprise financing: a note on some of the empirical implications of a pecking order. Journal of Business Finance & Accounting, 29(3-4), 557-578.) adotam abordagem mais abrangente, ao analisarem a relação entre os investimentos das empresas em seus ativos totais e suas potenciais fontes de recursos (retenção de lucros, emissão de dívida e emissão de ações). Apesar de permitir a análise da participação dessas fontes de recursos na formação dos ativos, essa abordagem mantém parte das fragilidades mencionadas por Chirinko e Singha (2000Chirinko, R. S., & Singha, A. R. (2000). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure: a critical comment. Journal of Financial Economics, 58(3), 417-425.), ao não controlar como a relação entre as variáveis se altera em função das capacidades de uma ou outra fonte de recurso.

As decisões de financiamento foram analisadas separadamente para os casos de falta ou sobra de recursos internos (De Jong et al., 2010De Jong, A., Verbeek, M., & Verwijmeren, P. (2010). The impact of financing surpluses and large financing deficits on tests of the pecking order theory. Financial Management, 39(2), 733-756. ), considerando a capacidade de endividamento das empresas (Leary & Roberts, 2010Leary, M. T., & Roberts, M. R. (2010). The pecking order, debt capacity, and information asymmetry. Journal of Financial Economics, 95(3), 332-355.; Lemmon & Zender, 2010Lemmon, M. L., & Zender, J. F. (2010). Debt capacity and tests of capital structure theories. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 45(5), 1161-1187.), seu crescimento (Sánchez-Vidal & Martín-Ugedo, 2005Sánchez-Vidal, J., & Martín-Ugedo, J. F. (2005). Financing preferences of Spanish firms: evidence on the pecking order theory. Review of Quantitative Finance and Accounting, 25(4), 341-355.) e seu nível de investimento (Chay et al., 2015Chay, J. B., Park, S. H., Kim, S., & Suh, J. (2015). Financing hierarchy: evidence from quantile regression. Journal of Corporate Finance, 33, 147-163.), persistindo, no entanto, lacunas a serem preenchidas.

Em parte dos estudos revisados (De Jong et al., 2010De Jong, A., Verbeek, M., & Verwijmeren, P. (2010). The impact of financing surpluses and large financing deficits on tests of the pecking order theory. Financial Management, 39(2), 733-756. ; Lemmon & Zender, 2010Lemmon, M. L., & Zender, J. F. (2010). Debt capacity and tests of capital structure theories. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 45(5), 1161-1187.; Shyam-Sunder & Myers, 1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.), a omissão da emissão de ações, nos modelos, prejudica a análise de alterações nas proporções de dívida e ações, em função do déficit (ou superávit) interno. Chay et al. (2015Chay, J. B., Park, S. H., Kim, S., & Suh, J. (2015). Financing hierarchy: evidence from quantile regression. Journal of Corporate Finance, 33, 147-163.), Sánchez-Vidal e Martín-Ugedo (2005Sánchez-Vidal, J., & Martín-Ugedo, J. F. (2005). Financing preferences of Spanish firms: evidence on the pecking order theory. Review of Quantitative Finance and Accounting, 25(4), 341-355.) e Watson e Wilson (2002Watson, R., & Wilson, N. (2002). Small and medium size enterprise financing: a note on some of the empirical implications of a pecking order. Journal of Business Finance & Accounting, 29(3-4), 557-578.) avançam, ao analisarem o uso das diferentes fontes de recursos, incluindo a emissão de ações, mas não incorporam controles explícitos em relação ao esgotamento de cada uma delas, problema comum a esses estudos. Ao final, dificulta-se a interpretação dos resultados, que refletem uma combinação de preferências e proporções de uso das fontes de recursos, como destacado por Chirinko e Singha (2000Chirinko, R. S., & Singha, A. R. (2000). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure: a critical comment. Journal of Financial Economics, 58(3), 417-425.) no estudo seminal de Shyam-Sunder e Myers (1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.).

Neste estudo, é proposta e aplicada uma nova metodologia que mitiga essas fragilidades. Essa metodologia reconhece que (i) o financiamento de longo prazo de uma empresa está relacionado não só aos déficits ou superávits resultantes de sua operação e investimentos correntes, mas também, como sugerido por Leary e Roberts (2010Leary, M. T., & Roberts, M. R. (2010). The pecking order, debt capacity, and information asymmetry. Journal of Financial Economics, 95(3), 332-355.), à sua política de cash holdings, estabelecida em função de suas oportunidades futuras de investimento; (ii) esses déficits ou superávits precisam ser estimados a partir das informações disponíveis quando das tomadas de decisão de financiamento; (iii) os investimentos correntes podem ser mais bem avaliados a partir das variações na alocação de recursos no ativo operacional líquido; (iv) as perspectivas de investimentos futuros se refletem na folga financeira interna da empresa. Sob essa perspectiva, é possível testar, para versões mais ou menos restritivas da TPO, qual política integrada de financiamento e cash holdings é mais bem explicada. Os testes se baseiam em regressões quantílicas relacionando déficits (ou superávits) internos esperados a partir de cada uma dessas políticas com as variações efetivamente observadas no uso das fontes externas de recursos, controlando por meio das capacidades de cada uma das possíveis fontes de financiamento.

A aplicação dessa nova metodologia a uma amostra de empresas brasileiras não financeiras de capital aberto proporciona evidências de que elas seguem a TPO. Identifica-se, a partir dessa amostra, que os fluxos financeiros observados nas fontes de recursos externas às empresas são mais bem explicados por uma política integrada de financiamento e cash holdings que privilegia o autofinanciamento e a manutenção de uma folga financeira interna compatível com as expectativas de mercado quanto às oportunidades futuras de geração de valor de cada empresa. Adicionalmente, por (i) não usar semi-identidades contábeis, analisando todas as fontes de recursos; (ii) controlar pelo esgotamento dessas fontes; e (iii) usar regressão quantílica, a metodologia proposta oferece a possibilidade de se analisar como as relações entre as variáveis estudadas se alteram, para diferentes níveis de déficit (ou superávit) esperado.

Os resultados alcançados se mostraram robustos e sugerem a possibilidade de uso da metodologia proposta não só em pesquisas sobre estrutura de capital, mas também sobre outros temas nos quais a análise controlada dos fluxos financeiros empresariais se mostre necessária.

2. REVISÃO DA LITERATURA

As abordagens que se propõem a explicar os motivadores das escolhas de financiamento feitas pelas empresas são diversas. O tema é controverso e suas origens remontam à década de 1950, com os trabalhos seminais de Durand (1952Durand, D. (1952). Costs of debt and equity funds for business: Trends and problems of measurement. Conference on Research in Business Finance, 215-262. Universities-National Bureau., 1959Durand, D. (1959). The cost of capital, corporation finance, and the theory of investment: Comment. The American Economic Review, 49(4), 639-655.), apontando que o valor da empresa é impactado pela sua estrutura de capital e de Modigliani e Miller (1958Modigliani, F., & Miller, M. H. (1958). The cost of capital, corporation finance, and the theory of investment. The American Economic Review, 48(3), 261-297., 1959Modigliani, F., & Miller, M. H. (1959). The cost of capital, corporation finance and the theory of investment: Reply. The American Economic Review, 49(4), 655-669.), que destacam a influência, nesse valor, do tipo de negócio e das expectativas sobre o fluxo de caixa.

As decisões de financiamento são analisadas como motivadas pela busca de um nível ótimo de endividamento (DeAngelo & Masulis, 1980DeAngelo, H., & Masulis, R. W. (1980). Optimal capital structure under corporate and personal taxation. Journal of Financial Economics, 8(1), 3-29.; Fischer et al., 1989Fischer, E. O., Heinkel, R., & Zechner, J. (1989). Dynamic capital structure choice: theory and tests. The Journal of Finance, 44(1), 19-40.), pelas oportunidades de mercado (Baker & Wurgler, 2002Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market timing and capital structure. The Journal of Finance, 57(1), 1-32.) ou por aspectos relacionados à assimetria de informações entre agentes internos e externos à empresa. Na presença dessas assimetrias, essas decisões podem estar condicionadas por custos associados aos conflitos de interesse (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, 3(4), 305-360.) ou pelos riscos de seleção adversa (Donaldson, 1961Donaldson, G. (1961). Corporate debt capacity: a study of corporate debt policy and the determination of corporate debt capacity. Harvard University.; Myers, 1984Myers, S. C. (1984). The capital structure puzzle. The Journal of Finance, 39(3), 574-592.; Myers & Majluf, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221.). Revisões de literatura abrangentes sobre estrutura de capital são encontradas em Harris e Raviv (1991Harris, M., & Raviv, A. (1991). The theory of capital structure. The Journal of Finance, 46(1), 297-355.), Graham e Leary (2011Graham, J. R., & Leary, M. T. (2011). A review of empirical capital structure research and directions for the future. Annual Review of Financial Economics, 3(1), 309-345.) e Kumar et al. (2017Kumar, S., Colombage, S., & Rao, P. (2017). Research on capital structure determinants: a review and future directions. International Journal of Managerial Finance, 13(2), 106-132.) e, no nosso meio, em Bittencourt e Albuquerque (2018Bittencourt, W. R., & Albuquerque, P. H. M. (2018). Estrutura de capital: uma revisão bibliográfica das publicações dos periódicos nacionais. Revista Contemporânea de Contabilidade, 15(34), 94-114.).

A TPO, com origem no estudo realizado por Donaldson (1961Donaldson, G. (1961). Corporate debt capacity: a study of corporate debt policy and the determination of corporate debt capacity. Harvard University.) e consolidada nos estudos de Myers (1984Myers, S. C. (1984). The capital structure puzzle. The Journal of Finance, 39(3), 574-592.) e Myers e Majluf (1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221.), parte da perspectiva de que os executivos são mais bem informados sobre a empresa que as demais partes interessadas e privilegiam os interesses de seus acionistas aos de novos investidores. Há, nesse contexto, uma tendência de seleção adversa na disponibilização de títulos, em especial ações, que induz potenciais investidores a uma interpretação autoprotetiva das decisões tomadas pela empresa.

Em linhas gerais, sob a perspectiva da TPO, o financiamento interno de novos investimentos é percebido pelo mercado como indicativo da expectativa de bons retornos por parte da administração. A existência de folga financeira é valorizada, na medida em que permita a realização dos investimentos que criem valor para o acionista, usando o caixa ou a capacidade de endividamento da empresa e evitando o custo de oportunidade de sua não realização ou realização parcial. Por outro lado, a emissão de novas ações pode produzir suspeitas sobre eventual valorização excessiva das ações já existentes, levando à redução de seus preços. Dessa forma, a administração só emitirá novas ações se a expectativa de retorno dos projetos de investimento for superior à expectativa de perda no preço das ações atuais.

Considerando-se essas premissas, a TPO prevê uma ordem de preferência previamente estabelecida para as fontes de financiamento de uma empresa, a saber: (i) lucros acumulados; (ii) dívida; e (iii) ações. Na presença de restrições, como o esgotamento de uma fonte preferencial, a adoção de fonte alternativa respeitaria essa hierarquia de preferências. Assim, na TPO, a estrutura de capital é resultante da sequência de decisões de financiamento fundamentadas pela hierarquia preestabelecida e não um objetivo a ser alcançado.

As abordagens de teste empírico da aderência das empresas à TPO são variadas, abrangendo tanto análises da relação entre o nível de endividamento e seus determinantes indiretos, como em Titman e Wessels (1988Titman, S., & Wessels, R. (1988). The determinants of capital structure choice. The Journal of Finance, 43(1), 1-19.), quanto da relação entre a variação no endividamento e o déficit ou superávit de financiamento interno, como em Shyam-Sunder e Myers (1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.). Outros autores, ainda, como Watson e Wilson (2002Watson, R., & Wilson, N. (2002). Small and medium size enterprise financing: a note on some of the empirical implications of a pecking order. Journal of Business Finance & Accounting, 29(3-4), 557-578.), Sánchez-Vidal e Martín-Ugedo (2005Sánchez-Vidal, J., & Martín-Ugedo, J. F. (2005). Financing preferences of Spanish firms: evidence on the pecking order theory. Review of Quantitative Finance and Accounting, 25(4), 341-355.) e Chay et al. (2015Chay, J. B., Park, S. H., Kim, S., & Suh, J. (2015). Financing hierarchy: evidence from quantile regression. Journal of Corporate Finance, 33, 147-163.), analisam a relação entre os investimentos e desinvestimentos em ativos e os fluxos financeiros em fontes internas e externas de recursos.

Na literatura nacional revisada, como mencionado por Bittencourt e Albuquerque (2018Bittencourt, W. R., & Albuquerque, P. H. M. (2018). Estrutura de capital: uma revisão bibliográfica das publicações dos periódicos nacionais. Revista Contemporânea de Contabilidade, 15(34), 94-114.), observa-se a predominância de abordagens que analisam a relação entre o nível de endividamento da empresa e seus determinantes indiretos, sob a ótica de diferentes teorias de estrutura de capital. Nesse tipo de abordagem, com variações, puderam ser identificadas evidências de que as empresas brasileiras seguem a TPO, como em Bastos e Nakamura (2009Bastos, D. D., & Nakamura, W. T. (2009). Determinantes da estrutura de capital das companhias abertas no Brasil, México e Chile no período 2001-2006. Revista Contabilidade & Finanças, 20(50), 75-94.), Cardoso e Pinheiro (2020Cardoso, V. R. S., & Pinheiro, M. C. (2020). Influência da recessão e das variáveis macroeconômicas sobre a estrutura de capital setorial. Revista Contabilidade & Finanças, 31(84), 392-408.) e Correa et al. (2013Correa, C. A., Basso, L. F. C., & Nakamura, W. T. (2013). A estrutura de capital das maiores empresas brasileiras: análise empírica das teorias de pecking order e trade-off usando panel data. Revista de Administração Mackenzie, 14(4).). Tristão e Sonza (2019Tristão, P. A., & Sonza, I. B. (2019). A estrutura de capital no Brasil é estável? Revista de Administração Mackenzie, 20(4).), por sua vez, identificaram resultados consistentes com a busca de um nível ótimo de endividamento e Nakamura et al. (2007Nakamura, W. T., Martin, D. M. L., Forte, D., Carvalho, A. F., Filho, Costa, A. C. F., & Amaral, A. C. (2007). Determinantes de estrutura de capital no mercado brasileiro: análise de regressão com painel de dados no período 1999-2003. Revista Contabilidade & Finanças, 18(44), 72-85.) e Oliveira et al. (2013Oliveira, G. R., Tabak, B. M., Lara Resende, J. G., & Cajueiro, D. O. (2013). Determinants of the level of indebtedness for Brazilian firms: a quantile regression approach. EconomiA, 14(3-4), 123-138.) identificaram resultados mistos, que não permitiram a corroboração de uma única teoria, a partir das empresas brasileiras estudadas.

Considerando o objetivo de propor e aplicar uma nova metodologia para análise de decisões de financiamento a partir dos fluxos financeiros empresariais, terão ênfase, na sequência, as principais contribuições metodológicas e limitações de estudos nessa linha. Boa parte dos estudos sobre estrutura de capital com esse tipo de abordagem inspira-se, direta ou indiretamente, no modelo seminal de Shyam-Sunder e Myers (1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.). Nele, os autores buscam explicar a variação na dívida de longo prazo a partir do déficit de financiamento interno da empresa. Os fluxos financeiros são contemporâneos e tomados como realizados, ex post, com a relação sendo analisada a partir de uma semi-identidade contábil que omite os fluxos referentes à emissão ou recompra de ações. Os autores indicam que quanto mais próximo de uma unidade for o coeficiente associado ao déficit interno, mais seria corroborada a hipótese de preferência pelo financiamento por dívida e, portanto, a TPO. Em seu estudo, eles obtêm coeficientes em linha com o esperado, concluindo pela aderência do financiamento das empresas estudadas à TPO.

Chirinko e Singha (2000Chirinko, R. S., & Singha, A. R. (2000). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure: a critical comment. Journal of Financial Economics, 58(3), 417-425.) alertam, no entanto, que o teste de Shyam-Sunder e Myers (1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.) não avalia adequadamente a aderência à TPO, induzindo à sua confirmação quando a emissão de dívida ocorre em maior proporção do que a emissão de ações, mesmo que a emissão de ações ocorra antes da emissão de dívida. Indicam, também, a possibilidade de refutação equivocada da TPO, se a emissão de ações for em maior proporção, mesmo que ocorra após a emissão de dívida. A falta de controle em relação à capacidade de endividamento impede confirmar se a emissão de ações se dá por preferência ou por esgotamento dessa capacidade.

Leary e Roberts (2010Leary, M. T., & Roberts, M. R. (2010). The pecking order, debt capacity, and information asymmetry. Journal of Financial Economics, 95(3), 332-355.) destacam, além das limitações expostas por Chirinko e Singha (2000Chirinko, R. S., & Singha, A. R. (2000). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure: a critical comment. Journal of Financial Economics, 58(3), 417-425.), a imprecisão de conceitos importantes para a TPO, como “folga financeira” e “dívida segura” (Myers, 1984Myers, S. C. (1984). The capital structure puzzle. The Journal of Finance, 39(3), 574-592.; Myers & Majluf, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221.) e as conexões entre as políticas de cash holdings e de financiamento. Ao analisarem a capacidade da TPO prever emissões de dívida e de ações, para diferentes políticas de cash holdings e de financiamento, concluem que ela só aumenta quando os modelos incorporam determinantes de endividamento associados a outras teorias.

Lemmon e Zender (2010Lemmon, M. L., & Zender, J. F. (2010). Debt capacity and tests of capital structure theories. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 45(5), 1161-1187.) incorporam um termo quadrático do déficit ao modelo de Shyam-Sunder e Myers (1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.), com o objetivo de diferenciar a relação entre a variação na dívida e o déficit interno para pequenos e grandes déficits. São estudadas seis subamostras de empresas, segregadas por porte e probabilidade ‒ estabelecida por modelo preditivo ‒ de conseguir emitir títulos de dívida. Os autores identificam evidências coerentes com a TPO, dentre elas que empresas de pequeno porte e grande crescimento emitem mais ações não por preferência e sim em função de sua incapacidade de suprir o déficit com dívida.

De Jong et al. (2010De Jong, A., Verbeek, M., & Verwijmeren, P. (2010). The impact of financing surpluses and large financing deficits on tests of the pecking order theory. Financial Management, 39(2), 733-756. ) incorporam ao modelo de Shyam-Sunder e Myers (1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.) dummies para identificar a presença de superávit ou déficit e, neste último caso, o tamanho do déficit. Além disso, analisam a capacidade de endividamento da empresa, a partir da existência de dívida com rating e de proxies para restrições financeiras. Os autores identificam que o coeficiente que relaciona a variação na dívida de longo prazo ao déficit (ou superávit) é maior para superávits em comparação aos déficits, e maior para déficits normais em comparação a grandes déficits. Constatam, ainda, que a proporção de empresas sem restrições financeiras que emitem dívidas na presença de grandes déficits é significativamente maior do que a proporção daquelas com restrições que o fazem. Empresas menores apresentaram grandes déficits com maior frequência e dificuldades para seguir a TPO, por sua capacidade limitada de endividamento. Essas conclusões estão em linha com as de Lemmon e Zender (2010Lemmon, M. L., & Zender, J. F. (2010). Debt capacity and tests of capital structure theories. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 45(5), 1161-1187.), indicando consistência com a TPO, uma vez levada em consideração a capacidade de endividamento.

Watson e Wilson (2002Watson, R., & Wilson, N. (2002). Small and medium size enterprise financing: a note on some of the empirical implications of a pecking order. Journal of Business Finance & Accounting, 29(3-4), 557-578.) e Sánchez-Vidal e Martín-Ugedo (2005Sánchez-Vidal, J., & Martín-Ugedo, J. F. (2005). Financing preferences of Spanish firms: evidence on the pecking order theory. Review of Quantitative Finance and Accounting, 25(4), 341-355.) analisam a aderência à TPO por meio da relação entre os investimentos realizados pelas empresas em seu ativo total e os fluxos observados nas fontes internas e externas de recursos. Seus modelos são semi-identidades contábeis em que as variações nos passivos não onerosos flutuam, de forma aleatória, em torno da taxa de crescimento da empresa, sendo tratadas nos efeitos fixos. Os autores obtêm resultados aderentes à TPO, com Sánchez-Vidal e Martín-Ugedo (2005) destacando certa indiferença entre o uso de dívida e de lucros retidos para financiar os investimentos.

Chay et al. (2015Chay, J. B., Park, S. H., Kim, S., & Suh, J. (2015). Financing hierarchy: evidence from quantile regression. Journal of Corporate Finance, 33, 147-163.) adotam modelos que relacionam investimentos realizados nas empresas com os fluxos financeiros nas fontes de recursos, controlando por outras variáveis e analisando as relações para diferentes níveis de investimento, por meio de regressão quantílica. Em seu estudo, identificam uma preferência por recursos internos aos externos, em linha com a TPO, mas, por outro lado, a predominância da emissão de ações, em relação à emissão de dívida, para níveis baixos e médios de investimento. Constatam, ainda, uma propensão ao uso de recursos internos para financiar o crescimento orgânico e de recursos externos para financiar as aquisições. Por fim, empresas com elevados níveis de investimento apresentaram maior retenção de recursos em caixa e equivalentes, inclusive dos recursos provenientes da emissão de ações.

Na literatura nacional revisada, também são identificadas abordagens derivadas dos modelos de Shyam-Sunder e Myers (1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.), sendo aqui destacadas as adaptações promovidas por duas delas. F. N. De Oliveira e P. G. M. De Oliveira (2009De Oliveira, F. N., & De Oliveira, P. G. M. (2009). Uma análise empírica das políticas de financiamento adotadas pelas companhias abertas brasileiras. Revista Brasileira de Finanças, 7(4), 459-484.) identificam, a partir dos modelos de Shyam-Sunder e Myers (1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.), que as empresas brasileiras seguem a TPO. No entanto, ao analisarem as probabilidades de emissão de dívida e de ações por modelos Probit, eles percebem uma contradição: apesar da probabilidade de emissão de dívida ser maior, quanto mais baixo for o endividamento da empresa, em comparação à média do setor, a probabilidade de emissão de ações não se mostra relacionada a esse indicador, considerado pelos autores como limite superior para o endividamento da empresa. Dentre outros fatores, a probabilidade de emissão de ações por uma empresa se mostrou positivamente influenciada pelas suas oportunidades de crescimento, o que os levou à conclusão de que as empresas estudadas seguem uma versão “complexa” da TPO, em que há emissões de ações, condicionada às oportunidades percebidas para a empresa.

Iquiapaza et al. (2008Iquiapaza, R. A., Amaral, H. F., & Araújo, M. S. B. (2008). Testando as previsões da Pecking Order Theory no financiamento das empresas brasileiras: uma nova metodologia. Revista de Administração Mackenzie, 9(3), 157-183.) adaptam o modelo de Shyam-Sunder e Myers (1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.) para a análise de doze perfis de empresas brasileiras, segmentadas de acordo com seu porte, lucratividade e crescimento. Em seu modelo, os autores identificam as empresas médias de lucratividade negativa e crescimento baixo como as mais aderentes à TPO e as empresas com altos crescimento e lucratividade (independentemente do porte) como as que apresentaram as maiores emissões de ações, em termos medianos, concluindo que a TPO não se prestaria a explicar, de forma geral, o comportamento das empresas brasileiras.

Apesar dos avanços alcançados pelos testes da TPO baseados em fluxos financeiros, persistem limitações apontadas por Chirinko e Singha (2000Chirinko, R. S., & Singha, A. R. (2000). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure: a critical comment. Journal of Financial Economics, 58(3), 417-425.) e Leary e Roberts (2010Leary, M. T., & Roberts, M. R. (2010). The pecking order, debt capacity, and information asymmetry. Journal of Financial Economics, 95(3), 332-355.). Mesmo nos modelos de Chay et al. (2015Chay, J. B., Park, S. H., Kim, S., & Suh, J. (2015). Financing hierarchy: evidence from quantile regression. Journal of Corporate Finance, 33, 147-163.), Sánchez-Vidal e Martín-Ugedo (2005Sánchez-Vidal, J., & Martín-Ugedo, J. F. (2005). Financing preferences of Spanish firms: evidence on the pecking order theory. Review of Quantitative Finance and Accounting, 25(4), 341-355.) e Watson e Wilson (2002Watson, R., & Wilson, N. (2002). Small and medium size enterprise financing: a note on some of the empirical implications of a pecking order. Journal of Business Finance & Accounting, 29(3-4), 557-578.) Chay et al. (2015Chay, J. B., Park, S. H., Kim, S., & Suh, J. (2015). Financing hierarchy: evidence from quantile regression. Journal of Corporate Finance, 33, 147-163.), que incorporam variáveis associadas à emissão de ações, avançando na mitigação de problemas decorrentes de sua eventual omissão, os autores não controlam as relações estudadas pelas capacidades das fontes de recursos, prejudicando a diferenciação de seus usos por preferência ou necessidade e fazendo persistir lacunas que este estudo busca preencher.

3. PROPOSTA METODOLÓGICA

Considera-se que as decisões de financiamento são tomadas pelos executivos da empresa, a cada período, com informações então disponíveis, que diferem, ao menos em parte, daquelas observadas ex post. Além disso, que os montantes a serem financiados (ou restituídos) junto às fontes de recursos externas não se configuram apenas em função dos déficits (ou superávits) decorrentes de investimentos correntes na operação, mas podem contemplar perspectivas futuras de investimento, que se refletem nas políticas de cash holdings da empresa.

Ao invés de se buscar explicar variações no nível de endividamento por meio dos déficits (ou superávits) de financiamento interno, observados ex post, busca-se identificar qual cenário de déficit (ou superávit) esperado pela administração, estimado a partir das possíveis políticas de financiamento e de cash holdings, seria mais bem explicado pelos fluxos financeiros observados junto às fontes de recursos externos. Dessa forma, testam-se diferentes “versões” da TPO e mitigam-se potenciais problemas decorrentes do uso de semi-identidades contábeis.

O primeiro investimento considerado na análise é aquele realizado no ativo operacional líquido (AOL), definido em (1), em linha com Papanastasopoulos et al. (2011Papanastasopoulos, G., Thomakos, D., & Wang, T. (2011). Information in balance sheets for future stock returns: evidence from net operating assets. International Review of Financial Analysis, 20(5), 269-282.).

A O L i , t = I O G i , t + A O L N C i , t = A C i , t - A C F i , t - P C i , t - P C F i , t + A T i , t - A C i , t - E T i , t - P C i , t - D B L P i , t (1)

Em (1), o investimento operacional em giro (IOG) é apurado a partir da dedução da parcela não financeira do passivo circulante da parcela não financeira do ativo circulante. Temos, aqui, o ativo circulante (AC), o ativo circulante financeiro (ACF), o passivo circulante (PC) e o passivo circulante financeiro (PCF). Já o ativo operacional líquido não circulante (AOLNC) é apurado com a dedução da parcela não financeira do passivo não circulante do ativo não circulante. Assim, temos o ativo total (AT), o passivo exigível total (ET), a dívida bruta de longo prazo (DBLP) ‒ passivo não circulante financeiro ‒ e mantêm-se as definições para AC e PC. O AOL é a soma de IOG com AOLNC e representa o investimento total na operação da empresa, descontando-se a parte financiada por passivos operacionais. Como o estudo adota períodos de análise trimestrais e o AOL tipicamente envolve investimentos planejados e aprovados com antecedência, essa variável é tomada ex post, ou seja, conforme realizada.

A TPO prevê que os administradores evitem a emissão de ações e que, para isso, eles busquem preservar certa folga financeira, composta por um excedente interno de recursos, somado à dívida segura que a empresa possa emitir (Myers, 1984Myers, S. C. (1984). The capital structure puzzle. The Journal of Finance, 39(3), 574-592.; Myers & Majluf, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221.). Essa folga financeira se relaciona com as oportunidades futuras de investimentos e se conecta com a política de cash holdings da empresa, como indicado por Leary e Roberts (2010Leary, M. T., & Roberts, M. R. (2010). The pecking order, debt capacity, and information asymmetry. Journal of Financial Economics, 95(3), 332-355.). A análise dos investimentos de uma empresa deve também considerar, portanto, a alocação de recursos na parcela interna dessa folga financeira, aqui caracterizada pelo saldo de tesouraria (ST), que é apurado, em (2), deduzindo-se o PCF do ACF, como em Dambolena e Shulman (1988Dambolena, I. G., & Shulman, J. M. (1988). A primary rule for detecting bankruptcy: watch the cash. Financial Analysts Journal, 44(5), 74-78.).

S T i , t = A C F i , t - P C F i , t (2)

STi,t-1 representa uma fonte interna de recursos que, no trimestre “t”, dependendo da política de cash holdings, pode ter seu valor exaurido, aumentado, reduzido ou ainda mantido, para assegurar o valor desejado (ou possível) para STi,t, ao final. A outra fonte interna de recursos a ser considerada é o autofinanciamento esperado (AF_ESP), estimado em (3).

A F _ E S P i , t = R L O P C _ E S P i , t + R L O P D i , t + P G A N C i , t - D I V P G i , t (3)

O AF_ESP é estimado a partir da dedução dos dividendos pagos ao longo do trimestre em análise (DIVPG) do valor esperado para o resultado líquido das operações continuadas (RLOPC_ESP), ajustado pelo resultado líquido das operações descontinuadas (RLOPD) e pelas perdas e ganhos nas vendas de ativos não circulantes sem efeito caixa (PGANC). Adotam-se os valores ex post para DIVPG, RLOPD e PGANC por se associarem a movimentações com aprovação prévia, e, portanto, conhecidas a priori pela administração. Já para o RLOPC_ESP do trimestre, adota-se, por parcimônia, ¼ do valor observado para o resultado consolidado das operações continuadas de doze meses terminados no trimestre anterior, como referência potencialmente usada na projeção do AF_ESP por parte da administração. Projeções mais elaboradas para RLOPC_ESP não levaram a ganhos compatíveis com sua maior complexidade.

Em um dado período, os recursos internos esperados pela administração são estimados pela equação (4) e chamados, daqui em diante, RI_ESP.

R I _ E S P i , t = S T i , t - 1 + A F _ E S P i , t (4)

Quando da tomada de decisão sobre o financiamento da empresa, as possibilidades são analisadas de acordo com a expectativa de suficiência ou insuficiência de RI_ESP, refletida, em (5), no déficit esperado (DEF_ESP).

D E F _ E S P i , t = Δ A O L i , t + S T _ E S P i , t - R I _ E S P i , t (5)

A variável ΔAOL representa, em (5), a variação observada no AOL, durante o trimestre em análise. Já o saldo de tesouraria esperado (ST_ESP), ao final do trimestre, decorre da política de cash holdings da empresa, a ser caracterizada posteriormente. Observa-se que DEF_ESP é definido a partir (i) dos planos da empresa para investimentos e dividendos, refletidos em ΔAOL e RI_ESP, respectivamente; (ii) da folga financeira interna, avaliada por STi,t-1 e refletida em RI_ESP; (iii) de sua política de cash holdings, refletida em ST_ESP; e (iv) do autofinanciamento esperado para o período, a partir dos resultados de sua operação, também refletido em RI_ESP. Busca-se, assim, que DEF_ESP reflita a melhor estimação possível para a expectativa da administração da empresa sobre o déficit (ou superávit) de financiamento interno, em cada momento de tomada de decisão de financiamento.

Para uma definição objetiva dos limites para a dívida segura, é importante analisar tanto se a empresa é percebida como capaz de emitir títulos de dívida com boa avaliação de risco, quanto o montante de dívida que ela seria capaz de emitir, mantendo essa boa avaliação. Segue-se, aqui, a recomendação de Lemmon e Zender (2010Lemmon, M. L., & Zender, J. F. (2010). Debt capacity and tests of capital structure theories. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 45(5), 1161-1187.) e avalia-se essa capacidade de emitir títulos por modelo preditivo. Adota-se o modelo preditivo de solvência de Prado et al. (2018Prado, J. W., Carvalho, F. M., Benedicto, G. C., Alcântara, V. C., & Santos, A. C. (2018). Uma abordagem para análise do risco de crédito utilizando o Modelo Fleuriet. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade, 12(3).), estruturado a partir de dados de empresas brasileiras de capital aberto e que reportou taxa de acerto de 90,9% na separação entre empresas solventes e insolventes. Como única adaptação, adota-se IOG, calculado a partir de contas contábeis mais consolidadas, no lugar da necessidade de capital de giro (NCG), após a confirmação de divergências imateriais de classificação (inferiores a 1%), em função dessa adaptação, para a amostra deste estudo.

Avalia-se que as empresas classificadas como insolventes em trimestre imediatamente anterior tenham capacidade nula de emissão de dívida segura, em determinado trimestre. Já as empresas solventes têm essa capacidade avaliada a partir da análise comparativa com pares solventes do mesmo setor, em relação ao percentil 90 de 2 indicadores comumente usados na proteção a credores: (i) o endividamento, em linha com Leary e Roberts (2010Leary, M. T., & Roberts, M. R. (2010). The pecking order, debt capacity, and information asymmetry. Journal of Financial Economics, 95(3), 332-355.); e (ii) a relação entre dívida líquida e lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização (earnings before interest, taxes, depreciation and amortization [EBITDA]), representativa da capacidade de pagamento e identificada por Albanez e Schiozer (2022Albanez, T., & Schiozer, R. (2022). The signaling role of covenants and the speed of capital structure adjustment under poor creditor rights: evidence from domestically and cross-listed firms in Brazil. Journal of Multinational Financial Management, 63.) como o indicador de desempenho mais usado em cláusulas (em inglês, covenants) de contratos de dívida de companhias abertas brasileiras, entre 2007 e 2018.

Considera-se, então, que as empresas solventes podem aumentar sua dívida líquida, desde que as relações entre dívida líquida e EBITDA (DL/EBITDA) e entre dívida líquida e ativo total (DL/AT) não excedam o percentil 90 de sua distribuição, entre as empresas solventes do mesmo setor, no trimestre imediatamente anterior ao de análise. A dívida segura (DSEG) que pode ser emitida por cada empresa solvente, em determinado trimestre t, é definida em (6).

D S E G i , t = m á x { 0 , m í n [ ( D L A T P 90 , s , t - 1 - D L A T i , t - 1 ) . A T i , t - 1 , ( D L E B I T D A P 90 , s , t - 1 - D L E B I T D A i , t - 1 ) . E B I T D A i , t - 1 ] } (6)

Em (6), DSEG é estimada a partir dos percentis 90 de DL/AT e DL/EBITDA para o setor e dos valores dessas mesmas variáveis para a própria empresa, ao final do trimestre anterior. Como DSEG é uma métrica para a dívida segura disponível para a empresa e não um “fator de ajuste” de endividamento, o menor valor que assume é zero. A partir dos conceitos aqui discutidos, a folga financeira (FOLGAFIN) é apurada, para um trimestre “t”, por meio de (7), considerando o ST disponível em “t-1” e a dívida segura passível de emissão (DSEG), em “t”.

F O L G A F I N i , t = S T i , t - 1 + D S E G i , t (7)

Neste estudo, são testadas quatro políticas de financiamento e cash holdings, para analisar qual delas é mais bem explicada pelos fluxos financeiros observados nas fontes externas de recursos. Em comum às quatro políticas, está a busca pela preservação de folga financeira compatível com as oportunidades futuras de investimento da empresa, para evitar a necessidade de emissão de ações e possível desvalorização acionária por seleção adversa (Myers, 1984Myers, S. C. (1984). The capital structure puzzle. The Journal of Finance, 39(3), 574-592.; Myers & Majluf, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221.). Para isso, cada empresa adota, em sua política de financiamento e cash holdings, uma referência para ST_ESP compatível com suas oportunidades futuras e busca se aproximar dessa referência, respeitando critérios de financiamento aderentes à TPO.

As quatro políticas se diferem em função da adoção de referência externa ou interna para o valor preferencial de ST_ESP e da versão da TPO que seguem ser mais ou menos restritiva. São consideradas comparáveis, aqui, as empresas do mesmo quartil de preço/valor patrimonial (P/VP) ‒ valor de mercado sobre valor patrimonial da ação ‒, considerado como proxy das oportunidades futuras de geração de valor para os acionistas, sob a ótica do mercado. Empresas comparáveis entre si deveriam estar igualmente preparadas para aproveitar essas oportunidades. Para permitir a comparação entre empresas de portes distintos, são adotadas como referências as relações ST/AT.

Como referência externa para ST_ESP/AT no trimestre “t” é adotada a mediana de ST/AT no trimestre anterior (“t-1”) das empresas posicionadas no mesmo quartil de P/VP da empresa em análise, também em “t-1”. Como referência interna para ST_ESP/AT, no trimestre em “t”, adota-se o valor de ST/AT da própria empresa, em “t-1”, pressupondo-se uma oscilação em torno de um valor próximo do desejável, que seria, nesse caso, definido internamente.

O valor efetivamente estimado para ST_ESP não necessariamente será o preferencial, sendo dependente das capacidades de alocação da empresa. Com o objetivo de operacionalizar análises que integrem, de forma consistente, as decisões sobre ST_ESP e sobre o financiamento da empresa, são padronizados determinados parâmetros, como lista a Tabela 1.

Tabela 1
Parâmetros de referência para ST_ESP: ST_ESP_PREF, ST_ESP_2OP e ST_ESP_3OP

A partir dos conceitos até aqui desenvolvidos, apresentam-se, na Tabela 2, as quatro políticas integradas de financiamento e cash holdings estudadas.

Tabela 2
Políticas de financiamento e cash holdings para teste da TPO

Na Tabela 2, as políticas iniciadas com “FI” (de fontes internas) representam uma versão mais restritiva da TPO, em que as empresas só constituirão as reservas nos montantes preferenciais (1ª ou 2ª opção), caso seja esperada a suficiência dos recursos internos. Já nas políticas iniciadas com “DS” (de dívida segura), uma versão mais flexível da TPO, a suficiência é requerida em relação à soma dos recursos internos com a dívida segura que possa ser emitida. A referência principal conecta as tabelas 1 e 2, estabelecendo que as políticas terminadas em “QPVP” vinculam os objetivos para ST_ESP às oportunidades percebidas pelo mercado para a empresa (mensuradas pelo quartil de P/VP ao qual a empresa pertence) e as terminadas por “FRM” adotam um olhar interno à firma, para a definição desses objetivos.

Uma vez estimados os déficits (ou superávits, caso negativos) esperados para as empresas, a partir de (3), (4), (5) e das premissas das tabelas 1 e 2, analisa-se a aderência entre DEF_ESP e as variações observadas nas fontes externas de recursos, a partir de (8).

D E F _ E S P i , t = α i , t + β 1 . D D A i , t + β 2 . S U P i , t + β 3 . D B L P i , t + β 4 . C T C A i , t + β 5 . D D A i , t . D B L P i , t + β 6 . D D A i , t . C T C A i , t + β 7 . S U P i , t . D B L P i , t + β 8 . S U P i , t . C T C A i , t (8)

Em (8), Δ representa a alteração efetivamente observada na variável ao longo do trimestre “t”, DBLP a dívida bruta de longo prazo, CTCA a contribuição total de capital dos acionistas da empresa, SUP é uma dummy que assume o valor “1” se DEF_ESP é negativo (expectativa de superávit interno) e “0” em caso contrário, e, por fim, DDA é uma dummy que assume o valor “1” se DEF_ESP é positivo (expectativa de déficit interno) e se, além disso, espera-se que esse déficit não possa ser atendido, integralmente, por dívida (esperam-se, simultaneamente, déficit, novas dívidas e a emissão de ações). Com SUP e DDA iguais a “0” tem-se o nível de referência para a relação, em que há a expectativa de déficit interno integralmente financiado por emissão de dívida. Todas as variáveis são apuradas para cada trimestre “t” e as variáveis contínuas são divididas pelo valor do AT, ao final de “t-1”, para mitigar efeitos de tamanho.

A variação na contribuição total de capital dos acionistas para a empresa, ΔCTCA, é calculada em (9), a partir das variações trimestrais observadas em contas contábeis específicas.

C T C A i , t = ( C S t - C S t - 1 ) + ( R E S A G I O A t - R E S A G I O A t - 1 ) + ( R E S A T E S t - R E S A T E S t - 1 ) + ( R E S A G I O I N C t - R E S A G I O I N C t - 1 ) + ( R E S A D F A C t - R E S A D F A C t - 1 ) + ( P N C A D F A C t - P N C A D F A C t - 1 ) (9)

Na equação (9), CS representa a conta contábil de capital social; RESAGIOA, RESATES, RESAGIOINC e RESADFAC as contas de reserva de capital em que são apropriados o ágio na emissão de ações, as ações em tesouraria, o ágio na incorporação e o adiantamento para futuro aumento de capital; e PNCADFAC a conta do passivo não circulante em que é apropriado o adiantamento para futuro aumento de capital. O cálculo do financiamento por capital próprio a partir de (9) oferece: (i) uma melhor avaliação desse financiamento em operações de fusão e aquisição com permuta de ações, capturada em (9), mas não percebida nos fluxos de caixa; (ii) a captura dos efeitos das recompras de ações e de antecipações para aumento de capital; (iii) a mitigação dos impactos de programas de remuneração, por desconsiderar as reservas de capital associadas às opções outorgadas e ao exercício de bônus de subscrição.

A nova metodologia de teste aqui proposta se assemelha às adotadas por Chay et al. (2015Chay, J. B., Park, S. H., Kim, S., & Suh, J. (2015). Financing hierarchy: evidence from quantile regression. Journal of Corporate Finance, 33, 147-163.), Sánchez-Vidal e Martín-Ugedo (2005Sánchez-Vidal, J., & Martín-Ugedo, J. F. (2005). Financing preferences of Spanish firms: evidence on the pecking order theory. Review of Quantitative Finance and Accounting, 25(4), 341-355.) e Watson e Wilson (2002Watson, R., & Wilson, N. (2002). Small and medium size enterprise financing: a note on some of the empirical implications of a pecking order. Journal of Business Finance & Accounting, 29(3-4), 557-578.), ao buscar compreender como o uso das diferentes fontes de recursos financeiros se relaciona com os investimentos realizados pela empresa. No entanto, inova ao levar em consideração o caráter incompleto (projetivo) das informações de suporte à decisão de financiamento e ao reconhecer a integração existente entre políticas de financiamento e cash holdings. Dessa forma, viabiliza a análise da relação entre o déficit ou superávit esperado a partir dos investimentos da empresa (em ativos operacionais e em folga financeira interna) e os fluxos financeiros observados nas fontes de financiamento externas à empresa. Adicionalmente, por meio dos controles de capacidades de financiamento interno e por dívida segura, mitiga problemas recorrentes na literatura revisada, em função da não segregação dos efeitos decorrentes de preferências de financiamento (pecking order) daqueles decorrentes do esgotamento de cada uma dessas fontes.

A partir de (8), pode-se, então, elaborar as hipóteses de teste para o estudo:

H1: Empresas que tenham a expectativa de déficit interno e tenham capacidade de se financiar integralmente por dívida o farão. Com SUP = 0 (há expectativa de déficit) e com DDA = 0 (não há expectativa de emissão de ações, pois a capacidade de financiamento por dívida é suficiente), esperam-se β3 positivo e β4 igual ou próximo a zero.

H2: Empresas que tenham a expectativa de déficit interno e não tenham capacidade de se financiar integralmente por dívida emitirão ações. Com SUP = 0 (há expectativa de déficit) e com DDA = 1 (há expectativa de emissão de ações, pois a capacidade de financiamento por dívida é insuficiente), espera-se que o valor de β3 + β5 seja positivo e que o valor de β4 + β6 também seja positivo, ou seja, que haja emissão de dívida e de ações. Observa-se que os valores de β3 + β5 e de β4 + β6 estão mais relacionados ao montante de dívida segura que a empresa terá capacidade de acrescentar do que a uma preferência por uma ou outra fonte.

H3: Empresas que tenham a expectativa de superávit interno darão preferência ao pagamento de dívidas, em detrimento da recompra de ações. Isso se justifica a partir do interesse da administração na preservação da folga financeira da empresa, composta pela folga interna e pela dívida segura que ela é capaz de emitir. Com SUP = 1 (há expectativa de superávit) e com DDA = 0 (não há a expectativa de emissão de ações, em função do superávit), espera-se que o valores de β3 + β7 e β4 + β8 sejam positivos, com β3 + β7 maior do β4 + β8.

4. DADOS E MODELOS ECONOMÉTRICOS

A população deste estudo engloba as empresas brasileiras não financeiras de capital aberto listadas na [B]3 (Brasil, Bolsa, Balcão). As demonstrações financeiras padronizadas e indicadores foram obtidos na plataforma Economatica. Analisam-se informações trimestrais e de janelas móveis de doze meses extraídas de demonstrações referentes ao período compreendido entre dezembro de 2010 e setembro de 2020.

São excluídas as observações (i) referentes a empresas do setor financeiro, holdings para administração de participações societárias e empresas com abertura de capital no último trimestre estudado; (ii) com inconsistências em contas contábeis de interesse; (iii) referentes a períodos em que: (a) o ativo total, o patrimônio líquido (consolidado ou da controladora) ou a receita líquida de vendas da empresa seja inferior ou igual a zero; (b) o valor absoluto do caixa líquido das atividades operacionais da empresa seja inferior a uma unidade monetária; (c) a empresa não tenha tido pelo menos uma classe de suas ações negociada em pelo menos 50% dos dias com negociação, no trimestre; (d) não seja possível o cálculo de alguma das variáveis de interesse. Chega-se, assim, a uma base de dados consolidada com quatro painéis de dados desbalanceados (um por política integrada de cash holdings e financiamento da Tabela 2), com 4.465 observações cada, referentes a informações de 223 empresas, ao longo de 39 trimestres. Para análise da capacidade para emissão de dívida segura, as empresas são agrupadas em 5 setores: (i) comércio, locação, logística e aéreas; (ii) construção, imobiliária e shoppings; (iii) indústria e agronegócio; (iv) utilities, telecomunicações, mineração, óleo, gás e outras concessões; e (v) outros serviços. Esse agrupamento é feito a partir das classificações de níveis I e II do sistema de classificação setorial norte-americano (North American Industry Classification System - NAICS). Seu detalhamento está disponível mediante consulta aos autores.

Em função da heterogeneidade observada nos coeficientes que relacionam o déficit interno à emissão de dívida, em subamostras segmentadas pelo tamanho do déficit, em Lemmon e Zender (2010Lemmon, M. L., & Zender, J. F. (2010). Debt capacity and tests of capital structure theories. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 45(5), 1161-1187.) e De Jong et al. (2010De Jong, A., Verbeek, M., & Verwijmeren, P. (2010). The impact of financing surpluses and large financing deficits on tests of the pecking order theory. Financial Management, 39(2), 733-756. ), opta-se pela análise de (8) por meio de regressões quantílicas (Koenker & Hallock, 2001Koenker, R., & Hallock, K. F. (2001). Quantile regression. Journal of Economic Perspectives, 15(4), 143-156.), para 3 quantis de DEF_ESP (τ = 0,25, τ = 0,50 e τ = 0,75), com a forma geral dessas regressões representada por (10) e (11).

q X , S , τ = X T β τ + S T π τ (10)

Y = q X , S , U (11)

Excluindo-se S (que corresponde aos efeitos médios correlacionados) de (10) e (11), tem-se a representação tradicional (cross-section) da regressão quantílica, que permite avaliar os efeitos marginais de X em Y, a partir dos coeficientes β, para cada quantil τ (nível U). Viabiliza-se, assim, para cada quantil da distribuição condicional de DEF_ESP, a análise das relações entre essa variável e suas regressoras (ΔDBLP, ΔCTCA, a dummy SUP e a dummy DDA). No modelo de efeitos aleatórios correlacionados de Bache et al. (2013Bache, S. H. M., Dahl, C. M., & Kristensen, J. T. (2013). Headlights on tobacco road to low birthweight outcomes. Empirical Economics, 44(3), 1593-1633.) para a análise de dados em painel, os coeficientes π representam, em cada quantil τ, os efeitos aleatórios correlacionados às variáveis ΔDBLP e ΔCTCA. Os coeficientes β podem, então, ser interpretados, nas estimações, como os efeitos marginais que configuram a relação entre as regressoras e DEF_ESP, expurgados os efeitos correlacionados, associados aos coeficientes π.

O uso de regressões quantílicas viabiliza análises robustas em relação à influência de valores extremos de DEF_ESP, mas não de valores extremos nas variáveis explicativas que sejam maus pontos de alavancagem (em inglês, bad leverage points) (Rousseeuw & Hubert, 2018Rousseeuw, P. J., & Hubert, M. (2018). Anomaly detection by robust statistics. WIREs Data Mining and Knowledge Discovery, 8(2), e1236.). Procedeu-se, então, com a análise de observações influentes, em linha com o proposto por Adams et al. (2019Adams, J., Hayunga, D., Mansi, S., Reeb, D., & Verardi, V. (2019). Identifying and treating outliers in finance. Financial Management, 48(2), 345-384.), em 3 passos: (i) identificação de potenciais maus pontos de alavancagem (valores extremos nas variáveis explicativas); (ii) aplicação de análise multivariada de outliers; e (iii) exclusão das observações identificadas em (i) que fossem classificadas como outliers em (ii).

Em (i), foram consideradas extremas observações com variações (positivas ou negativas) em DBLP ou CTCA superiores a 90% do ativo total do final do trimestre anterior; em (ii), a análise multivariada de outliers foi realizada por meio de estimação do modelo por regressão robusta (Rousseeuw & Hubert, 2018Rousseeuw, P. J., & Hubert, M. (2018). Anomaly detection by robust statistics. WIREs Data Mining and Knowledge Discovery, 8(2), e1236.), em 4 etapas, usando-se a função lmrob do pacote robustbase do software R (Maechler et al., 2021Maechler, M., Rousseeuw, P., Croux, C., Todorov, V., Ruckstuhl, A., Salibian-Barrera, M., Verbeke, T., Koller, M., Conceição, E. L. T., & Palma, M. A. (2021). robustbase: Basic Robust Statistics (Computer Program). https://rdrr.io/cran/robustbase/
https://rdrr.io/cran/robustbase/...
), com setting = "KS2014" (Koller & Stahel, 2017Koller, M., & Stahel, W. A. (2017). Nonsingular subsampling for regression S estimators with categorical predictors. Computational Statistics, 32(2), 631-646.), compute.rd = TRUE, compute.outlier.stats = "SMDM", maxit.scale = 500, seed = .Random.seed e set.seed(1234) e identificando-se os outliers como sendo as observações às quais é dado peso zero, nessa regressão (Adams et al., 2019Adams, J., Hayunga, D., Mansi, S., Reeb, D., & Verardi, V. (2019). Identifying and treating outliers in finance. Financial Management, 48(2), 345-384.; Rousseeuw & Hubert, 2018Rousseeuw, P. J., & Hubert, M. (2018). Anomaly detection by robust statistics. WIREs Data Mining and Knowledge Discovery, 8(2), e1236.); em (iii), foi excluída uma única observação, considerada extrema tanto em (i) e (ii). Chegou-se, assim, a um painel desbalanceado com 4.464 observações, para cada política em análise.

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

As análises aqui apresentadas adotam métricas e métodos que não têm a normalidade dos dados como requisito para resultados satisfatórios e não enviesados, em função da não normalidade da distribuição das variáveis. Apresentam-se, na Tabela 3, medianas de variáveis de interesse, por quartil de P/VP em que a empresa se encontrava, ao final do trimestre anterior.

Tabela 3
Quartis de P/VP e características das empresas

Destaca-se, na Tabela 3, a adequação dos quartis de P/VP como proxies para a folga financeira: as medianas de FOLGAFIN são significativamente diferentes entre todos os pares de quantis de P/VP (exceção para Q2-Q3) e maiores para maiores P/VP; ST segue o mesmo padrão; e DSEG é bastante superior para as empresas do Q4 de P/VP, em relação às do Q1. Esses aspectos corroboram a perspectiva teórica adotada por este estudo de que, em linha com a TPO (Myers, 1984Myers, S. C. (1984). The capital structure puzzle. The Journal of Finance, 39(3), 574-592.; Myers & Majluf, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221.), as empresas buscam manter uma folga financeira adequada às expectativas, para evitar a perda de boas oportunidades de investimento. Chay et al. (2015Chay, J. B., Park, S. H., Kim, S., & Suh, J. (2015). Financing hierarchy: evidence from quantile regression. Journal of Corporate Finance, 33, 147-163.) identificaram uma característica compatível com essas: empresas com elevados níveis de investimento apresentaram uma maior retenção de recursos em caixa e equivalentes, inclusive daqueles oriundos da emissão de ações. Ainda na Tabela 3, empresas do Q4 apresentam maiores medianas para CrAT, EBITDA% e RI_ESP, em relação às do Q1, o que sugere que as oportunidades de geração de valor refletidas em P/VP sejam justificadas.

Na Tabela 4, apresentam-se os resultados da estimação de (8) por regressão quantílica cross-section em torno da mediana de DEF_ESP, para as 4 políticas estudadas.

Tabela 4
Regressões quantílicas cross-section (CS), em torno da mediana (quantil 0,50) de DEF_ESP

Os critérios AIC, BIC e R1 sugerem que as políticas mais bem explicadas pelos fluxos financeiros observados nas fontes externas de recursos são FIQPVP, DSFRM e DSQPVP, com poder explicativo similar. Esses resultados, associados às maiores folgas financeiras observadas para maiores P/VP (Tabela 3), corroboram a perspectiva da definição de folgas financeiras com referências externas e compatíveis com as oportunidades percebidas para geração de valor.

Retomando-se as hipóteses de pesquisa, é esperado que, para o cenário-base (expectativa de déficit financiável por dívida segura, com SUP=DDA=0), o coeficiente associado a ∆DBLP seja positivo e o coeficiente associado a ∆CTCA seja igual ou próximo a zero. Nesse cenário, para qualquer das políticas da Tabela 4, o coeficiente associado a ∆DBLP é significante e positivo e o coeficiente associado a ∆CTCA não é significante (não se pode dizer que é diferente de zero), o que corrobora o previsto pela hipótese H1. De Jong et al. (2010De Jong, A., Verbeek, M., & Verwijmeren, P. (2010). The impact of financing surpluses and large financing deficits on tests of the pecking order theory. Financial Management, 39(2), 733-756. ) identificaram que 79,8% das empresas sem restrição ao endividamento emitiam dívidas na presença de grandes déficits e apenas 15,1% daquelas com restrições o faziam. Embora relacionem apenas déficit e variação na dívida e não controlem pela dívida segura disponível, o resultado por eles obtido é compatível com aqueles aqui identificados.

Na expectativa de déficit (SUP=0) em montante que extrapola a dívida segura (DDA=1), os coeficientes dos termos de interação de DDA com ∆DBLP e ∆CTCA são estatisticamente significativos, positivos e indicam um aumento relevante no uso de ambas as fontes de recursos, para todas as políticas estudadas, corroborando o previsto pela hipótese H2. Ainda que não avaliem ∆CTCA, tampouco a parcela de déficit financiável por dívida segura, Lemmon e Zender (2010Lemmon, M. L., & Zender, J. F. (2010). Debt capacity and tests of capital structure theories. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 45(5), 1161-1187.) identificaram resultados compatíveis com esses: quanto menor a probabilidade de rating para as dívidas da empresa, mais negativo foi o coeficiente que reduz, em seu modelo, a participação das dívidas no financiamento do déficit da empresa. Esses resultados e os obtidos neste estudo, para ∆CTCA, quando da incapacidade de financiamento integral por dívida, apresentam-se coerentes entre si e, em ambos os casos, consistentes com o previsto pela TPO.

Por fim, no caso em que há expectativa de superávit (SUP=1 e DDA=0), com exceção do termo de interação de SUP com ∆DBLP, em DSFRM, que indica a redução do coeficiente dessa variável, os coeficientes dos termos de interação de SUP com as variáveis contínuas não são significativamente diferentes de zero. Praticamente não há modificação em relação ao cenário-base, indicando, na expectativa de superávit (DEF_ESP negativo), uma relação significativa com o pagamento de dívidas, e não com a recompra de ações, o que corrobora a hipótese H3. De Jong et al. (2010De Jong, A., Verbeek, M., & Verwijmeren, P. (2010). The impact of financing surpluses and large financing deficits on tests of the pecking order theory. Financial Management, 39(2), 733-756. ) identificaram comportamento compatível com esse, com a estimação do maior valor para o coeficiente que relaciona o déficit (ou superávit) com a variação na dívida, quando da presença de superávits. Esses resultados são coerentes com a TPO (Myers, 1984Myers, S. C. (1984). The capital structure puzzle. The Journal of Finance, 39(3), 574-592.; Myers & Majluf, 1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221.), por (i) preverem uma maior restituição de recursos externos obtidos por dívida, sempre que possível e (ii) indicarem preferência pela preservação da folga financeira, para evitar a perda de boas oportunidades de investimento (o pagamento de dívidas, tudo o mais mantido constante, contribui para aumentar a dívida segura disponível).

Na Tabela 5, apresentam-se os resultados das estimações de (8) por regressões quantílicas cross-section (CS) e com dados em painel com efeitos aleatórios correlacionados (EACM), em torno de cada quartil de DEF_ESP, para as políticas com referência externa para a definição da folga financeira interna desejável (ST_ESP preferencial). Os resultados para as outras políticas são suprimidos por concisão e estão disponíveis mediante solicitação aos autores.

Tabela 5
Regressões quantílicas cross-section (CS) e com efeitos aleatórios correlacionados (médios, EACM), em torno dos quantis 0,25, 0,50 (mediana) e 0,75 de DEF_ESP

Os resultados das regressões em painel (EACM) apresentados na Tabela 5 ratificam as conclusões sobre as hipóteses de pesquisa apresentadas na análise da regressão cross-section em torno da mediana (Tabela 4). As hipóteses de pesquisa também são ratificadas em torno dos outros quartis, com uma única ressalva: a confirmação da hipótese H2 fica prejudicada em torno do quartil 0,25, em que a interação DDA:∆CTCA não é significativa, não sendo possível relacionar a emissão de ações à insuficiência da dívida segura para suprir o déficit esperado.

Foi verificada a significância estatística das diferenças entre os coeficientes de quantis distintos, por meio do teste de Wald, aplicando a função anova.rq do pacote R quantreg (Koenker, 2021Koenker, R. (2021). quantreg: Quantile Regression (Computer Program). https://CRAN.R-project.org/package=quantreg
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) aos resultados da regressão CS. As diferenças se mostraram estatisticamente significativas entre os coeficientes das interações ∆DBLP:DDA e DDA:∆CTCA, maiores para maiores quantis, e entre os coeficientes da interação ∆DBLP:SUP. Essas diferenças, uma vez identificadas, viabilizam análises importantes, descritas a seguir.

Para o caso de expectativa de superávits, nota-se, a partir da combinação dos coeficientes ∆DBLP com ∆DBLP:SUP, da Tabela 5, que os coeficientes resultantes são menores para o quantil 0,75 em comparação aos do quantil 0,25. Como superávits são déficits negativos, isso representa a associação de maiores coeficientes a maiores superávits (déficits mais negativos). Já no cenário em que é esperada a emissão de ações, quanto maiores os déficits, maiores os coeficientes associados a ∆DBLP e ∆CTCA. Esses achados são coerentes com a TPO, ao relacionarem um maior uso (ou liberação) de recursos externos a maiores déficits (ou superávits) de financiamento interno e divergem dos resultados obtidos por De Jong et al. (2010De Jong, A., Verbeek, M., & Verwijmeren, P. (2010). The impact of financing surpluses and large financing deficits on tests of the pecking order theory. Financial Management, 39(2), 733-756. ), que identificaram um coeficiente relacionando o déficit interno com a emissão de dívida de longo prazo menor para grandes déficits do que para déficits normais.

Entende-se que os elementos incorporados à metodologia de teste aqui proposta oferecem explicação plausível para essa divergência de conclusões. Observa-se que De Jong et al. (2010De Jong, A., Verbeek, M., & Verwijmeren, P. (2010). The impact of financing surpluses and large financing deficits on tests of the pecking order theory. Financial Management, 39(2), 733-756. ) estudam a relação entre a variação no endividamento da empresa com o déficit interno de financiamento, ambos tomados ex post, omitindo a variável associada à emissão de ações e controlando o estudo pelo nível desse déficit e por proxies para a possibilidade de endividamento, sem estimar a dívida segura disponível. Ao adotarem uma semi-identidade contábil, sem controlar por estimativas objetivas da dívida segura disponível, essa análise deixa de ser um teste exclusivamente da TPO (hierarquia de preferências) e passa a ser um teste conjunto de preferências e proporções, um dos problemas indicados por Chirinko e Singha (2000Chirinko, R. S., & Singha, A. R. (2000). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure: a critical comment. Journal of Financial Economics, 58(3), 417-425.) para o modelo seminal de Shyam-Sunder e Myers (1999Shyam-Sunder, L., & Myers, S. C. (1999). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure. Journal of Financial Economics, 51(2), 219-244.).

Neste estudo, ao se analisar a relação entre DEF_ESP (estimativa do déficit interno esperado pela administração) e os fluxos financeiros observados para a emissão de dívida de longo prazo e ações, mitigam-se problemas decorrentes de omissões de variáveis, sejam elas relacionadas à emissão de ações ou à contribuição dos passivos operacionais para o financiamento, omitida em Watson e Wilson (2002Watson, R., & Wilson, N. (2002). Small and medium size enterprise financing: a note on some of the empirical implications of a pecking order. Journal of Business Finance & Accounting, 29(3-4), 557-578.). Adicionalmente, a partir da definição de critérios objetivos para a estimação de DSEG, operacionalizam-se não só as políticas integradas de financiamento e cash holdings para teste da TPO, mas também os controles explícitos sobre as capacidades de financiamento, com as dummies que caracterizam os três cenários possíveis: superávit, déficit financiado por dívida segura e déficit financiado por dívida segura e ações. A hierarquia de preferências da TPO pode, então, ser verificada, não mais se confundindo com as proporções de uso ou liberação de recursos junto às fontes externas de financiamento. Com as variáveis associadas às emissões de dívida e ações presentes no modelo, elas refletem apenas a intensidade de uso (ou restituição) de cada fonte, em função do déficit (ou superávit) interno esperado. Espera-se, portanto, que a uma maior demanda por recursos externos corresponda um aumento nos coeficientes a eles associados, como, de fato, observa-se na Tabela 5.

Os resultados da Tabela 5 sugerem, ainda, possíveis interpretações alternativas para aparentes contradições em relação à TPO identificadas pela literatura nacional. O fato de Iquiapaza et al. (2008Iquiapaza, R. A., Amaral, H. F., & Araújo, M. S. B. (2008). Testando as previsões da Pecking Order Theory no financiamento das empresas brasileiras: uma nova metodologia. Revista de Administração Mackenzie, 9(3), 157-183.) terem identificado que empresas de maior lucratividade e maior crescimento eram mais propensas à emissão de ações, por exemplo, pode ter sido relacionado a um esgotamento das capacidades de financiamento interna e por dívida segura, não identificado em função da ausência de controles para isso, no modelo adotado.

Já os resultados obtidos por F. N. De Oliveira e P. G. M. De Oliveira (2009De Oliveira, F. N., & De Oliveira, P. G. M. (2009). Uma análise empírica das políticas de financiamento adotadas pelas companhias abertas brasileiras. Revista Brasileira de Finanças, 7(4), 459-484.), que não identificaram relação entre a probabilidade de emissão de ações por uma empresa e seu nível relativo de endividamento, em relação ao setor, podem ter resultado da não incorporação de informações sobre a solvência e a capacidade de pagamento das empresas estudadas. Observa-se que, uma vez adotada a definição aqui proposta para a dívida segura, que considera níveis relativos de endividamento e capacidade de pagamento, além da situação de solvência, não se identificam contradições similares, com as emissões de ações ocorrendo na insuficiência da dívida segura.

Em linhas gerais, os resultados deste estudo corroboram a TPO, com a preferência pela quitação de dívidas em detrimento da recompra de ações, na expectativa de superávits, e maior uso de dívida segura, para maiores déficits. A emissão de ações só é significativa na expectativa de insuficiência da dívida segura, sendo também maior para maiores déficits.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi proposta, neste estudo, uma nova metodologia para testar a aderência das decisões de financiamento empresariais à TPO. Nessa metodologia, analisam-se as escolhas de financiamento considerando informações que se entende estarem disponíveis para a administração da empresa quando essas escolhas são feitas. Sob essa nova perspectiva, estimam-se os déficits (ou superávits) esperados, e essas estimativas são analisadas à luz dos fluxos financeiros observados (realizados) nas diferentes fontes de recursos, que refletem as decisões tomadas. Essa abordagem aproxima as análises do contexto de tomada de decisão das empresas e evita o uso de semi-identidades contábeis, habilitando análises mais abrangentes.

A metodologia proposta operacionaliza os conceitos de dívida segura e de folga financeira mencionados por Myers (1984Myers, S. C. (1984). The capital structure puzzle. The Journal of Finance, 39(3), 574-592.) e Myers e Majluf (1984Myers, S. C., & Majluf, N. S. (1984). Corporate financing and investment decisions when firms have information that investors do not have. Journal of Financial Economics, 13(2), 187-221.), a partir de análises de solvência, nível de endividamento (em relação ao setor) e capacidade relativa de pagamento (em relação ao setor). Partindo-se da perspectiva de tomada de decisão e dos conceitos aqui propostos, viabiliza-se a análise de diferentes políticas integradas de financiamento e cash holdings, controlando-se pelas capacidades de financiamento da empresa. Com isso, mitigam-se os principais problemas apontados por Chirinko e Singha (2000Chirinko, R. S., & Singha, A. R. (2000). Testing static tradeoff against pecking order models of capital structure: a critical comment. Journal of Financial Economics, 58(3), 417-425.) e Leary e Roberts (2010Leary, M. T., & Roberts, M. R. (2010). The pecking order, debt capacity, and information asymmetry. Journal of Financial Economics, 95(3), 332-355.) sobre os testes da TPO. Além disso, contribui-se com a aproximação da pesquisa com o mercado, ao se analisarem as expectativas de déficit sob a perspectiva do administrador e a capacidade de pagamento a partir do indicador DL/EBITDA, comumente usado na prática, mas não na literatura revisada.

A aplicação da metodologia proposta a uma amostra de empresas brasileiras apresentou resultados que corroboram a hipótese de que elas tomam suas decisões de financiamento seguindo o previsto pela TPO. Observou-se, também, que os métodos propostos oferecem um ambiente mais controlado para esse tipo de teste e podem apoiar futuros avanços na compreensão da captação e uso de recursos financeiros por empresas de capital aberto. Como limitação, pode ser apontado o fato de a amostra abranger apenas empresas brasileiras, não viabilizando eventual comparação do comportamento das empresas em diferentes países.

Entende-se que a aplicação da metodologia aqui desenvolvida a outras amostras de empresas, em especial com maior número de observações e de outros mercados, possa contribuir para com seu refinamento. Adicionalmente, sua adaptação para lidar com outros problemas, a partir dos conceitos por ela operacionalizados, pode abrir novas perspectivas para seu uso e levar a novas contribuições, em outras temáticas de finanças.

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  • FINANCIAMENTO

    Marcos Antônio de Camargos agradece o apoio recebido da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) para a realização da pesquisa.

Editado por

Editor-Chefe:

Fábio Frezatti

Editora Associada:

Andrea Maria Accioly Fonseca Minardi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2022
  • Revisado
    04 Fev 2022
  • Aceito
    03 Out 2022
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